As Lendas dos Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 8
— God save the princess IV


Notas iniciais do capítulo

Parte final.



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God save the princess IV

Arashi abriu suas asas, voou e recuou vinte metros. Testaria aquela coisa. Esticou os braços, abriu as mãos e metralhou os furacões que circundavam Hiori, o que se mostrou cem por cento inefetivo. Hiori riu. Aumentou a velocidade e o tamanho das balas, mas o efeito foi o mesmo — exceto por um resquício que bateu tão de leve na testa de Hiori que ele mesmo nem sentiu.

— Vamos, retalhador de elite! — Era desafiado. — Vamos ver qual é mais forte: minhas ventanias ou o seu gelo!

Podia-se ver o que se assemelhava a um dragão gigantesco feito de ar rodando em alta velocidade e poeira. A fera, fruto do poder de Hiori, era tão poderosa que resumiu a escombros as casas ao redor e fez do solo sobre o qual os dois trocaram socos um grande abismo. Seu dono ainda não a tinha concluído e não parava de gargalhar. O monstro deu um rugido, cessando combates próximos, assustando pessoas a quilômetros de distância do ponto de encontro deles e fazendo-as olhar para sua direção. 

 "Olhem!", exclamavam umas para as outras. Arashi aumentou a espessura e o tamanho das asas que o sustentavam nas alturas. Pensava se tinha forças para uma criação glacial capaz de rivalizar com aquela e, mesmo que tivesse, se sobreviveria a fazer algo daquela proporção. A técnica de Hiori foi concluída e se estabilizou. Não há mais tempo para pensar, constatou, batendo as mãos e se cercando de cristais de gelo. 

Pensou não num dragão, mas em algo melhor e mais assustador. Um cérbero. A temperatura caiu profundamente. Reuniu, com o máximo de poder que tinha, uma quantidade inesgotável de cristais de gelo, mas o melhor que conseguiu foi forjar as três cabeças do monstro mitológico em uma cauda que se ligava às suas mãos. Soldados e revolucionários soltavam suas espadas, até os civis se esqueciam do perigo e paravam para apreciar tais visões.

O momento do choque aconteceu. Todo o Reino de Ácamar balançou barbaramente ante a violência da colisão dos dois ataques, até mesmo as bases do castelo real tremeram do início ao fim daquele embate. Kin, ajudando a guarda do rei a afastar os invasores, sabia que Arashi estava envolvido naquilo e só rezava para que ele voltasse vivo. 

O cão de três cabeças conjurado por Arashi esforçava-se para penetrar os trituradores de vento que formavam o dragão e a defesa de Hiori. Nem um e nem o outro cedia. Os cristais afiados que compunham a criatura do retalhador de elite, no entanto, voavam aos montes e acertavam Hiori o tempo todo, causando nada mais que cortes inofensivos, porém. Todavia, eles ficavam cada vez maiores. 

Um deles atingiu Hiori na cabeça, desestabilizando-o, o fazendo perder a mão da técnica. É agora! Arashi pulou de onde estava direto para o busto central do cérbero, deixou o animal lidando com o dragão, atravessou voando o rombo que a distração criou na defesa de vento e, com toda a sua força, deu um cruzado de direita na cara de Hiori, atirando-o para fora dela e lançando-o dentro da cratera que seus ataques conjuntos formaram. 

O cérbero, em um piscar de olhos, se desmanchou em cristais que viraram gotas d'água, o dragão e a defesa se converteram em um pequeno sopro. 

Arashi enterrou sua espada no corpo de Hiori antes que ele pudesse se levantar, próxima ao estômago, tão fundo que ela penetrou também o chão sobre o qual o rapaz deitava as costas. No entanto, teve o cuidado de não atingir os pontos vitais, viu talento nele e não quis matá-lo: desejava que ele se regenerasse e servisse à Terra de Áries. Meticulosamente deslocou o facão para fora dele. 

 Hiori riu. As gotas d'água geradas pelo perecimento da besta construída por Arashi choviam sobre ambos. 

— Não d-disse que me m-mataria? — O questionou.

— Você é muito forte. Estou te dando a chance de reconsiderar suas ações. A última. — Retrucou o guerreiro glacial, desfazendo em água a espada que usou para derrotá-lo. — Procure um hospital. Se eu voltar a te ver hoje, vou te matar. 

Após a advertência, Arashi deu-lhe as costas e voou para o castelo. Hiori riu um pouco e caiu para trás. Arashi Suzume, divagava, impressionado. Nunca mais se esqueceria daquele dia. 

Na metade da escadaria da morada real, Kin acabava de apunhalar mais um arruaceiro e chutá-lo para a calçada. Havia avisado que não teria misericórdia de ninguém, muitos fugiram, mas alguns, os mais teimosos, insistiam em encará-la. 

Dez corajosos a olhavam alinhados do meio da rua. Quando Kin fechou os portões negros e desceu a escadaria branca até a calçada, nove correram. Um, sorridente, a olhava nos olhos. Este era branco, alto, robusto, tinha cabelos loiros quase totalmente raspados, vestia calças, camisa verde sem mangas e tênis branco de maratonista.

— Se não é a grandiosa líder da equipe dos retalhadores de elite... é uma honra enfrentá-la, não é? — Disse, sarcasticamente se curvando. — Meu nome é Kurama. 

— Eu não quero saber. — Kin grosseiramente o interrompeu, pondo a espada em sua garganta. — Vá embora agora. Não quero ter que te matar. 

Kurama estapeou a mão de Kin e deu um soco na cara dela, mostrando que não era um sujeito comum. Kin tentou chutá-lo, ele se agachou, os dois trocaram socos e, por fim, um golpeou a cara do outro. Ela aumentou a força e a velocidade dos socos, Kurama continuava se esquivando e contra-atacando. Quando reparou, estava dando o melhor de si e ele a enfrentando como igual. 

Poucas vezes isso aconteceu a ela. Levou um cruzado na cara, acertou um na cara dele também, segurou um cruzado com a mão, atingiu o queixo dele com um gancho, ganhou uma cotovelada na boca, recuou dois passos e parou. O analisava, estudava-o para interpretar um padrão em seus ataques e poder levar a melhor. O que sabia, contudo, infelizmente não era o bastante para apontar um padrão. 

Ele mais uma vez realizou a primeira investida, iniciando uma nova troca de socos, chutes, cotoveladas e mais todo o repertório de técnicas conhecidas das artes marciais. Kin desviava, contra-atacava, atingia, era atingida, feria, era ferida. Aquilo, para os poucos capazes de acompanhar seus movimentos, parecia que não terminaria nunca. Os dois lutadores não demoraram a notar que tinham o mesmo nível de habilidade e que a luta, para acabar logo, teria que seguir outro rumo. 

"O segundo ministro me disse que foi porque um homem muito poderoso queria me sequestrar para subornar o meu pai e, na época, além do Hayate não tinha ninguém em Órion capaz de derrotá-lo" — Lembrou-se da explicação de Mai para não ter sido trazida de volta para Ácamar dois anos antes. Deve ser a ele que a princesa se referia, deduziu Kin, encarando Kurama. Faz todo sentido.

 Entre os ataques e as esquivas, Kurama imperceptivelmente tocava os braços e a face de sua oponente. Kin juntou seus braços com uma só mão, o puxou para baixo, lhe deu uma joelhada no meio da cara e um chute lateral que o fez cair com tudo. Aquele sorriso inescrupuloso não saía dos lábios dele. Na intenção de dar fim àquilo, a loira lhe rendeu com a espada.

— Você perdeu! — Ela anunciou. O sorriso dele a tirou do sério, ela girou o corpo junto com a espada para degolá-lo mas algo explodiu em cima de seu braço. Kin e sua lâmina de luz voaram longe, para cantos diferentes. 

Confusa, Kin se sentou onde caiu. Procurou no braço alvo da explosão algo que justificasse o ocorrido e, por baixo da mancha de fumaça, localizou uma tatuagem esférica negra. Havia outra em sua bochecha esquerda e em sua perna direita. Kurama, de pé, estalou os dedos e a marca da perna explodiu com mais intensidade, deixando-lhe uma laceração tenebrosa ao lado direito do estômago.

 Kin, num espetáculo de perseverança e espírito de combate, lutava contra o próprio corpo para se reerguer. Não foi capaz, perdeu muito sangue, sem mencionar a dor monumental que sentia. Comparada ao esforço de ter que ficar de pé, aquela calçada rosa que enfeitava a entrada do castelo parecia-lhe um colchão de penas.

Seu adversário alçou a mão para atiçar mais uma explosão. Kin, antevendo a própria morte, só apontou os olhos para a espada de luz que escapou de suas mãos e a arma, como que com vida própria, veio voando da rua tenazmente asfaltada e trespassou o fígado de Kurama, que também caiu por terra. 

Kurama se sentou. O desgraçado ainda está vivo, pensou Kin, apavorada. Ele ergueu a mão. Não só vivo como ainda pode lutar. Era o seu fim.

Uma flecha, vinda de longe, decepou todos os dedos de que o infeliz precisava para efetivar a explosão — Kin olhou para o portão, de onde a seta veio, acreditava. A autora do disparo, que partiu de uma besta negra metálica, foi Mai.

Mais furioso do que nunca, Kurama se livrou da espada de Kin e ficou de pé. Pretendia atacar a princesa, mas uma frota de soldados, salvaguardas da família real, brotou do derredor da garota, todos armados até os dentes. Fraco como estava, Kurama sabia que não sairia vivo de uma salva de tiros.

Elevou as mãos em rendição, mas foi nocauteado com um golpe na nuca — cortesia de Arashi, que aterrissou logo atrás dele há uns instantes. Sorriu para Kin, que retribuiu o sorriso. Vencemos, sussurraram um para o outro, a distância. Aplausos, agradecimentos, abraços. Enquanto eram cumprimentados e elogiados, contactaram Hayate sobre o sucesso da missão.

O rei e a rainha insistiram que Kin e Arashi recebessem o melhor tratamento médico de todo o Reino de Ácamar, independentemente dos custos, por isso a dupla teve que ficar por ali até o dia seguinte.

A loira abriu os olhos pela manhã na cama branca, limpa, suave e confortável do mais caro hospital acamariano, e o primeiro rosto que viu foi o do guerreiro glacial. Um pouco abatido, com ponto na bochecha, curativo aqui e ali, mas era a face dele e só isso importava. Um sorriso involuntário se formou nos lábios dela, iluminado pelos raios de sol que atravessaram a janela aberta ao lado. 

— Olha, cheguei a pensar que você fingiu que estava dormindo só pra continuar nessa cama. — Comentou Arashi, em tom brincalhão. Se moveu na cadeira, então os esparadrapos amarelos que tapavam a ferida de seu peito transpareceram por baixo da camisa. — Mas eu não te culpo. Esse lugar é demais.

As paredes verdes-água, de tão bem pintadas, pareciam novas. O teto, branco nas lacunas, era repleto de pinturas clássicas e seu meio continha um grande ventilador preto com hélices amarronzadas.

— Bobo! — Disse, jogando o travesseiro na cara dele pelo comentário. Respirou com pesar e cansaço. As grosserias que fez com ele no dia anterior pesaram em sua consciência. — Escuta, me desculpa pelo jeito que eu te tratei. Eu não sei o que me deu.

Arashi já tinha até se esquecido da grosseria. Tudo em que pensava era no motivo que a princesa Mai imputou à Kin para ela agir da maneira que agiu.

— Tá tudo bem. — Sorriu e segurou a mão da retalhadora de elite. 

 Mai entrou no quarto totalmente desacompanhada. O vestido que escolheu para a ocasião foi um vermelho alaranjado discreto, de alças finas cruzadas que expunham seus ombros e um laço vultoso na cintura. Pôs um par de brincos de mesma cor para combinar, um coque nos cabelos com uma franja lateral frente ao rosto e um sapato florido com salto. 

Seu perfume, muito doce, anunciou sua chegada antes de seu rosto angelical, que por si só era perfeito a ponto de dar a impressão de ter sido caprichosamente esculpido pelo criador do universo em pessoa. A sombra levemente negra que envolvia seus olhos salientava o verde claro que existia neles. Nunca esteve e nunca mais voltaria a estar tão linda. 

Tinha uma quantidade infinita de coisas a agradecer à Kin e Arashi. Graças ao que viveu com eles deixou de ser aquela garota mimada que gritava com os pais e com os empregados quando não ganhava o que pedia, as pessoas com quem convivia nem a estavam reconhecendo. Eles lhe salvaram não somente a vida, mas a alma. Devia-lhes o que se tornou

A Arashi, em especial. Ele a consolou, lhe deu paz num momento de crise. Num período de poucas horas por causa dele descobriu o que era o amor, o que significava ter por perto alguém a protegendo e sendo seu suporte sem nenhum interesse. Por isso, precisava perguntar o que ficou entalado em seu peito. Fazer a proposta

Com delicadeza abraçou os dois, mas bem antes de começar a falar já estava emocionada.

— Nunca vou poder agradecê-los pelo que fizeram por mim e por minha família. Nem a vocês e nem ao Hayate. Ah, a propósito, no tempo que eu estive lá eu o tratei como um escravo, peçam desculpas a ele em meu nome. — Disse, rindo com eles e chorando ao mesmo tempo. — Bom. É isso. Arashi... Meu pai falou com você?

O guerreiro glacial olhou para baixo. O rei ficou sabendo da paixão de Mai por ele, então lhe propôs que ficasse e se casasse com ela para reinarem juntos sobre Ácamar futuramente. Olhou em seguida para Kin, que o fitou sem muito entender. Aquela olhada dele para a loira confirmou a resposta que Mai esperava que ele fosse dar. Percebeu agora o que não viu antes, se sentiu cega. Ele também gosta dela. 

 Arashi saiu da cadeira, beijou sua bochecha com carinho e falou com o coração:

— Agradeço a proposta, mas meu reino ainda precisa de mim. Foi lá que eu nasci, vivi com meus pais, meus irmãos e conheci as pessoas mais importantes da minha vida, deixá-los é o pior pecado que eu posso cometer. Mas falo por mim e pela Kin quando digo que você nos terá por perto sempre que precisar. 

 Kin precisou de um pouquinho de tempo para entender tudo, e assim que reparou que ele disse não à proposta, seu rosto queimou de alegria. Estava vermelha que nem um tomate. Um sorriso teimoso esticava seus lábios, pegava sua face de ponta a ponta, toda a dor que afligia seu corpo desapareceu, as dificuldades evaporaram, era pura felicidade: se estivesse só, mesmo com a perna lesionada, especialmente com a perna lesionada, pularia feito uma criança. 

 Trancafiado numa pequena cela de pisos, tetos e paredes brancas, Kurama não lembrava nem um pouco aquele valentão que poucas horas atrás incitou um golpe de estado e quase matou a retalhadora de elite do Reino de Órion.

Ele estava sentado quieto e impassível em um banco de concreto, com os joelhos a altura do nariz, os braços e a testa apoiada neles. Os médicos reimplantaram os dedos decepados de sua mão, mas ainda não conseguia movê-los — e foi aconselhado a só tentar quarenta e oito horas após a cirurgia. Até lá seu punho ficaria cerrado, duramente enfaixado. 

Uma roupa cinza sem mangas vestia seu corpo e um par de pulseiras negras enormes contornavam seus pulsos. Retalhadores de elite, pensava, repassando mentalmente cada segundo de seu combate com ela. As dores no rosto, no fígado e na mão davam a Kurama a sensação de estar no inferno, mas mesmo assim ele sorria. Se aprendeu alguma coisa com o dia anterior, foi que lutar era muito, muito mais divertido do que ter tudo sem enfrentar resistência. 

E se a história ensinou uma coisa é que não existe prisão capaz de parar por muito tempo um retalhador que quer lutar


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