Liawë escrita por Vaalas
Notas iniciais do capítulo
Liawë volta, e desta vez não vai embora até o fim
Meu ombro latejava e o peso da espada abria a ferida a cada movimento. Sentia o sangue empapando os trapos que enrolei no peito, os flocos de neve e o frio endurecendo meu manto rasgado e sujo. A ferida era um arco grosseiro, marcas de dentes profundas cravadas no ponto em que o pescoço junta-se ao ombro. Não havia, no entanto, nenhum poder da floresta em minha volta, nenhum aliado natural para me fornecer força o suficiente para curar. Tudo naquelas terras era estranho e selvagem. As árvores chegavam a se inclinar para longe de mim quando passava entre elas, cheias de neve, provavelmente sentindo que não eu pertencia àquele lugar.
Mas apesar de tudo, apesar do sangue esquentando minha pele e da neve misturada ao meu cabelo, ali estavam os Dedos de Gelo. Enormes, colossais e cinzentos, erguidos em direção aos céus como se fossem um dedo apontando para o além-mundo.
A Bruxa estaria lá dentro, inclinada sobre estantes e estantes de frascos e potes, repletos de diferentes tipos de feitiços que só magos e feiticeiros dos clãs tinham acesso. Teria os dentes afiados, a coluna curvada com ombros caídos e olhos maiores do que deveria. Vestiria negro e marrom, da cabeça aos pés ― a não ser que fosse uma bruxa nascida no sul, que vestem-se de vermelho e cobre.
Eu tinha comigo uma espada de aço de Vanra, um punhal fino guardado no cinto e quinze flechas de prata no alforje, para o caso da espada não ser o suficiente.
Mas seria, faria questão que fosse. Não gostaria de matar a Bruxa à distância, sem sentir a vida dela se esvaindo pelo metal, por mais que minha pontaria fosse sem erros. Queria olhá-la nos olhos quando enterrasse o aço em seu peito, sentir a magia sombria a abandonando, as unhas enormes e negras a ponto de me arranhar o rosto.
Olhei para os Dedos, para a abertura cavernosa e gelada que se abria metros à frente, e prossegui. A dor no ombro era apenas um sentimento distante.
x
A Bruxa de Gelo não era nada como eu pensei.
As paredes sussurravam histórias quando entrei no salão. Histórias de meu povo e de povos antes deles, gravados sob uma grossa camada de gelo nas paredes, no teto e no chão. De um lado haviam enormes janelas de vidro, mostrando a tempestade de neve que parecia se estender lá fora; do outro havia pedra sobre pedra, rochas esculpidas e portas que levavam a sabe-se onde.
No centro de tudo, no entanto, havia uma rainha num trono de gelo.
Nada de colunas curvadas e sombras se erguendo às suas costas, nem unhas negras enormes ou cheiro de carvão e fumaça pairando no ar, como de praxe. Era bonita, embora não do tipo que esperava. Não havia nada de escuro nela, não fossem os cabelos enormes e cheios, negros como ébano, tocando o chão atrás dela como uma cortina; e os olhos, de um castanho semelhante a avelã. Parei aos pés dos degraus e a encarei.
Sentada em seu trono ― que um dia, eu sabia, pertencera a um elfo ―, ela se inclinou em minha direção, e seu rosto era lívido e duro como uma folha de papel, tão delicado quanto.
― O que o traz tão longe de casa, filho do verão?
Ergui os ombros ao encará-la, mostrando-me bem maior do que realmente me sentia.
― Vim das Terras de Verão, de Mira, para resgatar Liawë, nossa árvore sagrada. Mas você deve saber bem, pois não sou o primeiro elfo a vir até aqui.
Um pequeno sorriso despontou dos seus lábios, quase triste.
― É o primeiro elfo que vejo em quase quinze anos, sabe. ― não havia nada em sua voz que relatasse qualquer coisa, mas segurei a espada com mais força. ― Mas diga-me, como exatamente pretende levar sua árvore embora? Vai sair daqui carregando-a nas costas?
A Bruxa levantou-se do trono, como que esperando minha resposta. Era bem menor do que eu imaginava, mas seu olhar parecia ver através de mim, desafiando-me.
― Eu vim para matá-la, Bruxa.
Ergui a espada apenas poucos centímetros antes dela responder. Quando olhei em seus olhos, vi apenas uma frieza casual, com um leve franzir de sobrancelhas hesitantes.
― Eu sei. ― ela falou ― Por isso não sinto muito.
Não entendi o que suas palavras significavam até que minhas pernas travassem. As solas das minhas botas estavam presas ao chão, como se o gelo subisse pelas minhas pernas, mesmo que invisível. Senti-o em meu tronco, apertando meus pulmões, espalhando-se em meus braços. E então em minhas mãos, endurecendo meus dedos, fazendo a espada cair e bater contra o chão em um tilintar grosseiro e rouco. Ergui o rosto, olhando além dos degraus, para o trono, e vi que a Bruxa não sorria, mas me encarava com uma máscara pálida de quase indiferença.
Quase.
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Se ainda houver alguém aí, mando minhas saudações.
oi