Maldição Soverosa escrita por P B Souza


Capítulo 5
O amigo da vovó


Notas iniciais do capítulo

Não, eu não desisti da fic!!!
Mas sim, eu sinto falta de vocês, que comentavam e sumiram!!!
Espero que gostem desse capítulo
e.e



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/681527/chapter/5

Ela ainda vive

A natureza vive

Se fizer silêncio poderá ouvir

Poderá ouvi-la definhar.

Continuou no internato até de noite, mesmo depois que sua avó foi embora.

Kaio se encontrava catatônico no seu quarto compartilhado, pensando em como quase matou sua namorada e como isso poderia acontecer de novo e de novo até alguma desgraça suceder de verdade, e não apenas com a namorada, mas em qualquer situação. É uma terrível maldição, Kaio. Lembrou-se da avó lhe falando aquilo no hospital, e agora entendia.

Inara quase morreu envenenada enquanto sufocava e apodrecia e seu coração parava. Kaio pensou que ia perdê-la, pensou de verdade nisso. Então Inma chegou e Inma era uma bruxa, o que não lhe fazia sentido algum, mas isso foi o bastante para manter Inara viva por mais alguns minutos até que sua avó chegasse. Então Teodora apenas pingou duas gotas de alguma coisa dentro da boca de Inara e disse para Kaio que voltaria a noite, os dois tinham algo para conversar, mas ela tinha primeiro que resolver um outro assunto.

Não havia entendido nada quando Inma e a Avó trocaram olhares pouco afetuosos sem nunca terem se visto, e Inma deixou Kaio com um “babaca” de xingamento.

Então ele havia ficado com Inara nos braços ali no jardim até que ela conseguisse se sentar e falar, mesmo que de forma afetada como se estivesse dopada. A marca negra no lábio ia sumindo lentamente assim como o coração ia voltando a bater lentamente. Tudo voltava ao normal, até mesmo o coração de Kaio, que batia bem mais rápido que o normal devido à preocupação.

Inara, felizmente, não pediu explicações, ela aparentemente sabia sobre a bruxaria e todas as coisas sobrenaturais que Kaio estava descobrindo apenas agora, então ela apenas ficou abraçada com ele, sequer o culpou.

Por fim notaram os dois ali por um período estendido de tempo e um dos inspetores (o internato Edoniquim tem uma equipe de ao menos vinte) veio mandar que se separassem e voltassem para suas salas de aula ou para seus aposentos, ou para a enfermaria (essa última o inspetor disse ao ver que Inara tremia e estava pálida).

*****

Depois de contar tudo isso à Matheus, não sabia o que esperar do amigo, mas jamais esperaria aquilo.

— Sua família te manteve no escuro, né? — Foi a resposta de Matheus a tudo àquilo.

— Quê? — Kaio indagou. Como assim? Você sabe?

Estavam no quarto que dividiam no Edoniquim, todo quarto tinha duas ou três camas.

— A maldição dos sorvedores, as bruxas, Inma… tudo isso… você nunca soube de nada? — Matheus havia perguntado então, o rosto em um quebra-cabeça de enigmas que Kaio parecia não saber decifrar.

Ele não entendia. Mais cedo, no vestiário, Matheus parecia tão confuso quanto ele, até mesmo debochado (como era comum de sua personalidade), então agora isso… essa súbita mudança.

— Minha vó me disse algumas coisas, mas… não, minha família não sabe de nada… acho que eles não sabem, literalmente, de nada. — Kaio respondeu então. — Por quê? O que você sabe? — Perguntou inconformado.

— Eu sei o que toda família grande sabe. A gente carrega essa maldição, bruxas jogaram na gente junto dos índios, daí essa bagunça toda. Centenas de anos um caçando o outro, nada se resolveu. Tem até na Wikipédia de São Olavo na internet, a lenda da maldição.

— Eu pensei que era isso. Só uma lenda estúpida da Wikipédia. — Kaio respondeu, nervoso, ficando ainda mais paranoico e se sentindo burro por nunca ter notado, e então se perguntando porque ninguém na sua família nunca havia falado nada daquilo. — Você nunca me disse nada?

— Não é algo que a gente converse muito com as pessoas. Oi, Kaio, você já está amaldiçoado? Ainda não? Nossa, que legal, agora você tem poderes! — Matheus ironizou balançando os braços, fingindo aperto de mão com um conhecido invisível e sorrisos. — Minha mãe me contou essas coisas, mas nunca falamos muito sobre isso. É só… algo que eu precisava saber, não que eu tenha vontade de saber, ou eles de explicarem, sabe? Não é um tópico para a mesa de jantar ou pra roda de amigos.

Kaio abaixou a cabeça enquanto raciocinava. Por que ninguém nunca me contou nada? Se perguntava. Por que minha mãe não me avisou que isso ia acontecer? Por que minha avó não avisou?

Talvez sua mãe também não soubesse, mas Teodora sabia, disso Kaio tinha certeza. Então por quê?

Não fazia sentido!

— Pode parecer furada, mas já pensou que eles não te contaram para te proteger?

— Ignorância é a coisa mais distante de proteção que pode existir. — Kaio respondeu ao amigo. — Ignorância quase matou Inara hoje, se eu soubesse… se ela tivesse me falado…

— Já passou agora. — Matheus disse então, se levantando e passando o celular para Kaio de cima da mesa de estudos do quarto, este vibrava. — Sua vó chegou. — Disse, ao ver quem ligava.

Kaio atendeu o celular, ouviu a voz da avó vindo baixa.

— Já to indo. — Respondeu, então desligou. Eram 22:40 da noite. — Você vem?

Matheus olhou para Kaio abrindo um sorriso enquanto coçava os grossos fios da barba rente ao pescoço.

— Só até o portão para distrair o guardinha. — Disse por fim.

Os dois calçaram os tênis.

Embora fossem ricos, e pudessem ir e vir, após o Edoniquim fechar seus portões, só podiam deixar o internato às 5:40 da manhã, quando os portões se abriam. Regras existiam, e os inspetores, monitores e guardas estavam ali para assegurar que estas fossem aplicadas.

Kaio e Matheus viviam de pequenas ações assim, pequenas fugas em horários proibidos para diversas ações indevidas como invadir o dormitório feminino, fumar um baseado na biblioteca suspensa, nadar de madrugada na piscina que era aquecida, coisas bobas que exigiam muito da arte de fugir correndo dos inspetores noturnos.

O Internato Edoniquim tinha toque de recolher às 22:00, então não era permitido aos alunos andar fora dos arredores do dormitório depois desse horário.

Deixaram o quarto que Kaio e Matheus dividiam e estavam no corredor interno do dormitório, havia vomito em um canto ao lado de uma máquina de café, uma das luzes de teto estava quebrada, os quadros nas paredes tinham desenhos de bigodes e pênis nas bocas dos retratos. Kaio mesmo havia desenhado um óculos e um guarda-chuva em Napoleão.

No dormitório alguns dormiam já, mas a maioria dos rapazes ainda estavam acordados. Vinícius, o substituto de Kaio no time, estava na sala junto de alguns dos jogadores e eles discutiam sobre o futuro do time no campeonato de fim de ano.

Ou, Kaio, chega aí. — Gustavo chamou. Kaio olhou para o atacante da outra turma (no final apenas um time competia, mas o internato tinha quatro times). — Cê vai voltar, ou vai sair do time essa temporada?

— Eu… — Kaio olhou para Matheus, então para a sala. Precisava ir encontrar sua avó. — Eu vejo isso depois, firmeza?

— Aonde vocês vão? — Então Vinícius perguntou.

— Não é da sua conta, Vinícius. — Matheus respondeu enquanto voltavam a andar.

A frente do dormitório ainda era permitida aos alunos. Kaio e Matheus cruzaram o caminho de pedra para as árvores e então havia o campo até o prédio principal aonde ficava concentrada a maior parte dos inspetores.

Foram para o lado oposto a esse, rumo ao portão de entrada, mas então tomaram a esquerda em um grande salgueiro centenário e em vez de irem ao portão principal, rumavam para o muro na sua parte mais baixa do lado interno do internato.

— Ninguém viu a gente. — Kaio disse, animado, enquanto paravam no muro. Ali, do lado de dentro, era um muro de apenas um metro e sessenta centímetros de altura, mas do lado de fora a queda era de dois metros e meio de altura.

— Mas vão ver. Eu vou ir lá ver a Beka.

— Não vai fazer nada estúpido enquanto eu estiver fora. — Kaio aconselhou, então pulou para cima do muro sentando na borda. Eles deviam colocar arames elétricos aqui em cima. Pensou.

Matheus, abaixo, olhou para Kaio rindo.

— Não posso prometer nada!

Kaio sorriu para o amigo, sabia que Matheus e Beka não dariam certo, ela era a menina mais rodada do colégio, Kaio mesma já tinha trocado beijos com Beka, e Matheus estava certo que Beka se apaixonaria por ele porque os dois estavam juntos a quase dois meses. Kaio, porém, temia que o amigo se apaixonasse por Beka, e então ela terminasse tudo como costumava fazer sempre. Beka é uma pegadora.

Kaio viu Matheus indo para o portão principal, ele precisaria passar pelos dois guardas sem ser visto, e então atravessar outro campo de árvores até o dormitório feminino. Kaio, porém, só precisava pular.

A cidade na sua frente brilhava com dezenas de centenas de luzes. Respirou o ar da noite, gelado e úmido lançando um último olhar para os prédios no centro da cidade. O maior deles ainda estava sendo construído, pois eram todos novos. A parte moderna da cidade começava a surgir ainda, os prédios de fachada futurista e cheios de janelas espelhadas ainda estavam sendo erguidos. São Olavo passava tardiamente pela revolução dos arranha-céus. Com esse último vislumbre, saltou.

Caiu flexionando os joelhos para abafar o som e absorver o impacto, olhou para os lados, ninguém.

Enfiou a mão nos bolsos do moletom da calça, como quem não quer nada sentindo o vento frio da noite contra o peito e as costas, pois usava apenas uma camiseta branca do Edoniquim. Começou a andar pela calçada, se distanciando lentamente do internato… ou melhor, se distanciando da entrada principal, porque o internato compreendia um espaço enorme era possível circulá-lo por completo seguindo a calçada.

Andou por dois minutos até que um carro surgisse com os faróis baixos. Esse carro passou por ele e foi embora sem cerimônia. Kaio olhou para trás, tentando ver que carro era. Sua avó tinha um carro, mas não gostava muito de dirigir.

Então atravessou a rua, andou o mesmo percurso ao contrário, repetiu duas vezes até que a avó finalmente chegasse em seu sedã 4 portas preto.

— Pensei que já estava chega… — Kaio disse abrindo a porta do passageiro, mas tinha alguém ali. Não alguém. Um homem. Olhou para o velho sentado ao lado de sua avó.

— Kaio, esse é Breno De Avantar. Um amigo meu. E eu não demorei, disse dez minutos. Não é minha culpa se saiu mais cedo que o devido, querido. — Teodora disse com tranquilidade e um sorriso de quem culpasse Kaio.

— Prazer. — Breno, o velho de cabelos brancos, casaco tweed e gravata borboleta vinho disse, apertando a mão de Kaio, que o fez por educação e um tanto de confusão mental.

— Igualmente. — Kaio respondeu, sem jeito.

— Entra logo, querido. Não podemos ficar a noite toda aqui. — Teodora disse. Kaio fechou a porta do velho Breno, tentando espantar os pensamentos de quem era Breno e o que ele e a avó faziam juntos, entrou no carro se sentando no banco de trás.

O aquecedor estava naturalmente ligado para quebrar o gelo da noite e não deixar as juntas idosas de sua avó doerem (mas agora Kaio começava a se perguntar se a avó tinha dores, afinal, ela tinha todas as… vantagens). O carro cheirava ao perfume de Teodora, uma fragrância bizantina que ela adorava e fazia questão de, anualmente, ir até Esmirna comprar a mesma fragrância com o mesmo fabricante

Ele se lembrava da história; uma receita muito antiga do século dezessete, quase perdida na queda do Império Otomano.

Kaio estava sentado atrás de Breno, calado a princípio, e até mesmo um tanto desconfortável, sua avó acelerou e eles saíram do Edoniquim.

— Falou com a bruxa? — Teodora perguntou, enquanto cruzavam Concordes de volta à Maringá.

— Inma…

— Inma Uah’òk. — Teodora completou com desdém.

— Nunca soube o sobrenome dela. Aliás, é de onde? Algum lugar da África?

— Não. É de algum lugar daqui. A família dela é indígena, indígena e africana, é verdade, mas Uah’òk é nome de origem tupi. — Teodora garantiu. — Falou com ela? — Refez a pergunta.

— Não, ela deixou assim que você chegou e Inara também não quis falar sobre essa coisa de bruxaria. E o Matheus também não. Parece que ninguém quer me falar nada ultimamente. Mas parece que todo mundo sabe alguma coisa. Todo mundo menos eu!

Kaio esbravejou, cruzando os braços

— Você não colocou o cinto. — Teodora o repreendeu, Kaio foi puxar o cinto, percebeu que uma mala e uma mochila estavam do lado dele, no banco e no chão do carro. — Acontece, querido, que ninguém gosta de falar sobre isso, porque todo mundo tende a torcer o nariz e achar que você enlouqueceu. Então ninguém fala, ou você sabe, ou não sabe, se der o azar de ser com você, então logo você sabe, e se alguém descobrir, essa pessoa provavelmente não vai te questionar, só vai aceitar e ficar quietinha porquê… porque pessoas tendem a ficarem quietas quando descobrem essas coisas. Sua namorada, por exemplo, que nunca lhe contou sobre a bruxa.

— Inma.

— Bruxa! — Teodora repetiu como se a menina fosse indigna de ser chamada pelo nome.

— Mas porque Inma deve ter pedido segredo, não deve ser fácil… quer dizer, eu estou tendo meus problemas com essa coisa de maldição, imagine ela…

— A Bruxa não tem problema algum. — Teodora afirmou, categórica. — Você tem, e se tem problemas, é por culpa dela.

— O que Inma tem a ver…

— Ela não, não diretamente, mas sua família desde o surgimento, tal como a nossa, tudo culpa delas, das Uah’òk. Mas vamos falar sobre isso depois. Kaio, quero que conheça o Breno, ele é um amigo e sabe tudo sobre tudo. — Teodora riu, dirigindo, enquanto Breno lançou um rápido olhar para trás.

— Eu dediquei minha vida ao estudo do sobrenatural em diversas culturas. — O velho começou a falar pela primeira vez em longas frases. Kaio percebeu que sua voz era lenta, mas carregada de conhecimento, como um ancião de algum anime. — Quando encontrei sua avó… foi um fascínio, mulher de tamanha fibra e interesse pela ciência e pelo conhecimento. Me ajudou com muito, sua avó. Em vários países, com vários mitos.

— É a verdade é um pouco diferente. — Teodora riu. — Kaio, Breno aqui é um sábio. Sempre me tirando de apuros desde jovem. Ele não é nada, não é bruxo nem amaldiçoado, e já falei para sair dessa área antes que alguém o transforme em alguma coisa.

— Sessenta anos e nada me aconteceu. — Breno disse, diretamente para Teodora. — Nada vai acontecer agora!

Kaio revirou os olhos entendendo tudo.

Eles não eram apenas amigos!

*****

Passarem por Maringá foi rápido e logo estavam em Iambuci, bairro nobre aonde ficava a Residência dos Soverosa e a casa de sua avó.

Teodora havia, ainda à tarde, dito que voltaria para pegar ele, mas tinha algo a resolver primeiro. Agora ela explicava tudo.

Breno De Avantar havia vindo ao Brasil depois de uma temporada em Togo na África, passaria uns dias na casa de Teodora, eles aparentemente tinham assuntos para pôr em dia, referente a alguma anomalia que Breno estava estudando. Kaio havia escutado ele falar “é como uma brecha para outro lugar, apareceu no meio do ar, mas não faz nada, por enquanto ninguém teve a ideia de entrar nessa… brecha, mas já falam sobre essa possibilidade”.

Então Teodora voltou a se explicar e explicar a própria história para Kaio, mas ao ouvir que Kaio havia despertado a maldição Breno ficou inquieto.

— Isso é incrível, se eu pudesse fazer alguns exames, tomar doses do seu sangue, apenas para estudos, tenho certeza que vai entender…

— Não, não vou. — Kaio respondeu ao velho, um tanto que rude em sua resposta. — Vó…

— Ele sempre foi assim. — Teodora disse, sobre o velho. — Curioso demais para o próprio azar. Mas agora, Kaio, vamos falar sobre as Uah’òk. Vou fingir que você ainda não sabe de nada e lhe explicar desde o começo, fica mais fácil assim. Centenas de anos atrás nossos antepassados possuíam escravos, fortuna e armas. Foi quando os escravos receberam armas e ordens para matar os índios que tudo começou a dar errado. Eles se voltaram contra nós, obviamente, e encontraram nos índios, conforto das chibatadas.

— Quer dizer que é tudo culpa de uma vingança?

— Quase isso. — Teodora respondeu. — Tem muito mais nessa história que patifarias e dramas familiares, mas tudo começou assim, escravos encontraram índios e um encontrou no outro algo em comum, ódio por nós. Na época nossa família era legalista, apoiava incondicionalmente a coroa e a escravidão e o catolicismo. Tudo isso deu errado muito rápido quando os escravos não mataram os índios, e não demorou para que ambos tentassem tomar nossas fazendas. Então os Contezam surgiram junto dos espanhóis e fizeram o que espanhóis melhor sabem fazer.

— Mataram. — Kaio sussurrou.

— Exatamente. Dezenas de tribos foram destruídas em dois anos, pelo que dizem, e vários escravos voltaram pedindo perdão, implorando por suas vidas. Nós chicoteamos vários até a morte e deixamos suas carcaças penduradas por toda São Olavo como aviso aos índios que ainda ousavam andar pela cidade. Então chegou mais um negreiro com uma nova carga de escravos e nesses vieram dezenas de mulheres para o prazer dos senhorios. Assim que as famílias começaram a diminuir, as mulheres que chegaram eram bruxas…

— O termo certo…

— Bruxas. — Teodora interrompeu Breno. — Usam magia e os poderes da natureza para benefício próprio, são bruxas. Essas mulheres começaram a matar os homens com quem dormiam, e até tentaram matar elas, mas os homens as temiam e as mulheres não tinham coragem para empunhar armas. As bruxas então se encontraram com os índios, os índios ensinaram coisas para elas e elas aos índios e daí nasceu uma maldição. O primeiro a ser amaldiçoado que se sabe foi um Soverosa, por isso chamam de Maldição Soverosa, mas dezenas de pessoas foram amaldiçoadas a vagarem pelo mundo dos vivos carregando a fúria de um animal até que este despertasse e então, quando o animal acordava dentro do hospedeiro, todos temeriam as bruxas e os índios. Demorou dezoito anos e todos já haviam se esquecido que as bruxas amaldiçoaram alguém em primeiro lugar, viraram uma piada. Então todos começaram a despertar, dizem que foram quase cem pessoas amaldiçoadas.

Teodora parou de falar enquanto dirigia, pareceu se cansar com aquilo. Breno olhou para trás, para Kaio.

— Pais acordavam de madrugada e comiam os próprios filhos nos berços, degolavam suas esposas, envenenavam elas, rasgavam vizinhos ao meio. Onças, aranhas, sapos, cobras, águias… dezenas de espécies foram usadas para criar a maldição. Cada um com um animal dentro de si, cada um destruindo o mundo do homem branco de um jeito diferente. Então, anos após todos os amaldiçoados terem morrido ou serem caçados e mortos, seus filhos despertaram mostrando a crueldade da natureza em perpetuar a maldição de geração em geração, de dezoito em dezoito anos. Filho após filho, morte após morte, para sempre.

— Essa é uma versão da história, Teodora. — Breno intrometeu-se. — Existe quem diga o contrário…

— Existe quem nos condene, quando somos nós os amaldiçoados! — Teodora disse para Breno, Kaio conhecia aquele tom de voz da avó. Era a voz de quem não aceitaria outro ponto de vista. — Se as bruxas querem sossego, deveriam acabar com a maldição.

— Se elas pudessem…

— Não o fariam nem se eu as cobrisse de ouro! — Teodora interrompeu Breno antes que ele continuasse. — Elas gostam de nosso sofrimento, mesmo perdendo com isso, elas gostam! Criaturas nefastas.

— Por quê? — Kaio interrompeu então, perguntando abismado. — Por que não mataram todos? Todos nós…

— Famílias ricas. Não podíamos simplesmente sumir sem deixar toda a cidade desamparada. Ainda hoje não podemos. Seu pai é o empregador de centenas de pessoas só aqui. Nunca poderemos sumir. — Teodora lamentou. — Mas tentaram, e falharam. O importante, Kaio, querido, é que entenda. Você é a vítima de uma praga lançada sobre nossa família por outra família, uma família fraca e invejosa. Sangue cria laços eternos. A mesma bruxa que amaldiçoou nosso antecessor, é a antecessora daquela bruxa na sua escola. Inma Uah’òk carrega consigo o mesmo poder que quase matou Inara hoje, a mãe de Inma carrega esse mesmo poder. Assim como eu carrego a maldição que você carrega. Qualquer desgraça que acontecer por culpa da maldição é culpa delas, não sua!

— Mas elas não têm culpa, assim como a gente, não… foi culpa das outras, lá atrás quando fizeram isso… porque… não podiam ter feito a maldição sem isso de gerações? Não tem…

— Culpa, não. Ninguém mais tem culpa de nada, querido, mas temos a necessidade. Necessidade de sobreviver. — Teodora disse, com pesar. — Breno.

— Bem… — Breno olhou para Kaio de novo, tentou simular um sorriso enquanto rolava os olhos buscando por onde começar. — Quando a maldição desperta… veja, eu não confirmei isso, mas todos os meus estudos apontam para que seja verdade.

— O que é verdade?

— Sua vó disse que o sangue cria laços, mas não só o sangue. As bruxas que jogaram a maldição nos Soverosa na época da colonização, elas queriam criar uma arma para matar os portugueses, vocês. E conseguiram, certo? Mas a regra do universo é clara, toda ação cria uma reação… só não precisa ser igual e oposta. Nesse caso a maldição criou um elo entre vítima e bruxa. Entre Teodora e Zaela. Entre Bethânia e… qual o nome da mãe da menina?

— Enmra. — Teodora respondeu, então Breno fez que sim e voltou a falar.

— Sim, entre sua mãe, Bethânia e Enmra. E entre você e a menina Inma. — Breno terminou, com certa satisfação, então tomando folego de novo voltou a falar com mais paixão ainda, ele nutria real interesse no assunto. — Esse laço não pode ser desfeito enquanto a maldição existir, temo eu. Sua mãe e Enmra nunca tiveram problemas porque a maldição nunca despertou em sua mãe, mas agora… bem, agora despertou em você. Agora o laço que liga você à Inma está ficando mais forte. A cada instante.

— E o que isso tem a ver? Que diferença faz estarmos ligados… sequer nos falamos direito… é alguma coisa das bruxas para nos controlar?

— A, elas tentaram isso. — Breno garantiu. — Como disse, o laço é uma alegoria inversa ao desejo delas, resultado da criação da maldição. Elas tentaram usar a seu favor, mas não deu certo. O laço é… a pequena vantagem de vocês, mas nem isso deu certo também. É imprevisível na verdade.

— Vantagem? — Kaio perguntou, confuso. Estava cada vez mais confuso e cada vez mais curioso.

— Sim, vantagem. Veja bem, a maldição foi feita contra vocês, mas como reação surgiu o laço…

— Você já disse isso.

— Então me deixe dizer o resto! — Breno pareceu se zangar. Teodora riu, ao volante, em resposta. Kaio olhou para o velho com desconforto. — Que coisa.

— Tá bom. — Kaio deu de ombros. — Fala.

— O laço é a forma que a natureza encontrou de equilibrar as coisas. Quando um sorvedor surge o laço surge na bruxa da mesma geração. Ela está eternamente ligada a você. O problema é que a natureza tende a fazer coisas ambíguas e pouco práticas. Agora que o laço liga vocês dois a bruxa vai sentir os poderes sendo drenados lentamente até ela não possuir poder nenhum. Você, por outro lado, vai ter problemas em controlar suas habilidades, o veneno, a visão, as escamas… tudo isso. E só acaba dê um jeito.

— Com um de nós morrendo. — Kaio disse. Não precisava ser um gênio para descobrir aquela parte. Então com apreensão subindo-lhe pelo estômago Kaio estremeceu com um pensamento que teve de verbalizar. — Vó, a avó de Inma, Zaela…

— Eu fiz o que tinha que fazer, Kaio. — Teodora respondeu, seca e sem tentar maquiar a voz. — E você terá também…

— Não vou matar… você matou uma pessoa…

— Uma? — Breno pareceu quase ver humor naquilo, mas rapidamente percebeu que não deveria ter usado um tom tão animado.

Kaio olhou para a avó com certo medo agora. Quem é você, vó?

— Kaio…

— Você sempre me disse para não machucar as pessoas, que eu sempre devia conversar, que eu devia ser melhor que os valentões…

— Isso não é questão de valentia, filho. — Breno disse então.

— Eu to falando com minha avó…

— Kaio… — Teodora começou a repreender o neto.

— Me responde. — Kaio atropelou a voz dos dois. — Dá uma desculpa para ter matado a vó da minha amiga!

— Disse que sequer fala com ela… — Teodora começou.

— Não é desculpa para você matar alguém. — Berrou dentro do carro enquanto Teodora rolava os olhos como se quisesse apenas pular aquele tópico.

— Você não sabe do que tá falando. — Teodora encostou o carro. Kaio só então olhou aonde estavam. Era a parte nobre de Iambuci já. Perto da casa da avó. A rua estava deserta, as árvores farfalhando com o vento da noite, as luzes dos postes passavam filtradas pelas folhas espalhando sombras alaranjadas pelo chão negro de asfalto da rua. — Zaela era uma bruxa terrível e ela passou a vida toda tentando me matar. Anos fugindo daquele monstro. Era eu ou ela. E eu não faria, Kaio, não teria matado ninguém se tivesse escolhas. Mas o laço que liga você a menina e que me ligava a Zaela suga não só a magia, mas a vida. Se Inma quiser viver ela vai te matar. Zaela queria viver e estava disposta a me matar para isso. Eu ou ela. Eu ao menos tive a decência de esperar a filha dela crescer para fazer o que tinha que ser feito.

— Deve ser muito reconfortante falar isso e pensar que está tudo bem…

— A menina vai tentar te matar, Kaio. É o que ela precisará fazer, e você também. Ninguém disse que é bonito, é a maldição, é o preço que temos que pagar por culpa delas…

— Inma não vai me matar. — Kaio garantiu, Teodora olhava para ele com seriedade, assim como Kaio olhava ela. Breno, porém, olhava ao redor pelas janelas do carro. — E nem eu vou matar ela.

— Você está matando ela. Se não com suas mãos, com sua existência. Ela vai morrer de um jeito ou de outro. Ou ela ou você, talvez alguns dias, talvez alguns anos. Mas ela vai morrer eventualmente e a culpa disso vai ser sua, a mãe dela vai te culpar, a mãe dela vai querer vingar a filha…

— Dora. — Breno chamou.

— O quê? — Teodora olhou para Breno, ao seu lado.

Foi então que alguma coisa do lado de fora do carro estourou e o carro balançou, como se afundando em um buraco.

— Sombras. — Breno disse. — Duas, ao menos.

— O quê? — Kaio olhou para trás, para os lados.

— O pneu. — Teodora disse após olhar pelo retrovisor. — Furaram.

— Sombras não furam pneus. — Breno disse. — O que vamos fazer?

Kaio sentiu algo dentro de si jorrando medo. O calafrio lhe fez tremer.

E então sua avó abriu a porta do carro e desceu.

— Vó! — Gritou em um ímpeto de pavor pela segurança de Teodora.

Breno abriu a porta e desceu também.

— Não tem nada aqui. — Teodora virou-se para Breno, os olhos em feixes verticais brilhantes e verdes. — Nem sombras. Não mais.

Se enfiou para dentro do carro e abriu o porta-malas pelo painel.

— Vó, o que foi isso? — Kaio perguntou descendo do carro também.

Então estavam os três em pé no frio da noite.

— Elas sabem do seu neto. — Breno disse com certo temor. — Mas como sabiam que estávamos aqui? — Disse a última parte como se não fosse com ninguém se não consigo mesmo, então começou a tamborilar os dedos no capô do carro.

— Vó…

— Não é nada. Sombras são como vigias, procurando por distorções. — Teodora disse pegando o macaco hidráulico do porta-malas. — Pega o estepe, querido. — Disse, sua voz já calma de novo.

— Como pode estar tranquila? Acabaram de atacar seu carro…

— Antes o carro que a gente, não é mesmo? — Teodora disse, girando o macaco e erguendo o carro. — Não se preocupe, teremos ido no tempo de as sombras terem retornado.

— Retornado? — Kaio olhou para trás por impulso, mas o que procurava? Sombras? O chão estava cheio delas.

— Não ouviu? Sombras procuram distorções, nós, Kaio, somos distorções. Sombras não podem interferir no nosso plano, elas só existem para alertar as forças que podem. São chatas, só isso.

— Quem elas vão alertar? Inma?

— A bruxa é outra distorção… ou melhor, não são, mas as bruxas que interferem no equilíbrio se tornam distorções, o caso de Inma por causa do laço. — Teodora terminou de tirar o pneu e passou para Kaio. — No porta-malas, sim?

— É ou não é?

— O quê? — Teodora perguntou colocando o estepe no carro. — A, sim, as bruxas… algumas são, outras não. Depende do que elas fizeram. Então sombras vão atrás, não para caçar, só para fiscalizar, quando acham alguma coisa errada elas chamam alguém… apropriado.

— Quem?

— Ninguém, querido. — Teodora disse, parecia convencida de estar correta. — Não vão chamar ninguém!

— Mas você disse que… elas não interferem no nosso plano. — Kaio olhou ao redor, procurando inimigos nas sombras, ou apenas sombras. — Mas o pneu estourou.

Teodora terminou de trocar o estepe, tirou o macaco e guardou no porta-malas junto do pneu estourado. Fechou este e bateu as mãos limpando a sujeira. Kaio sempre achou a avó incrível pela disposição de fazer coisas que a maioria das mulheres jamais faria. Trocar um pneu, por exemplo, era algo que sua mãe nunca fez e provavelmente nunca faria.

Então Teodora abriu a porta do motorista de novo e antes de entrar olhou para Kaio dando de ombros.

— Coincidência macabra? — Disse com certo humor.

Mas Kaio não viu nem um pouco de graça. Na verdade, até notou que a avó mesmo não tinha visto graça, apenas tentava maquiar uma situação séria com um alívio cômico.

*****

O resto do caminho até a casa de Teodora não levou mais de cinco minutos nas ruas vazias de Iambuci. Os três ficaram quietos dentro do carro devido ao clima pesado da “sombra”.

Kaio ainda tentava digerir o fato de sua avó ser uma assassina e não a velhinha que fazia bolos nos domingos de manhã. Não conseguia unir os fatos sem quebrar todo o cenário ao redor e fazer ainda menos sentido. De repente sua família era só uma parte de um quadro maior. Para ele isso era complicado porque os Soverosa sempre foram os centros das atenções. Então ele e uma família comum de uma aluna bolsista do Edoniquim estavam em pé de igualdade… não é como se Kaio fosse elitista, mas era estranho ser rebaixado ao nível de gente como Inma (pois preferia imaginar-se rebaixado ao nível de Inma que imaginá-la elevada ao nível de sua família).

Teodora não entrou na garagem, apenas parando na porta, desceram e ela trancou o carro e os três foram até a porta da casa.

Era uma casa comum no bairro, dois andares, um corredor ao lado para a garagem no fundo da casa, tudo meio esticado, lote padronizado. A casa, no entanto, era feita em um estilo americano, acabamento em madeira e tijolinhos, telhado de barro cozido lustrado, janelas de madeira (com grades para segurança).

— Breno, pode deixar suas coisas no quarto vazio, sabe aonde é, certo?

— Claro que sim. — Breno De Avantar disse sorrindo para Teodora enquanto Kaio, por ser o último a entrar, fechava a porta atrás de si pensando em que raio significava “claro que sim”.

A casa era confortável e pequena sem esbanjar cômodos ou espaço. Tudo era apertadinho e superlotado e confortável. O corredor da entrada tinha quadros nas paredes e grossos e empoeirados tapetes com desenhos estranhos. As paredes por dentro da casa eram de madeira até a metade, então do meio ao teto tinham papéis de parede floridos em verde-musgo (mas só no corredor).

Teodora foi direto à cozinha e Kaio atrás da avó.

Lá, Teodora preparava pó de café enquanto a torneira aberta enchia uma panela com água que saia quente do cano soltando vapor ao redor.

— Vó, vocês… é estúpido perguntar isso, estúpido e óbvio, mas vocês já tentaram curar?

Kaio perguntou, triste, parando na parede que dividia a cozinha da sala de jantar.

Teodora fechou a torneira e levou a água ao fogão para ferver. Lançou um olhar cansado ao neto.

— Durante anos, querido. Durante anos. — Abaixou os olhos como se as lembranças viessem chicotear seu corpo cansado. — Você deve estar pensando que eu sou monstro por ter feito o que fiz, matado a avó de sua amiga e todas as outras coisas que só imagina, mas acredite, não fiz nada por gosto e pior, não fiz nada por escolha. Eu fiz o que tinha que fazer para sobreviver, e todo dia penso que deveria ter morrido. Antes que sua mãe nascesse, deveria ter deixado a família acabar, mas somos guerreiros, somos sobreviventes, os Soverosa. E quando o momento chegar, quando sua vida estiver para ser perdida… você perde o controle, o animal assume. O extinto de sobrevivência, a necessidade de vencer… é horrível, Kaio, a maldição é mais forte que nós.

Teodora virou a cara quando a voz foi embargada em um tom choroso.

— Desculpa… pelo jeito que eu falei com você. Não devia…

— Os Ambrósio e os Contezam são amaldiçoados também. Você é amigo daquele menino, o Matheus, não é? — Teodora disse, mudando de assunto.

— E do Felipe, o que tem eles?

— Cada um tem um espírito. Você de uma cobra surucucu, os Contezam de gato-do-mato, os Ambrósio de uma águia Uiruuetê.

— O Felipe no vestiário, hoje, me deu tanto medo. Queria falar disso inclusive. Ele… foi estranho. Eu pensei que… eu me senti ameaçado de um jeito tão íntimo. — Kaio revelou.

— Ele tem vantagem natural contra nós. Seu corpo, seus músculos, sua força, suas habilidades, tudo é adaptado contra cobras. Águias são ótimas predadoras de cobras, por isso sentiu medo. Mais para frente vai conseguir identificar sorvedores e seus animais só pela energia que liberamos, vai conseguir sentir a presença de um a dezenas de metros de distância. Nem tudo é desvantagem, sabe?

— As desvantagens parecem maioria, né.

— São. — Teodora disse, se sentando em uma banqueta da cozinha e chamando Kaio para a outra. — Mas… você vai conseguir lidar com tudo, querido. Você é incrivelmente forte! Vai sobreviver.

Kaio permaneceu quieto quando sua avó tomou nas suas mãos a mão dele e sorriu-lhe, como se tentasse confortá-lo. Agradava-lhe ouvir que sobreviveria, mas pensar no preço de sua sobrevivência…

— Não há cura. — Kaio disse, cabisbaixo, mas seus pensamentos já deixavam a simplicidade da própria fatalidade e abrangiam além de si próprio. Teodora olhou para ele enquanto Kaio levantava a cabeça como se tivesse acabado de ter uma brilhante ideia. — E antes da maldição despertar? Tem como curar? Antes da maldição começar?

— Kaio…

— Laila pode sofrer com isso. E Matheus também. Eles não precisam passar por isso se conseguirmos…

— Kaio. — Teodora o silenciou. — Não poderíamos descobrir sem forçá-los nesse mundo que não queremos aceitar nós mesmos…

— Matheus já sabe, ele me disse, já sabe disso tudo. Existe como quebrar a maldição, vó? Antes dela despertar?

— Não é uma certeza, pode dar errado, pode custar caro. Muito caro!

— Somos ricos…

— Não é dinheiro, querido. Outro tipo de preço. — Teodora disse, mas então o celular de Kaio tocou em seu bolso. — Atende. — Disse ao neto.

Kaio se levantou da banqueta e tirou o celular do bolso, olhou o nome, era Matheus.

— Alô?

“Kaio, tem uns malucos tentando invadir o dormitório dos meninos, cara. Os guardas estão lá também e os loucos tão escalando e gritando alucinados que querem os amaldiçoados, que tem que matar os sorvedores. Kaio, cê tá ai? ”.

Kaio virou, branco como fantasma, olhando para a avó.

— O Felipe ficou ai né?

“Não sei, acho que ficou”.

— Não chega perto… não deixa esse louco de te ver. — Kaio disse, sério, se lembrando da sombra e que elas iam avisar alguém capaz de tomar providências contra as distorções. Felipe era outro sorvedor, agora tinha certeza disso. E alguém estava caçando-o. Logo estarão me caçando também. — Vó…

— Já ouvi. — Teodora disse já de pé. — Manda ele se esconder.

— Matheus, se esconde.

“O que acha que eu to fazendo? O cara tá escalando a parede na unha, parece o demônio”.

— Eu to indo, se esconde! — Kaio desligou então o celular. — Vó?

Chamou, mas Teodora havia subido as escadas.

Apressado, Kaio foi atrás. Os degraus fazendo TOC, TOC a cada passo. Chegando lá em cima encontrou Breno e Teodora no corredor.

— O que a gente vai fazer? — Perguntou, ao ver que a avó guardava uma faca na cintura, a faca era, aparentemente, de bronze e talhada com um rubi no pomo. — Vó…

— Vamos ajudar seus amigos, Kaio, mas você não vai sair daqui. — Teodora disse, séria, então Breno passou por Kaio indo para o começo do corredor, mas Kaio ouviu-o parar de andar atrás dele.

— Eu vou ir ajudar meus amigos…

— O que está atrás dos seus amigos virá atrás de você. Enquanto estiver aqui dentro está protegido. Não vai sair da casa, não com uma sombra atrás de você.

— Você não pode…

— Breno.

Então Kaio sentiu a pancada atrás de si.

Caiu inconsciente no chão.

— Leva ele para a cama? — Breno perguntou, pronto para carregar Kaio ao quarto.

— Sem tempo. — Teodora passou ao lado do neto caído no chão, ela temia enormemente o que poderia ser aquilo caçando os sorvedores. — Temos que ir.

E com isso deixou Kaio no corredor, desmaiado. Sabia que ele estava protegido ali dentro, não para sempre, mas por tempo o bastante para que ela pudesse proteger os outros.

Só então Teodora notou: ela havia controlado tudo. Havia garantido que aquilo não aconteceria mais e mesmo com Kaio despertando, era pras coisas serem calmas. Está tudo saindo do controle. Pensou, descendo as escadas tentando impor-se forte e poderosa como antes, mas sentia a idade lhe alcançando.

Teodora conhecia a natureza, aquilo não era obra do universo. Alguma coisa está bagunçando tudo de novo. Alguém está bagunçando tudo!

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, perceberam a semelhança gritante entre leitoras e as sombras na fic? Ambos só observam, mas não se manifestam no plano dos vivos!
:P
Hahhahaha. Não pude evitar! xD
Espero que tenham gostado, e se preparem que no próximo capítulo começa a treta maligna!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Maldição Soverosa" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.