O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 26
∾ Há muitos furos de roteiro no meu conto de fadas.


Notas iniciais do capítulo

Bem, sejam bem-vindos novamente!

Gostaria de destacar que chegamos ao 26º capítulo, o que torna essa história, até então, a mais longa que já escrevi (e ainda tem muita coisa por vir). Não é nada demais, mas sempre quis ver o quão longe conseguiria ir, saindo da minha zona de conforto. E, bem, aqui estou fazendo um progresso de dar orgulho. Fico muito feliz de compartilhar isso com vocês!



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O frio permanecia insistente, quase teimoso. Apesar disso, um mero vislumbre do sol parecia resistir, abrindo espaço entre as nuvens. A luz do dia invadia a janela, com os raios de sol a dominarem por toda a sala. Pareciam brincar pelas paredes, deslizando até o chão, escorrendo ao longo do perímetro. Lentamente caminhando, até chegar ao homem sentado no sofá.  

Nirav estendeu a mão até a luz, sentindo o fraco calor percorrer por seu braço, arrepiando todo seu corpo naquele breve instante. Então, fechou os olhos, ignorando todo o seu redor, por poucos segundos. Na verdade, pareceu durar muito mais. Precisou se esforçar para conseguir abri-los de novo, e não se render ao sono que, pouco a pouco, o consumia. 

Bem à sua frente, jazia o laptop. A tela acesa, brilhava em direção ao seu rosto. Tinha ali, todo o trabalho que precisava concluir, embora não tivesse feito progresso algum. Todos os dígitos, todas as programações, tudo parecia esquecido, deixado de lado. Quase como se por ignorá-lo de propósito, deixariam de existir.  

Ele suspirou, trazendo as mãos até o rosto. De seus lábios entreabertos, um sonoro bocejo escapou enquanto esfregava a barba entre os dedos. Depois, agarrando-se aos próprios cabelos, os bagunçou por completo, distorcendo seus cachos por todos os lados. E mais uma vez, tentando afastar a preguiça que consumia seu ser, ele retornou atenção à tela do computador.  

Piscou uma vez, duas vezes. Seus olhos ardiam, quase lacrimejando. Piscou de novo e de novo, vezes seguidas de outras, como se fosse incapaz de ler o que estava escrito. Na verdade, não lhe faltava capacidade para compreender o serviço que tinha em mãos, apenas não conseguia reunir energia para fazê-lo. O cansaço tomava conta do corpo, que agora começava a cobrar pelas noites mal dormidas, o esforço da vista cansada, o peso da postura errada.  

Além de tudo, de quando em quando, seus pensamentos escapavam, fugindo sorrateiramente do seu controle. Às vezes, sentia-se tentado a deixá-los deslizarem para longe, assim como agora. E iam de encontro a memórias antigas, tão convidativas quanto condenáveis. Caso se distraísse, por um segundo sequer, estaria perdido.  

Então, era hora de se levantar e buscar uma outra tentativa vã de despertar. E mesmo para erguer o próprio corpo parecia tão difícil. A preguiça dominava cada membro, quase o obrigando a se entregar, para que parasse de lutar contra uma guerra vencida. Já não adiantava bocejar, espreguiçar ou coçar os olhos. Ainda assim, ele se pôs sobre seus pés descalços e tentou fugir do sono que, teimoso, o seguiu para todos os lados.  

Encontrou-se, de novo, vagando pelos cômodos da própria casa, sem um rumo definitivo. Apesar de recusar a se entregar ao cansaço, tinha a concentração esmigalhada, transformando-se em um tédio crescente, embora o trabalho continuasse intocado. Partia da sala para o quarto e banheiro, depois retornava até a sala, ia até a cozinha e se debruçava sobre o peitoril da janela. Parecia um ser fantasmagórico, perambulando pela casa vazia, usando apenas uma bermuda clara para cobrir o corpo.  

Enquanto observava pela janela, decidiu recorrer a um cigarro, acendendo-o entre os lábios. A fumaça tão característica foi sugada pelo vão da abertura, sendo soprada para longe com o vento frio. Então, lembrou-se de sua mãe, pois estaria recebendo um sermão se ela o visse fumando.  

Ainda não tinha partido, mas não se encontrava em casa. Uma das poucas coisas que gostava de fazer naquela cidade era passear pelas ruas, sem um rumo definido ou um objetivo estabelecido. Apenas gostava de vaguear, batendo as pernas por cada bairro, observando a vida na cidade, comprando uma coisa ou outra e conversando, principalmente, conversando.  

Ele sorriu, após dar mais um trago. Gostaria que ela estivesse em casa, ali do seu lado, só para escutá-la falar sem parar, sobre todo tipo de assunto. Gostava tanto quando, em uma noite insone qualquer, ambos se debruçavam na janela – assim como estava fazendo agora – e comentavam sobre a vida das pessoas que passavam, do clima volátil, até as lembranças mais antigas que guardavam.  

 Assim, permanecia olhando para fora, tentando distrair o cansaço com algum tipo de diversão fútil. Deixou o olhar perder-se entre as pessoas que passavam, atravessando de um lado para o outro. Algumas estavam sozinhas, concentradas em sua própria companhia, com semblantes pensativos ou distraídos, talvez até escutando música nos fones. Outras andavam acompanhadas, em duplas ou até trios, e essas conversavam sem parar, com sorrisos nos rostos, vozes alteradas e feições divertidas.  

Tentou deduzir o que Adhira iria comentar. Quais seriam seus palpites sobre as conversas alheias, as fofocas inventadas, as brincadeiras bobas. Por isso, seu sorriso se desfez ao se lembrar que logo ela partiria. Então, estaria, de novo, sozinho. E não queria estar sozinho, apesar de saber estar sempre cercado de várias outras pessoas.  

Depois de um tempo, retornando da janela, deparou-se com o vão de sua própria casa. Aparentava estar tão vazia, tão inabitada. Continuava a parecer aquela casa de universitário, lutando para sobreviver com o mínimo. Mesmo depois de tanto tempo, com todos os novos móveis, decorações, objetos que ocupavam os espaços vazios, continuava a parecer carente de uma vida que ele, sozinho, não conseguia preencher.  

Olhou em volta, observando a casa. Suas sombras, seus cantos. Cada marca, cada defeito. Tudo estava no seu perfeito lugar, de acordo como sempre esteve. Então, por que ele sentia que faltava algo?  

Ignorando tais ideias, ele esfregou o rosto e descartou o restante do cigarro. Era hora de retornar ao trabalho, mesmo seu corpo inteiro relutando, dominado pela preguiça que atingia o cálcio dos ossos. E, depois de bocejar mais uma vez, jurou que conseguiria fazer algum progresso.  

Porém, sentado no sofá, com a tela em direção ao seu rosto, sentia-se falhando novamente. Sua concentração continuava a fragmentar, prendendo-se em qualquer outra coisa que não fosse os dígitos que cansavam sua visão. Por mais que tentasse, obrigasse a se manter atento, prometendo que estaria livre assim que terminasse, nada funcionou. Por fim, desistiu. Com o barulho da tampa do laptop se fechando, ele se entregou ao ócio, esticando o corpo cansado no sofá. E não gostava da sensação de fracasso por desistir. Sentia-se incompetente, um tanto irritado por não insistir mais.  

Aos poucos, deixou os pensamentos escorregarem para longe, antes de se apagarem em breve. Por um instante, permitiu fugirem de seu controle, escapando de encontro a um outro momento, em um tempo tão distante. E era tão vívido, sequer parecia um devaneio. E menos ainda, parecia apenas uma mera memória.  

E, de repente, já não estava tão sozinho. Pouco a pouco, encontrava um par de olhos coloridos e o som de uma risada exagerada. Sentia ter tão perto do seu corpo, sentada bem ali, ao seu lado. De sua boca, além das risadas, a voz contava-lhe coisas divertidas, fazendo-o rir junto. Depois, estavam juntos em outro momento. Ela se esquivava, fugindo de propósito para ser procurada. E quando finalmente a alcançava, estavam correndo juntos, com a boca repleta de risos. E ela puxava para dançar, envolvendo o corpo no seu, permanecendo no abraço de seus braços. Então, quando percebia, estavam os dois deitados, com os corpos úmidos e quase nus. O som da cachoeira enchia seus ouvidos, assim como o doce som dos suspiros dela.  

Logo, tão suave quanto devagar, seu corpo entregou-se a um sono com sonhos tão previsíveis. Já não conseguiria distinguir qual a última coisa se lembrou quando todos os seus pensamentos ficaram nulos, desmanchando e fragmentando-se até serem nada.  

No entanto, seus sonhos foram um tanto diferentes do que esperava. Neles, encontrou diversos rostos, alguns que já não via há um bom tempo, outros que já havia esquecido. Encontrou o rosto de seu avô, tão cansado e acolhedor, porém há muito perdido. Ao seu lado, o rosto severo de seu pai, o acompanhando com o olhar que dizia muito mesmo sem proferir palavra alguma. E, bem no fundo, estava um rosto embaçado, desfocado. Não tinha feição alguma e sua fisionomia era opaca, quase inexistente. Porém, de alguma forma, sabia a quem pertencia aquele rosto. Era Leo.  

Os rostos desapareceram como fumaça. Agora, sonhava que batiam em sua porta e chamavam seu nome com urgência. Sentia conhecer a voz, mas não conhecia reconhecê-la. E também não conseguia alcançá-la. Não sabia onde estava e quando procurava por uma porta, não encontrava sequer uma janela. Até que a voz se tornou mais alta e mais urgente, obrigando-o a segui-la para tentar encontrá-la. Então, diante de sua porta, reencontrou o par de olhos coloridos e o sorriso grandioso. Juno estava ali, esperando por ele. E quando ergueu a mão para alcançá-la...  

— Nirav?!  

Ele despertou de susto, quase desequilibrando-se de cima do sofá. Sentia seu peito apertado, como se estivesse sob algum peso, que descobriu ser o laptop. Estava tão cansado que sequer percebeu ter dormido com o aparelho sobre si.  

A pessoa continuava a chamar e bater na porta, fazendo-o se sentir um tanto desesperado, apesar de já saber quem era. Levantou-se aos tropeços, tentando recuperar o equilíbrio do corpo sonolento. Os olhos relutantes procuravam a camisa que havia abandonado. As mãos tateavam ao redor, indo até o próprio rosto e esfregando, tentando afugentar o sono.  

Enfim, abrindo a porta, encontrou o antigo amigo em espera. Theo tinha o semblante um tanto preocupado, com o cenho franzido. Estava com os braços cruzados, numa tentativa de afastar o ar frio. Apesar disso, estava com roupas mais frescas, uma blusa clara de manga curta e calça preta de linho. Enquanto ele usava uma camisa do lado avesso e uma bermuda amarrotada.  

— Podemos conversar? — ele pediu, fungando o nariz. Parecia um tanto incerto, olhando de um lado para o outro, fugindo do contato visual.  

Nirav assentiu, dando passagem para que entrasse. Não precisou dizer que havia pego no sono, estava estampado em seu rosto amassado e sua roupa bagunçada.  

Assim como o amigo, também se sentiu um tanto inseguro. Não se viam desde o encontro na casa de Louise, quando tudo pareceu virar de ponta cabeça para Nirav. E não podia negar que não estava irritado pela postura de Theo, mas começava a entender seus motivos. Entretanto, também esperava que ele pudesse entender os seus.  

— Sua mãe já foi embora? — puxou assunto, fugindo do tópico principal, que Nirav já desconfiava.  

— Ainda não. — respondeu, coçando a barba antes de cruzar os braços. — Está pela rua, deve voltar em breve.  

Houve um instante de silêncio. Os dois permaneceram de pé, dentro da sala, sem coragem de se encarar. Mesmo com a idade avançada, pareciam os garotos imaturos de antes, sem saber o que dizer depois de um conflito.  

— Eu queria pedir desculpas. — Theo disse, finalmente. — Sinto muito por não ter contado sobre Juno ou...  

— Não quero que me peça desculpas, Theo. Sabe que não precisa. — interrompeu-o com gentileza, embora soasse bem afetado. — Só não esperava que você desconfiasse de mim assim. Você, logo você. Meu melhor amigo.  

Theo ressentiu as palavras, abaixando a cabeça. Demorou um instante para retomar a conversa, como se estivesse pensando no que diria a seguir, para não correr o risco de estragar tudo de novo.  

— Eu sinto muito. — permanecia hesitante em olhá-lo, em sua voz trazia o peso do remorso. — Não queria dar a entender que desconfiava de você.  

Por alguma razão, a resposta o irritou. Porque, no fundo, sabia que tinha desconfiado dele, sim. Não só Theo, como todos os seus outros amigos.  

— Mas desconfiou, não desconfiou? — questionou mais rígido do que gostaria, porém, já que estavam ali para se resolver, então que viesse tudo à tona de uma vez. — Todo mundo desconfiou, não é? Por isso, todos vocês esconderam o retorno dela.  

— Eu quis te contar! — Theo retrucou, entrando na defensiva. — Assim que encontrei com ela, a primeira coisa em que pensei foi sobre você! Eu pensei em como contaria, mas não consegui. Eu me lembrei de tudo o que aconteceu entre vocês, toda a bagunça, todos os erros... E, sim, eu tive medo de que tudo isso pudesse se repetir.  

Nirav balançou a cabeça, dando um riso nasal de escárnio. Ele estava ali tentando pedir desculpas e era incapaz de confiar em seu próprio amigo.  

— Realmente acredita que eu sou tão baixo assim?  

— Porque tive receio de que ela ainda pudesse mexer com seus sentimentos!  

A resposta veio tão rápida quanto pesada, acertando-o como um murro, em cheio, bem no meio peito. Roubou a sua voz, por um instante, fazendo Theo perceber que tinha tocado em um detalhe sensível. E perceber, também, que não estava tão errado assim.  

Nirav respirou fundo, desviando o olhar do amigo. Agora, era a sua vez de fugir do seu contato, evitando o julgamento que viria de seus olhos. Mesmo assim, tomou coragem de ser sincero. Precisava ser. Estava na hora de encarar a verdade que tentava omitir por tanto tempo, até de si próprio.  

— Eu vou ser honesto. — começou, mantendo a voz baixa, assim como seu olhar. Por um momento, tendo o rosto de Juno estampado em seus pensamentos, soube o que dizer. — Ela ainda mexe comigo, com todos os meus sentimentos, cada um deles.  

Esperou qualquer reação de Theo, menos a recusa em seu rosto. Parecia ter dito algum absurdo, considerando a boca entreaberta, as sobrancelhas arqueadas e o olhar confuso. Ele abanou os braços, como um pai irritado com alguma desobediência.  

Nirav se manteve, apenas esperando pelo pior. Não iria retirar o que disse. Não mais. Só esperava que ele pudesse, ao menos, tentar entender o seu lado. No entanto, sentia que não seria tão fácil.  

— Como? Ela te colocou em uma situação horrível! Usou você e depois te abandonou como se não significasse nada! — contestou cheio de indignação. — Ela sequer tentou procurar você por todos esses anos!  

— E eu também não procurei por ela! — devolveu de imediato. — Por todo esse tempo, tudo o que fiz foi fingir que nada tinha acontecido e esconder meus próprios sentimentos. E eu estou cansado de fingir que não sinto nada, estou cansado de esconder meus sentimentos!  

— Não é possível, depois de tudo o que aconteceu...  

No fundo, entendia a indignação de seu amigo. Não podia negar que havia razão por trás da desconfiança em relação a Juno. Por tanto tempo, jurou ter sido essa a única verdade que sempre existiu. E, por isso, tinha uma necessidade tão controversa. Dentro de si, havia uma parte sua que ansiava por uma verdade que não se parecia nada com a que continuava a repetir. E talvez fossem apenas os sentimentos que nunca conseguiu superar. O apego ao passado que nunca esqueceu. Ou a saudade que apertava no peito. Não importava. Só queria ter a chance de entender, mesmo que fosse para perceber que estava errado em ter esperanças.  

— E o que aconteceu, Theo? — perguntou, olhando-o nos olhos. — Eu não tenho essa resposta! E eu quero entender o que aconteceu. Talvez, seja essa a minha chance, mas eu simplesmente não consigo, porque parece que tudo tenta me afastar da Juno.  

— Talvez seja por conta do erro que ela cometeu.  

— Um erro que não cometeu sozinha! — corrigiu-o, sentindo a irritação crescer, se agitando. — Eu sabia que era errado, tanto quanto ela! E eu a quis. Talvez, eu a quisesse desde o primeiro momento que a vi. Foi eu quem a beijou, foi eu quem... — a voz pareceu morrer em sua garganta, cansado de insistir. — Não é justo culpar somente a ela. Eu também errei.  

Theo permanecia implacável, até quando parecia prestes a ceder. Continuava relutando, parecendo tentar convencer não só a Nirav, mas a si mesmo também.  

— E como algo baseado em um erro pode dar certo?  

Nirav sentiu-se diante do estopim, perdendo um pouco do controle que sempre fez questão de manter.  

— Eu não sei! — sua voz ressoou por toda a casa, preenchendo o ambiente. — Eu não tive tempo de descobrir a resposta para essa pergunta!  

— Porque ela fugiu! — ele retrucou no tom semelhante. — Sem sequer se despedir!  

— E isso não é estranho o suficiente para você? Não te faz questionar, nem por um segundo, tudo o que aconteceu?  

Finalmente, Theo pareceu ceder, ponderando sobre seu questionamento. Ele abaixou a cabeça, como se procurasse uma resposta qualquer. Nirav sabia que não teria. Por todos esses anos, havia feito a mesma pergunta vezes seguidas de outras, procurando uma resposta que nunca aparecia. Agora, entretanto, sentia que a resposta estava ali, tão perto, como nunca esteve.  

Observando o semblante embaraçado do amigo, Nirav se aproximou, em súplica:  

— Lembre-se da garota que ela era. Lembre-se de como ela gostava da cidade, de vocês... de mim. — murmurou com a voz embargada, sentindo o peso dos anos que os afastaram ferir como nunca antes. — Eu entendo o rancor e a raiva, eu também senti isso por tanto tempo e acho que ainda sinto. Eu só...  

De repente, seus pensamentos escorregaram para longe, indo de encontro a Juno, mais uma vez. Não a Juno que reencontrou, aquela de sete anos atrás. E nela havia tantos motivos para acreditar que não tinha a perdido.  

Ainda se lembrava de todos os momentos, como se continuassem a acontecer dentro de sua cabeça. Desde a primeira vez que a viu, até o último instante em que esteve ao seu lado. Tudo o que prometeu esquecer permanecia existindo dentro dele. E deveria significar algo, não ser capaz de esquecer.  

No fundo, sentia que jamais seria capaz de esquecer. Não importava quanto tempo se passasse, quantas pessoas conhecesse, o que viesse a acontecer. Jamais esqueceria Juno. Ou momento algum que passou ao lado dela. E, talvez, não quisesse esconder, porque poderia ser tudo o que restaria dela.  

O modo como ela disfarçou o olhar, quando se conheceram, fingindo não estar olhando-o. Como passaram a noite conversando, como se conhecessem desde sempre. Então, continuaram a se esbarrar, sempre desejando um momento a mais, perdendo o tempo de suas vidas juntos, até que cada desejo falasse mais alto e se tornasse impossível de ser evitado.  

E por cada olhar, cada risada, cada toque, ele sentia que não poderia ter sido em vão. Deveria significar mais. Agora, a verdade parecia óbvia e estava na ponta de sua língua. E, assim, sabia o que precisava fazer.  

— Sempre que lembro dela, há sete anos atrás, eu sinto que ela não me deixaria, não assim. Então, eu me sinto tão perto de encarar a verdade e a perco de vista. Quase como se eu mesmo soubesse, mas não tivesse coragem de dizer em voz alta. E por isso preciso dela para me dizer. Preciso ouvir da voz dela que eu não estou tão errado assim.  

Encontrou no rosto de Theo a compreensão que tanto procurou. Finalmente, estava ali, entregue pelas mãos de seu melhor amigo. E Nirav estava aliviado. Por um instante, teve receio de que não pudesse esperar mais nada dele, além de decepção e julgamento.  

Ele passou a mão sobre o nariz, fungando. Ainda ponderando o que dizer. Dessa vez, Nirav sabia que não era uma hesitação para amenizar a situação com algum tipo de convencimento. Agora, sentia que Theo estava sendo seu melhor amigo e procurando as palavras certas para lhe dizer. Porque é o que os melhores amigos fazem.  

— Por tanto tempo todos nós tentamos encontrar algum motivo para a partida dela e, não vou mentir, ainda me questiono sobre a verdade por trás de tudo o que aconteceu. Não vou dizer que está errado, porque você não está, mas se está usando isso como desculpa para recriar o passado...  

— Eu não quero recriar o passado, Theo. Não posso fazer isso, por mais convidativo que seja. — ele sorriu, balançando os ombros. — Eu só preciso entender o que foi roubado de nós. E isso é importante para mim.  

Theo o encarou, olhando dentro de seus olhos, analisando sua reação com cuidado.  

— Ou você quer dizer que ela é importante?  

— E se for? — indagou, buscando conforto nos olhos dele. — Não diga que não entende. Por favor, não diga que você não entende.  

— Eu entendo. — respondeu sem hesitar, acenando com a cabeça. — Só quero que me prometa uma coisa. Não para mim, mas para você mesmo.  

Dando-se por vencido, Nirav abriu a guarda, dando a brecha para que ele prosseguisse. Embora já esperasse o que tinha para dizer, foi surpreendido com seu pedido.  

— Não importa o que vá acontecer entre vocês dois, prometa que vai fazer do jeito certo dessa vez. Prometa que não vai insistir no mesmo erro de antes. Prometa que vai fazer o certo por você e por Alice. — pediu, quase suplicando. — E por Juno também.  

E Nirav prometeu. 


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Notas finais do capítulo

Então, Nirav finalmente percebeu o que precisa ser feito: ir até Juno e, pasme, conversar!

Seria ótimo se não tivéssemos uns bons obstáculos pela frente. A começar por Alice, porque pode até parecer simples, mas é preciso cuidado para não comprometer seu presente quando se está lidando com o passado. Segundo, seus próprios sentimentos, afinal ele ainda está preso na "antiga" Juno, mesmo que sejam a mesma pessoa. E terceiro, e talvez mais importante, a própria Juno. Será que ela está preparada para dizer a verdade em voz alta?



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