Nebulosa escrita por Camélia Bardon


Capítulo 2
I — So inviting, I almost jump in


Notas iniciais do capítulo

Veio muito aí o primeiro capítulo oficial (ノ◕ヮ◕)ノ*:・゚✧
Desde já, agradeço a boa recepção do anterior. Vocês são muito amáveis e sempre vou reiterar isso. Obrigada por estarem aqui ♥



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“Brilhando, cintilando

Olhos como navios afundando nas águas

Tão convidativos que eu quase pulo”

(gold rush — Taylor Swift)

 ★

Miami, Flórida — maio de 1969

 

Se Valerie soubesse que em cinquenta anos mentiria para si mesma dizendo que preferia nunca ter saído de casa naquele dia, teria se esforçado para ao menos criar um momento memorável para contar para a posterioridade. Porque a verdade é que O Dia Em Que Tudo Mudou foi tão medíocre quanto todos os outros. 

Com exceção dele, é claro.

Fosse como fosse, Valerie arrumava-se para ir a um baile como todos os sábados desde que a irmã dela, Veronica, havia completado quinze anos. Gostava de pensar em si mesma como uma chofer e guarda-costas nada convencional, mas que precisava portar-se com elegância para exibir a cliente com coerência. Então, respirou fundo e prosseguiu.

Tudo fazia parte de um ritual escrupuloso: aplicar a sombra prateada nos olhos com os dedos indicadores, de duas a três camadas de rímel, brilho labial transparente e blush cor-de-rosa ⎼ que não necessariamente combinava com os cabelos acobreados, mas que era o único que possuíam e, pelo contrato da irmandade, repartido meticulosamente ao meio. Daí, a temida escova de cabelos.

Valerie fechava os olhos e pedia silenciosamente que, por alguma intervenção divina, seus cachos escandalosos pudessem reduzir-se a fios lisos e brilhantes. Se pedisse o suficiente, alguém a ouviria. Qualquer um. Entretanto, o mais comum de se obter era desalinhar a formação dos fios, tornando-os um amontoado de nuvens alaranjadas.

Aos sábados, a fé de Valerie Bowman era renovada pela manhã e pisoteada ao anoitecer. De alguma forma, apegar-se à fé em inutilidades naqueles dias era sua tábua de salvação.

Engolindo em seco, Valerie observou pelo canto do olho a irmã passar ao seu lado com a aparência de um anjo. Como deveria ser crescer naturalmente bonita? Sem esforço? Sem intervenções? Sem hesitações?

Bem, se olhasse pelo lado positivo, fazia sentido Veronica ser o anjo e ela as nuvens alaranjadas. Juntas, formavam um belo pôr-do-sol.

— Já está pronta? — Valerie sorriu, passando uma fita ao redor do cabelo para tentar contê-lo. — Ouvi dizer que a Connie vai trazer novos discos, hoje. Você sabe que esse é um verdadeiro evento por aquelas bandas.

Veronica trocou o peso dos pés, mirando a irmã através do reflexo no espelho. Outra camada de brilho labial para a conta.

— É, claro. Posso dirigir hoje? 

De jeito maneira! Só com dezesseis, Ronnie. Se me param na rua e me prendem, a mãe morre de desgosto. 

— Não tem problema! Eu vou te visitar na cadeia! E levo cachorros-quentes do Al todos os dias! E você sabe que se a mãe morrer de desgosto, ela dá um jeito de ressuscitar só pra matar a gente por tê-la matado primeiro.

Valerie reprimiu um riso e girou a chave do carro entre os dedos repletos de anéis. A sinfonia de metais sempre arrancava um sorriso de seu rosto. Era desajeitada, como ela, mas de um jeito agradável. 

— Que mórbido.

— Tá, que seja — Veronica resmungou, acompanhando a mais velha até o Pontiac azul da família. Apesar do olhar de reprimenda da irmã, Veronica cruzou as pernas e apoiou os pés no painel. Com a classe de um gato, buscou os óculos de lentes rosadas no porta-luvas e os vestiu, fazendo os olhos azuis adquirirem um tom roxo místico. — Posso pedir outra coisa, então?

— Depende. É ilegal?

— Ai, Val, nem tudo que eu peço é crime! Se controla! 

Valerie gargalhou, ajustando o espelho retrovisor. A rua repleta de palmeiras continuava ali, assim como as casinhas do subúrbio e o senhor Gerard cuidando de seus gerânios e crisântemos e o ronco do motor ao dar a partida. 

Os pequenos rituais. Sua tábua de salvação. Não muito longe dali, garotos da idade dela estavam morrendo por desidratação e massacrando inocentes em nome da política. O mundo era um globo, e Valerie girava-o com rapidez o suficiente para que todas as linhas territoriais sumissem. Algum dia, os incêndios seriam contidos pelo Planeta Água. Ela tinha fé. Ao menos, aos sábados.

— A gente podia ir em outro lugar sem ser na Connie, hoje? Por favor?

Valerie olhou-a de esguelha.

— Tem algum lugar em mente? 

— A Laurel Goodwin me falou de um lugar na Collins, mas só permitem menores acompanhados. Mas não tem álcool. O irmão dela quem descobriu. 

— O irmão dela? — Valerie ergueu uma sobrancelha. — Ele não tá indo pra faculdade? 

— Não esquenta. A gente é só amigo. Além disso, é mais divertido flertar do que concretizar as coisas, sabia?

Valerie quase engasgou-se com o comentário dela. Ah, céus, Valerie não era nenhuma puritana, mas ouvir a irmã falar sobre garotos tão cedo era algo a se alarmar. Apesar de que aquilo ainda poderia ser um choque geracional. Às vezes, Valerie sentia-se com 54 anos, e não 24.

— Relaxe — Veronica sorriu, quase como se lesse os pensamentos da irmã. — Não sou ingênua. Sei meus limites. A mãe já falou comigo sobre isso. E o que ela não falou eu descobri lendo a Cosmopolitan. 

— Quanto menos eu pensar sobre isso, melhor. Certo, na Collins. Nós vamos com a condição de você ficar ao alcance dos meus olhos e não ficar de gracinhas com a Laurel Goodwin. Eu sei que ela gosta de dar escapadas. 

— Mas eu já disse que não sou ingênua.

Valerie sorriu para ela, no momento em que pararam no farol vermelho. Com os lábios e as sobrancelhas franzidas, Veronica estava pronta para complementar seu argumento. No entanto, Valerie continuou num tom gentil:

— Eu sei disso, Ronrom. Eu confio em você. Mas nunca duvide das habilidades de alguém que calcula tão bem as palavras ao ponto de fazer com que você acredite que o certo é errado. Algumas pessoas são assim mesmo sem terem más intenções.

Veronica desviou o olhar e retirou os pés do painel. Sua nova diversão foi segurar as franjas do vestido e passá-las por entre os dedos. 

— O afeto pode cegar suas convicções, também — Valerie concluiu, engatando a marcha. Veronica assentiu com a cabeça, junto a um suspiro. Já era um começo. — Todos os incêndios começam com uma pequena fagulha… Não se esqueça disso. Não provoque um incêndio que não pode controlar.

Com um sorriso ladino, Veronica provocou-a:

— Tá inspirada, hoje? Tá falando que nem uma velhinha.

— Mas você me ama assim! 

— Hum. Deve ser. É a única explicação pra eu continuar te suportando por tanto tempo. 

Valerie sorriu, ligando o rádio. Enquanto dirigia, seus dedos acompanharam o teclado, tamborilando as notas bases como se tivessem sido programados para isso. The Doors era o tipo de banda que só podia escutar com sorte nas rádios ou na degustação de uma loja de discos. Sua mãe ficaria decepcionada em saber que a filha que não dava trabalho era, em sigilo, uma aspirante a rebelde. 

Não era como se casar-se fosse seu maior objetivo na vida. A vida era surpreendente, é claro, porém Valerie queria antes de tudo ter a própria casa, adotar um animal, viajar… Romances eram um bônus na vida, não sua motivação ou empenho.. Além de que, apesar de frequentar os mesmos bailes que a irmã, não chamava tanta atenção de “pretendentes” quanto ela. 

Era um ponto positivo, na verdade. Em suas tardes de domingo, podia dar-se ao luxo de sentar-se no sofá e dedicar seu precioso tempo à leitura do jornal semanal e à televisão. Era seu único canal para o mundo: com o padrasto lutando no Vietnã – que grande baboseira – e milhares de protestos e assassinatos ocorrendo ao redor do país, as garotas Bowman entraram num consenso unânime de que era mais prudente ficar em casa. Quando o senhor Neil Armstrong fincou a bandeira estadunidense na Lua, Valerie e Veronica decidiram que era o momento de terem uma folga. Toda aquela violência raramente devolvia ou recusava um jovem americano e, quando o fazia, com frequência era pela metade. Àquela altura, tanto partir quanto voltar da guerra valia um baile.

— Trouxe seu documento?

— Lógico! Nunca se sabe o que pode estar em desconto hoje em dia. Além disso, se eu morrer não iria querer que me classificassem como indigente. A mãe ia morrer de desgosto.

Valerie deu uma risadinha abafada. Iria mesmo, pensou. Dando uma boa olhada na entrada do lugar, que já exibia a música abafada e uma pequena fila de verificação, Valerie separou os documentos e o dinheiro. Veronica tentava olhar por cima dos ombros dos mais altos na ponta dos pés. Quando não conseguia, ela tentava desviar para os lados, porém era segurada pelos ombros pela irmã. Valerie tinha o medo real de que, se desviasse os olhos dela por uma fração de segundos, Veronica sairia pulando por entre as pessoas para explorar o local e fosse parar em outro bairro. 

(Valerie já fizera isso, quando era pequena. “É só pegar um ônibus de volta para casa”. Bastou errar um número para ir parar em Little Havana ao invés de Little River. Fora um verdadeiro pesadelo. Por sorte, na volta ela consultou a saída dos ônibus cinco vezes e retornou com apenas o gosto da humilhação formigando na língua).

— Estou vendo a Laurel lá dentro! — Veronica exclamou com um sorriso enorme estampado no rosto. — Ah, hoje vai ser incrível, estou sentindo nos meus ossos

— Meus ossos dizem que estou ficando velha, se os seus dizem isso me sinto um pouco melhor.

Veronica deu um soco de brincadeira no braço da irmã, gargalhando de empolgação até que avançassem na fila. 

E, bem... Valerie não podia negar: estava mesmo com um bom pressentimento. Talvez não fosse um dia incrível, contudo… Sair da rota às vezes poderia trazer coisas boas à vida, não poderia?

Assim que Valerie pagou as entradas, Veronica avançou para o meio do mar de pessoas em busca da amiga. Nenhuma irmã mais nova com uma reputação a zelar iria gostar de ser vista com uma babá. Instalando-se no balcão de bebidas, Valerie pôs-se a observar.

Se não estivesse dirigindo – e se servissem álcool –, pediria uma bebida. A cabeça dela girava com os pensamentos frequentes que pareciam emergir em meio à multidão: trabalhos que teria de executar na próxima semana, a perspectiva do pai retornar para casa, tentar uma faculdade quando tivesse dinheiro o suficiente… 

Como poderia não evitar seus próprios pensamentos quando eles vinham numa enxurrada?

Todos eles sempre convergiam para uma resposta em comum: Valerie, de alguma forma, sabia que suas chances de acabar sozinha no mundo eram enormes. 

Fazia sentido. Veronica era enérgica, encontraria um modo de bater asas e libertar-se do ninho familiar em breve. Sua mãe vivia num mundo paralelo, que agora pertencia apenas ao padrasto desaparecido. Tirando essas três pessoas, Valerie não conseguia pensar em mais ninguém com quem pudesse conviver ao longo dos anos. Claro, seus colegas de trabalho eram uma companhia diária, mas… eram colegas de trabalho. Não eram seus amigos. Se colocasse todos os que conheciam na ponta do lápis, Valerie não tinha amigos. 

Não é que Valerie fosse antissocial. Muito pelo contrário; sua mãe dizia que ela tinha o riso frouxo e um lindo sorriso. É só que ela simplesmente não fazia ideia de como conversar. Gostava de escutar os outros falando, porém encontrar algo a dizer que soasse o mínimo interessante principalmente quando passava a maior parte do dia calada era um desafio. E ninguém gostava de quem só sabia sorrir e acenar com a cabeça.

Não era como se casar-se fosse seu maior objetivo na vida. Mas em alguns dias Valerie gostaria de se sentir maravilhosa. Vista e ouvida, ao invés de apenas presente em espírito. E, ao que as revistas, livros e mídias indicavam, só poderia encontrar aquilo num relacionamento romântico. 

Optando por pedir um refrigerante de uva, Valerie sorriu sem graça para o atendente quando ele abriu a garrafa com um sorriso galante. Após um gole da bebida, ela inspirou fundo. Uma balada soava tranquilamente do fonógrafo – “eles ainda chamam de fonógrafo?” — e os casais armavam-se na pista de dança, então tudo que ela pode fazer foi... 

— Eu ainda acho que tem um espião inglês obrigando todos a ouvirem Beatles o dia inteiro e em todo lugar — uma voz despertou-a do torpor do momento. — Desculpe, assustei você?

Valerie voltou-se para a origem da voz, provavelmente com uma estúpida expressão de assombro no rosto. Felizmente, o dono da voz era intimidante apenas em altura, porquanto que seu rosto era adorável. Valerie definiu-o de prontidão: adorável. Mesmo com a cicatriz funda que atravessava sua bochecha. Diferente dos garotos que Valerie observava no trabalho e nas ruas, ele não tinha cabelos exageradamente grandes e nem uma barba. E... Não usava roupas coloridas e com decote. Só usava... Marrom. Marrom monocromático. Parecia até mesmo anacrônico. A única coisa que destoava do marrom eram os cabelos loiros – dourados, melhor dizendo, com todo aquele brilho – e os olhos azuis. Azuis do tom em que o mar de Venice ficava num dia de verão ensolarado. Valerie quase se sentia tentada a pular.

— Oi? Tá... Tudo bem aí? Quer uma água...?

Ela piscou algumas vezes, saindo de seu estado catatônico. Não era do tipo que ficava secando garotos bonitos, mas toda a situação a obrigou a armar-se com a proteção de um gato arisco.

— Oi! Desculpe, eu... Estava com o pensamento distante — Valerie esclareceu, passando o polegar em um dos anéis. Diga alguma coisa, não seja estranha! — Você tem algo contra os Beatles?

Então, ele ergueu uma sobrancelha – grossa e, que Deus a ajudasse, tão caprichosa que reduzia a dela para completamente desleixada – e riu, jogando os cabelos para trás com o auxílio da ponta dos dedos. Valerie simplesmente não conseguia parar de olhá-lo. Deveria desviar o olhar. O código de etiqueta sempre dizia que não era educado encarar.

— Eu? Nada contra! — ele deu de ombros, encostando-se ao balcão. Valerie pode sentir os pelos dos braços se eriçando. — É que tudo que é demais cansa. 

— Então você deve escutar só as músicas das rádios. Se escutasse os discos inteiros, veria que as melhores estão escondidas. Pode se surpreender com o garimpo!

— Isso é verdade. Mas, ainda assim, é irritante.

Valerie riu, acompanhando-o com o olhar enquanto o desconhecido também escolheu um refrigerante de uva. O barman, estranhamente, não serviu-o com um sorriso galante. Sentando-se ao lado de Valerie, o loiro comentou:

 — Mais um pouco e teríamos que pedir um guardanapo para limpar a baba daquele sujeito.

Daí, o entendimento caiu sobre os ombros dela, pesando no coração. Ele só queria bancar o cavalheiro. Salvá-la de uma situação incômoda. Não queria conversar com ela. É claro que deveria ser aquilo, em que é que Valerie estava pensando? 

— Ah, é. Obrigada — murmurou. 

— Ah, não! Por favor, eu não quis… — ele gaguejou, piscando os olhos azuis diversas vezes. — Não quis insinuar que… Sinto muito. 

— O quê?

— Não quis insinuar que precisasse de ajuda. Você estava se virando muito bem sozinha, eu só… Achei que fosse ser oportuno ao invés de chegar e só… Sair falando. É estranho. Sair falando. Ou ficar quieto. 

— Ah — ela mordeu o lábio, encarando o refrigerante. — Entendi. 

— Isso foi estranho, não foi? Pior do que sair falando ou ficar quieto? 

— Um pouco… 

O estranho riu, sem graça. Valerie sentia-se como uma adolescente mais uma vez. Era como se todo o vocabulário fugisse de seus lábios. Sempre conseguia estragar tudo. Incrível

— Está esperando alguém…?

— Não estou — ela sorriu de lado, apontando o local com a cabeça. — Acompanhando minha irmã. 

— Está de babá, então. 

— É. 

— Explica o refrigerante de uva. 

— E você? — ela replicou. — Esperando alguém ou está de babá? 

— Ah, eu estava esperando alguém, nada de muito importante. Levei um bolo e agora vou afogar minhas mágoas com refrigerante de uva. Quer fazer um brinde?

Valerie deixou escapar o riso. Uma gargalhada genuína, como as que costumava compartilhar com Veronica. Então o estranho tinha senso de humor! Decidindo jogar o mesmo jogo, Valerie girou o banco até ficar de frente para ele, ergueu a garrafa e permitiu que ele chocasse um vidro contra o outro. O segundo primeiro gole da bebida veio junto a um sorriso discreto. 

— Alexander — ele concedeu, também sorrindo. — E eu gosto de Beatles. Eu juro. 

— Valerie! E pelo menos não está tocando The Monkees. 

— Como assim? O que eles fizeram de tão ruim?

O quê? Você perdeu a febre de Valleri do ano retrasado? — descartando a timidez, ela limpou a garganta e fez sua melhor imitação de voz masculina anasalada: — I call her Valleri, I love my Valleri, não?!

O pior aconteceu. Ele riu tão repentinamente que o refrigerante saiu pelas suas narinas. Apressando-se em apaziguar o momento, Valerie gargalhou:

— Depois do inferno que foi ter todo mundo cantando isso pra mim, eu tenho compaixão por todas as garotas que recebem nome de música! 

— Ai… — Alexander resgatou um guardanapo para enxugar seu nariz comprometido. A voz era rouca, após o engasgo. — Essa foi boa… Quem é a da vez?

— Acho que... Mary. Difícil dizer, tem sempre uma!

— Merece mesmo a compaixão. Vou reiterar o meu brinde, se não se importar.

— Sinta-se à vontade!

— Às mulheres com nome de música, então!

Valerie tentou disfarçar o sorriso que começava a crescer no canto dos lábios, sem sucesso. A voz de sua mãe dizendo para não cair no papo do primeiro que lhe desse alguma atenção sussurrou em sua consciência, mas Valerie preferiu deixar o conselho dela ser aplicado a marmanjos bajuladores. Aquele era diferente. Descontraído. Ele havia acabado de espirrar refrigerante pelo nariz, pelo amor de Deus!

— Eu... Confesso que não sou muito especialista em música — ele recomeçou, encolhendo os ombros. Aquele riso todo tinha que se apagar, alguma hora. — Por isso é... Irritante só ouvir Beatles. Eu queria conhecer mais para saber do que todo mundo sabe.

Ela assentiu com a cabeça, pensativa. 

— A esperança é a última que morre… Pode ficar aqui comigo, escutando o que é que tem. Quer dizer, o seu… Encontro pode estar só atrasado. 

— Ah, dane-se aquele bolo — ele sorriu. — Não me importo de ficar aqui. Deve ser chato ficar de babá. 

— Eu também não me importo em ficar de babá dela… Ela é a minha melhor amiga. 

— Que graça. Qual o nome dela? 

— Veronica! 

— E tem alguma música com Veronica no meio?

Ela gargalhou, finalizando o refrigerante com satisfação renovada.

— Até onde eu sei, não! Mas, quer dizer, ainda há tempo para alguém compor!

— Que sortuda! — ele retribuiu o riso. Valerie notou que ele tinha caninos afiados. Quando sorria, parecia estar um tanto faminto. — O quão determinada você está para vigiar sua irmã, Valerie? 

Valerie sentiu as pontas dos dedos comichar. Algo na forma como ele pronunciava seu nome fazia com que ela quisesse implorar para que o resto do mundo fizesse silêncio. Para que ela pudesse escutá-lo repetir vez após vez. Valerie, Valerie, Valerie. E o que mais viesse depois.

As bochechas enrubesceram quando ela negou com a cabeça. Desde quando tinha pensamentos assim?

— Acho que ela está bem… É uma boa menina — Valerie sorriu, sentindo os lábios trêmulos. 

— Entendi. Se eu te chamasse para me fazer companhia na pista, acha que ela iria levar numa boa? 

Valerie sentiu-se subitamente mais ousada. Não mais desleixada ou viciada em trabalho. Até mesmo a preocupação com o pai esvaiu-se no momento, dando lugar a um coração acelerado e algo novo correndo em suas veias. Deixando a garrafa vazia sobre o balcão, Valerie pôs-se em pé com toda a calma do mundo.

— Acho que ela te faria uma ou duas ameaças de morte, mas nada muito preocupante.

— Bom saber! E você, se eu te chamasse para me fazer companhia na pista? Levaria numa boa?

— Não tem medo de que eu te dê um bolo? — ela ergueu uma sobrancelha com uma expressão divertida. 

Alex deu de ombros, oferecendo a mão para ela. Valerie aceitou-a com um sorriso contido. Não queria parecer uma desesperada, mas talvez estivesse começando a entender um pouco do desejo que Veronica havia se referido antes... 

— Na pior das hipóteses, só vou ter que ouvir Beatles de novo… 

Valerie gargalhou, permitindo-se ser rodopiada até a pista. Pela primeira vez, estar no meio de uma multidão, não foi incômodo.


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Notas finais do capítulo

Alex é o maior hater de Beatles que temos aqui xD
Quais as expectativas de vocês? Será que esse casal vinga? Contem pra mim ♥
Um beijo e até a próxima terça!



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