As Lendas dos Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 7
— God save the princess III




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God save the princess III

 Todas as casas, edifícios e construções do Império de Ácamar dividiam o mesmo enorme chão branco repartido em formatos quadriculados. Sua arquitetura se diferia em numerosos aspectos daquela que foi adotada em Órion, as residências e as ruas obedeciam um padrão retilíneo, dando a um observador aéreo a percepção de que o Reino Acamariano era quadrado.

O deslumbrante castelo real ficava, desde o dia de sua fundação, no extremo sul — graças a isso, por muitos o reino foi apelidado de "tabuleiro de xadrez". Nunca foi exatamente a região mais calorosa e mansa da Terra, o gênio de seus habitantes fazia os retalhadores a serviço do primeiro ministro estarem sempre prontos para guerras. A cada mais ou menos vinte anos acontecia uma tentativa de golpe de estado, os autores eram homens sedentos por poder.

Arashi cobriu o corpo com o lençol negro que estava na canoa e guardou o cordão rastreável da princesa no bolso, uma estratégia simples para atrair os assassinos até si e de bastante fácil execução. Kin, simultaneamente, guiava a garota por veredas opostas às que ele seguia. Já tinham estado ali. Ele por várias vezes, com Yume; ela, apenas duas, com o pai e com Hayate. Conheciam aquele território como à palma de suas mãos. 

Para complicar a vida dos bandidos e favorecer as suas, a noite estava no auge de sua escuridão e a única luz que preenchia as ruas era a da sublime lua cheia. Reconhecer Mai ou qualquer um deles era uma tarefa para os mais qualificados. Os conflitos civis de certa forma também os ajudavam, pois estouravam por toda a parte. Retalhadores nas ruas, naquela noite, eram como palha no palheiro.

Inúmeras casas foram incendiadas, propriedades públicas despedaçadas e postes de luz derrubados, daí a penumbra e a dependência da lua para prover iluminação. Os soldados reais e os retalhadores locais se uniam a fim de apaziguar os ânimos, mas por não serem os únicos seres de essência eram forçados a empregar a violência e travar verdadeiros combates com os cidadãos subversivos.

Abraçada à Kin, Mai corria de cabeça abaixada. A loira estava em estado de alerta, desconfiava de tudo o que se movia e se preparava para matar. O objetivo: o palácio real. Ela sabia que lá a princesa estaria mais segura, pois sua imensidão a faria praticamente indetectável. Além disso, a retalhadora de elite poderia se unir aos guardas para protegê-la. 

Kin parou numa esquina e olhou ao redor. Pensava qual era a melhor via a se tomar. 

— Por aqui. — Sussurrou, elegendo o caminho ao lado, pois era nele que mais faltava luz. Sempre optava pelas ruas mais escuras. Porém, a que pegou se revelou um beco. Ir o resto do caminho voando pareceu mais razoável, se não o fez antes foi pelo receio de ser atingida durante o voo. — Se segura firme em mim.

— Por quê? — Indagou. Kin não lhe respondeu, se lançou às alturas com ela nos braços. 

Nas alturas, buscou se orientar. Olhou para baixo. A quantidade de batalhas que ocorriam nos vários pontos do reino a assustou. Será que chegamos tarde demais? Pensava. Um de seus maiores temores era falhar com Hayate. Foco, Kin, brigava consigo mesma e não se deixava dominar pelo medo. Avistou o castelo e, sem perda de tempo, voou na direção dele. 

No outro lado, enquanto isso, uma multidão de baderneiros furiosos cercava um pequeno pelotão de retalhadores reais na larga e deserta rua de uma viela abandonada. Os servos da realeza, sabendo que não tinham a mínima chance de sair vivos daquela, não se renderam, se agregaram para cobrirem a retaguarda uns dos outros e abaixaram-se em pose de confronto. Lutariam até o fim

Seu grito de guerra causou riso na multidão abrutalhada que, toda, em um só comando, partiu pra cima deles. No entanto, estacas afiadas de gelo brotaram do chão e reduziram os atacantes a metade do número original, só se ouviam seus gritos de dor. Os retalhadores reais voltaram seus olhares para trás. Arashi Suzume. 

O conglomerado de arruaceiros restante tremeu, ninguém lhes disse que precisariam enfrentar um retalhador de elite. Arashi, como quem passeia pela praça tomando um sorvete, andou até os guardas do rei, a eles se juntou e encarou os desordeiros como se lhes dissesse que ainda tinham tempo para fugir e desistir daquilo. 

Ninguém ousava se mover, todos conheciam a fama do garoto. Ninguém, por outro lado, queria ser o primeiro covarde a puxar o bonde.

— Bu! — Bramiu o guerreiro glacial, assistindo parado e envergonhado a fuga deles que, de tão medrosos, nem se preocuparam em levar consigo os cadáveres dos homens que perderam suas vidas unindo-se a eles. 

 O líder do pelotão, um homem alto, negro e forte vestido dos pés à cabeça como um oficial da marinha, retirou o quepe branco da cabeça para cumprimentar Arashi.

— Muito obrigado por nos salvar. — Agradeceu em nome dos demais, que se curvavam em respeito. 

— Não agradeça, é nossa obrigação. Eu vim com minha parceira e com a princesa Mai a mando do segundo ministro Hayate. — Revelou. 

— Transmita nossa sincera gratidão a ele. Diga que lamentamos não sermos capazes de lidar com nossos próprios demônios. — Persistiu o oficial.

Arashi tentou pensar como Yume responderia

— Conheci uma pessoa que dizia... — Começou, pensativo. — Que se quisermos unir todos os reinos da Terra de Áries, temos que tornar nossos os problemas de todos. Em nome do Reino de Órion, digo que podem contar conosco para o que precisarem. 

O líder da guarda real conteve a emoção e assentiu. Nunca tinha ouvido alguém falar daquele modo. 

— Onde estão sua parceira e a princesa? Elas podem estar com problemas. 

— Kin é muito mais forte do que eu e dará seu melhor para proteger a princesa, elas não me preocupam. A essa hora já devem ter chegado ao castelo. Preciso que vocês vão até lá e ajudem a defender a família real. — Retrucou, tateando o cordão que levava no bolso. Tinha outros planos para si.

Os homens, com afinco, seguiram sua sugestão. Os pensamentos de Arashi giravam todos em torno do poder que sentiu há poucos minutos, um que estava em seu encalço, só aguardando a sua parada para se apresentar. Sorriu e olhou para o telhado da casa a esquerda. Aí está você, pensou, vendo-o saltar para a terra.

O portador daquela magnífica força não parecia grande coisa. Era um rapaz caucasiano de cabelos castanhos espetados, cinco ou seis anos mais velho que Arashi mas da mesma altura que ele. Vestia, do pescoço para baixo, as roupas negras, resistentes e flexíveis de um gatuno, usava botas grossas e equipou as costas com um par de katanas. Chamava-se Hiori. 

 O espaço que os separava media quinze metros. Sem realizar um só movimento, o guerreiro glacial analisava a expressão de seu corpo e rosto. Embora sorrisse para projetar confiança, as mãos de Iori tremiam. Ele estava com medo. Arashi sabia que podia usar isso a seu favor no embate em que aquele tempo de encarada estava a ponto de desaguar. 

— Dez retalhadores de elite e eu fui topar logo com Arashi Suzume, o guerreiro glacial. — Disse, armando-se com as duas katanas presas a suas vestes. — Nunca me considerei um cara sortudo. 

— Estou avisando: não vou ter compaixão. No primeiro vacilo que der, você morre. — Obscuramente sério, Arashi fez questão de deixá-lo ciente de sua conduta em batalha. 

Iori não se permitiu intimidar, achava que podia vencer. Só precisava centrar-se em seu corriqueiro estilo ofensivo e não se descuidar. Assim pensando, correu, cobriu a distância em um segundo, saltou e, com suas duas espadas, atacou-o de cima para baixo. Atingiu o chão, pois Arashi rolou para o lado, ficou de pé, partiu para cima e o atacou com um chute alto. Hiori defendeu-se com os braços, desferiu uma sequência de cortes supervelozes com as lâminas que carregava mas não foi capaz de cortar Arashi, que recuava e habilmente removia o corpo da frente dos golpes.

Arashi contra-atacou com um direto de esquerda. Iori se protegeu prendendo os punhos dele entre as lâminas mas Arashi utilizou sua essência para congelar completamente a da esquerda, estilhaçando-a com um só gesto de mão. Surpreso, acima de tudo possesso, Hiori tentou degolá-lo com a espada restante mas o guerreiro glacial deitou o corpo para trás e deu uma cambalhota.

Peguei você, pensou, imaginando ter encontrado, no espaço de tempo que o orioniano completava o movimento de esquiva, a brecha perfeita para acabar com ele. Direcionou a ponta da katana que lhe sobrou para seu oponente e, através dela, conjurou um furacão tão violento que devastou várias casas do ponto que ele estava em diante.

O alvo, para seu espanto, permanecia vivo. No momento que a ponta da espada lhe foi exibida, Arashi anteviu algo sobrenatural e se resguardou na armadura de gelo que agora desfazia por contra própria, ela requeria muita energia. Começou a pensar no tempo. Seu trabalho era impedir que aquele confronto se alongasse muito, então investiu.

Hiori, parado exatamente onde estava, movia a katana disparando poderosas lufadas de vento, contra as quais Arashi erguia barreiras. Queria se aproximar de Hiori, mas para isso precisaria forçá-lo a ficar na defensiva. Das barreiras de gelo fez sair projéteis, para se defender Hiori foi forçado a focar-se neles, a destruí-los girando a katana. 

Fez precisamente o que Arashi queria. Quando se deu pela falta de seu oponente, a ponta da lâmina de gelo dele estava a centímetros de seu pescoço mas, por reflexo e instinto, moveu o corpo para fora da reta dela. Por um triz, pensou, sentindo um corte superficial abrir-se em sua garganta e sangue jorrar dele. 

Ainda nas costas de Hiori, Arashi cravou a espada no braço direito dele pois por pura sorte ele girou na hora que ia ser morto, mas pegou de volta sua lâmina de gelo e o socou no rosto com um cruzado de esquerda, lançando-o ao chão. 

Hiori enxugou o sangue do lábio inferior com o dorso da mão, fixou os olhos em Arashi e, com extremas dificuldades, se reergueu. Ainda posso lutar, disse a si mesmo, reequipando-se. Lembrou-se de um expediente que podia tentar. Se isso não der certo, nada mais vai funcionar. Arashi sentiu uma mudança no clima, atacou Hiori presumindo que era ele o responsável por ela mas um tipo de barreira invisível o repeliu, abriu um corte em seu braço esquerdo e em seu rosto. 

O poder das ventanias que provinham de Hiori foram se intensificando, retirando telhas do lugar e afastando Arashi, que lutava para permanecer fixo no ponto que escolheu parar. Elas se concentraram no entorno de seu invocador, fizeram-no flutuar até alcançar seis metros de altura e giraram a velocidades incalculáveis para formar um furacão. Caído sentado, o garoto que teria de enfrentar aquilo pensava em como poderia fazer isso. 


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