O Labirinto escrita por Bia de asa
Notas iniciais do capítulo
Como disse nas nota anterior, o conto estava dividido em três partes. Esse seria o começo de O Labirinto da angústia. Quando estava planejando fiz também três sinopses, uma para cada parte. A segunda era essa:
O Labirinto da Angústia
Depois de dias no Labirinto subterrâneo, Annie e seus amigos entram em uma área que revela ser a mais assustadora no local: a Encruzilhada da Angústia. Percebem tarde demais que não podem voltar por onde vieram e a Encruzilhada da Angústia é o único caminho a seguir.
Já pouco dispostos, cansados e com fome, os cinco têm que lidar com mais um obstáculo: a Angústia.
Annie, Henrico, Julia, Castiel e Aiko têm seu último suspiro de esperança ceifado pela Angústia.
Eu simplesmente tive um plano brilhante. Assumi meu papel de Cabeça e nos tirei daquele Labirinto.
Só em devaneio.
— Annie... — Henrico me cutucou por trás.
Percebi que ainda estava olhando para a placa.
— Essa palavra, Angústia, está me causando calafrios — falei. Olhei para Henrico e seus olhos estavam apelativos.
Logo entendi. Todos estavam esperando pela minha resposta. A minha decisão. Eu ainda era a Cabeça. A palavra final era da líder.
E eu era a líder.
— Bem — prossegui. — Já que não podermos voltar, o jeito é seguir em frente.
— Então vamos — incentivou Julia do final da fila.
Passamos da placa e logo entendi o significado da palavra “Encruzilhada”. Era realmente uma encruzilhada.
— Temos quatro caminhos — declarei.
— Três — me corrigiu Castiel. — Esqueceu que não podemos voltar?
— Ah, é mesmo. Então podemos ir para a esquerda. Direita ou seguir em frente. Vocês preferem...
Me interrompi quando Julia ficou na minha frente e me encarou com os olhos vidrados e cheios d’água como se fosse chorar.
— Julia...? Meninos...
Não havia mais ninguém atrás de mim. Henrico estava a minha direita e Castiel a minha esquerda. E Aiko sumiu.
Henrico se encolheu no chão enquanto murmurava lamúrias. Dizia o quanto estava triste e essa tristeza o consumia. Seus soluços me atingiam como flechas no coração.
Mas o que mais me afligiu foi o toque de Castiel. Ele estava no meu lado esquerdo. Olhei-o nos olhos e os seus estavam frios e duros. Passaram do castanho para um preto bem escuro.
— Cas...
Suas mãos apertaram com mais força meus ombros como se quisesse quebrá-los.
— Morrer — ele sussurrou. — Morrer! — ele gritou. — Não adianta mais essa vida! Annie, me escute, a nossa única solução é a morte. A vida já não existe mais; era só uma ilusão. Se todos nós morrermos esqueceremos esse Labirinto e todas as amarguras.
— Amarguras — Henrico choramingou do meu lado direito. — Annie, são muitas as tristezas.
Julia ainda estava de frente para mim como um zumbi. E Aiko continuava desaparecido.
— Morrer, Annie — implorou Castiel. — Morrer!
E, por um minuto, eu pensei na morte. Seria nossa solução. Henrico não iria mais se lamentar, Julia deixaria de ser um zumbi, Castiel ficaria satisfeito e eu...
Por que estava pensando nisso?
— Cas... — disse com tristeza no coração. Fazia anos que não o chamava assim. Foi o primeiro apelido que lhe dei durante a primeira série.
Era horrível vê-los assim. Parecia que estavam possuídos por um ser maligno. E foi aí que entendi a segunda palavra da placa: ANGÚSTIA. Meus amigos estavam realmente angustiados. Ou pior, depressivos.
Eu não podia deixá-los assim. Não podia perder meus amigos para a Angústia.
— Cas! Henrico! Julia! Aiko! — eu gritava desesperada. — Vamos voltar para a fila, vamos achar uma saída!
Julia mantinha um olhar distante, Henrico soluçava de forma sofrida e Castiel não parava de murmurar a palavra “morte”. Nenhum deles se mexeu.
Uma escolha.
Um frio subiu por minha espinha e meu estômago revirou. Eu tinha ouvido novamente o Labirinto falar comigo.
— Escolha?
Quando olhei para a posição dos meus amigos compreendi tudo. Se seguíssemos em frente eles se tornariam zumbis depressivos como a Julia; se dobrássemos à direita eles começariam a chorar e se lamentar; e se tomássemos a esquerda guiaria um bando de adolescente suicidas.
Mas e eu? Não seria também atingida pela Angústia? Melhor nem pensar nisso.
De qualquer modo, para mim era mais fácil conduzir um grupo de zumbis depressivos do que maníacos suicidas.
— Eu escolho seguir em frente — falei em tom normal.
No mesmo instante as passagens da direita e esquerda se solidificaram se tornando apenas uma parede me deixando apenas com um caminho a seguir: para frente. Corri os olhos rapidamente e Aiko reapareceu calado e triste ao meu lado.
Lembrei que tinha na mochila um rolo de lã (nunca se sabe quando vai ser preciso amarrar alguma coisa). Tirei o rolo e amarrei a mão de cada um dos meus companheiros como se fossem escravos. Segurei a outra ponta do fio e tomei a frente da fila. Com todos amarrados seria menos fácil eles sumirem como da última vez.
Eu me senti sozinha. Era triste não conversar com meus amigos e mais triste ainda vê-los como zumbis com os olhos cheios de lágrimas e distantes.
Castiel estava com essa mesma expressão quando nos conhecemos. Fui atingida por um pensamento nostálgico.
Na primeira série eu tinha apenas a Julia como amiga. Era divertido tê-la por perto, sempre podia contar com ela para aprontar as brincadeiras mais engraçadas na escola.
Era uma quarta-feira pela manhã quando eu parei para observar o Castiel. Ele estava sentado em um banco próximo ao ginásio com o uniforme de Educação Física. Apoiava a cabeça nas mãos com os cotovelos nas pernas. Podia ver apenas seu cabelo castanho escuro caído para frente.
— Ei, Julia. — Dei uma cotovelada nela. — Olha aquele garoto!
Julia olhou na direção.
— Já olhei — ela respondeu. — O que tem ele?
— Tá sozinho.
— Você não está pensando em aprontar com ele... Está?
— Não, não. Vamos falar com ele.
Eu sorri com a ideia de animar o garoto.
Caminhamos até ele e preparei mentalmente umas boas piadas. Ninguém resistia ao meu senso de humor.
— Oi! — deixei minha voz soar a mais alegre possível.
Castiel não levantou a cabeça, apenas murmurou:
— Oi.
— Qual seu nome? — Julia perguntou.
— Castiel — ele falou com a voz quase inaudível e a cabeça ainda baixa.
— Pastel? — eu disse, porque foi o que eu entendi. — Seu nome é Pastel? Que engraçado.
— Não seja besta Annie! — Julia me repreendeu. — O nome dele é Tiel!
— Tiel?
— É Castiel — ele murmurou novamente sem levantar a cabeça.
— Ah, Cas — falei.
— Não é Cas! — Julia me repreendeu de novo. — É Tiel!
— É Cas!
— É Tiel!
— Cas!
— Tiel!
— Calem a boca — a voz de Castiel saiu mais alta. Ele também levantou a cabeça e fiquei hipnotizada por aquele par de olhos castanhos claros. Seu cabelo caiu bagunçado para o lado. Foi a primeira vez que achei um garoto bonito. — Unam as duas sílabas e terão Castiel.
— Ah — foi tudo o que eu disse. — Cas... tiel.
— Sim.
— E por que você não está jogando no ginásio? — foi a vez de Julia falar.
—Porque eu não gosto.
— Eu e a Annie gostamos de jogar.
— Bom pra vocês.
— Ah, Castiel — voltei a dizer. — Nem nos apresentamos. Eu sou Annie e a minha amiga aqui é a Julia.
Sorri da forma mais simpática possível, mas o rosto de Castiel não demonstrou nenhuma emoção.
— Onde estão seus amigos? — perguntei.
— Não tenho amigos — ele respondeu baixando novamente a cabeça. — Só o Aiko.
— Aiko? Não é aquele japonês magricelo da nossa turma? — eu perguntei a Julia.
— É — ela respondeu. — O desnutrido.
Olhei para o ginásio onde os garotos da minha turma estavam jogando com os da turma do Castiel. Aiko era goleiro e suas pernas finas estavam aparecendo com o short de Educação Física.
O jogo não demorou para acabar e Aiko se aproximou de nós junto com um garoto loiro grandão.
— Oi, meninas — Aiko cumprimentou. Ele estava suado. — E aí, Castiel?
— Oi — respondi junto com Julia.
— Olha! — o menino grande atrás de Aiko exclamou. — Uma garota com a cabeça pegando fogo!
Cruzei os braços e lhe lancei um olhar cético.
— Qual é o problema, fofinho? — perguntei um pouco irritada. Ele pareceu se ofender:
— Ei!
E assim foi meu primeiro diálogo com o Henrico: uma breve discussão com pequenos insultos.
Nos vimos de novo na hora da saída.
— Tchau, Cas! — Eu acenei para Castiel que deu de ombros. Fiquei triste. Não estava acostumada a ser ignorada.
De repente senti alguém me agarrar por trás e me erguer no ar. Era Henrico. Primeiro dei um grito assustado, mas logo comecei a rir. Gostei de Henrico porque ele era como eu: bem extrovertido, ao contrário de Castiel que quase nunca o via rir. Aiko era o meio termo — o que o tornava alvo fácil de nossas brincadeiras.
— Me solta, Henrico! — eu esperneava no ar. Henrico me colocou no chão.
— Tchau, Annie, até amanhã.
Ele foi embora, sorridente. Desde aquela época eu ia para casa junto com a Julia que morava perto de mim.
— Tchau, Castiel. Tchau, Aiko. — Acenei novamente. — Aiko sorriu e acenou de volta, mas Castiel nem me olhou.
Confesso que comecei a me estressar com o Castiel.
Que garoto mais idiota!, pensei. Se ele pensa que pode ir embora sem falar comigo está muito enganado!
Corri para alcançar Castiel e Aiko que já saiam pelo portão da escola.
— Ei! — exclamei segurando Castiel pelo braço. O garoto se virou para mim. — Tchau.
Ele novamente não respondeu. Dessa vez não liguei. Beijei sua bochecha e voltei correndo para Julia. Não vi qual foi sua reação, afinal, ele teria que se acostumar comigo.
Por vontade própria, ou a força.
Saí de minhas lembranças com um sorriso bobo no rosto. Fitei o fio de lã em minhas mãos e meus amigos amarrados a ele. Meu sorriso murchou ao vê-los como mortos-vivos.
Na segunda série, Henrico e Castiel foram transferidos para minha turma e ficamos todos juntos. Nunca mais nos separamos. E Castiel também evoluiu muito. Ele era a única pessoa que eu conhecia que não ria do que eu falava ou fazia, mas com o passar dos anos ele se tornou mais alegre e comunicativo.
Enquanto andava pelo Corredor da Angústia percebi que meus passos estavam lentos e minha respiração pesava. Estávamos caminhando em linha reta há quanto tempo? Meia hora? Uma hora? Não sabia, mas parecia que cada minuto era uma eternidade. Não suportava mais o silêncio.
Parei de andar por exaustão e fome. Sentei no chão gelado e vi meus amigos fazerem o mesmo. Estariam me observando?
Abri minha mochila e lembrei que não tínhamos mais o que comer. Nem água. Morreríamos de fome e sede.
Me encostei na parede e meu estômago doeu. Estávamos sozinhos, ou melhor, eu estava sozinha. Era como se eles não estivessem aqui. Minha cabeça doía muito e comecei a chorar. Talvez a Angústia estivesse apenas esperando que eu cansasse para acabar comigo de vez.
Estremeci não só pelo frio do Labirinto, mas também de medo. Mesmo depois de tudo o que passamos nesse lugar, eu não queria morrer. Eu ainda queria ver neve. Queria voltar para casa e dormir na minha cama.
Nosso Corpo havia entrado em estado vegetativo. Eu era uma Cabeça prestes a ter uma morte encefálica.
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Terminei o planejamento dos últimos capítulos, agora é só escrever sem cessar...