O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 44
∾ Diga que não vai ultrapassar o limite e continue beirando o precipício.


Notas iniciais do capítulo

Eu gostaria de pedir mil perdões pela demora. Esses últimos dias estive atarefada com um possível estágio. Se tudo der certo, vou conseguir juntar uma grana e, quem sabe assim, transformar essa história em um livro.

Mas bem, estamos de volta. E mais uma vez as coisas querem tomar rumos precipitados.



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Na primeira buzina, Nirav ignorou. Na segunda, olhou pelo retrovisor interno e bufou, perdendo a paciência. Na terceira, chegou a colocar a cabeça para fora da janela, porém, desistiu de xingar o carro atrás. Preferiu aumentar o rádio, dando ouvidos à música antiga e enjoada, tentando não perder a cabeça. 

Soltou um suspiro sonoro. Os benditos feriados, pensou ao tamborilar os dedos no volante no ritmo da música. Era quando a cidade quase transbordava, o trânsito estagnava e as ruas pipocavam, graças ao turismo apelativo. Parecia quase uma cidade grande da capital. E embora não fosse tão comum, ainda era o suficiente para eliminar a sensação pacífica de uma cidade pequena e pacata. 

Não bastasse o dia estressante no trabalho, tendo de lidar com a constante incompetência daqueles que não querem trabalhar, seguida da arrogância de outros que querem fazer o seu trabalho, Nirav precisava aturar o ritmo lento, quase paralisado, de um trânsito fomentado por outras pessoas estressadas. E as buzinadas prosseguiram, ecoando por sua cabeça e chacoalhando seu crânio. Em pouco tempo, o som do rádio era um mero ruído incompreensível, que mais agregava a uma poluição sonora do que agradava. 

— O que acham que estão fazendo? — reclamou, desligando o rádio com certa impaciência. — Essas buzinas não vão fazer os carros saírem voando.

O estresse trouxe a vontade de fumar em sua boca. Apalpou os bolsos da calça jeans e depois o bolso único da camisa social sem encontrar nada além de algumas moedas. Remexendo o porta-luvas, encontrou um antigo batom de Alice, que sequer devia se lembrar que existia. Encontrou um par de luvas e até um isqueiro, mas nada de um cigarro sequer. Apostaria caro na possibilidade de seu pai tê-los furtado todos. Bufando irritado, acabou por desistir.

Deveria ter previsto um dia como aquele. Já sabia que se tratava da véspera de feriado e que a cidade ficaria impossível. Deveria ter deixado o carro em casa, assim não teria se atrasado mais de trinta minutos para chegar no serviço e escutado a ladainha interminável de seu chefe. Também não levaria tanto tempo para chegar em casa. No entanto, a espreita de uma chuva o deixou apreensivo, fazendo-o recorrer para o veículo. Se tivesse se preocupado em comprar outro guarda-chuva, refletiu com o gosto amargo do arrependimento, não estaria preso naquele inferno. 

E não estava chovendo. Na verdade, o sol brilhou forte a maior parte do dia, esquentando o clima assim como torrava a paciência das pessoas. Somente agora, com a tarde desvanecendo e o céu escurecendo, uma fresca brisa adentrava pela janela do carro para antecipar a chuva. O único alento que recebeu durante todo o dia. Acomodando-se no banco da melhor forma possível, abriu também a janela do passageiro, só para deixar a brisa entrar. 

Por um momento, sentindo o sopro da tarde brincar com seus cachos, conseguiu esquecer de todo o resto ao seu redor. Com os olhos fixos no céu, admirou o tênue degradê de cores que se misturavam lentamente, transformando-se de laranja em rosa a púrpura. O sol se punha do outro lado e, aos poucos, o mundo ficou um pouco mais escuro. No fundo, bem distante, um relâmpago brilhou no céu, revelando o multicolorido que as nuvens começavam a cobrir. O clarão que brilhava no céu o recordava do brilho colorido de certos olhos castanhos. 

Era como estar sob uma chuva de verão. Chegava sem avisar, de lugar nenhum e todo lugar ao mesmo tempo. Começava tão enfurecida, cheia de raios, trovões, e deixava o céu obscuro e desprovido de cores para segundos depois trazer a calmaria, evaporar o calor e fazer o sol brilhar uma vez mais. E como uma chuva de verão, no entanto, continuava a espreitar, sem promessas, apenas a suspeita de uma torrente seguinte, sempre imprevisível.  

Ela como a chuva que costumava estar tão distante, de repente, aparecia sem aviso prévio. Vinha de lugar nenhum e ocupava todo o lugar só para desaparecer sem rastros logo em seguida. Em um momento, era o seu maior tormento e, no outro seguinte, era a sua calmaria. O seu problema e a sua solução. 

Há algum tempo atrás, teria amaldiçoado essa sensação de descontrole que ela trazia consigo. Agora, no entanto, percebia quanta falta sentia do fator imprevisível que tinha. Perguntava a si mesmo quando seria a próxima vez em que ela surgiria do nada em sua porta, no meio de uma noite, só para roubar seu tempo. 

E o casaco

Era tão previsível quanto ridículo. Claro que esquecera o casaco com ela, que outra desculpa melhor teria? A ideia fazia-o retornar à tenra idade, quando desafios eram dispostos sem se pensar nas consequências. E sem perceber, jogavam um jogo antigo que continuou entranhado disfarçado de velhos hábitos. 

Quando a buzina soou, longa e estridente, o caminho à sua frente estava finalmente livre. Deu por si virando uma curva fechada e arriscada, ignorando o cruzamento. Poderia receber uma multa por sua inconsequência. Se estivesse seguindo o caminho de casa, não correria tal risco. Entretanto, tudo o que recebeu foi mais uma longa buzinada. 

— Bem, agora você tem motivo para usar essa maldita buzina. — disse para ninguém em particular e atravessou para o outro lado da cidade. 

O repentino surto de inconsequência rebateu com força, fazendo-o quase parar na curva seguinte. Questionou a si mesmo o que estava pretendendo fazer. Era só uma peça de roupa e havia várias outras em seu guarda-roupa, se é o que o preocupava. Estava tendo um dia difícil e procurando uma alternativa para fugir dele, e tudo bem quanto a isso. No entanto, seria Juno a alternativa correta? Questionar isso o fez hesitar. Era pelo moletom ou pela necessidade descabida? Não sabia responder, ou não queria saber a resposta, e quando voltou a dar partida, continuou seguindo o mesmo caminho de antes, fingindo não saber onde daria. 

Encontrou o caminho com a mesma facilidade que encontraria um ponto preto em uma folha branca. Quantas outras vezes o fizera, por diversos outros motivos, que nunca levaram a nada, senão a tragédia. Ali estava, mais uma vez, perguntando se estaria metendo os pés pelas mãos de novo, como sempre costumou fazer quando traçava aquele caminho tão conhecido. E apesar disso, não pensou em tomar a próxima rua quando a velha casa apareceu diante de seus olhos. Ainda com a incerteza, parou o carro. E com incerteza caminhou até a porta, perguntando-se a mesma pergunta a cada passo: o que estou fazendo aqui?

 Quando bateu os nós dos dedos na porta, encontrou-a entreaberta. Abriu-se um pouco, revelando a abertura para dentro da sala. Escutou o som alto de uma música que tocava no interior. Ainda assim, não ousou entrar. Tentou bater mais uma e outra vez, sem obter nenhuma resposta, provavelmente por conta do som. Então, decidiu gritar pelo nome dela. Chamou Juno e, de imediato, ela respondeu: 

— Está aberto, tia! — sua voz era um ruído distante perdido entre a letra nacional da música. 

Nirav franziu o cenho, divertindo-se com o engano. Esquecendo a porta aberta, deu os primeiros passos sorrateiros para dentro. Não anunciou sua chegada, que ela continuasse pensando ser a tia. Ela não era a única a fazer surpresas e aparecer como quem nada quer na sua porta. Ele também tinha seus truques e suas armadilhas. 

Mas quando entrou na casa, quase se perdeu. Por um instante, o mundo resumiu-se a um cômodo com paredes cor de creme, um sofá cama velho, uma mesa de centro desbotada e uma televisão em um painel. Tinha tido o capricho de esquecer quem havia morado naquela casa antes e, agora, as lembranças lhe arrebatavam força. Encontrou-se parado, no meio da sala, com os lábios entreabertos e a respiração intercalada enquanto os olhos pareciam incapazes de piscar. Quase foi capaz de ouvir a voz de Leo, vindo do corredor que levava para o seu quarto. “Já vou”, ele costumava gritar e saía correndo ajeitando os cabelos com as mãos. Entretanto, a única voz que ouviu foi a que o tirou do transe. Do outro lado da casa, Juno cantava junto com a música, despreocupada. Aquilo o fez sorrir. 

Seguindo o som que se tornava cada vez mais alto, foi encontrá-la na cozinha. E deparou-se com a cena que fez de seu coração uma bagunça. Se pudesse decidir, não saberia escolher entre pulsar mais forte e rápido ou se deveria simplesmente parar de bater. 

Juno usava uma roupa velha, um short laranja e uma blusa de alça estampada de pequenas margaridas. Os cabelos úmidos do banho presos por uma presilha improvisada, afrouxando a cada movimento, com diversas mechas castanhas derramadas por sua nuca. Os pés descalços deslizavam contra o chão, seguindo o ritmo da música, sem fazer som algum contra o piso. Juno dançava. Enquanto arrumava a pia, lavando uma louça ou outra, seu corpo respondia ao ritmo da música como se fosse parte da melodia. Os ombros eram ágeis e sensuais, os quadris desenhavam círculos e as longas pernas equilibravam seu peso a cada passo. Ela era toda graciosa. E quando balançava os cabelos, fazia-o sentir como se todo o ar tivesse desaparecido. 

Hipnotizado, Nirav deixou que o resto do mundo desaparecesse e apenas ela existisse. Não soube por quanto tempo a observou, poderia tê-lo feito pelo resto da noite se pudesse. E seria incapaz de piscar, temendo perder qualquer detalhe daquela cena. Qualquer resquício do dia estressante que tivera desapareceu, dissipando em um instante, como se nunca tivesse existido. 

Uma sensação engraçada o atingiu. Ali, na soleira da porta, vendo Juno estalar os dedos ao cantar com uma voz esganiçada enquanto balançava os cabelos, tentou imaginar Alice em seu lugar. Logo que acabasse de chegar em casa, ansiando por aquele refúgio, lá estaria ela, intacta aos estresses do cotidiano, dançando como se não houvesse mais nada no mundo que ousasse fazer. Ele teria se aproximado até tomá-la nos braços, então dançaria com ela, só para ouvir seu riso e esquecer de tudo, que não fosse ela e apenas ela. Mas então não seria Alice. Seria Juno.

Ele pigarreou. 

Tia? — chamou sua atenção. 

O susto foi inevitável. O salto que Juno deu só não foi mais alto do que o grito que escapou de sua boca. E o copo que tinha na mão rodopiou até espatifar-se no chão em centenas de cacos. 

— Nossa, me desculpe, eu não queria te assustar! — ele adiantou-se após a tragédia, indo socorrê-la com preocupação. Tomou as mãos dela nas suas, vendo se estava cortada. — Você está bem? 

Juno respirou fundo, apoiando o corpo contra a pia úmida. 

— Se eu não infartei agora, não infarto nunca mais. — ela soltou as mãos, levando-as até o peito. Ele riu, amparando-a com os braços. 

— Desculpe, a porta estava aberta e você me mandou entrar. 

— Eu achei que era a minha tia! 

Nirav deu de ombros. 

— Surpresa! — brincou, ajudando-a a recompor a postura. — Desculpe, eu deveria ter dito quem era. 

— Ah, como se eu fosse escutar. — ela abanou as mãos e acenou em direção a música, que tratou de desligar. — Está tudo bem, você só está me devendo um copo. Minha nossa, fiz uma bagunça. Espera só um segundo e eu... 

Ele a interrompeu, puxando-a para longe do copo quebrado. Juno soltou uma exclamação, quase perdendo o equilíbrio. Precisou segurar sua camiseta para não ir de encontro ao chão. Risadas ecoaram pela cozinha. 

— Você está descalça. — avisou, apontando para o chão. — Nem pense nisso. Eu arrumo. 

— Não se preocupe, eu dou conta. 

— E acabar se cortando? — ele a afastou com cuidado, já adiantando-se para se agachar. — Além do mais, a culpa foi minha por ter assustado você. 

— Pode acreditar que vou cobrar por esse copo, inclusive. — advertiu-o com a ponta do dedo. 

Nirav riu, juntando os cacos com a ponta dos dedos. Juno deu-se por vencida e se afastou, andando na ponta dos pés em pequenos saltinhos. Parecia uma garotinha se divertindo com a situação. 

— Então — ela cruzou os braços, observando-o da porta, onde ele estivera instante antes. — Vai me dizer a que devo a honra da visita? 

Ele se ergueu, abrindo um sorriso. Depositou os cacos sobre a pia, por não saber onde estava o lixo. Bateu uma mão na outra antes de ajeitar os cabelos que caiam em seus olhos. 

— Cuidado por onde pisa, está bem? — observou como ela suspirou quando se aproximou. — Eu vim buscar meu moletom. Ou achou que iria me roubar? 

— E fazer o que com ele? Eu te pergunto. — ela revirou os olhos. — Não daria nem para vender na internet. Está lá no quarto, eu vou buscar. Sinta-se à vontade, só não quebre mais nada. 

Ele balançou a cabeça, divertindo-se com o tom provocativo dela. Enquanto a via caminhar em sua frente, prendendo os cabelos rebeldes, percebeu quanta falta sentia daquelas conversas, brincadeiras e provocações. Antes de tudo, Juno também era como uma amiga. E tê-la de volta como se o tempo e a distância não tivessem se intrometido ou os conflitos sequer tivessem existido o fez se sentir um passo mais perto de alguma ideia de felicidade. 

Mas não podia dizer o mesmo do teto que tinha sobre sua cabeça. 

A estranha sensação de estar naquela casa após tantos anos era esmagadora, não importava o quanto tentasse ignorar. As lembranças vinham involuntárias, fazendo seus olhos percorrerem pelos cantos na procura de fantasmas. Sentiu uma sensação de vazio ao perceber que nunca mais encontraria Abigail ou Leo entre aquelas paredes. Juno pareceu reparar em seu incômodo: 

— Deve ser estranho para você vir aqui, não é? — perguntou em voz baixa, ajeitando os cabelos bagunçados. — Esse moletom deve ter sido caro.

Não houve tempo para que pudesse responder. A porta do quarto surgiu diante deles. Um portal para um tempo há muito esquecido. Para Nirav, parecia ter acontecido em outra vida, tão distante que se tornava. Lembrou da foto que recebeu de Juno, como passou horas encarando os rostos nela estampados e não conseguiu reconhecer o rosto que sua memória apagou. 

O quarto permanecia quase intacto, pelo que se lembrava. Os livros dispostos como antes, apesar de sentir falta de alguns exemplares. Os quadros estavam mais velhos e puídos. Os objetos decorativos perderam as expressões por conta do tempo, transformaram-se apenas miniaturas encurvadas e entalhadas na madeira velha e porosa. O azul das paredes era o mesmo, no entanto, forte e escuro como o mar profundo. 

— Lembranças? — ela perguntou, olhando para seu rosto como se estudasse suas expressões. 

— Algumas. Não era tão comum eu vir aqui, mas... 

Conseguia ver Leo sentado na cama, folheando um livro qualquer enquanto escutavam alguma música obscena. Abigail entrava pela porta e rosnava uma ordem para abaixar a música. “Os vizinhos não precisam escutar essas besteiras”, ela dizia. Leo ignorava. Nirav sentia-se deslocado. Era quando começavam a discutir, Leo costumava ser tão agressivo. Ele sabia que estava na hora de ir embora. E conforme saia pela porta, sentia o olhar fulminante de Abigail em suas costas. 

Nirav coçou a barba, olhando ao redor outra vez. A memória dissipou-se como uma fumaça, como se fosse algo inventado de sua cabeça. Tornava-se, então, difícil imaginá-lo ali. As lembranças deram lugar à realidade. Havia um armário improvisado, uma cama reutilizada e uma cômoda com algumas gavetas soltas. O quarto estava envelhecido e ultrapassado, ainda havia ali uma necessidade de se agarrar às coisas antigas. Só não pertenciam mais a Leo e nem poderiam. O tempo dele estava há muito esgotado. 

Agora era Juno que estava ali. Embora não se encaixasse perfeitamente ao mundo que era de Leo, a sua presença era o que trazia vida ao lugar. A casa não parecia mais tão vazia e estranha com ela dentro. A ele parecia quase completa outra vez.

— Parece que decidiu manter as coisas dele. 

— Ele tinha bom gosto, não posso mentir. — ela deu de ombros, adiantando-se para dentro do quarto. 

— É, você realmente só teria olhos para ele. 

— Não começa. — ela fez uma careta, indo até o armário. — Sentir ciúmes de defunto não faz seu tipo. 

Não resistiu e deu uma gargalhada. Somente ela para conseguir arrancar-lhe uma risada com um comentário tão mórbido. De repente, ela atirou-lhe uma pequena caixa. 

— Guardei outras fotos também. Não consegui me desfazer delas, apesar de Octavia quase não conseguir suportar olhar para nenhuma. 

— E porque você adora imaginar a história por trás de cada uma. — ele comentou, segurando a caixa e a abrindo com cuidado. — Estou certo? 

Juno sorriu, inclinando a cabeça. Seus olhos brilharam quando piscou devagar. 

— Você me conhece tão bem. — murmurou, com o rosto a ficar avermelhado. 

— Você não mudou nada. 

O brilho em seu olhar desapareceu. As palavras parecem atingi-la mais forte do que o susto anterior. Nirav sentiu-se mal. 

— Não quis dizer desse jeito. 

— Eu sei. 

Ignorando-o ali, Juno retornou para o armário, desdobrando o moletom que guardou com cuidado. Nirav sentiu o anseio de se aproximar e tentar de alguma forma amenizar o que suas palavras causaram. Pousou a caixa sobre a cômoda, sentindo as mãos ansiando por um toque que não chegou a acontecer. Antes que pudesse tocá-la, seus olhos repararam na caixa aberta e na fotografia que revelava. Seus dedos pegaram o papel em vez da pele. 

Uma mulher jovem, apesar da foto envelhecida. Tinha cabelos curtos, acima das orelhas, eram escuros e espetados. O semblante era quase melancólico, mas o sorriso e os olhos se entregavam. Só precisou erguer o olhar e observar Juno para ter certeza. Eram tão parecidas e tão diferentes. 

— Aqui está. — ela esticou a peça de roupa, sem perceber o que ele tinha nas mãos. 

— É a sua mãe. — não pegou o casaco, apenas virou a foto em sua direção. 

Ah. — por algum motivo, ela pareceu surpresa. Com dois dedos, pegou a foto da sua mão. No outro braço, seu moletom pendia casualmente. — É de quando ela era mais nova. A doença a envelheceu tanto em tão pouco tempo que não tive coragem de registrar. Não queria lembrar dela daquele jeito. 

Com um suspiro, Juno pousou a foto de volta na caixa, o que a fez dar um passo em sua direção. Estava perto o suficiente para sentir o seu cheiro. O sabonete, o shampoo, o perfume. Apesar de um filete de suor escorrendo por seu pescoço, seu aroma continuava delicado.

— Ela era linda. — murmurou com gentileza, pegando o casaco da mão dela. — E você se parece com ela. 

Ela ergueu o olhar indo de encontro direto ao seu. Olhos cor de avelã, tão coloridos e brilhantes. Uma chama parecia queimar dentro deles. Uma chama que só parecia existir quando o olhava. 

— É um elogio? 

Sentiu dificuldade em engolir. Seu pomo de adão subiu e desceu com aspereza. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, uma terceira silhueta surgiu, de supetão, no canto da porta. 

— Aqui está você! A porta estava escancarada... — Octavia parou tão de repente como começou, surpresa demais ao vê-lo ali. — Nirav?! 

Eles se atrapalharam, como se tivessem sido pegos em flagrantes, embora nada demais estivessem fazendo. 

— Desculpe, a porta aberta foi culpa minha. — confessou sem jeito, coçando os cabelos 

— E o copo quebrado também! — Juno contou com uma risada divertida, entregando-o. 

O rosto de Octavia se iluminou em um sorriso grandioso. Ela ignorou a história do copo quebrado. 

— Como é bom ver você! — ela adentrou de vez no quarto, que se tornou sufocante com todos eles lá dentro. — Juno não ofereceu um café? 

Juno arqueou as sobrancelhas em direção a Octavia em uma reprimenda que ele fingiu não perceber. 

— Não precisa, eu já estou de saída. 

Octavia abanou as mãos, tentando insistir para que ficasse, mesmo assim, ele terminou por recusar. Quando olhou pela janela, o ocaso já havia caído há um tempo. Juno o acompanhou até a porta depois de conseguir escapar das garras de Octavia, empurrando-o com pressa até a entrada, sem dar chance de ela retrucar. 

Na hora de se despedir, as palavras tornaram-se rarefeitas entre ambos. Olharam-se algumas vezes, riram outras, sem saber muito o que dizer ou fazer. Enfim, Juno encolheu os ombros. 

— Desculpe por ter feito você vir aqui só para isso. 

— Eu que deveria pedir desculpas. Estou devendo um copo para a sua tia agora. 

— Bem, antes o copo do que eu. — ela fez uma careta divertida. 

Estava pronto para dar as costas, seguir em frente e ir embora. Era o que deveria ter feito. No entanto, virou para ela uma última vez. 

— Juno — ela ainda estava na porta, quase como se esperasse por seu retorno. — Sobre o que eu disse antes... 

— Está tudo bem, eu... 

— É verdade que não é mais a mesma. Nenhum de nós é. O tempo que passou garantiu que assim fosse. — ele prosseguiu, interrompendo-a com gentileza. — Quando eu digo que você não mudou nada, só me sinto aliviado por nada disso ter mudado as pessoas que somos quando estamos juntos. 

Então, o sorriso dela cresceu. E cresceu. Tão exagerado que era ao exibir seus belos dentes brancos. O sorriso que gostava tanto. O sorriso que era só dela. 

Quando a deixou na porta, desejou chegar em casa e encontrar Alice dançando despreocupada enquanto o esperava. Mas a única pessoa que o esperava em casa era só o seu pai. 


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Notas finais do capítulo

Bem, eu espero que independente do serviço que eu vá conseguir, as coisas aqui continuem funcionando. Por mais que eu atrase alguns dias, eu sempre vou tentar atualizar e trazer os capítulos novos, isso eu posso garantir a vocês!

Eu estou amando compartilhar essa história com vocês e, bem, a cada dia essa história se torna cada vez mais especial para mim. Espero que para vocês também!



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