O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 28
∾ Todo esse tempo deveria ter extinguido o desejo.


Notas iniciais do capítulo

Olá, como estão? Sentiram falta de dona Adhira?

Que tal alguns conselhos de mãe para ajudar a segurar a barra que é gostar de você?



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Nirav olhou pela janela da lanchonete, observando todo o movimento da rua. Quase nenhum som de lá chegava ao lado de dentro. Ali, só conseguia escutar a música instrumental que se misturava com o murmúrio de conversas das pessoas ao redor. Além do som, havia um característico cheiro de café no ar. Ele tornou a olhar para dentro, prendendo atenção em todas as mesas, exceto em sua própria.  

Por mais próximos que pudessem estar, a distância era quase palpável. Pouco a pouco, se tornando mais forte, sendo reafirmada através de um olhar severo e inflexível.   

Um suspiro pesaroso, assim como a culpa, fugiu dos lábios de Nirav. Barulhento, embora ignorado. Do outro lado da mesa, sentia o olhar inexorável de sua namorada, Alice. E não podia culpá-la. Na verdade, só culpava a si mesmo. Por todas as vezes que falhou em ligar. Cada vã tentativa de se abrir. Sempre que seu silêncio ficava mais pesado do que podia suportar. Quanto mais distante parecia estar. Enquanto tentava arrumar uma parte de sua vida, todas as outras pareciam ruir. E quando pensava que sabia o que fazer, percebia-se um tremendo engano.  

Antes, havia garantido que não se importava com seu passado, que não fazia diferença. Agora, lutava com a vontade de se reaproximar de outra mulher. Era exigir demais de Alice, sabia disso. Não podia exigir que ela compreendesse ou estivesse ao seu lado. No entanto, era uma parte importante de sua vida, que precisava arrumar. E a mera sensação de que uma decisão conflitava com outra, prendendo-o em um ciclo de contradição, era o suficiente para afirmar seu fracasso para com sua própria promessa.  

E queria poder contar, ser capaz de expressar a verdade que tanto omitia. Não só Alice tinha o direito de saber, como também merecia que fosse sincero. Queria ser capaz de, pelo menos, tentar. Entretanto, só continuava a falar.  

Teria sido mais fácil ter contado todo tipo de desculpas. Poderia, inclusive, ter culpado seu próprio pai. Seria, sim, mais fácil, só não seria ele. Por ser incapaz de mentir para quem amava, então, optava pelo silêncio, por mais torturante que pudesse ser. Em sua omissão havia dor, mas nunca mentira.   

E, assim, ele suportava o olhar de Alice, aquele olhar que feria. Durante todas as vezes que se prestou a encará-lo, expressava as rugas pelo aborrecimento do desgaste. E tal como sua própria culpa que esmagava seu cerne, o olhar de Alice entranhava em sua pele, consumindo até seus ossos.  

No entanto, era tão boa quanto ele em manter as aparências. Continuava com a postura ereta, com os braços cruzados, assim como as pernas, acomodando-se na cadeira de madeira. E seu semblante podia parecer tão nulo quanto o tom voz indiferente. Afinal, não estavam em posição de discutir, muito menos estavam sozinhos.  

Entre os dois estava Adhira, alheia ao clima que pairava entre o casal. Com o sorriso fácil, também tinha em seus lábios a conversa fiada, sobre os intermináveis assuntos de todas as coisas.  

Era seu último momento juntos, antes dela partir de volta para sua cidade. Apesar de todas as suas tentativas e argumentos para convencê-la a ficar um pouco mais, por mais um outro fim de semana, nada adiantou. Percebeu que não podia mantê-la por perto só pelo medo de estar sozinho. Já não era mais um garoto, embora se sentisse agindo como um.  

E, apesar da situação complicada se espreitando no silêncio, o encontro estava, no mínimo, agradável. Estaria melhor, se não fosse o clima frio, reivindicando o espaço, outra vez. O dia estava cinza, sem um vislumbre do sol, que brilhava escondido entre muitas nuvens mal encaradas. E o vento frio tornava a insistir, obrigando-os a se encolherem dentro de roupas grossas e pesadas.  

Sua mãe, com seus longos cabelos trançados, usava um casaco largo e bege, com grandes botões, sobre uma blusa cinza e um cachecol vermelho, além da calça e botas escuras. Alice mantinha os longos cabelos escondidos dentro de uma touca de lã, que combinava com o sobretudo cinza, o macacão azul e os tênis claros. Já ele, mantinha as roupas simples de sempre, o casaco grosso preto sobre uma blusa verde, calça jeans clara e botas mais brutas.  

E apesar de todos os agasalhos, ainda recorriam ao café para tentar manter a temperatura. Enquanto conversavam, as xícaras repousavam sobre a mesa, exalando um delicioso cheiro junto com a fumaça soprada pelo vento.  

—  Vai mesmo embora hoje? — Alice perguntou, descruzando os braços para pegar a xícara quente. — Achei que iria ficar um pouco mais...  

Havia um tom de esperança em sua voz. Talvez semelhante a que Nirav estivesse esperando encontrar; que a permanência de Adhira pudesse ajudar nos problemas. Assim como Alice insistia agora, ele também já havia teimado. Porém, não diziam respeito a sua mãe. Não cabia a ela carregar fardos alheios em seus próprios ombros.  

— Já fiquei por tempo suficiente. Tenho muita coisa para resolver. — ela respondeu, com um sorriso afável. — E devo admitir que já estou com saudades de Juan.  

Alice sorriu, concordando. Depois, olhou para Nirav, uma outra vez, procurando uma reação parecida. E talvez fosse o suficiente para amenizar os conflitos entre os dois, entretanto, ele continuava distante o suficiente para aborrecê-la. Seu olhar de cumplicidade e repentina diversão tornou a transformar-se de volta.  

— E quando vai apresentar a cidade para ele? — ignorando sua alienação, ela continuou a conversar com sua mãe, como se fosse ela a única pessoa presente. — Adoraria conhecê-lo.  

— Oh, em breve! Pretendo trazê-lo para o casamento de Theo e Hester.  Seria uma boa ocasião para apresentá-lo, com todos reunidos... — contou enquanto Alice concordava e emendava o assunto.  

Adhira parecia uma jovem moça quando o assunto era seu novo namorado e Nirav não pode deixar de se satisfazer com esse detalhe. Seu sorriso mais largo, suas mãos nervosas, seus olhos mais brilhantes. Parecia-se com alguém que conhecia bem.  

Era difícil não se lembrar de Juno, precisava se esforçar para não pensar sobre ela. E, por um segundo que não se controlasse, tinha o rosto desenhado em sua mente. Nele, havia a expressão igual de encanto. Havia o sorriso exagerado se transformando em uma gargalhada. O agito em seu corpo tão espontâneo. O brilho em seu olhar. O suficiente para ser transportado para uma noite qualquer, num bar aleatório, ao reencontrá-la como ela era.  

O acaso mais remoto possível o levou até ela. O sem querer mais proposital do destino continuava a brincar com eles. E quem iria dizer que era apenas coincidência que tinham se encontrado assim, no mesmo bar, na mesma noite, no meio do tumulto?  

E, bem, era ela. Balançava de um lado para o outro, mexendo cada parte de seu corpo esguio, fazendo o que sabia de melhor. Dançava entre as inúmeras pessoas e roubava toda a atenção com a graciosidade que só ela tinha, brilhando como um dia ensolarado, quase cegando aqueles que olhavam por tempo demais. A diversão estampava seu rosto avermelhado enquanto ela rodopiava nos braços de outro homem. E ela ria, como ria.  

Naquele curto momento, Nirav reencontrou Juno, como ela era, como deveria ser sempre. Quase uma pena que estava entre outros braços e não os seus. E era difícil não sentir inveja. Quando o via a conduzir, segurando suas mãos, tomando sua cintura, constituindo seu sorriso. Era bem difícil não se imaginar no lugar daquele homem que não conhecia. Porém, mais forte que a inveja, era a satisfação. Sempre que se lembrava de como estava, tão feliz e graciosa, sentia-se confortado. E, por isso, era capaz de agradecer ao desconhecido.  

Contudo, estaria mentindo se dissesse que não esperava encontrar um resquício daquela Juno quando a abordou. Em seu coração acelerado habitava a esperança de que ela pudesse ter guardado, ao menos, um pequeno resquício dela para ele. E o que encontrou, no entanto, era o extremo oposto.  

Com um desconhecido, parecia brilhar como o sol em um dia de verão. Junto dele, parecia se tumultuar como uma tempestade no horizonte. E como doía sentir que, talvez, fosse ele a razão de seu tormento. Logo, percebia-se com inveja daquele desconhecido, de novo.  

Desistindo de seus devaneios, voltou a prestar atenção na conversa de sua mãe e sua namorada. Até então, sua existência parecia passar despercebida. Em relação a sua mãe, sabia que só estava entretida no assunto. Quanto a sua namorada, em contrapartida, era quase proposital.  

Ambas conversavam sobre o futuro casamento de seus amigos, deduzindo como seria a cerimônia e a vida do casal. Porém, não tardou para que o assunto se virasse contra eles:  

— E por falar em casamento... — sua mãe começou dizendo, com um tom entre malicioso e divertido. — Devo ter alguma esperança?  

Nirav e Alice se entreolharam. Pela primeira vez, encontrou um resquício de expectativa nos belos olhos dela. Um sorriso simples surgiu em seus lábios enquanto coçava a barba.  

— Depende do humor dela. — disse, brincando ao inclinar a cabeça em direção a Alice. Em sua boca, o sorriso se alargou em esperança. — Como se sente em relação a isso hoje?  

Lembrando de suas palavras, imaginou que uma brincadeira, talvez, ajudasse a situação, tirasse o peso da distância e os aproximasse novamente. Costumava funcionar. Porém, percebeu estar terrivelmente enganado. A resposta veio curta e grossa:  

— Por que não tenta descobrir?  

Seu tom de voz afiado, seu semblante contundente com a ruga de irritação, não o pegaram de surpresa e sim a sua mãe. Parte sua já esperava a represália, embora guardasse uma vã expectativa qualquer. Já Adhira, arqueou uma sobrancelha, notando então o clima hostil entre eles.  

— Está tudo bem com vocês? — indagou, passando o olhar de um para o outro, um tanto preocupada. Alice permanecia olhando para Nirav, que desviava o rosto.  

— Está ótimo! — Alice respondeu irônica, resolvendo continuar sustentando seu tom incisivo em direção a ele, que suspirou. — Agora ele sequer fala comigo.  

Nirav piscou devagar, mantendo os olhos fechados, por um pouco. Tudo o que menos queria era uma discussão perto de sua mãe. Não queria envolvê-la em seus conflitos. E, muito menos, não quando estava prestes a partir.  

— Alice, por favor, não... — pediu, meneando a cabeça quase em súplica.  

— Oh, me desculpe! Só queria entender o que diabos está acontecendo com você!  

Agora, era tarde demais. Alice, infelizmente, estava ganhando essa batalha. E sua mãe interveio, um tanto confusa:  

— O que está acontecendo com você?  

— Nada! — insistiu, estendendo as mãos em nervosismo. — Não tem nada acontecendo.  

— Bem, alguma coisa certamente está acontecendo... — ela ainda não havia se dado por satisfeita.  

Com a insistência em uma discussão vaga, sentiu-se um tanto irritado. Mesmo assim, não queria dar o braço a torcer. A postura de Alice, no entanto, demonstrava que não estava pensando em recuar. E, por isso, endureceu seu tom:  

— Eu sei que está chateada comigo, mas não traga isso para minha mãe, por favor. — repreendeu com indignação, franzindo o cenho ao encará-la com insatisfação. — Fale comigo, grite comigo, se precisar, mas...  

Alice deu um riso nasal, um tanto escarnecedor. Então, recusou ao acenar com a cabeça, revirando os olhos.  

— Como se eu pudesse contar com você. — desistiu, por fim. E com toda a irritação, deixou a mesa com o clima hostil ao partir, sem sequer se despedir. Deixou para ele apenas o sentimento de fracasso.  

Enquanto Alice se afastava, com passos duros, ao seu lado, Adhira não sabia como reagir. Apenas olhava para Nirav, quase sem piscar. Ele sentia os olhos sobre si, procurando por respostas que não sabia se seria capaz de dar. E, sem mais paciência, também se levantou em direção ao balcão, para pagar as contas. Sua mãe permaneceu na mesa, desconcertada o suficiente para se levantar. Deu a ela o tempo que precisasse, decidindo esperar ao lado de fora.  

Por um instante, sentiu-se em paz. O burburinho da cidade movimentada, com os carros disputando espaço com pedestres, os diversos tipos de estabelecimentos coexistindo. O sol omisso iluminava o dia, sendo ofuscado pelas nuvens trazendo o ar frio que percorria pelas ruas. Por um tempo, esses detalhes foram o suficiente para acalmar o tumulto intenso dentro de si. Contudo, não o bastante, recorreu ao maço amassado em seu bolso. O que o fez se reafirmar como um verdadeiro fracasso.  

Com o cigarro aceso entre os lábios, ele aspirou profundamente. A sensação de ser incapaz de resistir o descrevia muito bem, afinal. Sequer era capaz de controlar a ânsia de fumar, muito menos seria capaz de resistir ao seu próprio passado. No fim, Alice estava certa. E, por mais que ficasse indignado com as discussões, as rugas de irritação, as más posturas, tinha plena noção amarga da sua culpa.  

Antes, tudo estava bem. Não estava perfeito como um conto de fadas, apenas estava em seus devidos eixos. Agora, no entanto, desde que Juno voltou, tudo parecia um verdadeiro caos. Entretanto, quando se perguntava se gostaria de voltar ao que era antes, sem ela, não saberia responder.  

— Achei que tinha parado com isso! — a desaprovação de sua mãe o pegou de surpresa ao se aproximar, observando desapontada o cigarro entre seus dedos.  

— Com o quê? O cigarro ou meu comportamento? — assim que o disse, arrependeu-se da entonação rude. — Desculpe.  

Desamparado, ele assoprou a fumaça para longe, após outro trago. Seus olhos, ignorando a presença preocupada de sua mãe, percorreram ao redor da rua. Desejava estar em outro lugar, fazendo qualquer outra coisa. Só queria estar longe.  

Ela veio ao seu encontro, tentando mantê-lo na realidade. Independente de continuar tentando se desvencilhar, ela tomou seu rosto entre as mãos, exigindo a atenção de um filho para uma mãe.  

— Olhe para mim. O que está acontecendo, por que parece tão perdido? — perguntou aflita, segurando sua face com carinho, observando seu olhar. — O que há nesse olhar tão confuso?  

Nirav suspirou, fechando os olhos. Então, soltou-se das mãos dela, afastando-se aos poucos.  

— Não há nada, exceto cansaço. — mentiu, apagando o cigarro.  

— Não minta para sua mãe! — ela exigiu, analisando-o de perto. — Conheço você desde que cabia nas palmas de minhas mãos. Pode se esconder de Alice, mas não de mim.  

Seus lábios abriram e fecharam. A resposta estava na ponta de sua língua, tornando-se quase palatável.  

— Juno voltou.  

Não precisou de mais palavras. Sua mãe conhecia bem esse nome. E, embora nunca a tenha conhecido pessoalmente, sabia bem de quem se tratava. Conhecia todos os lados daquela história, inclusive os furos de roteiro, os erros de continuidade e o fim inacabado.  

— Oh, eu sei. Soube disso só de olhar para você. — a resposta o pegou de surpresa, fazendo-o franzir o cenho. Ela se aproximou, de novo, segurando seu antebraço, dessa vez. — Mas esse olhar em seu rosto... Há tanta coisa além disso. Confusão, saudades e...  

— Você está certa. Eu estou perdido. — assumiu, dando de ombros, declarando-se por vencido, sentindo-se o fracassado que parecia tanto ser. — Não sei o que fazer. Desde que ela voltou, eu me sinto perdido.  

— Você sabia que isso podia acontecer.  

Ele acenou, concordando. Na verdade, desejava mais do que sabia. Desejava que ela voltasse, sempre desejou. Porém, agora que, de fato, havia voltado, não sabia o que fazer. Afinal, apesar de desejar, sempre tendeu a acreditar que jamais a veria de novo. No fundo, acreditou que a tinha perdido para sempre.  

— Mas nunca pensei que ela realmente pudesse voltar. Até você dizia que era improvável.  

Adhira suspirou, balançando a cabeça de um jeito tão característico, que o confortou de certa maneira.  

— Bem, eu estava enganada. Nós dois estávamos. — admitiu, unindo as mãos em frente ao corpo. — Sei que não quer ouvir isso agora, mas é o jeito que a vida dá. Não é organizado, muito menos previsível, é só o jeito que há. E se ela voltou agora, talvez seja a hora de resolver as coisas. Talvez, seja a vida dando uma outra chance.  

— Acha que eu não quero fazer isso? — indagou. — É tudo o que eu mais quero.  

— E não consegue. — ela completou.  

Nirav permitiu-se ser vulnerável. Pela primeira vez abrindo a guarda, revelando a ela seus conflitos, sem precisar dizê-los. Com ela parecia tão natural enquanto com Alice era tão difícil.  

— Parece que há coisas demais afastando nós dois. — contou, com a cabeça baixa. Seus cachos balançavam com o vento, rodeando sua testa. — Também parece haver várias partes de mim mesmo. Tantas querem entender, se reaproximar. E todas as outras tentam impedir, seja por receio ou...  

— Ou por Alice.  

Ele ergueu a cabeça, não para olhar a mãe, para olhar o céu. Tomou um breve momento, observando as nuvens cinzas. Quando suspirou, vendo a fina fumaça de vapor da sua respiração, percebeu que estava esfriando ainda mais. Enfim, assentiu.  

— Não quero magoá-la, apesar de desconfiar já estar fazendo isso. — fungou o nariz e enfiou as mãos nos bolsos, tentando aquecê-las. — Sinto que se eu tentar, eu vou feri-la. E Alice é uma parte da minha vida, mas Juno também é.  

— E você esperou tanto por isso. — Adhira ponderou, compreensiva.  — Você esperou tanto para que pudesse reencontrá-la.  

Quando Nirav a olhou, notou que em seu semblante não havia julgamento ou desconfiança. Ela estava ali por ele, disposta a ouvir e entender. Em Adhira, havia apenas conforto.  

— Não sabe como é difícil não ir até ela. — confessou, entregando-se.   

Passando a língua sobre a boca, tornou a permitir seus pensamentos a desenharem a face de Juno. Visualizou seu sorriso, seus belos olhos, seus cabelos, seu corpo. Então, mordeu os lábios antes de prosseguir.   

— Eu tentei resistir. Só que sempre que a vejo, quero ir atrás dela, escutar o que ela tem para falar, entender o que aconteceu, mas... É como se isso só a afastasse mais de mim. Sinto como se ela ainda estivesse fugindo. E eu tenho medo de saber a verdade. Não pela verdade em si, por temer que trazer o assunto à tona pode fazer tudo ruir e, mais uma vez, ela desaparecer.  

— E você não quer perdê-la.  

Nirav não respondeu. Não precisou. Apenas pousou o olhar sobre sua mãe e ela soube a resposta. Sabia que ela podia lê-lo como lia um manual qualquer. Afinal, ela o conhecia desde que cabia na palma de uma mão sua.  

— Não a conheço, mas não acredito que esteja fugindo. Não de você. — disse, depois de um tempo, com um suspiro longo e pausado. — Se não é fácil para você, então também não deve ser para ela. O mesmo medo que sente agora, é provável que ela também sinta. Quanto tempo existe entre vocês, há uma vida inteira. A vida que construíram longe um do outro. Essa distância existe e, talvez, leve um tempo para diminuir, porque só agora a vida está dando uma segunda chance. Não é fácil, nunca é. E só quando se resolverem, estarão prontos para seguir em frente, mesmo que isso signifique superar o sentimento. Ou resgatá-lo.  

Houve longos segundos de silêncio. Já não era preciso dizer mais nada. Apenas um sorriso bastava. E ele sorriu, em direção a Adhira, que retribuiu.   

Por fim, ela tornou a se aproximar. Dessa vez, com um assunto diferente:  

— Acho que já está na hora. Preciso ir.  

— Já? — ele checou o relógio de pulso, confirmando o horário. — Então, vamos.  

O carro estava estacionado ao redor, não muito longe. E estava aconchegante do lado de dentro, sem o vento frio e a temperatura agressiva. O sonoro suspiro de alívio de sua mãe arrancou-lhe uma risada. Não podia negar também estar mais confortável ao sentir o clima ameno guardado dentro de seu carro.  

Com uma música baixa, de ritmo lento, suprindo a necessidade de som para ocupar um vazio, Nirav levou sua mãe até a rodoviária. Parte sua ainda gostaria de pedir que ficasse um pouco mais, pois sabia que iria demorar para encontrá-la de novo. Queria aproveitar algum tempo a mais ao seu lado, sem a intromissão do seu trabalho ou de seus conflitos. Gostaria que ficasse, mas já sabia a resposta.  

Apesar do silêncio agradável, sentia uma certa urgência em falar. Como se ansiasse por aproveitar os últimos segundos de sua mãe ao seu lado. Era comum, até. Sempre que precisavam se despedir, sentia uma certa lacuna de aproveitamento e o desespero de fazê-lo de última hora. Porém, não emanou um ruído sequer. Permaneceu quieto, contemplando o vácuo entre eles. Afinal, também era comum o silêncio ao anteceder a despedida.  

Apenas quando chegaram na rodoviária, o barulho os recebeu de novo. O ambiente repleto de vozes que gritavam cumprimentos e despedidas. O ronco dos motores dos ônibus que chegavam e partiam na mesma frequência.   

Assim que terminou de retirar as bagagens de sua mãe, sentiu-se hesitante, de novo. Não gostava de despedidas, não sabia reagir a elas, pois sempre temia que fosse a última vez. E, por isso, foi até a mãe, como se ainda fosse o garotinho dela.  

— Eu poderia levar você, não precisa ir de ônibus. — sugeriu, não sendo a primeira vez que trazia o tópico à tona.   

Sabia que era uma viagem difícil, cansativa e demorada. E não seria diferente, caso fosse ele a levá-la. Na verdade, era só uma desculpa para conseguir um tempo a mais.  

— Eu sei, meu querido, mas não precisa se preocupar. — abanou as mãos, recusando com teimosia. — Além do mais, a viagem é longa e você só iria conseguir voltar a noite. E sabe que não gosto que você dirija durante a noite!  

— Gostaria que pudesse ficar mais... — disse, de repente.  

Adhira sorriu ao ir em sua direção, recebendo-o em seus braços. Por conta de sua altura, quase tinha de se curvar para alcançá-la. E por mais que fosse desconfortável ficar encurvado, manteve-se no abraço dela por um longo período. Afinal, era o abraço de sua mãe. E não sabia quando receberia outro.  

— Prometo voltar em breve. — garantiu, acariciando os cabelos do filho antes de soltá-lo.  

— Com Juan, eu imagino. — brincou, deixando-a ir aos poucos.  

Ela riu, acenando com a cabeça, as bochechas avermelhadas da zombaria. Por fim, beijou o alto de sua testa. Era a hora de se despedir.  

Ela hesitou, subitamente. Manteve a bochecha do filho entre os dedos rechonchudos. E, olhando dentro de seus olhos, resolveu voltar a falar:  

— Converse com Alice. Ela vai entender, sei que vai, só precisa que você deixe-a tentar. — murmurou, apesar do sorriso, sem tom era sério. Ela estava dando-lhe um conselho de mãe, então era bom que o seguisse. — E, se puder encontrar um espaço no seu coração, também converse com seu pai. Deixe-o tentar também, se possível.  

Nirav piscou algumas vezes, hesitando breves segundos. E, finalmente, concordou. Talvez, não por si mesmo, o sorriso satisfeito de sua mãe poderia ser o principal motivo, mas estava decidido, disposto a tentar.  

Ela o abraçou, outra vez, apertando-o entre seus braços calejados. E ele retribuiu com firmeza, soltando pouco a pouco, sem querer, de fato, soltar.  

— Eu amo você. — disse a ela, antes dela partir.  

Enquanto observava o ônibus partir, junto de vários outros, Nirav permaneceu parado no lugar em que estava. Depois de ter um último vislumbre da face de sua mãe pela janela embaçada, ele deixou o olhar se perder pela vista que tinha ao redor. A rodoviária antiga, com as paredes descascando, os velhos bancos. E, por um instante, tentou imaginar Juno ali, descendo de um ônibus, depois de sete anos longe.  

O que teria sentido? O que estaria pensando? Será que estava emocionada ou receosa? Por algum motivo, assim como não conseguia responder tais perguntas, também não conseguia imaginá-la chegando ali. Era como se fosse impossível imaginá-la em algum outro lugar, senão em Florencia. Quase como se nunca tivesse partido, de verdade. Então, se parecia sempre ter estado ali, por que ele ainda temia? Por que continuava com medo de que, mesmo a tendo tão perto, não a tinha de verdade?  

Com um suspiro cansado, sabia que era de hora partir. Porém, não iria para casa. Iria de encontro a Alice e, quem sabe, conseguiria ser sincero como ela merecia que fosse. E esperava que pudesse recuperar o que parecia estar perdendo.  

No entanto, antes de voltar a entrar no carro, tomou o celular em mãos. Em sua cabeça, as palavras de sua mãe geravam um eco interminável. A tela estava vazia, exceto apenas pela foto de Alice, sorrindo ao segurar uma flor. Já não havia ligações de seu pai. Ele parecia ter desistido, enfim. Agora, era a sua vez de tentar.  

A ligação pareceu demorar uma eternidade. Chamou uma, duas, três, até quatro. Por muito pouco, Nirav não desistiu. Então, escutou o ruído da chamada sendo atendida.  

— August? — chamou, esperando a confirmação com o coração acelerado. — Sou eu, Nirav. Seu filho.  

E com isso, percebeu que estava na hora de começar a fazer as coisas do jeito certo. Como havia prometido.  


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Notas finais do capítulo

É, pois é, parece que temos alguém lidando com os mesmos dilemas morais que uma outra pessoa teve também, anos atrás... Ser ou não ser? Eis a questão. E se sim ou se não, como?

Até que ponto o desejo de se reaproximar é só isso mesmo?



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