Nebulosa escrita por Camélia Bardon


Capítulo 8
VII — I'm over the moon




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“Ela foi mais gentil comigo

Do que a maioria das garotas seria

Estou nas nuvens

E estou triste em ver isso acabar tão rápido

Oh, o que eu fiz?

Nunca me senti assim por amor

Convencido de que é tudo porque

Deve haver algo nela que você ama, não é, querido?”

(Something About Her — Stephen Sanchez)

 ★

— Por que não fazemos um programa bobo hoje?

Alex encarou-a de esguelha. Jamais imaginou caminhar de mãos dadas com alguém pela via principal de qualquer lugar, porém a sensação de fazer isso com Valerie era omnifulgente. O verão começava a tornar-se incômodo, mas Valerie não parecia notar – principalmente porque era uma nativa do estado tão quente. Trajada de um chapéu capeline verde, camisa de franjas, calças flare com estampa chevron e sapatos de salto alto, Valerie caminhava com confiança pela calçada à beira-mar. Alex tinha de dizer que a invejava.

— O que você considera como “programa bobo”? — ele indagou com um sorriso torto. — É mesmo uma pena que você não goste da praia.

— E você também não gosta! Mas você bem que gostaria de me ver de biquíni!

— São suas palavras contra as suas, querida…

Valerie gargalhou. Alex notou com o tempo que, quando ela ria, ao menos uma cabeça virava para ver de onde vinha o som. E, ao ver seu sorriso, geralmente a pessoa sorria junto. Era uma felicidade contagiante que também começava a tomar conta dele. Levi diria que aquilo era ridículo.

— Não se faça de inocente, Alexander. Eu sei bem o que se passa nessa sua cabecinha. Com programa bobo eu quero dizer... Passear na feirinha, comer sorvete, tirar fotos... Coisas que adolescentes fazem, você me entende? Eu nunca fiz isso.

Fotografias?

Não. Negativo. A primeira regra para quem não envelhece é não tirar fotografias. Fotografias são provas irrefutáveis de que alguém que sequer deveria existir está ali, são e salvo das intempéries do tempo. Alex sequer podia culpar a tecnologia por criar as fotografias, uma vez que quando nasceu elas já faziam parte do cotidiano de certas pessoas, no entanto...

Ele conseguia dizer não para Valerie?

— Não sei se sou muito fotogênico... — Alex desconversou, sentindo as bochechas corarem. — Mas acho que não tenho nada contra as feirinhas.

— Eu não mostro pra ninguém se achar que ela ficou ruim — ela falou baixinho, em seu melhor tom de quem fala sério em tom de brincadeira. — E prometo guardar ela em segurança.

Alex pensou a respeito. Ao mesmo tempo em que queria se proteger, ele não queria que Valerie ficasse magoada com a recusa de algo tão simples quanto uma foto. Ela nunca tinha feito programas bobos, e merecia se lembrar dele como um bom amor de verão… e não como um babaca que nega as pequenas felicidades do dia a dia.

— Tudo bem. Se você está prometendo, eu acredito.

— Ah, maravilha! — os olhos dela se encheram de brilho. — Obrigada! Eu prometo que você vai amar!

Então, Alex se permitiu ser guiado por sua mão por toda a calçada.

De início, ele até tentou manter a pose de quem estava tomando conta da namorada, de quem era bastante ameaçador – não que não fosse, mas era bom variar de personagem um pouco – e de quem tinha tudo sob controle, porém Valerie era imprevisível. Quando Alex pensava que ela seguiria pela via principal, ela o arrastou pelas ruelas cheias de feirinhas e comércios, oferecendo-lhe todo o tipo de produtos que alcançassem seus olhos. Alex acumulava pequenos tesouros nas mãos: o famoso cachorro-quente do Al, uma Sex on the Beach, um par de óculos de sol marrom de aro redondo (“para combinar com o resto da sua roupa”, ela explicou), uma bandana, uma pintura feita na hora custando dois dólares e um conjunto de anéis de prata. Provavelmente, ele não usaria nada daquilo, mas não custava aceitar.

E então, ele descobriu para quê ela estava tão animada. O lugar parecia o típico refúgio sagrado para adolescentes enamorados. Tratava-se de um parque de diversões itinerante, com direito até a uma roda-gigante. Alex estremeceu, arrepiado apenas pela perspectiva de ir até o topo. Valerie provavelmente sentiu o suor frio na palma de sua mão, uma vez que olhou-o de escanteio.

— Tem medo? — ela indagou num tom gentil. 

— Eu? Não, que… Que ideia. Por que eu teria medo de uma coisa que roda e fica parada lá no alto? De onde a gente pode ter plena consciência de que nossas existências são irrelevantes e que a vida é finita?

Valerie gargalhou, como ele esperava que fizesse. 

— Ah, Alex, não tem problema. Eu também não confio em mim mesma o suficiente para ir até lá em cima depois de uma bebida.

— Isso é que é engraçado: você já é extrovertida. Como você ficaria bêbada?

— Não sou não! Você quem me dá liberdade, mas… Hum… Talvez você possa aplicar a psicologia reversa. Por que, está pretendendo me embebedar, por acaso? — Valerie ergueu uma sobrancelha. 

Ele ergueu as mãos em defensiva.

— Eu jamais pensaria em fazer isso. Nem um milhão de anos. Na verdade, foi você quem veio me oferecendo Sex on the Beach. Se tivesse que catalogar alguma coisa, diria que está tentando me passar uma mensagem subliminar, Valerie Bowman. 

Valerie gargalhou de nervoso. E então Alex não teve outra opção a não ser encará-la com o olhar característico de quem pensa “te peguei”. Empurrando-o de leve com os quadris, Valerie soltou-se de sua mão para afastar os cabelos do rosto. Alex sempre ficava hipnotizado com o movimento; seus cachos caiam em cascatas sobre os ombros. 

— Enfim, eu estou falando sério — ela retomou o assunto, olhando no fundo de seus olhos. — Se não quiser, a gente só tira uma foto e vamos para casa.

Alex não podia afirmar, mas o modo como ela disse “vamos para casa”, como se fosse um local que já existisse e fosse seguro o suficiente para os dois, fez o coração dele afundar. Alex percebeu que desejava que essa fosse a realidade deles dois. Uma tarde de tempo jogado fora, caminhar na beira da praia e voltar para casa. A sua casa. Permanente.

— Ok. Como você quiser, Valerie. 

— Na verdade, a cabine tira cinco fotos. Seguidas. Sabe?

— Sei… 

— A gente tira três e pede duas cópias, uma para mim e uma para você, que tal? Você se sente psicologicamente pronto para essa tarefa árdua?

Ele assentiu, tímido. Para não desconsiderar os presentes, Alex colocou os óculos no rosto e abriu um sorriso. Valerie fazia com que ele não se sentisse tão deslocado. Não era nada difícil concordar com os seus planos, por mais que ele tivesse a impressão de que se arrependeria daquilo depois. Estava cansado de viver com medo, de viver se policiando. Merecia sentir-se humano uma vez em sua vida. 

Um casal saiu da cabine em meio a gargalhadas. Primeiro, Alex respirou fundo e ajeitou os cabelos. Depois, por mais que seu coração estivesse palpitando por conta de tantas hipóteses desastrosas, ele conduziu Valerie para dentro da cabine. Mesmo que não fizesse ideia do que tinha de fazer. 

— Programei para bater fotos de três em três segundos. Você só… Faz uma pose, aí espera três segundos e faz outra pose. Até dar cinco. Entendeu? 

— Sim, senhorita. Às suas ordens.

Valerie segurou a risada, mas acabou soltando-a quando a primeira foto foi registrada. Alex suspeitou que todas as fotos sairiam caóticas, porém não se reprimiu em nenhuma delas, até mesmo fechando os olhos ao rir. Nessa oportunidade, Valerie roubou seus óculos para brincar. Quando o quinto clique encerrou a sessão de fotos, Valerie já resfolegava. 

— Isso foi tão divertido! Vamos ver se ficaram boas!

Alex aquiesceu e acompanhou-a para fora da cabine. Engoliu em seco, como se não fossem apenas fotos a serem reveladas. Valerie recolheu as fotos e rasgou as duas cópias, de costas para ele. Após alguns segundos, Alex deu uma espiada por cima de seu ombro. Ela sorria como se visse uma obra de arte.

— Que lindas… — ela comentou, aérea. Alex repousou o queixo em seu ombro, observando-as junto. E, por incrível que pareça, o resultado não ficou nada desagradável. Claramente, Valerie era quem salvava todas as fotos, ainda assim… Ele não havia detestado o resultado. Um verdadeiro milagre. — Você… Quer ficar com a cópia?

— Quero. A segunda cópia já era minha por direito, não era?

— Sim, senhor. Toda sua, como prometido.

Valerie entregou-a com um sorriso radiante. E Alex segurou-a com cuidado, sustentando seu olhar. Ela ainda usava seus óculos escuros, o que fazia com que a pupila e a íris parecessem ter se fundido. Estranhamente, ele sentiu uma comichão nos dedos, como se aquilo fosse algum sinal. Alex jamais desejou tanto saber ler nas entrelinhas como Rosa fazia. Rosa não era tão mais velha do que ele, mas era inegável o quanto Alex era imaturo em comparação a ela. Principalmente, não conseguia lidar com relacionamentos, pelo fato de jamais ter se esforçado para sequer pensar em um. Mas Rosa já estivera em pelo menos quatro, então… Ele supunha que deveria ser fácil. 

Ou era Valerie quem tornava tudo fácil. Talvez esse fosse o sinal que tinha tanto pedido às estrelas. O sinal para abandonar de vez a vida que levava. 

Ainda assim… Havia aquela Nebulosa. A Nebulosa seria o sinal de que tudo havia mudado. Deveria arriscar perder Valerie por uma visão que podia ou não ser uma marca temporal? 

Santas Perseidas, como queria desistir de tudo.

— Alex? — ela sussurrou, parecendo alarmada. — Está tudo bem? 

— Claro… Eu só estava te olhando. 

— Ah… Meu cabelo está muito bagunçado? 

Ele negou com a cabeça, beijando-a na testa. O gesto fez com que Valerie se encolhesse um pouco, mas ele não recuou de sua posição.

— Seu cabelo é lindo, Valerie. E eu tenho a impressão de que, quanto mais bagunça, melhor ele vai ficar. 

— Essa é outra de suas sugestões dúbias, Alexander? — ela riu com maldade, chegando mais próximo a ele. Alex envolveu-a com um braço, confiante. — Se for, eu já contei três só hoje. 

— É sempre você quem acha que minhas falas são dúbias! Já ouviu aquele ditado: a maldade está nos olhos de quem vê? 

— Hum. Deixe-me adivinhar: a maldade está nos ouvidos de quem escuta? 

— Precisamente. 

Valerie deu uma risada soprada, soltando-se do abraço. Então, retirou os óculos e devolveu-os ao rosto dele. Suas mãos eram tão delicadas que Alex quase inclinou a bochecha para que ela pudesse acariciá-lo mais um pouco. 

— Mas… Eu falo sério, Valerie. Seu cabelo é muito, muito bonito. Deveria usá-lo mais vezes assim, fora do escritório… Combina com você.

Ela aquiesceu, satisfeita com o elogio. Com os olhos sorrindo, Valerie provocou:

— Você é uma má influência, Alexander Weber.

— Jamais. Eu sou um doce de candura.

— Comigo, é mesmo. 

Todas as palavras pareciam ser feitas de areia. Logo, Alex teria de virar a ampulheta. Engolindo em seco, ele se forçou a sorrir, como ela. 

— Tenho uma coisa para você, madame. Abra as mãos.

Valerie olhou-o num misto de confusão e agitação, mas fez conforme o pedido. Daí, Alex tirou do bolso da camiseta um embrulho, estrategicamente pequeno e escondido para que Valerie não reparasse que estava ali há tempos. No meio da feirinha, tinha notado em meio às bijuterias uma peça que parecia casar com o estilo dela. Tratava-se de uma pulseira com dois pingentes, uma lua e um sol. Enquanto ela se divertia esperando a pintura ficar pronta, Alex pedia-o à vendedora. Agora, repousava-o em suas mãos. Quando Valerie abriu o pacote, seu sorriso fugiu dos lábios no mesmo instante. Teria ele errado na escolha do presente e a ofendido de alguma forma?

— Eu não… Sabia se você iria gostar, m-mas… 

— É perfeito — ela abriu o fecho da pulseira, estendendo o braço para ele antes que pudesse terminar de se desculpar. — Pode colocar ela para mim?

Alex assentiu, e ajudou-a a enfeitar seu braço. Jamais poderia competir com todos os anéis e as outras pulseiras que ela usava, porém esperava que ela pudesse se lembrar de usá-la de tempos em tempos, para relembrar aquele dia.

Para se lembrar dele.

— Obrigada — ela sussurrou, olhando-o com os olhos marejados. — Esse é, provavelmente, um dos melhores dias da minha vida… Eu nem sei como agradecer.

Ele retribuiu o sorriso, sentindo a garganta contrair. Adoraria encapsular aquele momento e protegê-lo do tempo. Não sabia desde quando era sentimental daquela forma. Se continuasse assim, teria de se trancar por uma década inteira para voltar ao normal.

Normal… A quem ele queria enganar?

— Não tem de quê — Alex também abaixou o tom da voz, aproveitando a ocasião para acariciar o braço dela. Os olhos de Valerie o perscrutavam como se quisesse desnudá-lo. Alex poderia facilmente perder a cabeça apenas com aquele olhar. — Sei de um jeito que pode agradecer… Sem sugestões dúbias implícitas.

Valerie sorriu, escorregando a mão dele do braço até a sua. As faíscas crepitaram, como de costume. Porém, daquela vez, a certeza daquele gesto atingiu-o no coração como uma flechada. 

Seria a primeira vez em uma existência infindável que Alexander se apaixonaria. E nem mesmo os céus azuis de Miami, as águas límpidas e reluzentes da praia ou o brilho dos berloques da mulher ao seu lado seriam capazes de acalmar o terror que inundaria seu coração.


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Notas finais do capítulo

Quem é Levi? Quem é Rosa?
Cenas dos próximos rs

A felicidade da minha pessoa em finalmente anunciar que estou de férias!!! Estou programando os capítulos que já estão prontos e revisados (obrigada, NaNoWriMo), e até o momento posso confirmar que já tem capítulos prontos para que eu possa descansar da maratona de escrita AHAHAHAH então, não fiquem preocupados, pois não ficarão órfãos ♥



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