Nebulosa escrita por Camélia Bardon


Capítulo 9
VIII — I'll be getting over you my whole life




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“‘Só dói tanto assim agora’

É o que eu estava pensando o tempo todo

Inspire, respire fundo, expire

Eu vou levar a vida toda para te superar”

(Labyrinth — Taylor Swift)

 ★

Miami, Flórida — julho de 1969

Valerie nunca ficou tão empolgada para o Quatro de Julho quanto no ano de 1969. Isso porque, após obter a permissão da mãe – com muitas promessas de que ficaria bem e que não faria nada de que fosse se arrepender depois, bem como um endereço e número de telefone para contato –, Valerie finalmente passaria uma noite inteira em Fort Lauderdale. Além de ser feriado, era um feriado prolongado, o que significava que teria de dar um jeito de ficar bonita desde sexta até o domingo. Para quem dizia para a mãe que o romance “não era nada sério”, entretanto, ela estava nervosa em excesso.

Por sorte, Veronica e seu imenso catálogo de revistas Cosmopolitan a socorreram nesse momento. Valerie lavou os cabelos, depilou todas as áreas possíveis, colocou apenas as melhores roupas na mala e permitiu que a irmã passasse hidratante em todo seu corpo (“apenas para testar uma coisa”, a mais nova justificou). Era apenas dormir ao lado de uma pessoa, mas Valerie sentia que deveria fazer com que a ocasião fosse especial. Alex era especial. Então, quando ela atravessou a cidade cantarolando suas músicas favoritas, nem mesmo o trânsito típico de um feriado arruinou seu bom humor. 

O sol brilhava a ponto de queimar no céu, portanto Valerie vestiu-se pronta para a praia: um biquíni escondido debaixo de uma saída de praia, chinelos, seu chapéu de abas largas preferido e os óculos escuros roxos de Veronica para dar sorte. E, agora, sua nova pulseira favorita. O sol e a lua unidos para deixar seu coração acelerado. Alex a aguardava com sua variação monocromática de bege encurtada a bermuda e regata, e ela sorriu ao vê-lo. Ele acenou, e ela pode notar que trazia à mão uma cesta de piquenique. Valerie animou-se instantaneamente. Fazer um piquenique na areia sempre tinha sido seu encontro dos sonhos. 

— Parece que você e eu pensamos na mesma coisa — ela gargalhou, atirando-se nos braços dele sem pudor. Alex envolveu-a pela cintura, colando seus corpos. Valerie teve de segurar o chapéu para que ele não caísse com o impacto. — Que bom te ver… 

— Que cheiro bom — ele elogiou, arrancando um suspiro aliviado dela. — Nossa, o que você passa no cabelo, hein?

— Óleo de coco! 

Então, ele enfiou o rosto por entre os cachos dela, inspirando o cheiro audivelmente. Valerie não conseguiu segurar a risada, portanto o fez ainda mais alto do que a anterior. Alguns banhistas olharam em sua direção, e ela sorriu para eles como pedido de desculpas pelo escândalo. Não perdendo tempo, entretanto, Alex desvencilhou-se dos braços dela e lhe deu um beijo de boas-vindas caprichado. As pernas dela chegaram a bambear.

— Tudo em você é maravilhoso, Valerie Bowman — Alex sussurrou, enrolando um cacho nos dedos. Valerie continuou o olhando, hipnotizada. — Qual é o seu segredo?

— Além do óleo de coco? Acho que vir te ver ajuda na minha insistência em ficar bonita!

— Bobagem. Você é bonita a todos os instantes. 

— Hum… Acho que você vai ter de ficar comigo a todos os instantes para que eu possa acreditar no que está dizendo.

As bochechas dele ficaram vermelhas. Que adorável.

— Seria mesmo maravilhoso. Então, o que acha de um piquenique?

— Uma ideia e tanto, meu bem. Vim em ritmo de praia!

Valerie rodopiou de brincadeira para exibir a roupa, e Alex acompanhou-a com o olhar atento. Com um sorriso maldoso, ele replicou:

— Sugiro que fique com a saída de praia. Não quero ter que afastar nenhum urubu hoje. 

— Muito gentil, querido, mas acho que você está exagerando — Valerie sorriu, encabulada. — Vamos indo? Estou morta de fome. 

Alex gargalhou, oferecendo a mão para ela. Era engraçado como nos primeiros encontros eles dois apenas caminhavam lado a lado. Agora, um mês e meio depois, Alex sempre tomava a iniciativa de entrelaçar as mãos às dela. Valerie apreciava esses pequenos gestos de confiança, ainda que seu coração esperasse por mais. Parando para pensar, ainda não sabia muito sobre o homem pelo qual estava se apaixonando. Outro artigo da coluna de conselhos amorosos da Cosmopolitan havia sugerido dar tempo ao tempo, então era isso o que faria. 

— Monstrinha. Trouxe sanduíches, você se importa se esse for o nosso almoço hoje?

— Imagine, eu amo hambúrguer. Você pegou com o Al?

— É! Ele me deu um cartão fidelidade porque lembrou da gente naquele dia. 

— Puxa, se eu soubesse teria dado o meu pra você. Eu tô quase ganhando um Completão... 

Alex soprou um riso, conduzindo-a pela mão até a praia. A areia quente fez cócegas em seus dedos dos pés, remetendo-lhe à lembrança da primeira vez que foi à praia. Por mais que morassem numa cidade litorânea, Valerie podia contar nos dedos quantas vezes aquele foi o destino dos passeios de família. Se fechasse os olhos, podia imaginar a cena com perfeição. O cheiro de sal, o sol escaldante, a brisa leve, a segurança de estar com alguém que amava… 

— O que é um Completão? — Alex indagou, com a testa franzida. — Isso me soa um tanto insalubre.

— Três salsichas, hambúrguer, queijo parmesão, molho barbecue, maionese com tempero secreto, tiras de bacon, milho e alface em tiras.

— Ok… Eu não sei o que é mais intimidante: o lanche ou o fato de você ter decorado todos os ingredientes.

— Eu sou uma mulher cheia de segredos — ela riu com maldade, parando num ponto da areia firme o suficiente para se sentar. Isso e com o mínimo de aglomeração possível para um feriado prolongado. — Sem querer me gabar.

Alex sorriu para ela, entregando-lhe a cesta de piquenique. Valerie ergueu-a na altura do rosto, para que ele pudesse rir enquanto arrumava tudo. Se ele não ria com frequência, o objetivo dela seria fazer isso quantas vezes fosse possível. 

 — Esse é um ambiente livre para se gabar, Valerie. Mas devo avisar que, se continuar me provocando, vou ser obrigado a cutucar todos os seus segredos. 

— Bem, essa é uma via de mão dupla. Eu conto se você também me contar os seus.

Foi apenas quando terminou de falar que Valerie teve a noção do quanto tinha sido indelicada. Não podia simplesmente deixar todos os seus pensamentos saírem. Para tentar se consertar, ela emendou:

— N-na verdade, não é nada demais. Eu já trabalhei como garçonete, quando estudava. Você ficaria impressionado. Eu decorei todo o cardápio, de cima a baixo e de trás para frente, porque não queria parecer uma novata na frente dos clientes. Pedi uma cópia do cardápio e fiquei ensaiando em casa até decorar. 

Alex olhou-a de escanteio, ainda colocando a comida sobre a toalha.

— Quanto tempo demorou?

— Dois dias. Fiz um pé de meia com as gorjetas que ganhei e adquiri uma habilidade estranha para memorizar coisas. 

Ele tirou a cesta das mãos de Valerie, mantendo os olhos azuis fixos nos dela. Engolindo em seco, Valerie quase conseguia enxergar a tensão flutuando em seus cílios. 

— Explica muito do porquê você optou por ser estenotipista.

— O quê…?

— É, você disse que estenotipistas têm um código próprio. Acho que isso exige muita memória e concentração. O que prova que suas habilidades em decorar o cardápio de uma lanchonete serviram para que você fosse uma boa estenotipista hoje. Nenhum conhecimento é inútil. Sempre pode ser reciclado.

Ela assentiu com a cabeça, permitindo-se ser acariciada na bochecha. Seus dedos eram cálidos, porque Valerie conseguiu sentir a diferença mesmo com o sol batendo em suas bochechas. Então, Alex retirou o chapéu dela por breves instantes, apenas para conseguir beijá-la com mais firmeza. Sempre que ela o beijava, o mundo parecia congelar por alguns instantes. Colocando assim, parecia até um pouco piegas, mas ter a consciência de que Alex poderia não estar ali para sempre – nada apagava de sua memória quando ele havia chamado a si mesmo de viajante— fazia com que até os momentos mais corriqueiros ganhassem uma camada de glamour. Quase como o açúcar de confeiteiro salpicado por cima de um donut. Os donuts por si só já eram perfeitos, mas o açúcar de confeiteiro era o crème de la crème que completava o glacê real. 

Reparando onde os próprios pensamentos estavam a levando, Valerie sorriu contra os lábios dele. Intrigado, Alex ergueu uma sobrancelha.

— Estou feliz — ela explicou, dando-lhe um selinho. — E com fome.

— Sorte a minha ter comida para um batalhão aqui!

Valerie riu, sentando-se primeiro. A única coisa que faltava era um guarda-sol, porém o chapéu devia bastar. Avizinhando-se ao lado dela, Alex ofereceu a ela um lanche caprichado, e Valerie sequer hesitou antes de abrir o pacote e abocanhar o almoço. Alex riu dela, porém imitou-a poucos instantes depois.

— Uma delícia — ela elogiou, com as bochechas cheias. — O lanche também.

Alex soltou uma gargalhada nervosa. Quanto a ela… 

Valerie gostava de fazer as pessoas felizes, nem que isso custasse uma provocação.

— Não exagere, Valley… 

— Não estou exagerando. Você é muito bonito. Dá gosto só de ficar olhando. Se bem que tirar uns pedaços também é bem-vindo.

— Acho que eu estraguei você — Alex sufocou um riso. Ele ainda tentava ser sério perto dela. — Mas, hum… Obrigado.

Ela o fitou. Não era possível que estivesse cometendo tantas gafes num dia. Daí, Valerie lembrou: era por isso que não manifestava suas opiniões com tanta facilidade. Normalmente, sua ignorância quanto ao mundo era exposta. Isso a constrangia, porque provava cada vez mais o ponto de sua mãe: Valerie não podia viver no mundo da ficção. Livros demais faziam com que ela perdesse a realidade como bússola. 

— Você não acha…?

Alex deu de ombros. A cada mastigada que ele dava prolongava o suspense, o que fez o coração dela palpitar de ansiedade. 

— Para ser sincero, Valerie… — ele engoliu, deixando o lanche de lado na cesta por um minuto. — Ninguém nunca olhou nos meus olhos e disse com todas as palavras. Então, eu não tenho um parâmetro para comparações. Mas, se você me perguntar se eu gosto do que vejo no espelho, a resposta é não. 

Valerie mordeu o lábio, pensativa. Ela também não se achava bonita – não quando não estava arrumada, e ainda assim com ressalvas quando o fazia –, mas não sabia se era certo comparar os sentimentos dela aos dele. Valerie sempre pensou que, por mais parecidas que fossem as experiências que duas pessoas compartilhassem, nenhuma das duas jamais seria capaz de entender a dor da outra. Não em suas particularidades. O Direito funcionava assim, e havia justamente nascido com o fato de o homem tornar-se um ser social.

— Quero dizer… Cicatrizes não são atraentes. Principalmente, não essas tão expostas quanto as que eu tenho. As pessoas desviam o olhar. É sempre… — Alex inspirou, controlando a voz embargada. — Nojo. Pena. Curiosidade. Como é que eu posso pensar em beleza se tudo que vejo é o oposto? A beleza é subjetiva, tudo bem, mas a minha é ausente. Em todo lugar que procure, ela vai ser só uma sombra. A sombra de algo que poderia ser, mas jamais teria a capacidade de ser sozinha. Quando me vejo no espelho, eu vejo só… Um corpo que, por acaso, eu tenho de habitar.

Valerie estendeu a mão para sobrepor a dele. Alex olhou-a com o tipo de olhar distante, como se olhasse através dela. Quem era ela para querer levar paz para alguém que provavelmente a enxergava como uma diversão passageira? 

Um amor de verão? Era tudo isso que Valerie seria? Porque ele jamais a permitiria chegar perto o suficiente? Porque rechaçar os elogios já era costume? Ou aquilo seria sua demonstração de confiança? 

— Se me permite opinar nesta questão… — Valerie sussurrou, atraindo a atenção dele. — Eu discordo. Acho que as pessoas são muito injustas e mesquinhas. Elas só… Só enxergam o superficial e tiram uma conclusão do que acham que sabem. Mas… Se teve uma coisa que eu aprendi trabalhando na Corte foi que… Aparências são máscaras. Máscaras que qualquer um pode enfeitar como bem entender. Não sei quanto às outras pessoas. Porém, eu acho que você é lindo. Lindo, e… A primeira coisa que eu pensei quando te vi foi algo como “o que é que esse homem bonito quer comigo? Parece suspeito”. 

Alex riu baixinho, e segurou os dedos dela com delicadeza. Valerie sentiu a paixão martelando seu coração. Se pudesse, faria com que ele acreditasse nela. Se pudesse, faria com que ele ficasse.

— Acredito em você — ele sorriu com timidez. — Obrigado.

— Que pena. Eu esperava poder convencê-lo de outras formas. Estava pronta pra não aceitar o meu argumento.

— Ah, nesse caso… Você só está dizendo isso para eu me sentir melhor. Aposto que você diz isso para todos os seus namorados. 

Valerie riu baixinho, indo terminar o lanche. Com uma espiadela na cesta de piquenique, ela descobriu mais uma pilha de doces e bebidas. Meu Deus, aquele homem era maravilhoso. Para ela, não havia melhor forma de provar a afeição do que oferecer comida. 

— Você é a primeira pessoa que me diz isso, sabia? — ele acrescentou, com a voz não passando de um murmúrio. — Prometo tentar levar a sua opinião em conta, por mais que eu não pense da mesma forma.

— Sei. Aposto que você diz isso para todas as suas namoradas. 

Alex ficou em silêncio por alguns instantes, muito interessado em seu lanche. Valerie abriu um sorriso vitorioso. Aquilo só podia significar uma coisa.

— Não vai me dizer que você nunca namorou ninguém! 

— É tão absurdo assim…? 

— Não! Absurdo não! É só que… Bom, você é tão… — ela fez um gesto que englobasse ele por inteiro. — Sabe? 

Ele riu do comentário dela, limpando a boca com um guardanapo logo em seguida. Então, sem que ela esperasse por isso, Alex ajeitou-se na toalha e apoiou a cabeça nas coxas dela. Por um minuto, Valerie ficou sem reação. Mas então, seus dedos pareceram saber exatamente o que fazer. Valerie acariciou os cabelos dele com movimentos suaves, desembaraçando os poucos nós com cuidado. Os fios loiros eram muito finos, o que deveria fazer com que o cabelo ficasse embaraçado toda hora. Por essas e outras é que Valerie só se aventurava a pentear o dela apenas molhado – e olhe lá. Às vezes era melhor não mexer com quem já estava quieto. 

— Bem, você disse que queria saber mais sobre mim… isso é algo a se levar em consideração… Mesmo antes, eu costumava já ser cara de pau, mas as mulheres não se interessavam por mim o suficiente para querer um relacionamento. Então nunca foi nada sério. 

Antes?

— Está dizendo que me considera séria, Alexander Weber? 

Ele deu de ombros, bem-humorado. Ainda assim, Valerie inflou o peito. Era algo para se orgulhar. Um amor de verão sério. Provavelmente era uma categoria nova. Ela deveria ficar feliz por inaugurá-la?

Alex fechou os olhos, ficando ainda mais adorável do que o normal.  

— Por que, você estava me considerando como não sério, Valerie Bowman? 

— Ah, deixe disso. Que doces você tem aí? 

Ele gargalhou mais uma vez, e Valerie desconfiou que aquele seria o seu potencial novo som favorito. Que coisa maravilhosa era apenas existir por um punhado de dias. Em Fort Lauderdale, todas as preocupações pareciam ser simples de serem resolvidas. Ou talvez… ou talvez o amor fizesse com que as pessoas ficassem assim, bobas. Rindo à toa. 

Fosse como fosse, Valerie não estava incomodada com essa mudança. Era bem-vinda.

 

Os dois ficaram na praia até anoitecer, para esperar pela queima dos fogos de artifício no píer. Valerie arrependeu-se da decisão depois, porque apesar de ter se munido de protetor solar, sentia a pele estalando de queimaduras. Alex não estava muito melhor do que ela, porquanto a primeira coisa que fez ao chegar ao hotel foi tomar um banho gelado. Valerie se esparramou na cama, resmungando a cada vez que precisava mudar de posição. 

— Nossa, acho que nunca mais quero pisar na praia… — Alex riu de nervoso, enxugando os cabelos molhados. — Acho que estou com assaduras onde o sol normalmente não bate…

Valerie riu contra o travesseiro, erguendo-se apenas o suficiente para a voz não ficar inaudível.

— Tem um pós-sol na minha bolsa… O problema é que ele tem cheiro de cânfora. Vai estragar o seu cheirinho de banho.

— É um sacrifício que eu estou disposto a fazer. Estou quebrado.

— Pobrezinho. Vem cá, eu passo nas suas costas. 

Alex grunhiu, deitando-se ao lado dela na cama. Valerie alcançou a bolsa preguiçosamente e mostrou-lhe o frasco.

— É rosa. E também é refrescante.

— Hum… — ele bocejou, estendendo os braços ao lado do corpo. — Por favor. 

Valerie sorriu e passou a aplicar o pós-sol nas costas dele. Alex tinha músculos firmes, ainda que discretos, mas era palpável a tensão acumulada neles. Aplicando pressão nos dedos, Valerie massageou toda a extensão da pele. Alex grunhiu, o que fez com que ela parasse a massagem.

— Doeu? 

— Um pouco… — ele balbuciou. — Mas pode continuar.

— Certo — Valerie inclinou-se para lhe dar um beijo na bochecha. Alex sorriu, uma nova expressão doce que ela ainda não tinha visto. — Se quiser dormir, eu apago a luz. Parece que vai chover. 

Ele assentiu com a cabeça, e Valerie não soube dizer se ele estava dizendo sim para a luz ou para a chuva. Só de garantia, ela desligou o interruptor, ligou o ventilador de teto e o rádio que encontrou ao explorar o quarto em mais detalhes. Alex aprovou com mais um grunhido. Valerie riu baixo, porém continuou a massagem. 

— Você fica fofo com sono. Parece um bicho-preguiça.

— Tudo que um homem mais quer ouvir, Valley.

Ela gargalhou baixo, optando por sentar-se em cima de suas panturrilhas para dar firmeza. Após alguns minutos, quando Valerie pensou que ele já estava no quinto sono, Alex soltou um suspiro. E confidenciou:

— São cicatrizes de queimaduras… 

Valerie prendeu o fôlego, surpresa. Não queria estragar o momento. Era algo importante. Ela também não queria que ele se sentisse pressionado. Portanto, permaneceu quieta e apenas emitiu um som com a garganta, indicando que tinha escutado. 

— Eu trabalhava numa fazenda… Na verdade, era na ferraria. Fazia as ferraduras dos cavalos. Trabalhava em contato direto com o forno. Uma vez, eu quis economizar o tempo e… Bem... 

— Ah… — ela interrompeu a massagem na hora. — Ainda dói? 

— Um pouco. Depende. Só é ruim para sorrir. Dizem que as pílulas de colágeno ajudam… 

Muito se explica. Ah, céus.

— Metade delas vieram de uma ferramenta pegando fogo, mas uma ou outra veio de uma briga de bar particularmente desagradável — Alex riu, virando o rosto um pouco para que pudesse ficar visível. Valerie abriu um sorriso discreto, tentando respeitar a seriedade do momento. — Levei uma garrafada bem no supercílio. Sangrou muito. 

Valerie saiu de cima de suas coxas com cuidado, pondo-se em pé. Erguendo uma sobrancelha, ela esperou até que ele fizesse uma volta completa. 

— Uma briga de bar — ela repetiu, incrédula. 

— Ah, foi… 

— Pelo menos saiu ganhando? Foi por um motivo justo? 

Alex grunhiu e virou-se apenas pela metade. Apoiou o cotovelo no colchão e a cabeça no dorso da mão, fitando-a com os olhos azuis que sempre brilhavam de malícia. Valerie sentiu-se febril na mesma hora. Não podia ser humanamente possível sentir-se assim. Qualquer coisa que ele fazia ou dizia olhando nos olhos de Valerie provocava-lhe comichões dos pés à cabeça, tirando-a tanto dos eixos que ficar sem fala já não era mais raridade. 

— Fomos expulsos e foi por algo que poderia ter sido resolvido num diálogo, se o meu amigo não tivesse provocado o cara. Quer dizer, eu era a favor do diálogo, mas na hora ninguém via quem era quem. 

— Pobrezinho — Valerie ironizou, inclinando-se para frente na intenção de lhe dar um beijo. Alex fechou os olhos antecipando o gesto, mas ela provocou-o um pouco. — Vou tomar um banho. Fica aí? 

— Eu me convidaria para ir junto, mas… Acho que vou tirar um cochilo enquanto isso… Você fez a massagem agora de propósito, não foi? 

Valerie riu, presenteando-o com um selinho longo. Alex abriu um sorriso preguiçoso, e ela não resistiu a ficar olhando por mais alguns instantes. Como ele não se achava bonito quando ela sentia vontade de olhá-lo por dias? Quantas ofensas Alexander Weber teria escutado e quantos olhares enviesados teria recebido para ter a convicção tão firme de que não passava de um monstro?

— Obrigada por me contar — ela sussurrou, abrindo um sorriso tímido. — E sinto muito por ser tão curiosa… muitas vezes, não sei quando é hora de parar e sou indelicada.

Alex negou com a cabeça, segurando a mão dela com carinho. Ao depositar um beijo ali, Valerie suspirou.

— Não diga isso… Sua curiosidade vai levá-la longe, Valley. É uma ótima característica para se cultivar.

Ela abriu um sorriso de orelha a orelha. Era a primeira vez que alguém dizia que um dos seus piores defeitos poderia também ser uma qualidade. Ainda sorrindo, Valerie girou nos calcanhares e rumou para um banho rápido para tirar o calor e o sal do corpo. Como não iria a lugar nenhum depois, vestiu apenas uma calcinha e esgueirou-se até a cama com os pés descalços. Sem um pingo de sono, ao contrário de Alex – que já estava completamente apagado e roncava baixo –, Valerie ajeitou-se na cama sem movimentos bruscos e passou os braços ao redor do corpo dele.

Um cochilo, ele disse. Foi impossível não rir disso. 

Lá fora, a chuva de verão caía. Batia contra a janela, suave, formando uma melodia de respingos e ventania. O rádio ainda estava ligado, com o som baixo, não passando de murmúrios aos seus ouvidos. Mas ali, na cama, Valerie podia se concentrar nos sons mais próximos: a própria respiração, as batidas do coração de Alex e os seus sons enquanto estava adormecido. Ao mesmo tempo que seu coração indicava estar em paz, seu cérebro dava sinais sutis de que ainda estava cumprindo a sua parte – gemidos e resmungos ocasionais, espasmos nos músculos, respirações pesadas que ressonavam na garganta. 

Valerie o amava.

Ela imaginava que o amor chegaria como um vendaval. Como o vento na janela, lá fora. Que ele seria impetuoso. Selvagem. Completamente tresloucado. Que a arrebataria do chão, a deixaria de ponta cabeça e a faria questionar tudo. Mas o amor... 

Ah, o amor era o contrário. O amor era manso. Era cheio de certezas, de firmezas e de costumes. Ao menos, era isso que sua mãe dizia. A paixão poderia ter sido, sim, avassaladora – veja bem onde chegamos! –, mas até evoluir ao amor... exigiu que Valerie conhecesse cada pedaço dele, principalmente os que ele não gostava de exibir, e notar que faziam parte de um todo. Um todo amável. 

Valerie o amava.

Ainda não tinha chegado a uma conclusão lógica do que fazer a respeito disso, mas, bem… o amor não tem pressa, tem?

Guardaria aquele sentimento apenas para si. Por tempo suficiente para decorar a orquestra dos seus silêncios. Ou tempo suficiente para que, se ele fosse embora, pudesse tê-lo em seu passado como uma lembrança doce, e não mais um o que poderia ter sido.


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Notas finais do capítulo

boatos de que a autora se destruiu com esse capítulo.
Um beijo e até o próximo ♥



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