Pianista Diferente escrita por Metal_Will


Capítulo 6
Família e Reconciliação




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—Veridiana - repetiu a mulher, de fato, muito parecida com Viridian, mas com um gosto para roupas bem diferente (se bem que se ela tivesse chegado um pouco antes de Viridian se trocar, as duas estariam com vestidos elegantes).

—M-mãe? - gaguejou ela - O que você tá fazendo aqui?

—Eu é que devia perguntar! - falou ela - Vi todo o rebuliço na mídia. Você decidiu voltar a tocar piano?

—Nunca deixei de tocar - respondeu Viridian - Treino no teclado todo dia. Só que treino no meu ritmo.

—Um teclado? Você trocou o belo piano que tínhamos em casa para ficar tocando um teclado simples? - disse a mulher, em tom de desprezo.

—Melhor isso do que ser obrigada a tocar contra a minha vontade - reclamou Viridian.

—Ingrata como sempre - reclamou a mãe dela - Fugir de casa para virar…aquilo! Mas pelo menos decidiu fazer a coisa certa agora. Fico feliz em saber que voltou para o piano.

—Epa, epa, calma aí - disse a funkeira - Eu nunca disse que voltei a tocar piano como profissão. Só estou nessa porque quero ajudar esse menino.

Ela finalmente notou minha presença. Acenei simpaticamente, mas ela não demonstrou nenhum sorriso.

—Esse garoto é…

—Antes que você pergunte, não, não é meu namorado - falou ela - É só um amigo.

—B-Boa tarde - estendi a mão para cumprimentá-la - Meu nome é Ricardo.

—Sou Rute - disse ela - Prazer em conhecê-lo.

—Ele precisa do dinheiro do concurso para ajudar a família - explicou Viridian - Por isso resolvi entrar na competição para ajudar. Só isso.

—É mesmo um talento desperdiçado - reclamou Rute - Vim para cá na esperança de você ter finalmente criado algum juízo nessa cabeça, mas, pelo jeito, perdi meu tempo.

—Não adianta - disse Viridian - Estou muito bem na minha carreira como cantora.

—Cantora? Você tem coragem de chamar aquilo que você canta de música?

—Estou me sustentando muito bem com essa coisa que você nem acha que é música - retrucou Viridian - Por acaso eu pedi dinheiro para você esse tempo todo que estive fora? Não, né?

—Não - respondeu Rute - Mas o dinheiro que você usou para viajar e se hospedar aqui…veio da nossa família.

—Bom, se é assim…passa seu Pix que eu faço uma transferência agora mesmo para devolver - retrucou Viridian - Melhor, faço questão de devolver todo o dinheiro que você gastou comigo esses anos todos. Assim ficamos quites, que tal?

—Não preciso de nada disso - reclamou a mãe - Eu só queria ter uma filha com um mínimo de bom senso. Só isso.

—E eu só queria ter uma mãe que respeitasse meu ritmo - falou Viridian, quase chorando - Eu sou uma pessoa, não uma máquina de tocar piano.


      -Tem ideia de quanta gente gostaria de ter o seu talento? - rebateu a mãe - E você desperdiça tudo para cantar e dançar essas…essas grosserias. Tem ideia da vergonha que passei quando descobriram seu novo “trabalho”?

Rute fez questão de fazer sinal de aspas com as mãos para enfatizar o quanto desprezava a escolha profissional da filha.

—Sempre ligando para o que os outros pensam - retrucou Viridian - Nisso nós somos bem diferentes.

—É, dá para ver que você não liga nada para a sua imagem - rebateu Rute.

—Escuta aqui, não vou ouvir nada disso! - esbravejou a funkeira - Se era isso que você queria saber, não, não vou voltar a ser pianista profissional. Ou você aceita isso, ou me esquece! Saco!

Viridian apenas saiu furiosa, virando as costas para a mãe e deixando ela falando sozinha.

—Veridiana! Veridiana, volta aqui! - gritou a mãe.

Mas a garota apenas ignorou. A mãe estava furiosa, mas também parecia chateada, considerando as lágrimas que estavam saindo do seu rosto.

—Senhora? - falei, chegando perto dela com muito cuidado - A senhora…está bem?

—Desculpe, desculpe por essa cena toda - disse ela, agora sendo bem mais educada - Eu…eu não sei onde errei com essa menina. Você é amigo dela?

—S-Sim. Apesar de não nos conhecermos há muito tempo - comentei - Comecei a trabalhar de auxiliar geral para ela e depois que comentei sobre esse concurso, ela acabou entrando e decidiu me ajudar.


       Rute deu um sorriso.

—Difícil de acreditar, né? - falei.

—Não, não é - respondeu ela - Veridiana sempre teve um bom coração. Sempre gostou de ajudar os outros, sempre amou crianças e animais. Não tenho o que reclamar disso, mas…mas ela não pensa no futuro, não pensa na imagem que passa para os outros. Simplesmente faz o que quer e pronto.

—Bem, pelo pouco que convivo com ela, já consigo dizer que ela tem um bom coração - falei sorrindo.

—Posso te pagar um café? - ela perguntou - Queria ouvir mais sobre a vida da minha filha aqui.

—Bom, acho que a Viridian já foi embora mesmo. Por mim tudo bem.

—Viridian - repetiu ela - Até o nome ela quis mudar…

—É só um nome artístico - expliquei - Mas, com todo o respeito, acho que combina mais com ela do que o nome original.

—Quis homenagear a minha avó - disse Rute - Ela também se chamava Veridiana. Mas admito que é bem nome de velha mesmo.

Nós dois rimos levemente. Vendo agora, não parecia uma mãe tão terrível. Alguns minutos depois, estávamos no café do teatro. Ela comprou dois cappuccinos, deu um gole em um deles e perguntou:

—Você acompanha a música da Ve…da Viridian?

—Olha, para dizer a verdade, eu não gosto muito desse estilo. Sempre convivi com música clássica desde criança. Eu toco violino.


       -Maravilhoso - disse Rute, com um sorriso - Você parece esforçado.

—Eu conheci a Viridian meio que por acidente - continuei explicando - Precisava de um emprego e surgiu um vaga de auxiliar dela. Só que, sendo sincero, nunca me interessei por funk ou coisa parecida.

—Eu realmente não sei o que levou minha filha a fazer isso com a vida dela - lamentou Rute - Como uma garota tão talentosa pode se rebaixar tanto?

—Se me permite dizer, dona Rute…

—Pode me chamar só de Rute.

—Bem, Rute. Err…eu também tinha uma visão bem diferente da Viridian no começo, mas não diria que isso é se rebaixar.

—Ela dança e canta com roupas minúsculas e mostra o corpo sem pudor nenhum. Como não?

—Bem, isso é comum com artistas desse ramo, mas…apesar de tudo, ela nunca perdeu a essência. Quando ela disse que tocava todos os dias no teclado, estava falando sério. Ela nunca abandonou o amor pelo piano, só que o amor precisa ser livre.

—É isso que ela queria. Liberdade. Liberdade para se exibir daquele jeito.

—Não, não - corrigi imediatamente - Viridian só queria ser livre para viver mais experiências. Com todo o respeito, Rute, mas você deixou a Viridian presa por tantos anos que, na oportunidade de escapar, ela literalmente se jogou no mundo.

—Ai, nem me fale. Não me fala. Não quero nem imaginar tudo que essa menina aprontou sozinha aqui nessa cidade.


      -Seja como for, você…não acha que pegou muito pesado com ela? Sim, ela é muito talentosa. Nunca ouvi uma pianista que toque tão bem quanto ela. Só que…os filhos nem sempre são aquilo que os pais desejam que eles sejam. Falo isso por experiência própria.

—Como assim, “experiência própria”? - perguntou ela.

—Bem, meus pais queriam que eu gostasse de meninas e…

—Ah, tá, já entendi. Não precisa continuar - disse Rute - Sabe. É que, quando ouvi a Veridiana tocando piano pela primeira vez, aquele talento, aquela leveza dos dedos passando pelas teclas, eu sinceramente achei que estava diante de uma reencarnação do Mozart. Meu sonho era vê-la como a maior pianista do mundo.

—Disse bem - interrompi - O seu sonho, mas qual era o sonho da Viridian?

Rute sorriu ternamente.

—Tem razão - disse Rute - Você tem toda razão. Eu nunca parei para ouvir qual era o sonho da minha filha, só pensei no meu sonho. Projetei o meu sonho nela. Esse foi o meu erro. Pena que…agora é tarde demais.

—Não, não é - falei, segurando nas mãos dela - Ainda dá para ajeitar isso.

Como? Peguei a Rute e fomos juntos para o estúdio de Viridian. Estava na hora daquelas duas terem uma nova conversa.

—Viridian - falou César - Parece que tem uma surpresa para você.

—Ai, o que foi? - disse Viridian, saindo do banheiro com a escova de dente na boca - Vai dizer que a vaca da Mirella marcou show no mesmo dia e lugar que eu de novo?


     -Não, não, é que o Ricardo tocou o interfone e disse que está com a sua mãe aí - explicou ele.

—Ah, sério? - retrucou ela - Eu não quero falar com essa mulher. Ela nem me considera mais filha dela!

—Não é isso que o Ricardo disse - falou César - Parece que ela está disposta a conversar. Vai mesmo fugir?

Viridian parou, pensou um pouco, deu um suspiro e aceitou.

—Tá, tá. Manda ela entrar.

A garota não estava de bom humor, mas aceitou. Rute entrou no estúdio, viu toda a bagunça, mas evitou fazer qualquer comentário julgador.

—Veio me dar mais lição de moral? - falou Viridian, irritada.

—Não - respondeu Rute, depois de fechar os olhos e respirar fundo - Eu vim…vim pedir desculpas.

Viridian mudou sua expressão de raiva para surpresa.

—Desculpas?

—Desculpa, filha. Perdão, é isso - continuou Rute - Eu…eu nunca parei para ouvir o que você queria, só te mandei fazer o que eu queria. Nunca parei para perguntar se tocar piano era o que você queria fazer da vida e quando você fugiu, eu fiquei decepcionada porque o meu sonho foi por água abaixo, mas o meu sonho não é o seu sonho, como seu amigo disse.

—Você disse isso, Ricardo? - perguntou ela.

—Foi o que eu concluí da história toda - falei.

—É, era exatamente isso - disse Viridian - Eu nunca senti que era o meu sonho, sempre era tudo para você, só para você. Eu nunca pensei que pudesse fazer outra coisa.

—Por isso que vim pedir desculpas - continuou Rute - Agora eu entendo que você é você e eu sou eu. Nem sempre os filhos se tornam aquilo que os pais desejam. Essa é uma verdade da vida.

—Sim - concordou Viridian - Essa sou eu. Claro que eu amo piano, mãe, mas também adoro a emoção de dançar e cantar nas festas e nos bailes. Toda aquela agitação, aquela adrenalina, os meninos gatinhos…ah, deixa essa parte pra lá.

As duas riram.

—Então, se você está feliz, não sou eu que vai impedir isso - disse ela - Siga o seu sonho.

—Isso quer dizer…que ainda sou sua filha? - perguntou Viridian.

—Claro que é - disse ela, abraçando Viridian bem forte. As duas não conseguiram segurar as lágrimas.

—Entrou um cisco no meu olho - comentou César.

—Claro que entrou - falei, sorrindo, mas também comovido com a reconciliação da mãe da filha. Nada como uma família fazendo as pazes.

—Só… - disse Rute.

—Sim? - perguntou Viridian.

—Só lembra sempre de usar preservativo, por favor - disse a mãe - Sou muito jovem para ser avó, você sabe.

—Ai, é claro - disse Viridian, rindo em meio às lágrimas.

Nada como um final feliz, mas…espera, quem disse que acabou? Não, claro que não. Ainda tinha a final do concurso. Viridian foi classificada, como já esperávamos, mas era certeza que Pandora, sua rival, estaria pronta com uma apresentação mais do que espetacular. Não tinha como abaixar a guarda agora. E Viridian sabia disso. Ela estava com tanta vontade de vencer que não descansaria enquanto não derrotasse Pandora totalmente na final.

—Então, vocês fecharam a agenda até o final do concurso? - perguntei quando César me ligou naquela semana para avisar que não teria trabalho até o dia da final.

—Sim - disse ele - A Viridian vai usar esse tempo todo para praticar no teclado a música da apresentação.

—Então, ela está se esforçando mesmo?

—Pode ficar tranquilo - falou César - Se no improviso ela manda bem, depois de treinar é certeza que essa garota leva o primeiro lugar!

Espero que ele esteja certo…


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo é o último. Bora lá! :)



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