As Lendas dos Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 5
— God save the princess




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God save the princess 

Uma noite amena de inverno caiu sobre o hospitaleiro Reino de Órion. No céu não havia nuvem, mas muitas estrelas disputando para exibir seu brilho, para ter sua beleza apreciada pelos observadores, uma respeitando o espaço da outra. Nenhuma delas atraía mais atenção do que a grande lua cheia, que chegou muito mais cedo do que costumava naquele dia. A mãe natureza deu uma trégua aos orionianos

Kin e Arashi aguardavam Hayate na ponte vermelha de madeira. Ela esperava sentada sobre o corrimão, com os pés cruzados, as mãos em cima dos joelhos e o rosto voltado para as estrelas. Ele optou por ficar de pé, mas apoiava os cotovelos no mainel para poder admirar o fluir das águas limpas que corriam por baixo deles. Os dois discutiam o ainda não revelado motivo do ministro tê-los chamado tão tarde. Arashi arregaçou a manga direita da jaqueta jeans e olhou o relógio. 

 Quase vinte horas da noite. Hayate nunca demorava tanto para dar as caras quando lhes pedia para encontrá-lo. Kin, que não pensou que fossem ficar tanto tempo ali ou que faria tanto frio, arrependeu-se de não ter levado um casaco — longe de ser porque a friagem a incomodava, mas mais porque seu armário estava cheio de camisas que queria experimentar, nas quais sabia que ficaria linda. Saiu com uma camiseta branca abotoada sem mangas, uma calça preta acima das canelas e um par de sandálias alvas rasteirinhas. Prendeu os cabelos para trás.

 Arashi escolheu o básico: botas, calça, camisa e jaqueta. Estava sempre pronto para uma luta. Dono dos sentidos mais apurados no reino, notou pelo contato com a ponte o momento da chegada de Hayate e que ele não estava só. Kin desceu do corrimão e, com sua companhia, foi até o segundo ministro, que veio hoje pela esquerda. O cumprimentaram.

— Quem mais veio com o senhor hoje? — Foi a primeira das muitas perguntas que Arashi tinha a fazer, a resposta que mais queria ouvir. A pessoa estava muito bem escondida atrás do ministro.

— Hã? Ah! — Sem saber que a garota estava se escondendo, Hayate olhou para os lados e então deu um passo para a direita, saindo da frente dela. — Não tenha medo, princesa Mai. Esses são os aliados de quem eu te falei, os que vão te escoltar. 

A jovem e mimada filha do rei de Ácamar conheceu a paixão à primeira vista quando percebeu a presença de Arashi. Seus longos, lisos, sedosos, reluzentes cabelos ruivos, os olhos verdes como esmeraldas que embelezavam mais ainda sua face e o corpo esbelto adornado pelo mais caro vestido do reino não tinham valor nenhum se não atraíam o olhar dele.

Jogaria às feras o colar de ouro legítimo que aformoseava seu pescoço e os brincos que ornavam suas orelhas se não fossem do agrado do jovem orioniano, o garoto mais lindo que já viu em toda a sua vida, como o descrevia em pensamentos. Quis compará-lo a outros pretendentes que eram levados ao castelo onde vivia antes de ir parar no Reino de Órion, mas ninguém chegava a seus pés

 Estava muda, pela primeira vez não tinha o que criticar. 

— É uma honra conhecê-la, princesa Mai. Me chamo Arashi. — Ele, com um sorriso acolhedor no rosto, se curvou e a cumprimentou. 

Kin se inclinou para educadamente fazer o mesmo mas foi completamente desprezada pela garota, que agarrou-se ao braço de Arashi e o arrastou para longe.

— Que princesa mal educada! E muito oferecida também! — Só lhe restou reclamar para Hayate, em tom de sussurro.

A cara fechada que Kin fez após cruzar os braços só queria dizer uma coisa para o segundo ministro. 

— Não está com ciúmes, está? — Ele falou em claro tom de acusação, divertindo-se com a cena. 

A pergunta deixou Kin numa saia justa. Ela previsivelmente negou:

— Lógico que n-não! Mas essa garota parece ser insuportável, se vou ter que escoltá-la quero dinheiro adiantado...!

Hayate deu uma risada, afagou sua cabeça com o carinho de um pai e seguiu o resto do caminho relatando os pormenores da tarefa que estava lhes delegando. Mesmo muitos metros distanciado deles, Arashi ouviu cada palavra sua. Muito embora a princesa falasse pelos cotovelos e mal o deixasse respirar, analisou cada fala do segundo ministro por suas implicações geopolíticas.

Haviam assassinos profissionais atrás da filha única do rei de Ácamar, seu dever era seguir pela rota mais segura e devolvê-la sã e salva ao reino onde ela nasceu, só que, para piorar, várias cidades do lugar se digladiavam em violentas guerra civis. O palpite de Arashi era que aquilo não passava de um teatro para acobertar um golpe de estado. Temia chegar tarde demais. 

Resumindo, não teria apenas que escoltar a garota, mas dar fim aos conflitos internos e, acima de tudo, manter a família real a salvo. Esse seria provavelmente o maior desafio de suas carreiras. Se estavam com medo? Não, pelo contrário. Há meses vinham recebendo trabalhos pequenos, requerimentos que não ofereciam riscos às suas vidas, na verdade ansiavam por aquilo. 

Pararam na fronteira, próximos à pequena cabine verde de diligência para conversar sobre por que direção seguir. Ali o chão não fora asfaltado, nem tinha plantas, era terra pura, em volta não existiam árvores, alojamentos e, além do guarda, nem pessoas. 

Receberam instruções sobre as diferentes vias a seu dispor, elas eram quatro; a mais simples, "Caminhada dos Astros", obedecia uma estrada circular como o nome indicava, mas precisavam pressupor que os assassinos sabiam que o alvo estava hospedado em Órion e que esse itinerário, justamente por ser o mais óbvio, estava sendo vigiado. 

Foram aconselhados a seguir pelo Mar de Procyon, de canoa. Assim o fizeram. O problema é que a quantidade de chão até o mar era incontável, a princesa não suportaria a caminhada. A felicidade dela quando Arashi lhe ofereceu a cacunda só não superou a revirada de olhos muito mal disfarçada que Kin fez. 

Partiram logo depois de garantirem a Hayate que tudo ficaria bem. Sua taxa de sucesso permanecia nos 100%, mas ele nunca ficava despreocupado quando os mandava para fora do Reino de Órion em seu nome. Amava-os muito mais do que pensou que amaria alguém um dia, realmente queria não precisar deles para tais trabalhos. 

Muitos quilômetros depois Mai ainda não tinha parado de sorrir, de contar vantagem, de falar sobre o ouro que a cercava onde morava, tagarelou até sobre ter aprendido a manusear arcos, balestras e bestas quando criança. Em contrapartida, a cara emburrada de Kin não melhorou, ela não parou de fazer comentários sarcásticos e de perguntar se ainda faltava muito "para subirem logo na maldita canoa e o remador pedir para ficarem de boca fechada".

Em determinado momento, no entanto, a princesa tocou num ponto que interessava até mesmo Kin e atiçava suas curiosidades. Já que não precisavam se precaver contra ataques surpresas pois passeavam por uma zona aberta, sem nenhum esconderijo possível, podiam ouvi-la descansados. 

 — Estávamos mesmo para perguntar, princesa. — Arashi tomou a palavra quando a menina ficou em silêncio. — Como veio parar no Reino de Órion?

— Ah, deixa eu ver, tô com quinze anos hoje... — Ela parou pra rememorar e calcular. — Eu tinha uns treze anos. Fui raptada por uns piratas e resgatada por uma moça muito sinistra chamada Yuna, se bem me lembro ela vinha do reino de Altair e controlava neve

Kin e Arashi imediatamente olharam surpresos um para o outro quando ouviram suas duas últimas palavras.

— Estava lá quando essa garota derrotou os piratas? — Kin a indagou.

— Sim, mas eu não consegui ver muita coisa. Além de estar cercada de neve, foi tudo muito rápido. — Contou, com certa ternura no olhar. — Até onde eu sei, os corpos deles nunca foram encontrados. A menina me levou ao terceiro ministro Hizashi e perguntou aonde eu deveria ficar, ele pediu para me trazer pra cá pra Órion. 

— Ficou dois anos no Reino de Órion? — Arashi achou estranho. A princesa confirmou com a cabeça. — Por que ninguém a levou de volta pro seu reino antes?

— O segundo ministro me disse que foi porque um homem muito poderoso queria me sequestrar para subornar o meu pai e, na época, além do Hayate não tinha ninguém em Órion capaz de derrotá-lo. — Explicou. Sorriu. — Agora tem você!

Kin, se sentindo excluída, voltou muito séria e ríspida para a conversa:

— Vamos agir de um jeito que não precisemos enfrentar esse sujeito. 

Dois quilômetros percorridos depois, os três enfim avistaram o Mar de Procyon. Não sem protestar, Mai desceu das costas de Arashi e ele foi sozinho ao velho casebre do canoeiro tratar os custos do empréstimo e da companhia dele na viagem. As garotas os esperaram na areia. Mai não tirava os olhos de cima do guerreiro glacial e não parava de suspirar, Kin batia o pé o tempo todo e faltava bem pouco para ela gritá-los pela lerdeza. 

A beleza do mar, límpido e sereno, se unia ao epopeico céu escuro estrelado para delinear uma vista espetacular. A brisa gelada a abanar as ondas parecia a cereja do bolo. Kin apreciaria e diria algo sobre tudo isso se aquela garota não a estivesse tirando do sério, por causa dela tudo aos seus olhos se mostrava feio e sem graça.

Os dois saíram da cabana após três minutos de negociação. O velho desamarrou a canoa de quatro metros de largura e Arashi a carregou no ombro para o mar, as garotas subiram primeiro, Arashi em seguida e o velho, com uma lamparina na mão, por último. Advertiu os três que partiria, como de praxe perguntou se não largaram algo para trás e, após a resposta satisfatória, remou rumo ao alto mar.

Mai reclamou da quantidade de poeira a enfestar a canoa, a princípio não quis se sentar. Pretendia que o garoto que gostava oferecesse o colo, mas o melhor que conseguiu foi um lenço bonitinho e uma cara de deboche da loira. A maior parte da viagem ficou mal humorada. Kin começou a desconfiar das encaradas do remador, então chamou Arashi para conferir com ele se estava errada. O velho aparentemente notou que os dois falavam sobre ele. 

Até a princesa sentiu que havia algo estranho no ar, os retalhadores de elite, no entanto, permitiram que a estranheza se alongasse por mais meia hora de remada. Kin sentou ao lado de seu parceiro. Nenhum dos dois perdia ao menos um movimento do sujeito, se Mai permanecia sentada na frente era com a serventia de isca. Na verdade, naquela situação, a garota podia se sentir até mais segura do que eles.

Se ele estivesse mesmo esperando para tentar algo, eram obrigados a admitir: a camisa suja e verde de pescador, a falta de cabelos na região traseira da cabeça, de dentes na boca, a magreza, a pele clara queimada pelo sol e a calça jeans surrada formaram um ótimo disfarce. Lhe caíram como uma luva. Talvez tivesse passado despercebido se a última recomendação de Hayate não tivesse sido "não confiem em ninguém". 

— Desculpa... — Mai cutucou o ombro do velho. — Mas já esteve no Reino de Ácamar? Porque o senhor não me é estranho. Tô com a impressão de que já te conheço.

O vovô partiu o remo da mão direita ao meio e, rápido demais para qualquer olho humano acompanhar, usou a ponta afiada para tentar acertar o coração da princesa.


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