En El Medio escrita por Marylin C


Capítulo 5
V. you said you're into closure


Notas iniciais do capítulo

ERROS EM HAVANA!
Oi pessoal, hehehe. Esqueci de um detalhe importante lá da primeira cena da segunda parte da história, que é a Tina sentindo a dor de passar pelo portal. Reescrevi o começo da cena, então quem quiser ir lá conferir, pode. Qualquer dúvida, só falar!

(esse capítulo saiu rápido, não foi? hehehe)



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PARTE 5. you said you're into closure

A jovem rainha de Ikla colocava para fora tudo o que comera nas últimas horas, segurando um balde junto a si enquanto sentia as lágrimas escorrerem por sua face. Atrás de si, o sempre presente Julio lhe dava pequenas carícias nas costas ao segurar seus cabelos para longe de sua face, dando graças aos céus por Maren não poder ver sua expressão preocupada. A comitiva mal chegara e sua rainha tinha gritado por um balde, isolando-se em seus aposentos na Torre Purpúrea para passar mal longe das vistas do Conselho dos Magos. Apenas ele próprio tinha sido admitido no quarto, os outros sendo imediatamente mandados para uma refeição merecida enquanto refletiam sobre o que fazer a seguir.

— Já… Já notificaram Rafael do que aconteceu? — Maren indagou em um intervalo de suas náuseas. Julio fez que não com a cabeça.

— Ele está dormindo com Felipe. Ordenei que não o acordassem, já que provavelmente não conseguirá mais dormir depois da notícia.

Ela assentiu, indicando que aquela tinha sido a melhor decisão, antes de voltar a vomitar. Respirou profundamente várias vezes antes de ter certeza de que não precisaria mais do balde, e o afastou para encostar-se à parede e fechar os olhos, lágrimas silenciosas ainda correndo por seu rosto moreno. Ela estava sentada no chão, aos pés da cama de dossel onde se recusara a sentar por estar imunda da viagem e sem a menor vontade de fazer alguma lavadeira infeliz lavar lençóis sujos de vômito. Julio ajoelhava-se ao seu lado, certamente em uma posição bastante desconfortável.

— O que eu vou fazer agora, Julio? — ela perguntou em um gemido triste ao tomar um gole do copo de água que o homem negro oferecera e então enterrar a cabeça entre seus joelhos — Conseguimos capturar Agustina, mas a que preço?! Hector… Ele… É tudo minha culpa!

— Por que diabos é sua culpa? — ele revidou abruptamente, fazendo-a erguer o rosto para olhá-lo. Julio tinha seriedade em seu olhar castanho, e ela hesitou ao responder:

— Se eu não tivesse lançado aquele raio, ele não teria se distraído e teria desviado do golpe que…

— Maren, eu te conheço desde que tínhamos cinco anos. — Julio interrompeu — Você nunca foi centrada em si mesma, por que está fazendo isso agora?

— Centrada em mim mesma?! — ela repetiu, incrédula. — Como pode falar algo assim?!

— Estou apenas dizendo o que estou vendo. — ele replicou, com uma seriedade que quase a fez voltar a chorar. — Você está aqui, em seu quarto, sentindo pena de si mesma e se culpando por uma missão inteira ao invés de fazer o que é seu dever e arrumar uma solução para os acontecimentos recentes.

— Mas eu…

— Eu entendo que você tenha se isolado aqui por estar passando mal, mas a Maren que eu conheço nasceu sabendo de sua posição privilegiada e encontrando meios para usá-la em favor do povo que ela governa. — Apesar da dureza de suas palavras, Julio começou a cuidadosamente pentear o cabelo castanho de sua rainha com os dedos, uma carícia que a teria feito sorrir se não estivesse em meio a uma discussão séria. — Todos os que foram com você naquela missão estavam cientes do perigo que corriam, inclusive Hector. E nenhum deles é sua responsabilidade, por serem adultos e cidadãos de outros reinos que não Ikla.

— Mas são meus amigos! Hector praticamente cresceu conosco, Julio! — ela gesticulou, enraivecida. — Sou responsável por eles do mesmo jeito que…

— Não, você não é. Você se importa com eles, os ama, mas não é responsável pelas escolhas deles. Assim como não é responsável pelo mal que outras pessoas inflingem a eles. Entendo você estar triste e preocupada com Hector, mas culpar-se desse jeito não fará bem algum a ele. Mesmo porque é uma inverdade sem tamanho.

A moça respirou fundo e refletiu, momentaneamente em silêncio, sobre o que seu marido dizia. E então, para a surpresa de qualquer um menos o próprio rei consorte, Maren sorriu em meio às lágrimas.

— Lembra da expressão de prazer dele quando chegou aqui e eu contei que tinha me casado com você? — perguntou, fazendo Julio rir.

— Lembro sim. Ele nos pediu para contar nossa história e então bateu palmas gritando “Eu sempre soube que vocês iriam acabar juntos!”

— Que bom que não perdemos tanto tempo, não é? — ela comentou, ao que ele assentiu antes de entrelaçar seus dedos. Utilizou a outra mão para espantar as últimas lágrimas que nublavam o rosto moreno de sua amada e sorriu.

— Está se sentindo melhor?

— Estou sim. Obrigada por ficar aqui comigo — Maren piscou, com um sorriso de lado — e pela bronca. Eu estava precisando.

— É meu dever e meu privilégio, meu amor. — ele se ergueu, a levantando junto consigo. — Agora vá tomar um banho para limpar seu corpo da viagem e de suas náuseas antes de pensarmos no que fazer para resgatar Hector, sim?

— E tentar melhorar este rosto inchado de lágrimas, hein? — ela riu antes de fazer uma careta para o balde no chão. — Estou me sentindo mal pela pessoa que deverá limpar isso. Me lembre de certificar-me de que ela receba uma boa refeição depois.

— É claro, minha rainha.

***

anos antes

— Eu nunca vou me acostumar com o quão desastrosamente decorado é o seu apartamento. — Rafael anunciou em alta voz ao por as compras que fizera sobre o balcão da cozinha de Hector. O dono do apartamento riu, saindo do banheiro sem camisa enquanto secava os cabelos ruivos com uma toalha.

— E eu nunca vou entender por que diabos existem porteiros se eles deixam qualquer um entrar nos apartamentos alheios. — comentou com um sorriso de lado. O homem de cabelos castanhos ergueu uma sobrancelha, dando um passo à frente para alcançar o agente mais baixo e puxá-lo para um beijo.

— Eu sou qualquer um, é? — sussurrou, fazendo Hector ficar muito vermelho antes de dizer:

— Senti sua falta, Rafa.

— Também senti a sua, cariño. — Rafael respondeu, acariciando-lhe o rosto com o polegar antes de voltar a se afastar, começando a abrir armários e tirar utensílios de cozinha de dentro deles. — Como foi nos Estados Unidos?

— Cansativo. Resolvemos o caso rápido, mas ir atrás dos criminosos me rendeu várias corridas. — o agente ruivo disse, revirando os olhos.

— E quedas, provavelmente. Você voltou inteiro, não foi? — o Oficial de Justiça indagou, olhando-o de cima a baixo e notando uma mancha roxa em seu tronco desnudo, além de um joelho esfolado.

— Bom, quase. — Hector deu de ombros. — Mas não foi nada demais, estou cuidando dos machucados.

— Então vá deitar no sofá e fingir que é um daqueles maridos preguiçosos enquanto eu cozinho, sim? — o homem de barba castanha piscou, fazendo o outro rir e revirar os olhos.

— Tem certeza de que não quer ajuda?

— Tenho. Você deve estar exausto da viagem. Vai deitar, vai. — enxotou Rafael, ao que o ruivo aquiesceu com um sorriso derrotado e saiu para deixar a toalha de volta no banheiro, não sem antes ficar na ponta dos pés para beijar a bochecha do mais alto em agradecimento. Ele se distraiu por alguns minutos ao aplicar uma pomada em seu machucado e terminar de desfazer a mala, para então voltar para a sala e encontrar três pessoas a mais começando a arrumar a mesa de jantar e tagarelando animadamente. A primeira a notar a presença do dono do apartamento ali foi uma senhora de cabelos ruivos e linhas de expressão de quem sorria muito, que deu um gritinho e correu para abraçar o rapaz:

— Hector! Você voltou, que bom!

— Mãe? — Hector indagou, já ficando vermelho ao notar Rafael tentando não parecer nervoso enquanto respondia as perguntas de um homem alto de cabelos e barba grisalhos que voltou-se para ele ao ouvir o comentário da esposa:

— Oh, Hector! Como foi tudo lá na América? — e, sem dar a oportunidade para que o filho respondesse, ajeitou os óculos de armação quadrada para perguntar — Esse jovem aqui é seu namorado?

— Claro que é, papai! — quem respondeu foi uma moça muito alta que colocava pratos sobre a mesa forrada, seus cabelos mais escuros que os de Hector presos em um coque alto e displicente. — Olha como ele ficou vermelho quando nos viu chegar, e como o outro tá cem por centro nervoso falando contigo!

— Rosa, sinceramente… — Hector pôs as mãos no rosto, tentando não ceder à vontade de sumir dentro do próprio quarto e não sair mais. A irmã mais velha riu, se aproximando para dar um abraço apertado no irmão. Ele internamente deu graças por ter colocado uma camisa, senão as perguntas sobre seu machucado seriam cem vezes piores que as indagações preocupadas de Rafael. Este no momento ria levemente da vergonha do dito namorado, tentando manter a calma ao ter o olhar do pai dele novamente dirigido para si.

— Qual seu nome mesmo, filho? — ele indagou.

— Rafael, senhor. Rafael Delfino.

— Oh, eu adoro quando os namorados deles me chamam de senhor. — o pai comentou para a mulher ruiva, rindo. — Faz eu me sentir respeitado.

— Pai, você está deixando o coitado mais nervoso ainda. — Rosa comentou, gargalhando.

— Não é essa a intenção quando se conhece o namorado nunca mencionado do seu caçula? — ele falou, lançando um olhar acusatório para o filho antes de voltar-se para Rafael — E então, Rafael… Faz quanto tempo que estão juntos?

— Ah, nosso primeiro encontro foi… Há dois meses, certo? — o homem de cabelos castanhos procurou o olhar de Hector, que assentiu com um sorriso de desculpas.

— É, vão fazer dois meses semana que vem. — o agente ruivo acrescentou, tentando ir até a mesa para ajudar Rosa a posicionar os copos.

— Eu não disse que você devia deitar, cariño? — Rafael reclamou, rapidamente cruzando a sala para segurar o rapaz pelos ombros e dirigi-lo ao sofá. — Eu vou cozinhar, você vai ficar aí.

— Por que isso, Rafael? — a mãe de Hector indagou, fazendo o mais baixo arregalar os olhos e fazer que não veemente para o outro. Este ergueu uma sobrancelha em desafio, abrindo um rápido sorriso de lado para então responder em tom preocupado:

— Ele se machucou durante o caso dos Estados Unidos.

— O quê?! — os três membros da família ali presentes indagaram juntos, antes de começar a encher seu caçula de perguntas e deixando Rafael livre para voltar à cozinha. Rosa notou o movimento e gritou para ele:

— Eu sou vegetariana, viu?

— Certo! — o Oficial de Justiça afirmou com uma risada, começando a ferver a água para o macarrão. Ainda bem que tinha comprado muito, pensando em deixar Hector levar o que sobrasse para almoçar no trabalho nos próximos dias. Ainda estava se recuperando do susto de ter sido subitamente pego no furacão que era aquela família, mas tinha que admitir que tinha gostado de todos eles logo de cara. Talvez precisasse esclarecer depois que eles não eram namorados (bom, não oficialmente pelo menos), mas resolveu deixar esse assunto de fora pelo presente momento. Ele cantarolava alegremente enquanto deixava o macarrão escorrer quando o homem de cabelos grisalhos entrou silencioso na cozinha.

— Rafael? — indagou, fazendo-o virar-se para olhá-lo. — Acho que não te disse que meu nome é Sebastian. Eu estava só brincando com toda aquela história de ‘senhor’. — Sebastian sorriu, fazendo Rafael assentir.

— Tudo bem, sen… Sebastian.

— Você precisa de ajuda aí? Sei que chegamos aqui de repente…

— Não, não. Tudo certo por aqui. — o mais novo sorriu, mas voltou a ficar sério ao ver a expressão analítica do senhor enquanto o olhava.

— Rafael, vou precisar ser franco com você agora. Tenho o costume de proteger um pouco exageradamente as pessoas que amo, especialmente meus filhos.

— Eu… Eu posso entender isso, senhor. — Rafael hesitou, subitamente voltando a ficar nervoso.

— Imagino que Hector tenha te contado da situação que aconteceu quando ele chegou à polícia de Barcelona, estou certo?

— Ele me disse, sim.

— Bom. Ele confia em você, então. — Sebastian disse aprovador. — Entende quando eu digo que vou realmente quebrar a sua cara se enganar ou magoar meu garoto, correto?

— Com todo o respeito, Sebastian — o Oficial começou, aprumando a postura — eu não namoro um garoto indefeso. Namoro um homem maravilhoso e perfeitamente capaz de me socar a cara ele mesmo se eu o magoar. — abriu um sorriso, rindo de si mesmo ao utilizar-se do título de namorado sem a permissão expressa de Hector. — Mas posso garantir que magoá-lo é a última coisa que eu faria.

Rafael esperou que aquele senhor energético e levemente ameaçador realmente socasse sua cara, mas, para sua surpresa, Sebastian riu.

— Boa resposta, filho. Boa resposta. — ele disse, com um sorriso caloroso que o lembrou uma brisa quente de verão.

 ***

Julio terminou de enfaixar a mão ensanguentada de Rafael, que encarava a janela quebrada com o brilho amargo da fúria em seu olhar. Ao lado dos dois, Mestre Nate começava a magicamente juntar os cacos para reconstituir a janela, um silêncio tumular instalado na sala. Maren sentava-se na ponta da enorme mesa de reunião, o olhar fixo nas mãos apoiadas em seu colo enquanto Mestre Louis começava a espalhar listas e mapas pela superfície dela. Hipólita e Helia, sentados em uma lateral da mesa, não se atreviam sequer a respirar, tamanha a tensão presente na sala.

— Como puderam deixar ele pra trás? — o homem de cabelos castanhos indagou, em um tom baixo e perigoso de alguém completamente tomado pela dor e pela raiva. Então voltou o olhar para os outros membros da comitiva ali presentes, encarando-os um a um. Ombros tensos, lábios crispados e punhos cerrados. Julio quase se interpôs entre ele e sua amada por puro medo de que ela fosse o próximo alvo da fúria de Rafael, mas sabia que ele não seria capaz daquilo. — Como puderam abandoná-lo quando ele veio pra cá ajudar vocês?!

— Rafael, nós… — Maren tentou dizer, mas a tristeza que inundava-lhe a alma a impediu de falar qualquer coisa. A frase se perdeu a caminho de seus lábios, o que fez um novo surto de emoções atingir o homem de cabelos castanhos:

— Nós o quê?! — ele rosnou, olhando para a rainha de Ikla com um ódio que impedia as lágrimas de deixarem seus olhos. — Me diga, ó grande rainha: que tipo de desculpa você pode arrumar para o fato de ter deixado o homem da minha vida pra trás?!

O sarcasmo e a dor contidos na voz de Rafael foi como uma punhalada no peito de Maren, que tentou olhar para cima para impedir as próprias lágrimas de caírem mais uma vez. Não conseguia falar, pois não tinha nada a dizer. Não tirava nem um pouco da razão da raiva do homem à sua frente, mas sabia que ele não estava sendo completamente justo ao acusá-los daquele jeito. Julio tinha feito questão de lembrá-la daquilo mais cedo, é claro, mas ela não conseguiria dizer o mesmo que ele lhe dissera diante de tamanha manifestação do desespero de alguém que amava profundamente. Era incapaz de falar algo quando tinha como certo que reagiria daquela mesma maneira caso estivesse na situação dele.

— Rafael, eu sequer posso imaginar o que você está sentindo nesse momento. — o consorte da rainha se ergueu da posição ajoelhada diante do banco que o visitante daquele mundo se sentava, dando um passo para o lado para colocar Maren fora do campo de visão de Rafael e cruzando os braços. — Mas se tem algo que posso dizer é que sua cena não está ajudando nem a si mesmo, nem a Hector.

— O que diabos você quer dizer com isso?!

— Olhe ao seu redor. — Julio pôs um dos cachos negros que tinha escapado da trança para trás da orelha, o único gesto de nervosismo que sua postura séria deixava escapar. — Está diante das únicas pessoas neste mundo capazes de resgatar o dono de seu coração. Entendo que seus sentimentos não devem ser contidos, mas não acha que eles seriam melhor gastos nos ajudando a encontrar uma maneira de consertar o que foi feito?

— Ainda bem que você reconhece que não consegue imaginar o que estou sentindo. — Rafael replicou asperamente, aprumando-se no banco e passando a mão que não estava ferida no rosto. Julio abriu os braços.

— Vem aqui, Rafael.

O homem de barba castanha hesitou, mas ergueu-se do banco para entrar no abraço do consorte da rainha. Não soube exatamente o que fazer com os próprios braços por não estar acostumado àquele tipo de carinho, mas foi apenas o homem negro afagar-lhe de leve o cabelo que Rafael desabou. A raiva foi totalmente revertida nas lágrimas que finalmente escorriam pelo rosto dele, que agarrou-se às vestes de Julio enquanto soluçava. Este se esforçava para não chorar também, olhando para o teto abobadado da sala de reuniões enquanto abraçava firmemente o homem de coração partido. Atrás de si, Maren igualmente tinha lágrimas nos olhos, e até mesmo Nate e Louis tiveram que desviar o olhar da cena, íntima e emotiva demais para não afetá-los.

Rafael respirou fundo, a cabeça enterrada no ombro de Julio, e ergueu o rosto para afastar-se completamente do amigo. Olhou para a janela, que Nate já tinha consertado, e bufou.

— Francamente, não tem tanta graça quebrar uma coisa se vocês conseguem deixá-la como nova assim. — disse, fazendo todos abrirem sorrisos de divertimento.

— Muito bem, vamos nos concentrar em como resgatar Hector agora? — o consorte da rainha indagou delicadamente, ao que Rafael assentiu enquanto enxugava as lágrimas e voltava a se sentar, dessa vez em uma das cadeiras da mesa de reuniões. Julio sentou-se ao lado direito de Maren, que estava na cabeceira da mesa, e fez um sinal para os outros também ocuparem seus lugares. — Certo, o que temos aqui? — indagou, ao que Mestre Louis respondeu:

— Eu pensei em algumas opções para nosso curso de ações a partir de agora, que é o que verão nessas listas. Os mapas são versões desatualizadas do Reino das Fadas, já que cada vez que uma nova rainha assume o trono a disposição de tudo é costumeiramente trocada.

— Sinto falta da rainha antiga. Era a sanidade em pessoa. — Helia comentou com um muxoxo irritado, recebendo um murmúrio de concordância de todos os presentes.

— Queria comentar que não consigo olhar pra essa lista sem querer quebrar a janela de novo, principalmente porque essas opções todas parecem muito complicadas e impossíveis. — Rafael disse, suspirando. Julio notou a expressão de mal estar de sua amada e falou:

— Sugiro que adiemos essa reunião até a noite. Estamos todos nervosos, não conseguiremos pensar em nada desse jeito. — olhou para o amigo vindo do mundo sem magia e mordeu o lábio inferior antes de acrescentar — Isto é, se estiver tudo bem para você, Rafael.

— Não acho que devíamos adiar nada. — Hipólita se pronunciou pela primeira vez, jogando os cabelos purpúreos para trás. — O quanto antes determinamos o que devemos fazer, melhor para nós e para Mestre Hector.

— Não discordo. — Nate disse, voltando o olhar para a rainha e vendo o desconforto que Julio já havia reparado. — Mas acho que Louis deveria examinar Maren enquanto discutimos as opções que ele nos deu. Está claro que ela não se sente bem.

— Não, eu posso… — e fechou os olhos, respirando pesadamente enquanto tentava estabilizar seu estado nauseado. — Muito bem, concordo. — foi obrigada a admitir, o que fez Mestre Louis erguer-se rapidamente de sua cadeira para acompanhar a jovem para fora da sala de reuniões.

— Eu devia tê-la examinado antes, ela vinha reclamando de náuseas durante a viagem. — Helia comentou, pensativo. — Mas estávamos todos tão preocupados em encontrar Agustina, que me escapou à memória perguntar se ela precisava de algo.

— Ao menos conseguimos capturá-la, afinal. — Nate afirmou. — Devíamos utilizar-nos das informações que ela nos prover para resgatar Hector.

— O que garante que ela nos dará alguma informação? — Rafael perguntou. — Por que não usamos ela como moeda de troca ou algo do gênero?

— Ela não é uma Filha de Eloa completa. — Julio deu de ombros. — É por ser metade humana que eles a admitiram em seu Conselho. E agora que suas asas foram completamente arruinadas pelo raio de Maren, não tem valor algum para a rainha.

— Acho que foi pouco. — o visitante daquele mundo disse, cruzando os braços e largando sua cópia da lista na mesa. — Digo, depois de tudo que ela fez…

— Ela será julgada e adequadamente punida por suas ações quando a saúde de Maren restabelecer-se. — o consorte da rainha de Ikla prometeu, alcançando uma pena para anotar aquela mesmíssima promessa numa lista de afazeres. Arregalou os olhos para ela. — Céus, devo me reunir com a nobreza em uma hora. Com todas as emoções, tinha me esquecido completamente disso.

— Então devemos chegar a uma conclusão sobre o que fazer de uma vez, não acham? — Nate indagou, ao que todos assentiram. — Concordo com o que Rafael disse a princípio, que todas essas opções parecem ridículas e impossíveis. Exceto essa aqui: ‘convencer a Rainha a libertá-lo com base em argumentos lógicos’.

— E no que isso não é impossível, Nate? — Hipólita indagou. — Você ouviu o que aqueles Filhos de Eloa disseram. Não estavam pensando razoavelmente!

Você não considera que eles estejam pensando razoavelmente, Hipólita. — Nate replicou, gesticulando muito. — Eles, por outro lado, têm argumentos perfeitamente lógicos preparados para fundamentar suas ações. Os Filhos de Eloa fazem poucas coisas movidos apenas por paixões e desejos, você sabe.

— Então a ideia é contra-argumentar com a raça que mais possui pensadores e cientistas prontos para um debate? — Julio perguntou, incerto. — E esta é a nossa melhor opção?

— Você também sabe que qualquer um de nós morreria se pusesse os pés no Reino, certo? — Helia enfatizou — Eu mesmo fui algumas vezes ameaçado quando uma das minhas correspondências com minha amada foram extraviadas!

— Por ‘qualquer um de nós’, Mestre Helia quer dizer ‘qualquer um dos membros do Conselho dos Magos’? — o consorte da rainha ergueu uma sobrancelha, fazendo Helia assentir.

— Eu assumi que você não iria se voluntariar para esta missão, Julio, com sua amada nesse estado. Me perdoe se tirei conclusões precipitadas.

— Foram conclusões precipitadas, sim, mas não deixam de ser verdadeiras. — ele abriu um pequeno sorriso, para depois voltar a ficar sério. — Mesmo Hector sendo um amigo valioso para mim, não posso em absoluto me ausentar do reino, especialmente com Maren daquele jeito.

— Afinal, o problema é que nenhum de vocês, magos, pode entrar no Reino das Fadas em segurança? — Rafael indagou, ao que todos fizeram que sim. Então ele deu de ombros. — Eu vou.

— Não acho que seja uma boa ideia. — Nate disse, passando uma mão pelos cabelos castanhos com nervosismo. — Não é nada pessoal, Rafael, mas você não vive aqui. Não conhece os costumes e linhas de pensamento do Povo das Fadas.

— Então me ensinem. — ele pediu, ao que todos começaram a protestar. Rafael olhou-os nos olhos, a postura ereta e o queixo erguido em desafio. Esperou os outros notarem que não estavam sendo ouvidos, falando ao mesmo tempo daquele jeito, e só quando o silêncio voltou a se fazer presente na sala foi que ele argumentou — Alguém pode dizer com certeza que eu seria automaticamente morto se entrasse no território das fadas?

Os outros quatro mantiveram-se em um silêncio consternado, Hipólita mordendo o lábio inferior com dúvida.

— Exatamente. Ao contrário de vocês, eu não sou repudiado no Reino. — o homem de barba castanha afirmou. — Além do mais, em meu mundo temos tantas leis e regras quanto aqui. Há pessoas que as estudam para ter certeza de que elas são seguidas. Eu sou uma dessas pessoas. Também estudamos argumentação, então eu sou tão capaz de ir lá e convencer a Rainha a nos devolver Hector quanto vocês.

— Você só precisa que te ensinem a cultura, para formar os argumentos. — o que Julio disse a seguir não foi uma indagação, mas uma afirmativa. Ele olhou para o teto, pensativo, e então assentiu com a cabeça. — Acho que pode funcionar. O que acha, Mestre Nate?

— Acho arriscado. Muito arriscado mesmo. — o membro do Alto Conselho respondeu, as sobrancelhas quase juntas com a preocupação. — Mas não tenho ideia melhor, então devo aprovar este plano.

— Sugiro que façamos uma divisão de tarefas. — Helia falou, começando a refazer a trança de seu cabelo liso, agora diminuído pela metade por causa da última batalha, com delicadeza. — Eu e Mestre Nate cuidamos de ensinar a Rafael tudo que ele precisa saber sobre as fadas, Julio lida com as questões referentes a Ikla na ausência de Maren, e Hipólita questiona Agustina para ajudar-nos com informações atualizadas sobre o Reino.

— De acordo.  — Hipólita assentiu. Nate e Julio também produziram sons afirmativos, restando a Rafael a única questão que faltava:

— Mas e Felipe? Alguém precisa ficar de olho nele enquanto estamos todos envolvidos nessas atividades.

— Louis e ele ficaram muito próximos enquanto estávamos longe, certo? — Mestre Nate indagou, ao que tanto Julio quanto o próprio Rafael assentiram. — Então ele pode revezar entre tratar do que quer que Maren tenha e manter o garotinho ocupado. Mais alguma questão?

Ao que todos silenciaram e negaram com a cabeça, declarou-se encerrada aquela reunião. Ao sair da sala, o visitante daquele mundo tinha tantas perguntas na cabeça que quase se sentia tonto. A angústia, apesar de ter sido levemente aplacada por ter um plano formado e coisas a fazer, ainda ardia no âmago do homem de cabelos castanhos. Provavelmente não conseguiria se livrar daquela sensação até ter o marido de volta são e salvo em seus braços, mas as questões que rodeavam sua mente o distraíam ao menos um pouco. A principal delas, porém, deveria ter uma resposta imediata de sua parte: como contar o que tinha acontecido com Hector a Felipe?

***

Se fechasse os olhos, Hector podia ouvir um eco das risadas animadas de sua família naquele primeiro almoço com a participação de Rafael. Sabia que provavelmente era um delírio de sua mente faminta junto à mágica presente naquele lugar, mas não conseguia se importar. Deitava-se no chão em um canto do quarto onde tinha sido colocado, revezando entre olhar para o teto bege e entregar-se aos devaneios muito reais de suas lembranças.

Naquele momento ele se sentava à mesa de seu antigo apartamento, Rafael ao seu lado e seus pais e irmã ocupando os outros lugares. Eles comiam e conversavam e riam, a mulher ruiva que era sua mãe contando histórias e mais histórias dos desastres que Hector tinha causado ao longo da vida. A risada do homem ao seu lado soava mais alta em seus ouvidos, fazendo seu coração doer. Sabia que, se morresse ali, ele garantiria que Felipe ficasse bem e que, depois de alguns anos, ele ficaria bem também. Mas, céus, não queria morrer! Queria envelhecer junto a ele, brigando por coisas supérfluas e fazendo as pazes dez minutos depois, revirando os olhos para os cuidados excessivos dele para com seus machucados, sorrindo a cada vez que ele o chamava de cariño, e… Argh! Só queria continuar amando aquele homem incrível neste universo, era pedir demais?

Hector abriu os olhos, voltando ao tempo presente por este turbilhão de sentimentos. Tinha a respiração acelerada, o olhar embaçado pelas lágrimas que se recusavam a cair. Sentou-se, as mãos escondendo o rosto enquanto tentava voltar à tranquilidade. A voz de sua mãe contando sobre como tinha anunciado que estava grávida, ambas as vezes, aos pés da Sagrada Família, serviu para acalmá-lo. Respirou fundo várias vezes, ouvindo o timbre conhecido de Katarin rir e preparar-se para contar uma nova história vergonhosa sobre o desastre ambulante chamado Hector Martinez.

“Se lembra de como ele se assumiu bissexual pra nós, Bash? Ele tremia que nem vara verde quando chegou em casa depois de um treino de futebol, cheio de lama e grama e derrubando tudo na entrada de casa!”

— Filho do Vento… — uma voz fora de seus devaneios chamou, alongando o último ‘o’ e fazendo aquele título soar repulsivo aos ouvidos dele. O homem ruivo voltou a deitar-se no chão, desesperadamente tentando concentrar-se na voz de sua mãe.

“Estávamos todos jantando, ele chegou mais tarde que o normal naquele dia, sabe? Ele tentou atravessar o corredor, mas tremia tanto, o coitadinho! Só não caiu de cara no chão porque Bash usou os poderes de vento dele pra equilibrá-lo, mas ele ficou sentado no chão olhando pra gente com aqueles olhos enormes de quem está morrendo de medo!”

— Filho do Vento, eu sei que você não está dormindo! — a voz soou mais uma vez, dessa vez mais próxima dele.

“Então ele falou: ‘preciso contar algo pra vocês’ e eu: ‘conte, querido’. E ele gaguejou mais que tudo pra falar ‘eu beijei um menino. Três vezes. E gostei’. Aí Rosa perguntou ‘então você é gay?’ e ele ‘não sei bem… Acho que gosto de meninas também’. Então Bash só concluiu ‘ah, então você é bissexual?’ e ele ‘acho que sim’. E eu nem me abalei, sabe? Não era algo tão grande assim, o problema era ele estar sujando o piso todo com aquelas chuteiras cheias de lama!”

— Filho do Vento! — uma fada puxou-lhe pela gola da camisa de algodão cru que tinham vestido nele, fazendo-o encarar olhos azuis tão gélidos que só o fizeram sentir mais falta do olhar cor de chocolate de Rafael, cheio de calor e vida. — Morrerás de inanição se não comer algo! Coma!

— Não. — foi a única palavra que deixou seus lábios, o som saindo rouco como quem não usa a voz faz tempo. E, bom, não deixava de ser verdade.

— Seu pai o ensinou sobre como somos versados em colocar venenos e alucinógenos em nossa comida, não foi? — o rapaz, de asas quase negras, sorriu de lado. — Muito bem. Façamos disso um experimento: quanto tempo uma aberração da natureza como o filho de uma entidade pode ficar sem comer ou beber sem perder a sanidade?

— O necessário. — foi a resposta, ao que o Filho de Eloa revirou os olhos e largou-o. Hector não o viu sair, já novamente imerso em lembranças. O sorriso cansado de Rafael ao deitar-se no sofá, depois que sua família tinha ido embora, o fez sorrir de volta.

— Sinto muito por isso. — disse, ao que o delírio do homem da sua vida deu de ombros.

“Sem problemas. Sua família é fantástica, cariño.”

— Teremos que explicar a eles que não somos namorados? — ele perguntou, não porque realmente queria saber aquilo, mas porque era daquele jeito que tinha sido em sua memória.

“Não se você não quiser,” o sorriso de Rafael tinha se aberto. “Eu teria preferido algo mais romântico pra isso, como um jantar à luz de velas ou um piquenique na praia ou sei lá, mas…”

— Podemos fazer isso tudo depois. — Hector tentou tocar no rosto do homem de cabelos castanhos, mas tocou apenas o ar. Isso o fez finalmente derramar as lágrimas presas em seu âmago, acrescentando uma fala diferente da lembrança. — Temos uma vida inteira pela frente, Rafa.

“Eu sei. Namora comigo, cariño?”

— Claro que sim.


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