Sombras sobre Sinéad escrita por Dani


Capítulo 21
Distante




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Meu corpo estava dolorido àquela manhã por ter dormido sentado, recostado a uma árvore. Afastei meus braços de Dayane, sem acordá-la e rumei até onde Raj estava assentado, provavelmente não dormira durante a noite devido a sua vigia, podia ver isso em seu rosto, as profundas bolsas roxas debaixo de seus olhos. Julia ainda adormecia, assim como Jan. Acomodei-me ao lado de meu irmão e ele fitou-me sem dizer nada.

      - Bom dia, irmão.

      - Bom dia – retribuiu. – Ele me disse, Jim...

      - Quem? Disse o quê? – perguntei, confuso.

      - Jan disse que aqueles dois são membros dos “Cinco” e eles planejam matar todos os filhos de Yasuo para trazê-lo de volta à vida e transformarem-se em seus braços direito.

      - Eles não teriam de lutar entre si? Afinal, também são filhos de Yasuo...

      - Segundo o que Jan disse, existe um ritual que pode trazer Yasuo de volta antes do horário, mas eles precisam de muita energia para isso, desse modo, pretendem assassinar todas as outras “crianças”.

      Assumi uma expressão pensativa por um momento. Consegui novas informações de meus inimigos: sabia a identidade de dois deles, no entanto, ainda faltava três. Também tomei conhecimento de seus objetivos, mas restava saber como iria impedi-los. Eu deveria procurar descobrir seus próximos planos e onde vão agir. Tínhamos de ser rápidos, pois, segundo Raj, Yasuo estava próximo da ressurreição. Enfim, possuía muito a fazer.

      Raj levantou-se do local onde estava, rumou até onde Julia estava adormecida e tocou-a levemente em sua face, acordando-a. Após isso, meu irmão voltou sua atenção a mim e disse:

      - Acorde sua namorada para podermos partir.

      Ela não é minha namorada, pensei. Mas seria irrelevante dizê-lo, afinal, era uma tolice ficar discutindo aquilo e Raj não iria levar a sério.

      - Sim – concordei. – Mas e Jan, o que faremos com ele?

      - Vamos deixá-lo aí. Já fizemos nossa parte, só espero que ele faça a sua e não morra.

      Sem dizer nada, rumei até Dayane, no entanto, quando estava bem próximo dela, avistei-a abrindo as pálpebras, expondo seus belos olhos azuis intensos, os quais encontraram os meus. Permanecemos um tempo em silêncio apenas observando um ao outro até afastar-me, com as bochechas avermelhadas, contudo não adiantou muito, pois senti ser abraçado pelas costas.

      - Dê-me esses seus olhos lindos para mim? – perguntou ela.

      - Bem, se eu pudesse, fá-lo-ia de bom grado, afinal, resolveria alguns de meus problemas.

      Dayane ficou observando-me com uma expressão confusa estampada em sua face, entretanto, não perguntou nada a respeito, pois sabia que eu não saciaria sua curiosidade. Como resposta, disse a ela que estávamos de partida, tínhamos de ir à estrada a espera de uma carona. Aquilo não era muito agradável, pois demoraria muito e poderia ser perigoso, mas era a nossa única alternativa.

      Como previsto, Raj e eu ficamos um bom tempo esperando e não conseguimos nada, então decidimos deixar as garotas incumbidas da tarefa, em questão de instantes, um automóvel parou (por que será?) e possuía a mesma quantidade de locais vagos da qual necessitávamos. O motorista não era um homem agradável de observar: era gordo, suado e careca. Seus olhos eram escuros e pequenos e seu nariz grande e largo. Ele assentiu em levar-nos à Sinéad e não recusamos a oportunidade, mesmo o sujeito sendo bizarro.

      Adentramos no veículo, Raj ocupou o banco da frente, enquanto Julia, Day e eu acomodamo-nos no assento traseiro. O homem assumiu sua posição de motorista, desse modo, seguimos pela estrada esburacada. Em instantes, Raj adormeceu devido ao cansaço que sentia por ter passado a noite inteira em claro, Julia também fizera o mesmo. Dayane observava a paisagem pela janela lateral enquanto eu permanecia inquieto procurando alguma coisa da qual pudesse ocupar-me. Então, irritei-me quando olhei pelo retrovisor e percebi que aquele homem gordo fitava as pernas de Day pelo espelho. Velho tarado, pensei. Com a finalidade de desviar seu olhar, abracei minha ex-namorada e beijei-a. Ela fitou-me confusa, por essa razão, sussurrei que depois eu explicava. O importante naquele momento era saber que consegui atingir meu objetivo.

      Permanecemos o restante da viagem em silêncio ao som de um rap irritante do qual o motorista exagerava em seu volume e em sua coreografia (tanta empolgação ao escutar uma música dessas, não consigo entender). Eu não consegui calcular por quanto tempo permanecemos naquela situação terrível e desagradável até chegarmos à Sinéad. O homem deixou-nos na entrada do município e seguiu seu caminho em alta velocidade. Logo que descemos, Dayane perguntou-me o motivo pelo qual eu a beijei.

      - Porque aquele gordo tarado estava olhando suas pernas, queria afastar seu olhar sedento – respondi.

      - Ah...

      - Enfim, acho que essa é a nossa despedida – disse.

      Dayane abraçou-me, então eu a beijei novamente, envolvendo-a com meus braços.

      - Acho que você não pode falar muito daquele homem gordo – comentou ela -, você gosta de aproveitar também uma boa oportunidade...

      - Eu não sou tarado... – protestei.

      - Não, mas tem umas mãos bobas e ágeis... – Ela sorriu. – Sentirei sua falta, também dos seus bons abraços e beijos deliciosos.

      - Eu também. Quando tudo terminar, talvez consigamos formar a banda. Enfim, um dia nos encontraremos.

      - Claro. Até mais, Jimmy.

      - Até mais, Day. Ah, se você encontrar-se com meus tios Graco e Megan e com a minha prima Mary mande lembranças minhas para esse pessoal da cidade grande – pedi.

      Dayane abraçou-me uma última vez, após isso, soltou-me e voltou sua atenção a Raj e Julia, despediu-se deles e agradeceu pelo resgate. Ela afastou-se, mas antes de desaparecer de vista, lançou-me um último olhar distante e então seguiu seu caminho. Mais uma pessoa que se afastava de minha vida, no entanto, um dia ainda esperava revê-las, todas elas. Um dia, sim.

Aquele dia, Raj estava parecendo um zumbi, lento e cansado por ter passado a noite em claro e, por essa razão, ele deixou seu corpo desabar em sua cama e levou alguns instantes apenas para adormecer. Enquanto isso, eu rumei ao meu quarto e fiquei tentando pensar no que faria de ali em diante. Aquela situação era complicada, a cada dia, o nosso norte modificava-se, não possuíamos uma direção fixa.

      Deitei-me na cama e fiquei imaginando o quanto eu sentia saudades de casa (apesar de morar com Raj também possuía suas vantagens como o fato de não ter ninguém cuidando de sua vida, esse tipo de coisa), no entanto, eu gostaria de poder rever minha mãe, sentia sua falta. Ela deve estar louca atrás de mim, atormentando-a a cada dia que ela permanecia longe de mim, porém era melhor do que ela correr perigo. Senti uma dor interior a qual quase me deu vontade de chorar por tamanha tristeza, mas eu sou forte demais para isso, se escolhi, vou até o fim ou ao inferno caso esse termo caiba melhor nesse aspecto.

      Se eu quisesse, eu poderia voltar atrás, retornar ao meu lar, à minha vida naquele instante, no entanto, aquilo não convinha. O ser humano possuí a liberdade de escolha, de seus atos, ao contrário do que muitos pensam, ele é, sim, um animal livre, porém todas as suas ações possuem consequências, principalmente quando vivemos em uma sociedade regida por leis. Por esse motivo, devemos sempre ponderar a respeito de nossos atos. A liberdade financeira, em minha opinião, não é algo que todos possuem, ela é diferente das da escolhas e ações, pelo fato de existir extremas pobrezas e riquezas. Nem todos possuíam poder aquisitivo, isso devido à má distribuição de renda, pois há uma coisa denominada ganância nos corações humanos.

      Enfim, a liberdade é, ao mesmo tempo, nosso melhor e pior presente, pois nos dá a oportunidade de escolha, entretanto, também somos culpados e responsáveis por nossos atos, alguns desses não são bem vistos aos olhos da lei. Acredito que uma constituição bem elaborada e seguida resolveria muitos dos problemas sociais e econômicos de um país, contudo as pessoas são incapazes de cumprir até mesmo até mesmo o que elas são capazes de criar, tornando tudo desorganizado, triste e completamente desigual. Os cidadãos não se importam com isso e fazem comédias com as próprias leis, com a própria sociedade e ninguém enxerga aquilo como crítica. Riem das próprias desgraças e futilidades, mas não movem os traseiros para modificarem a crítica situação (enfim, acho que meu grau de revolta hoje estava acima da média).

      Avistei minha gata, então a chamei para perto de mim. Peguei-a acomodei-a em meu colo. Acariciei seu pêlo macio e senti-me mais tranquilo. É bom tê-la sempre próxima a mim. Animais são seres belos e melhores amigos que alguém pode ter, durante toda a minha vida, preferi suas companhias as de humanos. Pelo menos, não me abandonavam ou me espancavam por eu ser diferente, aceitavam todos dispostos a amá-los e aquele era o único sentimento requisitado em troca de seus afetos e talvez o que mais faltasse em um ser humano (era uma suposição, pois ainda era novo para chegar a uma profunda conclusão a respeito do amor). Às vezes pensava que precisava mais de Yuki do que ela de mim.

      Permaneci ali acariciando minha gata por um bom tempo e imaginando o que poderia fazer, traçar planos, no entanto, eu parecia incapaz de qualquer coisa naquele momento. Deixei meu corpo cair pesadamente sobre minha cama dura (não foi muito legal), produzindo um rangido irritante. Porém, mesmo com o incômodo, eu não tive dificuldades para adormecer.

Permanecemos duas semanas pesquisando e seguindo pistas conseguidas por Raven e Karl, os dois eram os mais propícios a consegui-las, uma vez que foram antigos seguidores de Yasuo. Fomos a vários armazéns abandonados e suspeitos, contudo todos já estavam destruídos, sem nenhuma informação, como se nossos inimigos estivessem cientes de nossos planos. Aquilo dificultava ainda mais nossa situação.

      Naquela manhã de mais um dia difícil, eu estava quase de cabeça para baixo na cama, com os lençóis todos atrapalhados e meu cabelo completamente desgrenhado. Eu não conseguia mais dormir, por mais que virasse de um lado a outro, o sono já não me afetava, por esse motivo, decidi levantar cedo. Rumei até a janela e permaneci um tempo observando a floresta por ela e pensei que, provavelmente, àquela hora eu estaria arrumando-me para retornar ao colégio enquanto Lisa irritava-me com seus apressados gritos. Mas, aquela realidade parecia tão distante agora, como se não existisse, como se eu nunca tivesse pertencido àquela realidade (de fato, não pertencia momentaneamente). Após isso, senti meu estômago roncar, então rumei à cozinha.

      Preparei um pão duro e café velho (para viver naquela casa, eu precisava aguentar alimentar-me de comida ruim todos os dias), mas até que era o suficiente para saciar-me. Enquanto mastigava, escutei passos aproximando-se e, em instantes, Raj estava diante de mim. Seus olhos estavam vidrados e ele carregava os livros básicos dos quais eu havia indicado para ele ler. Meu irmão depositou-se sobre a mesa e disse:

      - Esses livros são incríveis! Passei a noite inteira lendo.

      - Depois você fica igual a um zumbi por não ter dormido quando deveria...

      Raj deu de ombros.

      - Eu tomei muito café para poder aguentar acordado.

      - Percebi, porque a garrafa de café estava cheia ontem e agora está quase acabando – comentei. – Isso não é saudável...

      - Enfim... – Ele fez uma pausa. – Ei, por que você não ficou com aquela garota bonita, Dayane?

      - Dayane é uma garota para ficar de vez em quando, eu fiquei com ela duas vezes nesse tempo. Eu já não gosto mais dela para fazê-la minha namorada, mas sim, como uma amiga – respondi. – Na época em que terminamos, ela é quem quis, não eu. Eu fiquei um pouco chateado por isso, gostava bastante dela. Agora eu já não sei, não consigo sentir o mesmo.

      Com isso, relembrei o dia em que terminamos. Na época, eu bebia muito uísque, vivia como um poeta pertencente ao Romantismo. Naquela noite, eu já estava embriagado e Dayane irritada com isso. Ela viera conversar comigo e isso resultou em briga, ambos estávamos alterados e, no fim, rompemos com o nosso relacionamento. O lado bom de tudo aquilo foi que eu comecei a pensar mais antes de começar a beber, pois uísque é um vício para mim, bebia como se fosse água, o que não era bom. Tento evitar consumir álcool, pois eu tenho fortes tendências ao alcoolismo.

      - Sentimentos vão e vem o tempo todo – quebrei o silêncio.

      - Bem, mas, mudando de assunto, Raven e Karl parecem ter encontrado um novo local que vale averiguar.

      - É longe?

      - Não muito – respondeu Raj. – Deveríamos roubar um carro e... – Mas eu o interrompi.

      - Não, Raj, sem mais roubos. Isso não é bom e chama muita atenção.

      - Como pretende chegar lá? – indagou.

      - Vamos ao caminhão de Karl e Raven ou a pé.

      - A última não parece uma boa opção.

      - Sua preguiça está falando mais alto... Você não disse que não era longe?

      - Exatamente.

      - Então vamos, arrume-se.

      Raj resmungou um pouco, mas não respondeu, ele apenas levantou-se e deixou-me sozinho na cozinha com meus próprios pensamentos.

      Terminei meu desjejum e rumei ao meu quarto, troquei-me e esperei por Raj com o intuito de seguirmos até o local indicado por Karl e Raven. Não demorou muito para meu irmão aparecer diante de mim, já armado e pronto para partir, ele deixou Julia adormecida em sua “aconchegante” cama. Após isso, não permanecemos ali por muito tempo.

      - Eu conheço um caminho pela floresta do qual não precisaremos passar pela cidade. Acho que essa é a melhor opção – disse Raj.

      - Sim, pois eu ainda estou sendo procurado, não seria bom ficar perambulando pela cidade. Apesar de que a floresta é mais perigosa, mas vamos ter sorte e atravessá-la sem dificuldades.

      Raj anuiu.

      Após essa rápida conversa, deixamos a casa e adentramos na floresta. Eu sempre sentia um arrepio quando o fazia e também sempre possuía a sensação de estar sendo observado. Fico imaginando quais mistérios aquele local sombrio guarda. Será que havia alguma pista a respeito dos meus inimigos nesse lugar? Afinal, existem ali as tenebrosas ruínas do templo destinado ao Yasuo. Talvez pudéssemos averiguar qualquer dia.

      Deixei-me guiar pelos passos de Raj em meio às árvores de alto porte, as quais compunham a densa floresta. Escutava apenas o ruído de nossos pés batendo contra o chão cheio de galhos secos e algumas das vegetações rasteiras. Poucos raios de Sol conseguiam atravessar a copa das árvores e iluminar aquele local sombrio. Não trocamos palavras enquanto caminhávamos, pois não desejávamos chamar atenção, caso houvesse alguém ali.

      Levou algum tempo para chegarmos até o local. Era um galpão abandonado constituído de paredes de tijolos, alguns deles estavam rachados. Havia tábuas pregadas em janelas quebradas. O terreno era composto de algumas vegetações rasteiras, pedras pequenas e terra um pouco amarelada. Tudo ali parecia seco, sem vida e, de algum modo, assombrado. Aproximamo-nos do recinto e Raj abriu a porta de madeira podre. A fresta da qual utilizamos para entrar também fora responsável pela entrada de pouca iluminação.

      Não havia móveis ou qualquer objeto ali dentro, apenas um chão empoeirado e paredes sujas de marcas de mãos de diferentes tamanhos, principalmente pequenas, o que me fez pensar que pertenciam às crianças. Em uma das extremidades, estava suja de sangue e um corpo de um homem idoso jazia estendido no piso. Ele trajava a túnica utilizada pelos seguidores.

      Aproximamo-nos do defunto, mas quando o fizemos, escutamos passos ecoando por aquele ambiente. Voltamos nossa atenção à entrada e percebemos que Jan estava diante de nós. Ele observava-nos com suas costumeiras pupilas lunáticas e frenéticas, então quebrou o silêncio:

      - Sangue... Sangue... Sangue! Eu o matei, matei, pois os “Cinco” tentaram matar-me também e eles estão querendo aliar-se aos seguidores. Esse homem morto iria mandar uma mensagem a Balthor, líder dos “Cinco” aceitando o convite.

      - Que dizer então que os “Cinco” aliaram-se aos seguidores? – indaguei.

      - Exatamente, mas não todos os seguidores, apenas os verdadeiros fiéis – respondeu Jan.

      - Você diz “verdadeiros seguidores” aqueles que realmente desejam o retorno de Yasuo? – continuei com as questões.

      - Sim, hm, olhos bonitos! – disse Jan completamente lunático e começou a falar suas frases sem sentido.

      - Nós poderíamos tentar ajuda dos falsos seguidores – sugeriu Raj a mim.

      - Sim, eu também acho um bom plano. Precisamos de apoiadores a nossa causa ou estaremos longe da vitória.

      - Eles utilizavam este local para matar as “crianças” das quais eles conseguiam encontrar! – bradou Jan de repente. – Deve ser horrível ter de escutar seus choros e gritos de dor!

      Quando Jan contou-me aquele tipo de informação, meu corpo estremeceu. Então aquelas marcas de mão de diferentes tamanhos pertenciam às várias vítimas das quais os seguidores de Yasuo encontraram. Eu poderia ter sido uma dessas “crianças” que morreram devido a esse jogo doentio.

      Aquele local parecia não possuir mais nenhuma informação para nós. Conseguimos pouca coisa, mas acho que já ajudou em alguns aspectos. Não eram muito animadores, mas era bom saber com quem estamos lidando, afinal, possuíamos um nome pelo qual pesquisar a respeito e algumas de suas intenções. Os riscos sempre aumentavam, principalmente quando descobrimos que não teríamos de enfrentar apenas com os “Cinco”, mas, também, com muitos seguidores. Agora precisávamos pensar em um próximo passo, onde serei capaz de conseguir mais dados.

      Enfim, não será naquele local terrível que eu não vou conseguir encontrar mais informações. As lunáticas falas de Jan ecoavam por todo o ambiente, no entanto, Raj e eu decidimos ignorá-lo e seguir nosso caminho. Nós já fazíamos isso quando fomos impedidos pelo homem insano.

      - Vocês são cruéis! Vivem abandonando-me, deixaram-me naquela floresta estranha e agora nesse lugar cheio de fantasmas humanos! Eu posso vê-los, fantasmas do passado, eu não quero ficar com eles, eles são terríveis e uma péssima companhia. Por favor, deixem-me ir com vocês! AH!

      - Não, não vai – respondeu Raj. – Você queria se aliar aos “Cinco”, portanto, é nosso inimigo.

      - Eu não quero mais me aliar aos “Cinco”, eles tentaram me matar! Isso é um absurdo! Absurdo! – Ele fez uma pausa. – Eu conheço alguns dos falsos seguidores, posso apresentá-los a vocês.

      Raj assumiu uma expressão pensativa enquanto eu perguntei a Jan:

      - Por que está fazendo isso?

      - Não tem jeito de participar de uma guerra sozinho – respondeu Jan. Nesse momento, ele parecia sensato e não o costumeiro lunático.

      Jan era um homem estranho, possuía crises de loucura ao passo que há alguns momentos em que ele dizia palavras sensatas. Então relembrei o estranho sonho do qual eu tive a respeito de seu passado e fiquei pensando no motivo daquele fato ter ocorrido comigo. Coisas bizarras aconteciam-me o tempo todo, no entanto, eu deixava de pensar o quão esquisito era, uma vez que o fato de eu ser filho de um deus pagão possa influenciar nisso. Enfim, aquele não era o instante para refletir sobre aquilo, eu precisava tomar uma decisão: lancei um olhar a Raj, fazendo-o entender que deveríamos levar Jan conosco. Meu irmão concordou.

      - Vamos então, Jan – disse Raj. – Mas você já sabe, se tentar algo contra nós, eu terei o prazer de estourar seus miolos – ameaçou.

      - À busca! Vamos brincar de detetives! – A insanidade voltou a tomar conta de sua expressão.

      Raj lançou-me um olhar de “esse cara é bizarro, não sei se estamos fazendo a coisa certa”, mas ele não disse nada. Após isso, deixamos aquele lugar sinistro e Jan disse que necessitava utilizar o telefone para contatar seus amigos e o mais próximo era o celular de Julia o qual estava com ela na casa de Raj. Desse modo, teríamos de atravessar a floresta mais uma vez. Não perdemos tempo e, em questão de instantes, já estávamos em meio às árvores que compunham aquele local escuro e misterioso.

      O silêncio fazia-se presente no momento, exceto por nossos passos, no entanto, em certo instante, escutamos um ruído diferente daquele que nossos ouvidos estavam acostumados e, de repente, tudo aconteceu bem rápido: escutamos um estalo sonoro e intenso, era um tiro que acertara uma árvore a qual estremeceu e cujas folhas caíram de seus ramos. Um inimigo estava ali e, provavelmente, seguira-nos em nosso rumo e agora estava disposto a assassinar-nos. A expressão de Raj tornou-se furioso, ele entregou-me uma arma de fogo e disse:

      - Atire em qualquer coisa que se mover. Eu vou caçar o miserável. – Então pegou a outra arma e desapareceu em meio às árvores.

      Jan também se tornou alerta com sua arma em mãos. Meu corpo estremeceu, como eu agiria? Eu não sabia atirar e como serei capaz de matar (tudo bem, já tive vontade de matar vários, no entanto, tudo era diferente quando era real) alguém? Em filme, tudo era bem fácil, as pessoas matavam umas as outras sem nenhuma preocupação, entretanto, na vida real tudo era diferente. Como eu poderia tirar a vida de alguém? Eu poderia estar correndo riscos ali, mas eu não sei se conseguirei matar, perguntava-me até onde vão nossas ações para sobrevivermos. Meu corpo permaneceu tremendo da cabeça aos pés, poderiam chamar-me de covarde, mas aquela situação era muito difícil. O impulso de rir nervosa e desesperadamente quase me dominou completamente, tive de lutar bastante para vencer aquela involuntária vontade.

      Houve mais um disparo feito pelo inimigo e um também por parte de Jan. Então três homens saíram de trás dos arbustos e árvores, todos armados. O primeiro era o mesmo que estava com Ariadne quando eu fui sequestrado. O segundo era alto e magro, de longo cabelo louro e olhos escuros. O terceiro era um dos seguidores de Yasuo, podia ver isso devido à túnica da qual ele trajava. Ele era magro, mais velho e careca, possuía uma barba negra e espessa. Não houve troca de palavras, apenas de disparos e eu estava em meio a toda aquela encruzilhada. Senti um acertar minha perna direita. A dor fora intensa e fez-me fraquejar e cair de joelhos, o sangue escorria ligeiramente pela ferida. Eu fiz um falho disparo com as mãos trêmulas, o qual eu acredito não ter atingido ninguém.

      Jan lutava contra nossos inimigos, mas ele também havia se ferido. Eu escutei Raj retornar, apoiando-nos naquele combate armado. Ele conseguira atingir o homem louro e o fiel, mas não em pontos mortais. Tentei mais um disparo e mesmo eu não possuindo nenhuma habilidade naquilo, consegui acertar o ombro do homem alto, forte e de cabeço espetado. No entanto, eu não desejava matar ninguém, o que eu realmente queria era estar distante de toda aquela carnificina.

      Então eu senti uma nova dor, ainda mais intensa e percebi que duas balas penetravam em minha carne, uma no ombro e outra próxima do estômago. Minhas mãos trêmulas soltaram a arma da qual eu segurava. Eu estava tonto devido ao sangue perdido.

      Senti como se tudo ao meu redor estivesse em câmera lenta. O sangue jorrava de minhas feridas e, a cada gota, a fraqueza intensificava-se, assim como a dor. O gosto daquele líquido viscoso e vermelho estava presente em minha garganta e boca, aquilo me irritava, obrigando-me a cuspi-lo. Já não aguentava meu corpo fraco e trêmulo e mesmo estando nesse estado, era como se o peso fosse muito maior do que eu realmente conseguia suportar. Eu podia escutar o combate armado ao meu redor, mas já não conseguia vê-lo, muito menos sentia o que acontecia. Tudo estava tão distante, como se aquele corpo não me pertencesse, como se eu já não estivesse naquele local. Tentei agarrar-me à luz, à minha vitalidade, no entanto, eu já não possuía mais forças para alcançá-las, desse modo, a escuridão chegar e dominara-me rapidamente. Eu já não estava ali, já não sentia, já não via, contudo, eu fui capaz de visualizar meu corpo, distante, tão distante, assim como a luz.       


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