Maldição Soverosa escrita por P B Souza


Capítulo 6
Necessidade de equilíbrio


Notas iniciais do capítulo

Não, não desisti da fic, de novo, mas vocês continuam sumidos!!! hahaha
Espero que gostem desse capítulo, foi uma delicia mudar o ponto da história pra outro personagem.



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Nada se cria ou destrói

Tudo que é, sempre foi

E sempre será

Só muda a forma.

 

Matheus havia decidido chamar o indivíduo de “o psicopata”.

A cena era digna de um filme de terror idealizado como sátira a algo real, tal como uma boa zoeira mesclada naquilo tudo, mas algo no psicopata lhe dava real apelo dramático fazendo que Matheus acreditasse em sua atuação desvairada. É a maldição. É isso que torna real.

O homem, alto de pele branca cabelos negros, sem camisa com duas queimaduras nas costas na altura das omoplatas, estava se pendurando nas janelas, tentando escalar o dormitório. Parecia louco, ou por drogas ou por fúria. Matheus ouvia suas frases em berros e elas sempre tinham uma das três palavras; “maldição”, “sorvedores” ou “equilíbrio”.

Os guardas, por enquanto apenas três, apontavam as armas para o homem e gritavam para que ele parasse enquanto o psicopata gritava que entraria e ninguém fazia nada e isso estava deixando Matheus louco.

— Já ligaram à polícia. — Foi a única coisa que fizeram de fato.

Polícia… a ajuda está vindo, mas não em uma viatura. Matheus pensou, certo que Kaio traria a avó junto, ou mais provável a avó traria Kaio.

Matheus então se esgueirou pelas árvores, obducto da visão dos guardas de Edoniquim, pois estes estavam ocupados demais olhando o psicopata na porta do dormitório. Tentou se aproximar do prédio o máximo sem se revelar, isto é, sem sair das sombras. Pois tinha a vantagem das trevas para se esconder de seu possível algoz, afinal, em suas veias também corria sangue sorvedor.

Temia que o psicopata viesse atrás dele caso o visse. Maldição, sorvedores, equilíbrio. Repetiu para si mesmo as palavras que marcaram o psicopata em sua memória momentânea. O que você é? Estreitou os olhos encarando o psicopata, estava a menos de quinze metros do dormitório e vinte do psicopata.

Queria ter contado mais para Kaio, naquele momento queria ter tido a coragem de ignorar as ordens de sua mãe e pai e falado para o amigo sobre tudo aquilo que sabia porque agora parecia que a lenda havia voltado a ser real e eles estavam ali, perdidos no centro de um furacão. Se tivesse falado, hoje nós dois saberíamos tanto em vez de tão pouco. Pensou, encarando o psicopata que havia caído de sua escalada na parede, e agora tentava arrombar a porta com pancadas extremamente fortes que deixavam marcas de sangue das suas unhas e dedos destroçados de tentar escalar uma parede lisa.

Por que ninguém nunca te contou? Por que sua mãe nunca te disse? Se perguntava sobre Kaio. Por que sua avó nunca lhe disse? Matheus pensava que todos sabiam sobre Teodora. Era uma lenda viva. A criadora das lendas. A velha era um mito entre todos, qualquer um com o mínimo de sensatez não cruzaria o caminho daquela mulher.

Então Matheus ouviu o carro lá atrás, longe, do outro lado… do outro lado do muro. Do lado de fora.

Virou a cabeça para o muro aonde Kaio havia pulado, e dessa vez viu alguém pulando para dentro, com facilidade e perícia. O que pulava era como o psicopata que estava no dormitório, um pouco maior e mais musculoso que o primeiro, sem camisa também, com outras queimaduras em outros lugares do corpo, mas a semelhança era incontestável, fosse o que fossem, eram próximos, talvez irmãos.

Matheus se virou, encostado na árvore tentando focar nos dois psicopatas de forma impossível pois cada um estava em um ponto. Para ver um não poderia ver o outro. A única certeza que tinha era que ambos os psicopatas não eram alunos ou funcionários. Nunca havia visto nenhum dos dois.

Pegou então o celular e discou para Kaio novamente, mas o celular apenas chamou e chamou e Kaio não atendeu. Chega logo, cara. Nas sombras, escondido, ele via o segundo psicopata contornar o dormitório tão obducto quanto ele.

Ele se acha esperto, se acha superior por não ter ninguém o vendo, mas eu o vi! Eu te vejo. Matheus pensou, mas o que poderia ele fazer?

Eu não. A ideia chegou como um raio iluminando-o nas trevas.

Celular na mão abriu a agenda e foi até o contato de Felipe Ambrósio. Durante a tarde Felipe havia ido para a casa do pai, mas retornado antes do anoitecer, agora deveria estar no dormitório, provavelmente pronto para tudo e tão consciente do perigo que aquele psicopata significava quanto Matheus. Mas Felipe tem um agravante, ele é o alvo.

Matheus entendia das histórias o bastante para saber quem eram os psicopatas, mesmo negando suas existências, mesmo todos os relatos apontando suas extinções, ele sabia o que eram e o que eles queriam. Queriam os sorvedores. Kaio e Felipe. Os dois são sorvedores. Pensou. Se Felipe estava realmente ciente de tudo aquilo, como Matheus tinha certeza que ele estava, Felipe deveria estar pronto para briga, só que ignorante da presença do segundo psicopata, seria pego de surpresa. Eu vou estragar sua festa, mané!

Então apertou para chamar, mas nisso o psicopata lançou um olhar para trás. Foi o bastante para que Matheus percebesse que tudo havia dado errado. Só havia ele ali, entre as árvores nas trevas, e o celular emitindo luz.

“Matheus? ” Felipe atendeu.

Mas era tarde para uma resposta elaborada.

— São dois! — Falou.

O psicopata que ia ao dormitório saiu correndo atrás de Matheus que por sua vez correu em sua direção também. Não tinha para onde ir, a alternativa era ir mais fundo nas árvores e se perder de qualquer possibilidade de socorro, então foi em frente ao seu algoz. Ele não me quer, não sou quem ele tem que matar.

Pensou como se isso lhe fosse consolo enquanto avançava correndo como um humano, mas o psicopata corria feito um fantasma. Seus passos deslizavam no chão e ele movia-se feito um vulto de tão rápido.

Quando colidiram os dois, Matheus foi jogado ao chão sentindo o peito esvaziar e rolando três vezes, grama entrou na sua boca e sentiu o gosto de terra com sangue, mas sem tempo para parar se pôs de quatro e engatinhou uma vez até conseguir apoiar os pés no chão e com um impulso saltar e correr mais. Não olhou para trás, e isso se provou um erro pois o psicopata agora havia agarrado suas costas e o jogado para frente.

Matheus rolou de novo, agora já bem próximo do dormitório. Podia ver o campo de futebol logo a frente, nos fundos do dormitório, podia ouvir os gritos dos guardas com o primeiro psicopata lá na frente. E então seu algoz agarrou-o novamente o colocando de pé como se Matheus fosse nada além de um saco de batatas para ser arrastado de lá para cá.

— Eu não… sou. Ainda. — Disse, engasgando, enquanto o psicopata apertava sua garganta o olhando com uma curiosidade estranha. — Eu… não… eu…

O algoz era humano, mas seus olhos estavam despidos de qualquer humanidade. Não havia sentimento algum ali, apenas aquela raiva.

— EI! — Então Felipe surgiu.

No mesmo instante o psicopata largou Matheus e saiu andando em direção a Felipe, nos fundos do dormitório.

— Felipe, tem outro na frente…

— Vou cuidar desse primeiro. — Felipe disse estralando o pescoço, então o psicopata avançou contra ele começando a correr.

Felipe, porém, não lutou, se virou e correu.

Levando a briga para longe da possibilidade de serem notados.

Estavam os dois já atrás do dormitório e não na lateral, aonde Matheus havia rolado enquanto o show era na frente do dormitório.

Matheus mesmo ainda se recompunha, retomando a respiração normal e cuspindo sangue, enquanto seguia Felipe e o psicopata. Esses dois trocavam socos, Felipe aparando os golpes e desviando de outros, pouco atacava, mas era incrivelmente ágil nas defesas sendo que não tomava um único golpe enquanto recuava em passos largos, indo cada vez mais para os fundos. A briga contava com piruetas, cambalhotas, passes ousados que lembravam capoeira.

Matheus não entendia como Felipe podia lutar tão bem. É a maldição? Se perguntava assistindo fascinado. Sabia sobre os espíritos dos animais, não sobre o curso de artes marciais.

Numa pirueta, Felipe socou a panturrilha do algoz. Dois ganchos aparados e Felipe acertou um murro no nariz fazendo sangue espirrar. Desviou de um chute, conseguiu derrubar o psicopata. Felipe estava visivelmente ganhando, mas foi nesse instante que o jogo virou rapidamente.

Em um deslize o psicopata agarrou os dois braços de Felipe pelas costas e os puxou.

Matheus pode sentir a dor pelo amigo quando Felipe caiu de cara no chão e o psicopata, em vez de terminar o serviço, correu por ter notado ser inferior em combate. Então no mesmo instante o dormitório lá dentro rompeu em completa histeria e dezenas de alunos surgiram, pulando janelas, saindo pelas portas, mas ao verem Felipe no chão logo entre o dormitório e a quadra, e o psicopata na quadra, eles pararam.

— Vamos atirar! — Os gritos dos guardas.

Os alunos em desespero. Então o primeiro psicopata saiu de dentro do dormitório. De alguma forma ele havia conseguido invadir.

Os guardas vinham atrás, empurrando os alunos.

Felipe então se levantou e saiu correndo atrás do algoz que quase lhe quebrou os braços, mas o que saia de dentro do dormitório correu em sua direção também.

O que fugia, ao ver que agora tinha a vantagem, parou e olhou para trás. Eles vão matar Felipe. Matheus percebeu.

Então Felipe parou de correr, olhou para um lado e para o outro certo do que ia acontecer enquanto os dois psicopatas vinham em sua direção.

Os alunos gritavam para atirar e os guardas apontavam as armas incapazes de puxar o gatilho (a possibilidade de ferir um aluno era grande e isso tornava a ação de disparar inviável, mas Felipe estava prestes a morrer, mesmo que eles não soubessem os motivos).

— ATIRA!

Meninas surgiram também.

O internato inteiro parecia estar ali.

Quase uma centena de alunos já se juntava.

A cena se armou depressa. Estavam os dois psicopatas girando ao redor de Felipe, que ficava em prontidão para combate olhando de um lado para o outro, os três sozinhos no campo de futebol.

Então o primeiro psicopata avançou e acertou Felipe pela coxa, puxando sua perna para cima com violência. Felipe rodopiou no ar caindo de peito no chão, as mãos primeiro, como em uma flexão ele foi se levantar, mas então levou um chute do segundo. Sangue voou de sua boca e o primeiro psicopata subiu em cima de Felipe agarrando sua cabeça pelo queixo.

Dezenas de gritos encheram o ar.

Então eles foram para o golpe fatal e…

Um tiro.

Todos os alunos se desesperaram, alguns saíram correndo para dentro do dormitório, outros se jogaram no chão.

O tiro havia sido para o alto, como uma tentativa de parar a briga. Os dois psicopatas olharam para a multidão então, parando por um curto momento. Preciso ajudar ele. Matheus sabia que os guardas não atirariam, não para valer, então saiu correndo para cima dos algozes de Felipe.

— Menino, volta.

Um dos guardas tentou lhe segurar, mas Matheus escapou das mãos deste e avançou contra os dois. Nisso sentiu algo dentro de si lhe forçar parar.

“Não vai”. Ouviu a voz de Inma em sua cabeça e se virou, assustado.

Olhou para centenas de alunos sem encontrar ela, mas um dos guardas, o mesmo que havia tentado segurar ele, apontou a arma para os psicopatas e Felipe lá no campo de futebol.

Mais um tiro.

Berros de terror dessa vez.

Matheus se virou de novo vendo os dois psicopatas largarem Felipe no chão e saírem correndo, um deles mancando, mas, mesmo assim, ambos iam mais rápido que qualquer humano poderia ir.

— Tem um carro na rua. — Matheus disse olhando a multidão, sabia que se Inma havia falado com ele, ela poderia ouvir ele. — Eles vão para o carro.

Disse na esperança que ela de alguma forma pudesse parar o carro ou algo assim. E então foi até Felipe.

Se ajoelhou ao lado de Felipe enquanto os guardas tiravam a arma do guarda que atirou contra os psicopatas e os alunos começavam a avançar contra o campo, formando um círculo ao redor de Felipe, ele, porém, estava no chão arfando com os dentes vermelhos de sangue.

— Eles vão voltar… a gente precisa tirar você daqui…

— Sabe quem eles são, não sabe? — Felipe riu, virando a cara e cuspindo sangue no gramado. — Malditos caçadores. Eu sobrevivi a dois caçadores!

— Não é hora para isso…

— Eu sou demais! — Felipe riu uma última vez, então relaxou o corpo. Desmaiou.

— Matheus. Mat. — Inara chegou correndo com Inma ao seu lado. Matheus olhou para Inma com uma expressão de puro terror.

— Ela sabe. — Inma disse, séria. — A vó do Kaio tá na frente do dormitório.

— O que você fez?

Matheus perguntou enquanto os três, ele, Inara e Inma saiam correndo para a frente do dormitório deixando que todos os outros cuidassem de Felipe e dos boatos e conversas que surgiam sobre quem eram os dois psicopatas.

— Eu salvei vocês. — Inma disse. — Te segurei para não correr o risco de errar o alvo, nunca atirei antes.

— Você… a Inara não devia saber…

— Sério? — Inara olhou para Matheus com certo desapontamento. — Com tudo isso acontecendo você tá preocupado com o que eu deveria ou não saber?

Antes que chegassem no começo do dormitório Teodora e um velho já vinham até eles.

— Matheus, querido. — Teodora disse ao ver o amigo do neto, ofereceu um rápido abraço seguido de um olhar para Inara e Inma. — O que aconteceu hoje… que tipo de ataque foi esse?

— Eles… eram dois. — Matheus engasgou, então olhou ao redor vendo os alunos se dispersando. — Eles falaram da maldição, acho que todo mundo ouviu. E eles… eles queriam matar o Felipe…

— Eram runistas. — Inma disse então, Inara olhou para a amiga com preocupação devido a entonação que Inma usou. — Eu possuí um guarda e atirei em um deles e eu vi e sei o que eu vi, as marcas as habilidades. Runistas. Novos. Recém-criados.

— Impossível serem runistas. — O velho ao lado de Teodora, que ninguém ali conhecia, disse. — Runistas foram extintos há anos.

— Eu matei o último. — Teodora garantiu, com certa frivolidade. Era por coisas assim que carregava o nome de criadora de lendas, pois ela pegava a realidade e extinguia, transformando em memória, transformando em lendas.

— Mas não destruiu os livros. — Inma emendou. — E agora tem mais runistas. E eles vão ir atrás de você, tenho certeza.

— Eu não. — Matheus disse, com certo alívio. — Eu não tenho nada.

— Ainda. — Inma completou.

Matheus só então tomou consciência que os livros eram reais. Os famosos Dorrens das histórias. Toda maldita história é real agora? Praguejou nos seus pensamentos.

— E nem terei. Tem uma chance… espera. — Matheus parou de falar e olhou para Teodora, de repente seus olhos se encheram de preocupação. — Cadê o Kaio?

— Deixei ele em casa, uma sombra está seguindo ele… — Teodora também parou de falar.

Então tudo fez sentido. A sombra estava sim procurando distorções porque pela primeira vez em anos havia alguém para limpar a bagunça. Pela primeira vez havia runistas para serem chamados e Teodora havia deixado seu neto sozinho e desacordado.

— Eu preciso voltar para o Kaio. — Disse, se virou e sem mais foi embora.

— Teodora. — Matheus chamou uma última vez. — Eu… tinha um carro, foi de onde os runistas vieram. É preto. — Informou na esperança que isso ajudasse de alguma forma.

Matheus olhou para a velha saindo quase correndo do internato após fazer que sim para ele em gesto de agradecimento. Naquele instante ele se sentiu impotente e incapaz. Queria ter como proteger seu amigo, ter como proteger Felipe, como se proteger, mas estava todo sujo de grama e terra, dolorido, Felipe estava inconsciente e sangrando, Inma havia salvado o dia, Teodora voltava apressada para tentar impedir mais um desastre, enquanto isso lendas extintas voltavam a vida para caçar gente como ele… e Matheus era apenas ele, apenas o menino de sempre cheio de vontade e conhecimento, mas incapaz de fazer a diferença por não ter nada para acrescentar.

— Kaio está correndo perigo? — Inara perguntou para Matheus que rolou os olhos, suspirando.

— Eu acho… quer dizer, se tiver mais runistas…

— Parece que a natureza é realmente sábia. — Inma disse então, como a cereja em cima do bolo, atraindo um olhar de raiva de Inara e de Matheus.


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Notas finais do capítulo

A história tá muito ação né?
Bem, isso vai mudar! Próximo capítulo é o fim
...
é o fim do primeiro ato!!! Vou encerrar essa parte ação desenfreada com bastante glória, e então entrar na parte "devidas explicações". Espero que vocês gostem do desfecho, e comecem a se manifestar, afinal, não são sombras, né!!!! :P



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