O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 27
∾ Apesar de querer e como eu quero.


Notas iniciais do capítulo

Bem, já que hoje é dia, então é dia de novidade.

Quem aí se lembra de um moço meio ruivo, que estava no sebo, fazendo companhia a dona Juno? Algum curioso? Não? Hmmm.



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Não demorou até Juno perceber que estava rodeada por risos, brincadeiras e afeto, como nunca imaginou que estaria de novo. Uma outra vez, encontrava outras pessoas em seu entorno, que traziam o riso exagerado na cara, a diversão na ponta dos dedos e o coração saltitante. Já não estava mais sozinha. E já se sentia mais viva.  

Talvez, o efeito da noite tão animada em Florencia. Diferente das outras noites da semana, o frio parecia ter dado uma leve trégua, finalmente. Apesar do vento persistente, o toque gelado estava mais ameno e o céu menos nublado, dando abertura para as estrelas brilharem ao lado da lua cheia. Por isso, as ruas estavam tão lotadas. Os bares estavam tão cheios, os copos transbordando de bebida, a música alta. Era como reencontrar a Florencia que deixou para trás, apenas esperando por seu retorno. E uma outra vez, sentia a tão costumeira sensação de sete anos atrás. A sensação que aquela pequena cidade de interior tanto a influenciava. A sensação de estar viva.  

Estava no meio da bagunça, dentro de um bar qualquer, do outro lado da cidade, dançando ao som de uma banda informal. Vestia os trajes mais sociais da rotina de serviço. Apenas uma blusa branca, coberta por uma jaqueta preta e calças jeans justas. Seus cabelos estavam soltos por seus ombros, isentos do laço que, agora, pendia em seu pulso.  

Ao seu redor, os novos companheiros de emprego. Todos com sorrisos largos e bocas cheias de conversas fiadas, acompanhavam-na com a desculpa da nova estagiária para beber até mais tarde. No início, Juno não tinha tanta certeza se queria participar, e como não a deixaram escapar, no fim, ficou feliz por terem insistido.  

Não os conhecia muito bem, estava no processo de acostumar com a sua nova rotina, mas sempre estaria aberta em conhecer novos rostos, novas histórias. Cada um deles tinha sua própria trajetória, seus próprios trejeitos. A maior parte eram meninas mais novas, com uma energia admirável, ansiando conhecer a vida que tinham diante de suas mãos. Os poucos rapazes eram mais tímidos, reclusos atrás de seus óculos e roupas engomadas. E, entre todos esses rostos, havia Elio.  

Era ele quem a conduzia na dança, com o riso fácil e olhos brilhantes. E ele, a pessoa mais próxima da sua própria realidade. Equiparavam a idade, diferente dos outros. Até a altura era quase a mesma. Era um tanto magro, com a pele pálida. Os cabelos eram ruivos, lisos e escorridos, bem penteados, combinando com a barba grossa de cor semelhante. Seus olhos azuis eram enérgicos, o nariz mais pontudo e lábios finos. Trajava sempre roupas mais formais, blusas de abotoar, calças mais justas e sapatos fechados, embora formal fosse o menor dos traços de sua personalidade.  

O homem com jeito de menino a acolheu desde o primeiro instante, com seu maneirismo jovial e comportamento atrapalhado. Não que receasse ser incapaz de conhecer novas pessoas, só havia tanto tempo que estava sozinha, que se sentia um tanto enferrujada na atividade. E apesar de ter se passado apenas umas poucas semanas, agora já estava entre os braços nervosos dele enquanto era conduzida em uma dança desajeitada e divertida.  

E não era difícil se acostumar aos risos e aos afetos. Era tão fácil que quase parecia uma necessidade. Em alguns momentos, sentia agarrar-se na recente amizade com Elio com certo desespero, tentando suprir uma vontade que, por muito tempo, tinha lhe sido roubada. E então, ali, dançando com um novo alguém, rodopiando ao redor de inúmeros outros, quase não se lembrava mais do passado atormentado por um fantasma há muito perdido. Naquele instante, já se sentia capaz de ignorá-lo, quase deixá-lo para trás.  

No entanto, havia uma parte de sua história que, não importava o quanto tentasse, não seria capaz de esquecer. Principalmente, por não querer esquecer. Apesar de, talvez, não ter a chance de reparar, menos ainda recuperar. Uma parte de sua história que sentia tanta falta e tinha tanto medo de ter perdido.  

Porque quando olhava ao redor e encontrava tantas pessoas novas, continuava a procurar seus antigos amigos e não os encontrava. E o que não daria para tê-los ali, como se o tempo e os seus erros nunca tivessem gerado efeito, ou sequer acontecido de verdade.  

O quanto queria estar dançando com Helena, sentindo o calor vibrante do seu corpo, junto com as risadas de Lou comentando sobre os rapazes que paquerava enquanto escutava Theo tocar os acordes de seu velho violão ao trocar olhares apaixonados com Hester, que estaria conversando com o homem que, por fim, iria estender-lhe a mão. Mais do que tudo, gostaria de ter, uma outra vez, Nirav. Mesmo só uma palavra ou uma risada. Um aperto de mãos ou um abraço. Uma dança ou um toque.  

Porém, quando olhava para frente, encontrava-se satisfeita por aquele que estava conduzindo. E ele parecia satisfeito em tomar seu corpo esguio, apesar de parecer nervoso por fazê-lo, com as mãos trêmulas e os movimentos incertos. Era até bem fofo. E Juno até não se importava que pisasse no seu pé, de quando em quando.  

—  É verdade que já foi casado? — Juno indagou, observando o rosto avermelhado dele. — Não pude deixar de ouvir as garotas comentarem sobre você ter se divorciado.  

Elio deu uma risada nervosa, fazendo Juno se arrepender da pergunta. Apenas queria conversar, puxando algum assunto, mas talvez tenha ido longe demais. De qualquer forma, ele acenou com a cabeça, fazendo as mechas ruivas despencarem sobre seu rosto.  

— Sim, por um bom tempo. — confirmou, um pouco sem jeito. — Apesar de, às vezes, achar que o processo de divórcio durou mais do que o casamento em si.  

Ela riu do comentário, sentindo o gelo ser quebrado.  

— E como foi estar casado?  

— Foi como estar fazendo algo perigoso com os olhos vendados e as mãos atadas.  

— Não pode ter sido tão ruim assim...  

Elio balançou os ombros antes de empurrá-la para frente e puxá-la para perto, outra vez.  

— Não quero dizer ruim, mas acredito que não tínhamos experiência o suficiente para tomar uma decisão dessa. — explicou, tomando um ar mais sério. — Tínhamos só vinte e dois anos. Ela era a minha primeira namorada.  

A surpreendente revelação quase a fez parar a dança, como se estivesse escutando uma reviravolta em alguma história. Sua expressão divertida e surpresa, olhos arregalados e lábios escancarados, arrancou dele um riso divertido e também envergonhado.  

— Você se casou com sua primeira namorada? — ela fez um ruído fofo com os lábios, curvando-os em um doce sorriso. — Não acredito que tenha dado errado!  

— Não acho que poderia dar muito certo. — ele lamentou, estalando os lábios. — Eu também era o primeiro namorado dela. Estávamos desesperados para provarmos que éramos adultos o suficiente e que iríamos dar certo juntos. Em algum momento, a vida mostrou que estava na hora de conhecermos outras pessoas.  

Absorveu, de forma pessoal, tais palavras. Então, foi difícil não pensar no passado, até as partes que gostaria de esquecer.  

— Quase me casei quando era mais nova também. Apesar de não querer. — revelou como se estivesse contando um segredo e a voz baixa quase era sufocada pela música alta. — Teria cometido o maior erro da minha vida.  

— Bem, ainda somos jovens o suficiente para tentarmos de novo, de outros jeitos.  

Ela sorriu, concordando.  

— Exato! Deveria estar pensando em se casar agora, não no seu divórcio. É contraditório, não acha?  

Com uma risada calorosa e sem palavras para uma resposta ao seu comentário ácido, Elio a rodopiou entre os demais casais dançantes. A conversa pareceu ter fomentado uma certa energia que ele parecia estar poupando antes. Quase como se tivessem criado um vínculo maior naquele pequeno trecho de cumplicidade. Um laço, apesar de recente e curto. E Juno sentiu-se orgulhosa por isso.  

 Assim que ele a girou de volta para perto de seu corpo, Juno sentiu os pensamentos deslizando, pouco a pouco, para longe. Uma outra noite, há um bom tempo atrás, com outra pessoa. Um alguém que havia mudado toda a sua percepção de sentimento desde a primeira vez. Alguém que sentia sempre ter conhecido, mesmo quando não sabia seu nome. A pessoa que alterou o curso da sua vida inteira com apenas um olhar. Nirav.  

Estavam sob um teto colorido, espelhando luzes vibrantes, mas se olhasse para cima, seria capaz de ver a lua cheia e o céu estrelado. Estavam em um ambiente fechado e apertado, e ainda era capaz de sentir a brisa trazendo o cheiro da fogueira que ardia. Cada detalhe da noite em que o conheceu era projetado em sua mente, como um filme em uma tela desgastada e antiga, porém conservado e colorido.  

Era difícil esquecer de como deslizou por suas mãos condutoras, parecendo o encaixe perfeito para o seu abraço. A sincronia repentina de silhuetas que nunca se envolveram. O calor que as peles produziam ao se colidirem com delicadeza. O sorriso hipnotizante dele. Seus cabelos bagunçados ornamentando seu rosto. O cheiro tão convidativo. A sua vontade tão implícita.  

Se fechasse os olhos, por um instante, estaria perdida naquela lembrança, sem saber se seria capaz de retornar ilesa.  

Sabia que estava sorrindo, apesar de não ser para Elio. Estava sorrindo para a memória que inundava a sua mente, seduzindo-a para se entregar. E era instigante, porém não havia nada em uma memória, senão apenas lembranças. Jamais seria capaz de recriar o passado, pois era algo que estaria sempre além do seu controle.  

Então, permaneceu dançando com Elio, mesmo sob influência de memórias que não o pertenciam, até a música ir cedendo o volume, chegando ao fim. Quando pareceu terminar, Juno deu um passo para longe, afastando-se de seu parceiro. Sentiu que precisava de algo a mais. Alguma distração que enganasse o coração apaixonado. Uma água, talvez uma cerveja. Uma conversa, uma risada. Uma fuga ou...   

O esbarrão a puxou de volta para a realidade de um modo violento. Sacudindo-a de volta para o meio do bar lotado, com pessoas passando de um lado para outro, tentando avançar pelo espaço apertado. Já não estava mais próxima a Elio, que continuava na pista de dança, esperando-a retornar. As conversas e a música alta se mesclavam em seus ouvidos, causando uma cacofonia.  

O susto do impacto a fez erguer a mão, procurando quem havia atingido. Então, percebeu que também estava sendo segurada, com um cuidado que a impedia de perder o equilíbrio. Tocou-lhe o braço, sentindo o tecido da camisa entre os dedos. Não só apenas para amparar seu equívoco, também para procurar seu próprio apoio. Precisava pedir desculpas. No entanto, quando ergueu o rosto, olhando em direção a pessoa que a segurava, com os lábios entreabertos, percebeu que não conseguia mais falar.  

Estava entre as mãos de Nirav. Os dedos dele envolviam seu braço com delicadeza. Assim como os seus se agarravam à camisa, sentindo a pele dele por baixo do tecido. Ele a olhava nos olhos, sem piscar, tão incrédulo quanto ela. De todas as pessoas que podiam esbarrar, tinham de esbarrar um no outro. De todos os bares da cidade, estavam sob o mesmo teto. A mais remota possibilidade de se encontrarem os levou a se colidirem. E ali estavam, paralisados, um de encontro ao outro.  

Quis falar qualquer coisa. Pedir as desculpas necessárias. Talvez, perguntar se ele estava bem. Poderia começar com um breve cumprimento. Deveria dizer qualquer coisa, mas quando sua boca se abriu, sentiu ser puxada para longe dele, afastando-a contra sua vontade.  

Sentiu sua mão ser segurada por outra pessoa enquanto perdia o toque de Nirav de seu braço. Aos poucos, seus dedos se largaram da camisa dele, soltando com relutância. E a última coisa que viu foram seus olhos escuros, a acompanhando através do salão até que desaparecesse.  

Em sua frente, outra vez, tinha Elio. E não era ele quem queria ver. Não era ele quem queria tocar. No entanto, não o afastou. Com seu sorriso de menino e as mãos agitadas, não conseguiu negar a ele uma outra dança.  

— Não acredito que esteve aqui outras vezes! — Elio comentou, projetando a voz mais alta para que ela pudesse ouvir. Juno desconfiou que ele tenha dito mais de uma vez e ela, distraída, falhou em ouvir. — Poderíamos ter nos conhecido antes, sermos amigos desde sempre!  

Juno permitiu-se sorrir, escutando seus devaneios entre a dança desajeitada. Ele mantinha seu corpo perto, respeitando seu espaço, mas ela estava longe demais.  

— Não acho que gostaria de mim naquela época. — disse baixinho, de propósito, mais para si do que para ele ouvir. — Acho que nem mesmo eu gostava.  

Por mais que se esforçasse, sua atenção já não era mais igual. À sua frente, Elio parecia entregue à dança. E agora, era a sua vez de pisar em seu pé, de quando em quando.  

 Como uma garota boba ao encontrar o rapaz de seus sonhos, não conseguia tirar os olhos do redor, procurando-o sem parar. E lá estava ele, do outro lado do salão. Quase como se a esperasse olhá-lo para retribuir o gesto. E Nirav a olhava, fazendo seu coração descompassado não conseguir decidir entre bater mais forte ou parar de bater.  

Mais do que tudo, quis ir até ele. A vontade de alcançá-lo rasgava seu peito. Queria atravessar todo o salão, entre a multidão de pessoas que parecia aumentar cada vez mais. Esbarrar nele de novo, se preciso. Só precisava ir até ele. Escutar a sua voz, sentir o seu cheiro, observar seu sorriso, ter seu olhar focado em si. Só precisava ir para ele.  

E queria-o tanto que, quando se obrigou a desviar a atenção para o homem com quem dançava, não encontrou Elio. Como uma miragem, quem estava em sua frente, conduzindo seus passos e segurando seu corpo era, na verdade, Nirav. Agora, todas as memórias pareciam ter se projetado na realidade, dando-lhe mais uma chance de dançar com ele.  

Nirav segurava seu pulso e também a sua cintura, guiando seu corpo esguio de acordo com o dele. Levava-a com facilidade, como em perfeita sincronia. Depois de girá-la para longe, trazia-a para perto, bem perto. Entre seus braços, envolvendo-os em seu tronco, como o encaixe perfeito.  

Juno sentia o prazer do seu toque, espalhando por toda a extensão de seu corpo. Quando as peles colidiam, era capaz de sentir a sua vibrando em contato com a dele. E quando olhava em sua direção, encontrava seu sorriso hipnotizante, estampado em seu belo rosto, ornamentado pelos cachos que coroavam sua testa. Tudo em Nirav era cativante, instigante e convidativo. Sentia que poderia beijá-lo, se pudesse.  

E, no entanto, quando seu olhar cruzou o salão de novo, percebeu que não dançava com ele. Na verdade, ele já nem estava mais lá no salão. E ela, continuava entre os braços de um colega confuso, que não entendia a sua repentina e abrupta pausa.  

O que estava fazendo? O quão longe tinha ido? Como ousava estar, mais uma vez, desejando o homem que não podia ter? E desejá-lo tanto que o idealizava na imagem de outros homens, que nada tinham a ver com seus sentimentos inúteis. Não era só injusto como também era errado. Elio era apenas um colega, não merecia servir de fantasia para suas vontades ilícitas. E Nirav... Nunca havia sido seu para ser desejado.  

Encontrou dentro de si a mulher de antes. Uma mulher tão inconsequente quanto impulsiva, incapaz de medir o custo de seus desejos descabidos. Uma mulher que parecia tão irresponsável quanto traiçoeira, causando um estrago irreparável ao seu redor com seus erros. Uma mulher que não merecia Nirav. E a mulher que não queria acreditar ser, mesmo a enxergando no reflexo de olhos alheios.   

Com a desculpa na ponta da língua, apressou-se para se despedir de Elio, que foi abandonado no meio da pista de dança. E Juno, como a covarde que ainda parecia ser, decidiu fugir. Como a mesma mulher de antes, tudo o que restava fazer era fugir.  

Sentia o coração pesado com a culpa. A culpa de desejar, de novo, o que nunca poderia ter. E, apesar disso, como continuar mentindo se jamais deixou de desejá-lo? Em todos os anos que se passaram e cada um deles, seu sentimento nunca deixou de existir, esteve sempre lá. Esteve latente, dormente, porém nunca extinto.  

Quando alcançou a rua, sentiu o silêncio da madrugada a receber com um alívio. Por um momento, o suficiente para amenizar o turbilhão de pensamentos, acalmar a tempestade de seus sentimentos. Juno respirou fundo, sentindo o ar fresco da noite adentrar seus pulmões, estabilizando seu corpo. A hora avançada da madrugada estendia-se diante de seus olhos, mostrando que o tempo continuava passando e, logo, seria outro dia. Um novo dia para tentar ser melhor do que era.  

E, no entanto, apesar de ser hora de partir, algo insistiu que permanecesse. Ou melhor, alguém.  

— Juno.  

Ela relutou. Ainda que a voz fosse o suficiente para eletrizar cada parte de seu corpo, descompassar seu coração e revirar o seu estômago. Ela hesitou. Ainda que a vontade esmagasse o seu cerne, corroendo dentro de seus ossos. E ela falhou.  

Estava encostado na parede, usando kurta em cores claras, a calça branca e sapatos leves. Seus cabelos cacheados eram bagunçados pelo vento. E fumava. Tinha entre os lábios, um cigarro casualmente pousado. O que a fez perguntar quantas outras coisas não sabia sobre ele.  

Era incapaz de projetar uma palavra, seus olhos estavam perdidos na imagem dele, passeando por sua silhueta, contornando seus traços. E por mais que pudesse ser diferente de antes, com novas particularidades que desconhecia, continuava tão instigante e convidativo. Na verdade, o fato de redescobrir coisas novas sobre ele só o deixava mais irresistível. E ela se sentiu miserável por esse pensamento.  

— Não vai dizer nada? — ele questionou, coçando a barba e ajeitando os cabelos. Quase de propósito, para fazê-la ceder, se soubesse o poder que tinha.  

— Ainda é estranho pensar que posso encontrar você em qualquer lugar, a qualquer momento. — revelou ao passar a língua sobre os lábios.  — Como se eu precisasse me acostumar com...  

— Com a ideia de ter você de volta. — Nirav completou, fazendo seu coração saltar, estremecendo todo seu corpo. Batia tão forte que teve receio de que ele pudesse escutar.  

Teve de desviar o olhar dele, procurando qualquer outro ponto que roubasse sua atenção, mas era difícil competir com Nirav. E ele estava tão bonito que a competição era quase injusta.  

Poderia ter estendido o assunto, talvez o devesse fazer, afinal era tudo o que queria. Por muito pouco, não se aproximou e encostou ao lado dele, apontou para o céu e disse que a lua a fazia lembrar da noite em que se conheceram. Talvez ele responderia, quem sabe até sorriria. E iriam conversar, como antes, sem ver o tempo passar. Porém, não fez nada disso. Pelo contrário, obrigou-se a se afastar dele.  

Parecia contraditório e até era. Porém, não era só o certo a se fazer, era o que deveria ser feito. Porque, de repente, percebia estar errada em tentar se aproximar, pois sabia como poderia se complicar. Ou pior, poderia complicar ele também. E por mais o que o quisesse, se isso significasse prejudicá-lo, então se manteria longe.  

— Por que está fugindo? — ele insistiu e era o suficiente para fazer seu ser inteiro querer ficar.  

De costas, Juno meneou com a cabeça, observando-o sobre o ombro. Dentro de si, cada parte da sua alma resistia em deixá-lo.  

— Não estou fugindo, eu só... — engoliu a seco. — Pensei que não quisesse falar comigo.  

E teria sido mais fácil assim. Era o que ele deveria ter feito, porque ela era fraca demais para resistir a ele. Mesmo assim, se arrependeu em dizer aquilo. Quis voltar atrás, girar sobre seus calcanhares, olhar em seus olhos de novo e ser corajosa. Entretanto, sentia que não devia. E, por isso, sem esperar resposta deu o primeiro passo. Só não esperava que fosse ele quem iria relutar em deixá-la ir.  

— Eu sinto muito sobre sua mãe.  

Dessa vez, de imediato, ela retornou. Apesar de não ser segredo o falecimento de sua mãe, não pode evitar a surpresa estampada em seus lábios trêmulos e olhos perdidos.  

— Não deve ter sido fácil. — ele continuou com a afabilidade que mostrava se importar de verdade, o suficiente para trazer lágrimas ardentes de um pranto engasgado.  

— Nunca é.  

Ele respirou fundo, concordando. Um gesto simples de cabeça, que parecia significar muito além disso.  

— E como você está?  

Em seus olhos, Juno encontrou conforto. Havia compaixão, carinho, apesar de também haver confusão. E apenas aquele olhar foi o suficiente para diminuir a distância que havia entre eles, fazendo-a se sentir acolhida como há tanto tempo não se sentia.  

Nesse pequeno instante, sentiu-se repleta de esperança. Esperanças de que, talvez, a insegurança que surgia em seu peito era apenas isso; mera insegurança.  

— Estou bem, obrigada. — sua voz tremulou, oscilando presa em sua garganta, com tantas outras respostas que queria dar a ele. — Já faz um ano que ela faleceu.   

— E foi por isso que resolveu voltar? — perguntou, surpreendendo-a.  

— Sim. E por outros motivos também.  

— Quais?  

Juno sorriu, sem se controlar. Talvez ele soubesse a resposta. Talvez tivesse a esperança de que pudesse escutá-la dizer. E a tinha na ponta da língua. “Você”, poderia ter dito. Teria sido tão fácil, mas seria o certo?  

Não, não poderia dizer a verdade. Então, apenas balançou os ombros.  

— Ainda estou tentando descobrir.  

Conseguiu ver a decepção em seus olhos. Na verdade, a última coisa que viu antes de deixá-lo. E como doeu dar as costas e seguir em frente, como se não fosse nada.  

Por um momento, perguntou-se o que aconteceria caso o contasse a resposta verdadeira.  

E queria tanto ter dito a verdade. Ele merecia saber a razão que os obrigou a ficar tanto tempo afastados. O problema não era a verdade em si, era o que poderia fazer. E a sua verdade parecia tão conveniente. Parecia quase orquestrada para que pudesse se reaproximar como a mulher traiçoeira que todos imaginavam que era.  

No fundo, só tinha medo. Um medo que a acompanhou por tanto tempo. Um medo quase palpável.  

Afinal, era tão óbvio, não era? Era a mulher que havia usado seus sentimentos e o abandonado como se não significasse nada. A mulher que fugiu das consequências de seus erros. E, depois de anos, resolveu voltar, na esperança de que o tempo tivesse apagado as marcas de seus pecados. Então, arrependida teria em seus lábios uma desculpa tão conveniente. Uma desculpa montada para fazê-lo sentir pena, porque agora estava tão sozinha e tão vazia.   

Era a narrativa perfeita para uma história de coitada.


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Notas finais do capítulo

Seja bem-vindo, Elio, você pegou o bonde andando, favor não tumultuar!

E, bem, quando um personagem dá um passo a frente, o outro dá dois para trás. E, por mais que a gente saiba, ou que Helena tenha garantido, não dá para julgá-la por sentir medo. Ela só não quer vista como mal intencionada e o fato de ter sentimentos por ele, querendo ou não, pode ajudar a implicar nessa visão.

Bem, o que importa é que uma das partes parece disposta, a outra só precisa de confiança. Já é meio caminho andado!



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