Maldição Soverosa escrita por P B Souza


Capítulo 4
A lenda da escolha


Notas iniciais do capítulo

Capítulo fresquinho abordando outros personagens porque sim!
E levantando algumas agulhas pra todo mundo se espetar de curiosidade!! :)



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A lenda é tão antiga

Que foi até mesmo esquecida

Mas há aqueles que não esquecem

E há aqueles

Que não perdoam!

O carro esportivo prateado parou na frente da mansão enquanto o motorista descia e vinha abrir a porta do lado do passageiro, mas não a de trás.

No interior do carro sentada no banco de couro marrom claro Oura observava, pela janela de vidro escurecido, o casarão. Seus olhos fascinados pela construção, admirava muito arquitetura e a habilidade do homem de construir tão intrépidas estruturas alcançando o céu. Ainda os descendentes dos criadores do zigurate de babel. Pensou Oura com certo pesar.

O homem vinha desde o diluvio tentando alcançar Deus, tentando alcançar o criador e alcançar o prometido paraíso. Oura conhecia a verdade. Se quisessem o paraíso deveriam parar de construir torres, por mais bonitas que fossem, deviam parar. Deviam demolir as belas, imponentes e seguras torres e começar a olhar o chão. O paraíso esteve sempre ao alcance de suas mãos, e a ganância cega… esse desejo de mais e mais… destruíram o paraíso e os próprios deuses, as mãos erguidas agarram o vazio que habita o coração dos homens. É um reflexo da podridão.

Não sentia pena da raça humana, o que sentia era raiva.

— É incrível o que dinheiro sujo com sangue pode comprar, não?

Perguntou, mas não esperava resposta alguma dos dois homens no banco de trás. A porta então se abriu e ela simulou um paco sorriso que pretendia melhorar a cada passo até a entrada da casa, para assim conseguir realmente enganar seu anfitrião.

É difícil sorrir na frente de monstros. Ela pensou. Era difícil, mas também era necessário.

— Vocês dois não saiam daí. Não vou me demorar. — Disse para os dois homens no banco de trás, então colocou as pernas para fora do carro, pisou na calçada de concreto liso e saiu.

— E para onde iriamos? — Um dos homens lá dentro disse, seu tom de voz era de presunção e arrogância.

— Shh. — O outro repreendeu.

*****

Oura ajeitou sua postura na frente da mansão, ajeitou uma mecha de cabelo e ajeitou a roupa. Perfeito. Se pôs a andar ouvindo o som do seu salto ressoar enquanto o sol lavava seu corpo espalhando uma sombra bem desenhada no chão.

A mansão pertencia a ninguém menos que Célio Ambrósio, o dono de uma das maiores fortunas de São Paulo, e provavelmente da maior fortuna de São Olavo e Conceição.

Antes de chegar na porta, está se abriu sozinha e de dentro uma empregada surgiu parando abaixo do batente.

— Olá, jovem, o Sr. Ambrósio marcou comigo. — Oura disse a empregada, sua voz soava como uma harpa tocando a sinfonia dos anjos. Não tinha nenhum tipo de desprezo por empregadas e a classe mais baixa. Conhecia bem a guerra que travava para saber que estes não eram nem nunca seriam seus inimigos, embora às vezes se tornassem por ignorância e lavagem cerebral de seus ditos bondosos patrões. — Faria a gentileza?

— Sim, ele está esperando. Por aqui, por favor. — A empregada disse encarando Oura do pé a cabeça com admiração. Ela quer ser como eu. Todas querem ser como eu. Oura constatou. A empregada era negra e seus cabelos eram crespos, mas estavam contidos por uma touca higiênica, seu nariz tinha traços europeus, era uma mistura de sangues, e ao olhar para Oura via uma imponente mulher negra de olhos fortes e escuros na pele tão escura quanto tratando com o homem rico que pagava seu salário.

Oura era, para empregadas em halls de entrada, o sonho distante e impossível. Os homens brancos garantiram isso, querida. Você será para sempre uma empregada limpando as torres de Babel deles enquanto procurando por seu falso Deus.

Era uma das vantagens de ser quem era, sua simples presença acalantava desejos em todos os homens e mulheres, fossem esses desejos do tipo que fossem, do amor ao ódio, do fascínio à repulsa. Oura era oito ou oitenta, aonde chegava levava tudo aos extremos. Torcia para que com o Sr. Ambrósio o resultado fosse um extremo positivo como paixão e desejo, ou um extremo negativo útil como medo e insegurança.

Subiu uma escada de vidro no Hall da casa, sentia cheiro de essências aromáticas amazônicas, querem nosso cheiro, mas não nos querem. Chegou no segundo andar e foi conduzida pela empregada até um escritório com a porta aberta.

— Ele está na sacada, essa hora gosta de tomar sol. — Disse, deixando que Oura entrasse no escritório, então fechando a porta isolando-a do resto do mundo.

Era uma técnica funcional, ela bem sabia. Portas fechadas pelas costas davam a impressão de reclusão, de espaços menores, de perca de controle e necessidade de fuga, tais impressões causavam, na maioria, desconcentração, o que levava pessoas a agirem por impulso e não por lógica. Mas Oura não era uma comum e ordinária mulher para cair nesse truque baixo de manipulação, sabia que Célio Ambrósio tentaria todas as técnicas possíveis para se fazer valer como o Alpha da sala, isso incluiria intromissão no espaço pessoal, linguajar coloquial corriqueiro, voz mais alta que a dela, até mesmo toques no ombro ou cabelo dela poderiam acontecer. Oura estava contando com cada uma dessas alternativas e muitas mais.

Chegou então na sacada, onde a porta de vidro também estava aberta, e ao sair do escritório viu Célio se levantando de sua cadeira de cedro rústico ao sol. Ele endireitou os ombros, de costas para Oura, então se virou com um olhar amigável.

— É um prazer conhecer o demônio pessoalmente. — Disse esticando a mão para Oura, que retribuiu em um aperto delicado, mas sentiu que ele, por sua vez, queria impor força através da afirmativa de ser o macho alfa, sentiu os dedos fortes ao redor de seus dedos delicados e relativamente menores, sorriu em resposta aquela tentativa de Célio de ganhar terreno combinando ofensa verbal com um toque de força bruta. — Mas devo avisar que já tenho um pacto e não possuo interesse em outro.

Ele soltou sua mão, então ela sorriu, mas enquanto olhava para ele, na verdade já tinha achado outra coisa para focar. Perguntou sem tirar os olhos de Célio;

— É seu filho? — Então olhou para o lado, apoiou-se no vidro da sacada. — Parece um menino forte, musculatura excepcional, não? Pergunto-me se conseguiu isso graças a academia ou a maldição? — Lançou um olhar de soberba para o Sr. Ambrósio.

Célio fechou a cara no mesmo instante. Lá em baixo, no jardim lateral da casa, Felipe Ambrósio brincava com seu irmão mais novo com uma arma de brinquedo NERF.

— Deve estar muito contente que só teve filhos homens, três, não é mesmo? Dezenove, pobre azarado, doze e quatro anos?

— O que você quer? — Célio disse, a voz subitamente mais grave. Então é seus filhos o calcanhar de Aquiles? Sempre é, não é mesmo?!

— Sem cortesias? Está bem então. Temos interesses em comum, o inimigo do meu inimigo é meu amigo, não é assim o ditado?

— O inimigo do meu inimigo é mais um inimigo. Esse é o meu ditado. — Célio respondeu, sério. — O que quer, bruxa? — Deu um passo à frente.

Invasão de espaço pessoal. Oura detectou, deu um passo à frente também, assim contrabalanceava a ação de seu companheiro de conversa apenas usando a técnica do espelho.

— A Senhorita Amélia ficaria furiosa se me visse tão perto do seu querido e apaixonado marido? — Oura estava a centímetros de Célio, olhando-o nos olhos, cinco centímetros mais alto que ela, então, sem hesitar, ela ergueu a mão e deslizou o dedo pela bochecha de Célio, queixo, então pescoço até o ombro. — Os Soverosa possuem um novo Sorvedor entre eles agora, e como você deve saber, uma bruxa vai começar a caçar o menino.

— O menino é Kaio, filho de Bethânia, mas você sabe disso. — Era verdade. Oura mantinha cada família amaldiçoada sobre seu cuidadoso rastreamento. — Torci que ele não despertasse, atrair sua laia nunca é boa coisa.

— Ora, ora, ora, não fale assim! — Oura disse com um sorriso malicioso. — A última vez que nos vimos você achou ótima a coisa! — Disse, rindo. Virou e deu uma pequena volta pela sacada, parando a três passos de distância de Célio Ambrósio retomando a área de segurança pessoal. — Enfim, como você sabe, faz uns anos que não temos runistas trabalhando em prol do equilíbrio.

— Quer dizer, mais de uma década. — Célio respondeu. — É melhor assim, runistas nunca serviram pra nada se não fazer barulho. Aquela coisa de voz na cabeça deles… ninguém precisa de cães loucos.

— Loucos? Tem lido muito no lugar errado de novo? Eu tenho uma proposta que você vai adorar. Seu filho, a águia, ser um runista. Poder sem limites, consegue imaginar…

— E o preço de tal aberração…

— Seu filho já é uma aberração, Célio…

— Calada. — Ele irrompeu em fúria. — Os runistas existem para repor o equilíbrio, não para serem o desequilíbrio que caçam.

— Entre monstros, ganha aquele que tiver as melhores garras. — Oura disse, se virando e indo para a porta da sacada. — Considere como uma opção, Célio. Nunca antes existiu um Sorvedor e Runista. Eu não posso curar a maldição do seu filho, ninguém pode, mas o que estou lhe oferecendo… talvez mude ele… para melhor. Talvez ele se torne o melhor de nós!

— Você só se esqueceu de uma coisa, Oura. Os Soverosa podem sim ser inimigos da minha família, mas nossas famílias dividem a mesma praga. A praga do seu povo. Inimigos nos negócios, nas empresas, nos interesses e na política, sim. Mas quando se trata de gente como você… nós somos, sempre fomos, e sempre seremos, aliados!

Oura parou na porta e levantou o indicador fazendo que não, uma risada cobriu o ar enquanto ela balançava a cabeça, de lado disse para Célio;

— Me pergunto se você é ingênuo de acreditar nessa mentira, ou é só burro mesmo. — Com isso ela empurrou a porta e deixou Célio sozinho na sacada de novo.

Atravessou o escritório, o corredor, desceu as escadas.

— Eu mostro…

— Sei aonde é! — Oura respondeu a empregada.

Deixou a mansão dos Ambrósio com os olhos repletos de fúria, podia sentir a terra sob seus pés se movendo como sentia as nuvens acima, o ar… queria explodir tudo em fogo de tão furiosa que estava. Era para você ter aceitado, seu imbecil! Ainda havia tempo, mas Oura sempre gostou das coisas em seu tempo e ela queria agora, não depois. Força-me a isso, Célio, querido.

Ela precisava de runistas, essa era a verdade, e os teria. Poderia preferir criar um híbrido, sim, era verdade, mas os bons e velhos runistas dariam conta do serviço.

Preciso fazer isso rápido, precisa ser feito hoje!

A cada dia que passava mais forte se tornavam os sorvedores, cada dia que passava mais experiente Kaio Soverosa se tornava. Cada dia que passava mais convencido Felipe Ambrósio ficava. Cada dia fica mais perto o próximo aniversário. Pensou, temendo o porvir.

Quando chegou no carro o motorista desceu, ia vindo lhe abrir a porta, mas Oura o fez si mesma, abriu a porta e entrou no carro, trancando-a em seguida com o motorista para fora, este voltou para sua porta e tentou abrir, ao ver que estava trancada parou em pé do lado do carro esperando.

No banco de trás Noé e Fernando Blanco olhavam para ela com curiosidade. Eram dois irmãos, ambos muito parecidos, altos e fortes, cabelos negros, narizes de batata, e pele branca. Um deles, Noé, tinha uma cicatriz no antebraço esquerdo, já Fernando era o mais velho e tinha uma pinta na testa. Oura havia encontrado os dois não muito tempo atrás, em uma academia, ambos faziam muay thai, ambos moravam com a mãe, ambos não tinham pai. Eram perfeitos.

— Conseguiu? — Fernando perguntou. Fernando era o que mais falava, era comunicativo e tentava sempre encontrar saídas às propostas de Oura como se pudesse através da conversa se livrar dela.

No primeiro dia em que sequestrou os dois Noé implorou e chorou durante horas para que ela soltasse eles. Foi Fernando quem pediu que Oura soltasse apenas Noé. Oura não se importou, claro, tinha muito o que ensinar para ambos. Havia, desde então, contado o grosso sobre a verdade que todo brasileiro escolhe ignorar, e estranhamente os dois foram bem receptivos às histórias mirabolantes sobre magia, maldição, pragas, etc.

O que só aumentou a esperança de Oura de que ambos eram, de fato, perfeitos para o papel que desejava que ambos desempenhassem.

— Não. O que é uma pena, tudo teria sido tão mais fácil se tivesse conseguido, agora vocês poderiam estar quase livres… nem todo mundo sabe cooperar, mas vocês vão, não vão? — Perguntou olhando para Noé.

— O que quer que a gente faça? — Noé perguntou, sua voz era sempre tristonha e chorosa. Você vai morrer logo, não é forte como seu irmão.

— Eu quero que vocês matem alguém para mim. Uma troca justa, certo? Uma vida por uma vida. Acha que podem fazer?

Noé e Fernando se olharam, Fernando quem fez que sim com a cabeça.

— Quero ver minha mãe primeiro, e o Noé fica de fora… — A mão de Oura foi até a boca dele, o dedo indicador silenciando-o, ela se debruçou no banco para calá-lo, percebeu que Noé observava seus seios. Extremos, desejo ou ódio. Um irmão me quer, o outro sente nojo.

— Você acha que pode exigir alguma coisa? — Oura perguntou, indulgente. — Você vai matar quem eu mandar, ou eu vou matar a sua mãe, bem lentamente, um pedaço de cada vez, e trarei ela de volta dos mortos, só para poder matá-la de novo.

Se virou para a frente do carro e destrancou a porta. O motorista entrou, fechou a porta atrás de si e ligou o motor do carro.

— Para onde vamos agora? — Noé perguntou, tentando mudar de assunto. Oura viu, pelo espelho, que ele suava. É pior que uma criança, todo medroso. Mas aquilo mudaria em breve, mudaria como mágica.

— Vocês serão meus novos runistas. Vamos arrumar algumas… como é que chamam hoje em dia? Tatuagens? É isso?

 


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Notas finais do capítulo

A imagem no final... Só pra mostrar quem é quem, como é quem é! E mais pra frente tem dreamcast da Oura.
E sim, ficou bem simples a imagem, mas considerem que foi na correria XD
...
Espero que tenham gostado. E espero ver vocês de novo por aqui. Comentem.... estou me sentindo abandonado!!! :(



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