O Labirinto escrita por Bia de asa
Notas iniciais do capítulo
Oi, terceiro capítulo.
A casa do Aiko era grande. Devia se porque ele tinha três outros irmãos pequenos extremamente irritantes e barulhentos que precisavam de espaço para correr.
— Seus irmãos são umas pestes! — falei para Aiko.
— Annie! — Julia me repreendeu.
— O que foi?
— Assim você vai magoar o Aiko!
A ideia de magoar o Aiko era tão bizarra que eu ri.
— Desculpe, Aiko — pedi ainda rindo.
Ele me deu um sorriso.
— Você não é a primeira a dizer isso. Também não os aguento.
— Desculpe interromper a importante discussão de vocês sobre crianças irritantes, mas gostaria de saber se cada um de vocês trouxe o que era necessário — Castiel chegou falando como um verdadeiro diplomata.
— Ah. — Voltei-me para ele. — Eu trouxe.
— Eu também. — Julia mostrou a mochila.
— Todos nós trouxemos — concluiu Henrico.
— Ótimo. O que estamos esperando? Vamos logo! — disse Aiko, por fim.
Pegamos nossas mochilas e caminhamos até a escola.
Na minha mochila havia colocado uma lanterna, algumas pilhas, duas garrafinhas de água, meu livro preferido: A entrada da noite — o melhor livro de fantasia já escrito no mundo! —, alguns pacotes de biscoito — nunca se sabe quando vamos precisar comer — e um rolo de lã.
Quando chegamos à porta do alçapão, me veio à cabeça que aquilo não existia lá antes. Quantas vezes já não havia passado por aquela rua e não tinha reparado nisso antes?
— Isso sempre esteve aqui? — perguntou Castiel como se estivesse lendo meus pensamentos.
— A primeira vez que vi essa entrada foi hoje — respondi.
— Bem, Annie, já que você destruiu a fechadura há poucas horas com um simples toque e abriu a porta, quer fazer isso de novo?
Todos me encararam. É claro que esperavam que eu fizesse isso de novo.
Novamente eu me aproximei à porta e a abri.
Descemos a escada com as lanternas à mão. O salão estava vazio como antes. Entramos no corredor.
O espírito de liderança outra vez grudou em mim e me tornei a “cabeça” da caminhada em fila novamente.
Com passos largos e a luz tênue de nossas lanternas, pensei novamente na nossa espécie de “corpo”. Eu era a cabeça como tinha percebido antes. Olhei rapidamente para trás e gravei a sequência: Henrico atrás de mim, atrás dele o Castiel, antes do Castiel o Aiko e a última da fila era a Julia.
Certo, eu como Cabeça (seria mesmo uma boa opção isso?), o Henrico como caixa torácica, o Castiel como braços... Espera, os braços vêm depois da caixa torácica? Enfim, o Aiko como a barriga (do jeito que ele é magricelo, morreremos de fome! Acho que Henrico deveria estar no lugar do Aiko), e a última era a Julia como... Bunda? Não, pernas seria melhor.
— Aí, pessoal, o que vocês acham de eu ser a cabeça, o Henrico, a caixa torácica, o Castiel, os braços, o Aiko como a barriga — Reprimi um riso. — E a Julia como pernas?
Senti que os passos atrás de mim cessaram. Também parei e me virei para eles.
— O escuro está lhe fazendo mal — falou Julia fingindo preocupação.
— Por que eu tenho que ser a barriga? — questionou Aiko.
— Se o Aiko é a barriga— Castiel começou a falar. — Estamos em uma grande dieta.
Foi impossível não rir, até mesmo para Aiko.
— Acho que a Annie dever ser realmente a Cabeça — disse Henrico. — Eu seria o Coração, o Castiel seria o Intestino, Aiko seria o Sistema Urinário e Julia, os Pés.
— Não quero ser os Pés! — contestou Julia.
— Nem eu quero ser o Sistema Urinário — também contestou Aiko.
Por que eu tinha que ter tocado nesse assunto? Por que não tinha guardado a divisão de partes só para mim? Melhor esquecer.
— Acho que falei demais — disse olhando-os nos olhos. — Vamos seguindo na mesma ordem.
Voltei a ser a primeira da fila.
Parecia que já tínhamos andado uns duzentos metros quando uma passagem apareceu a nossa esquerda.
— Outro corredor? — perguntou Henrico atrás de mim.
— Parece que sim — concordei. — Vamos.
Dobramos a esquerda, andamos mais cinquenta metros e vimos mais dois corredores: um a direita e outro a esquerda. Havia apenas esses dois caminhos, pois o corredor que seguíamos reto havia terminado em uma parede de cimento.
— E aí, companheiros, direita ou esquerda? — perguntei e esperei uma resposta.
— Decida você, Cabeça — o Pé, quer dizer, a Julia respondeu.
— Esquerda.
Logo que dobramos a esquerda, uma forma tremeluziu a dez metros de distância. Meu coração falhou nas batidas.
— Mudança de planos — avisei. — Direita!
Todos nós voltamos na mesma hora, mas demos de cara com um muro impedindo nossa passagem.
— Estamos trancados! — gemeu Aiko caindo e logo todos nós estávamos no chão. Toquei o cimento e o senti frio e úmido. Nossas lanternas tiveram a coincidência de apagarem juntas. De repente ficou mais difícil respirar.
— Não estava trancada — minha voz saiu tremendo. — É um labirinto! Uma armadilha gigante!
Levantei-me e procurei meu celular na mochila no escuro. Não estava lá.
— Um celular! Alguém pega um celular! — berrei.
— Podia jurar que tinha trazido o meu! — Castiel berrou de volta.
— Droga! Também não encontro meu celular! Alguém viu meu celular? — Nem podia imaginar para quem Julia estava perguntando.
A criatura que estava poucos metros a frente ganhava cada vez mais forma. Ele liberava uma luz roxa assustadora. Fechei os olhos pensando que o que via era apenas imaginação, mas, ao abrir, ele ainda estava lá.
Tinha uns dois metros de altura e era extremamente musculoso. A luz roxa que irradiava me atingia como um imobilizador. Não mexia meus braços nem minhas pernas.
— Faça alguma coisa, Cabeça! — As mãos de Henrico me tocaram enquanto ele implorava.
— Cabeça... — sussurrei. — Bugou.
— Ai, meu Deus! — Aiko gritou desesperado. — Aparelho Urinário está com pedra nos rins.
— O Pé tem um calo! — Julia também estava aflita, afinal, quem não estaria?
A coisa horrível a frente completou sua forma horripilante. Parecia um...
— Minotauro! — gritei chorando.
— Não! — gritou também Henrico. — É um ser mitológico!
— Minotauro é um ser mitológico, seu pateta! — xingou Castiel.
— Calados! — disse Julia logo atrás. — Não é minotauro coisa nenhuma! É algo pior.
— Ele é roxo — Aiko disse, nervoso.
Encarei a estranha figura a nossa frente. Parecia que eu tinha entrado em um dos meus livros de fantasia. A criatura era grande e forte; estava pelado, mas parecia não ter partes constrangedoras para amostrar. Era roxo e sua pele tinha uma aparência de concreto. Não tinha olhos.
Um homem pedra?
Não.
Um monstro?
Não.
— Monstros não existem de verdade — sussurrei com os olhos fechados.
— O que disse? — perguntou Henrico ainda grudado atrás de mim.
Abri os olhos e a criatura de concreto tremeluziu. Uma hora estava lá, outra não.
Uma brilhante ideia — talvez não tão brilhante assim — me atingiu em cheio. Eu era a Cabeça!
— Henrico — murmurei com a voz tremendo.
— Oi — ele respondeu do mesmo jeito.
— Não deixe o coração parar de bater.
— Hã?
— Castiel, segure o estômago. A Cabeça tem um plano.
— Annie — Julia chamou baixinho, mas não a olhei.
— Fiquem aí!
Eu avancei até o homem de pedra roxo.
+++
Sabe quando você se sente cheio de coragem? Era assim que eu me sentia, mas , quando eu andei três metros, senti meu corpo desfalecer por medo.
Rapidamente fechei os olhos e sussurrei:
— Monstros não existem.
Arrisquei até dar um sorriso.
Abri os olhos e a criatura de concreto havia sumido. Pisquei uma vez e ele voltou, só que dessa vez, mais perto de mim.
Tropecei em meus próprios pés e caí de costa. O chão dessa vez estava quente. Bem quente.
— Monstros não existem! Monstros não existem! — repeti para mim mesma com os olhos fechados, mas meu medo era maior que eu.
— É claro que monstros existem! — uma voz rouca e cortante atingiu meus ouvidos. A criatura gigante de concreto nem rosto tinha, essas palavras teriam sido dele? — Eu sou o seu monstro.
O monstro levantou o punho esquerdo como se fosse uma pedra e o desceu sobre mim.
No momento eu não sabia, mas tinha morrido pela primeira vez.
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