Sombras sobre Sinéad escrita por Dani


Capítulo 22
Poço


Notas iniciais do capítulo

Não pensei que esse capítulo fosse ficar tão grande! Espero que gostem e tenham paciência de ler até o final. ^^

Obrigada e boa leitura a todos!



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Observava-me com meus onze anos, cabelo desalinhado e negro, os mesmos olhos amarelos de gato, as mesmas sardas e a mesma pele alva. Eu trajava o uniforme de minha antiga escola: casaco preto assim como a calça, camisa social branca e uma gravata em um tom de vermelho escuro. Eu estudava no colégio mais conceituado da cidade, não porque minha mãe possuía renda para pagá-lo, mas pelo fato de eu ter feito uma prova e conseguira uma bolsa de estudos.

      Minha vida na escola não era simples, todos me achavam estranho (ainda acham, porém não comentam tanto), por isso, eu não possuía amigos. Eu passava meu tempo livre desenhando e em meio às grandiosas estantes de livros da biblioteca do colégio, uma vez que minha mãe não tinha dinheiro para comprar os meus próprios (na época, ela pensava apenas em estabilizar-se) ao invés de brincar como as outras crianças. Os valentões daquele local adoravam atormentar-me de diversas formas: desde apelidos à violência corporal. Acreditava que isso acontecia devido a três fatores: não era rico como todas as outras crianças, não brincava e preferia a companhia de animais a de humanos.

      Naquele dia específico, eu retornava à morada de meus tios (na época, minha mãe ainda não comprara sua casa própria e ainda morávamos com meus tios, Graco e Megan, e a minha prima Maryweather) carregando a mochila pesada, contendo vários livros, muitos que eu havia pegado na biblioteca. Eu andava a passos largos pelas avenidas desertas daquele bairro residencial. Não percebera que alguns garotos perseguiam-me e quando me alcançaram, empurram-me a um beco adentro. Eram três, provavelmente possuíam de quinze a dezesseis anos. Todos altos, fortes e mal-encarados, ainda trajavam o uniforme da escola e estavam ali apenas para provocar-me. Começaram com as zombarias, após isso, empurrões, até, enfim, chegarem ao estágio final: pancadas, pontapés e socos.

      Após as pancadas, eu já estava fraco, não me aguentava em pé. O sangue escorria de minha boca e de algumas feridas, meu corpo tremia e eu estava prestes a desmaiar quando dois dos garotos seguraram meus braços e abaixaram minhas calças, expondo meu traseiro pálido. Posicionaram-me de costas para o terceiro jovem o qual se preparava para violentar-me. Eu tentava escapar daquilo, tentava debater-me, mas eu não possuía mais forças para isso, só conseguia ficar em pé devido ao “apoio” dos valentões. Eles riam de mim, riam de minha humilhação, era aquele o tipo de coisa que os contentava, a desgraça alheia, a brutalidade e a crueldade contra aqueles que eram diferentes dos padrões de normalidade impostos. Distorcidos, jovens doentes e distorcidos. Eu sentia vontade de gritar, mas a voz não queria deixar o refúgio de minha garganta.

      Então comecei a escutar um som, uma sirene, pertencia a algum veículo de polícia. Os garotos soltaram-me e, por sorte, não chegaram a tocar-me intimamente. Fugiram, enquanto eu caí no chão, sem força alguma para fazer qualquer outro ato além de entregar-me à escuridão.

      Naquele dia, quando acordei, minha mãe e minha tia Megan estavam chorando ao meu lado, seus olhos estavam inchados e vermelhos. Meu tio Graco praguejava, furioso. Eles acreditavam que aqueles jovens haviam violentado meu corpo e apenas descansaram um pouco quando o médico relatou que não acontecera nada além das pancadas. Tomaram decisões para que aqueles jovens fossem expulsos do colégio e mandados ao reformatório. Após isso, ninguém mais tentou utilizar-me como saco de pancadas e se zombavam, faziam às escondidas.

      Pensei que havia me esquecido daquele dia, guardado na escuridão mais profunda de meu ser, a sete chaves, onde eu jamais poderia encontrar. No entanto, lá estava a minha memória, assustando-me, atormentando minha mente. Eu nunca mais queria ter de lembrar-me, apagar minhas recordações para esquecer aquilo, mas eu não poderia, os meus sofrimentos, os meus medos estavam ali para serem superados. Como vencê-los se esquecê-los? Eu pretendia sempre crescer com meus temores e com minhas dificuldades. Eu pretendia, porém não sei se posso, afinal, eu não sei onde estou ou o que aconteceu comigo.

Eu estava agora em um campo até onde a vista perdia-se. Trajava uma camisa e calça brancas, conseguia sentir a grama verde sob meus pés descalços. Havia dois pesos presos aos meus tornozelos, porém um deles parecia tão leve quanto uma pluma. O Sol brilhava no céu sem nuvens e seus raios iluminavam o local intensamente. Avistei uma grande árvore e de tronco grosso, a qual proporcionava uma boa sombra. Tive vontade de caminhar até lá, pois os raios solares excessivos sempre me incomodavam.

      Quando cheguei, eu percebi que Luke estava assentado, recostado ao tronco da árvore e segurando uma fruta da qual eu não conseguia identificar. Meu amigo também trajava camisa e calça brancas e os pés estavam descalços, no entanto, ele não possuía pesos presos aos seus tornozelos. Seus olhos azuis fitaram-me quando me aproximei e seus lábios finos iluminaram-se em um sorriso.

      - Jim, quanto tempo – disse ele. – Como vai?

      - Eu acho que vou bem, Luke. Eu não sei, eu já não tenho certeza de mais nada, eu... – Mas fui interrompido.

      - Então me diga o que você interpreta por árvore. – Ele indicou esta a qual está proporcionando a sombra.

      - Bem, a árvore é um ser superior, ela não mata, nem mesmo para alimentar-se, proporciona-nos oxigênio, beleza, sombra e frutos. Permanece em equilíbrio com todas as outras vidas ao seu redor, com toda a imensidão do universo.

      - Sim. Acho que se todos os humanos cultivassem uma árvore, o mundo estaria mais equilibrado.

      - Nós, humanos, cultivamos – respondi -, mas ela não está visível e nem sempre saudável.

      - Entendo. Bem, o que acha de fazermos uma caminhada?

      - Não acho uma boa ideia, afinal, o Sol está intenso, não aprecio muita luz.

      - Mas nós precisamos encontrar o seu poço, por isso, precisamos caminhar – insistiu Luke.

      - Poço? – indaguei, confuso.

      - Sim. Você não está com sede?

      Quando Luke perguntou, eu senti minha garganta repentinamente seca e uma vontade incontrolável de saciá-la dominou-me completamente. Meneei minha cabeça com o intuito de indicar a Luke minha resposta. Meu amigo levantou-se do local onde estava e iniciou uma caminhada pelo campo. Eu comecei a caminhar atrás dele, cabisbaixo tentando proteger meus olhos da luminosidade excessiva. No entanto, na medida em que dávamos um passo à frente, as nuvens começavam a surgir naquele céu azul, até então, limpo.

      Luke apertou os passos e eu tive de fazer o mesmo para conseguir segui-lo. Andamos por um bom tempo pelo extenso campo, a paisagem ao redor não parecia modificar-se, exceto pela nebulosidade presente agora no céu. Sempre aquele mesmo gramado muito verde com algumas flores a enfeitá-lo. Caminhamos por mais alguns minutos até eu avistar um poço, o que foi um alívio, pois eu sabia que poderia saciar minha sede através dele. Aproximamo-nos, no entanto, Luke não me permitiu pegar o balde naquele instante, apenas indicou-me o poço e pediu para que eu observasse seu interior.

      - Veja, este é o seu poço, de águas limpas, superficiais e cristalinas – disse Luke. – No entanto, ele também possuí águas profundas e escuras e saber o momento no qual você deve escolher de qual água beber é algo muito importante. Eu sei que você já foi capaz de aproveitar o melhor da superfície, mas você também já apreciou o interior, o profundo, você já bebeu de águas profundas também.

      - O que quer dizer com isso? – Acho que minha face estava com o formato de interrogação.

      - Veja bem – começou ele -, a água deve ser aproveitada, seja ela escura ou límpida, mas as pessoas devem saber de qual delas beber, essa escolha é sábia.

      Ainda fiquei sem entender, mas antes que eu pudesse fazer mais perguntas, Luke voltou seu olhar em minha direção e apontou para os pesos.

      - Está vendo esses pesos preso em seus calcanhares? – perguntou ele. – Você terá de livrar-se de um deles, afinal, não é possível ficar com os dois. Vou explicá-lo: um deles o levará para longe da terra, fará com que você voe para longe, longe de seus medos, temores, longe da escuridão. Este representa as águas límpidas e superficiais dentro de seu poço. – Ele fez uma pausa. – O outro quer prendê-lo a terra, ele não o levará para longe dos medos e da escuridão, mas acredito que dará forças para enfrentá-los. Este representa as águas escuras e profundas de seu poço. Você precisa fazer uma escolha, afinal, a vida é feita de escolhas e decidir com qual peso ficará. Para isso, você precisa beber de uma das águas. Em todos os momentos da vida, nós temos de beber dessas águas, mas dessa vez, sua escolha será irreversível. Escolha sabiamente.

      Então eu aproximei-me do poço. Fiquei a observá-lo e em primeiro momento, consegui visualizar apenas as águas límpidas e superficiais e fiquei tentado a prová-las com o intuito de saciar minha sede. Entretanto, eu sabia que as águas profundas e escuras estavam ali presentes, eu sabia de sua existência. Então tentei decifrar o que Luke quis dizer, o que aquelas águas representariam, qual o seu sentido. Ponderei sobre as frases utilizadas pelo meu amigo. Segundo ele, aquela escolha era irreversível, desse modo, eu não poderei agir apenas através do meu instinto sedento por algo que refrescasse minha garganta. Era necessário pensar.

      Aquele peso leve e as águas cristalinas, límpidas e superficiais poderiam levar-me para longe de meus medos e da escuridão, mas o que isso representa? Qual seria a vantagem de permanecer distante de todos os temores, sabendo que eles ainda existiam? Assim como eu poderia saber que as águas profundas e escuras estavam ali no poço, mesmo sem vê-las. Talvez estas últimas representavam momentos da vida, nos quais, mesmo com as dificuldades e o medo, devemos enfrentá-los, pois caso não o fizermos, não conseguiremos caminhar sempre em frente. Enquanto as águas claras deveriam representar os momentos da vida nos quais devemos “esquecer” a dor e os temores, desse modo, passarmos para uma página em branco, na qual escreveremos uma “outra e nova” história, mesmo sabendo que nossas dificuldades ainda existem.

      A partir dessas conclusões, fiquei pensando no que deveria fazer, qual a escolha mais sábia? Relembrei minha vida, em todos os momentos, até mesmo os mais terríveis e refleti se realmente estarei apto a voar para longe daquilo, “esquecer”. Vontade não me faltava, quem não gostaria de estar distante de todos os medos? Mas, aquilo realmente valerá à pena? O sofrimento era necessário, no entanto, perigoso, pois com ele poderíamos crescer ou perecer caso não fôssemos capazes de enfrentá-los. Eu sabia que não poderia deixar tudo aquilo para trás, todas as experiências, eu ainda não havia resolvido meus problemas e não era fugindo que o conseguiria. Eu disse a mim mesmo que eu era incapaz de escapar.

      Então, eu fiz minha escolha: peguei um balde e coloquei-o na superfície da água, após isso, imergi-o nas profundezas do poço e puxei-o quando senti que estava cheio. O recipiente continha águas escuras das quais eu utilizei com a finalidade de saciar minha necessidade básica. O líquido desceu ligeiramente por minha garganta. A sensação fora estranha, como se eu é quem estivesse tocando meu interior, causando-me arrepios. Eu havia feito minha escolha e espero que tenha sido a mais sábia.

Tive dificuldades para abrir os olhos, pois havia uma luz branca pairando sobre a minha cabeça, a qual os feria. Quando me acostumei à luminosidade, pude mantê-los com as pálpebras abertas. Eu observei ao redor, havia alguns aparelhos médicos ligados ao meu corpo. O local não era muito espaçoso e possuía paredes brancas e um sofá velho em uma das extremidades. Eu também trajava roupas alvas.

      De repente, escutei uma movimentação ao meu lado e, em questão de instantes, Raj estava diante de mim. Sua expressão estava carregada de surpresa e seus olhos verdes fitavam-me com a mesma curiosidade de sempre.

      - Finalmente você acordou – ele quebrou o silêncio.

      - O que aconteceu? – Minha mente ainda estava confusa, recuperando-se do que ocorre e daquele estranho sonho, se é que poderia chamá-lo de sonho.

      Raj explicou-me o que aconteceu. Disse que, após eu ter sido atingido por aqueles três tiros, eu desmaiei. Ele achava que eu havia morrido, no entanto, percebeu que meu coração batia, ainda que fraco. O combate armado terminou com o assassinato do homem forte e alto, o mesmo que estava com Ariadne daquela vez do rapto e o qual era um dos “Cinco”. Após isso, Raj pôde vir socorrer-me, mas não sabia o que faria, como ele poderia encontrar ajuda em Sinéad? Ele pegou o caminhão de Raven e Karl e levou-me, entretanto, ainda sem rumo. Quando passava por um campo próximo à cidade, ele encontrou uma garota ruiva, a qual dizia conhecer-me e seu pai era um fascinado nos ensinamentos de medicina (seria Amber?).

      A garota convencera o pai a ajudar-me, mas o homem necessitava de equipamentos médicos. Ele tomou alguns cuidados para que eu não chegasse a desfalecer até conseguir uma vaga para mim em um hospital público em uma cidade próxima à Sinéad, do qual eu conseguiria um rápido atendimento devido à minha situação grave. Tive de passar por uma cirurgia e transfusão de sangue. Segundo Raj, eu quase morri em alguns momentos, no entanto, acabei resistindo a tudo. Fiquei impressionado com a minha própria força e pensei se aquele “sonho” (seja lá o que for) possuía alguma coisa relacionada.

      Logo após Raj relatar-me os ocorridos, uma enfermeira adentrou no quarto e disse que o horário de visitas havia terminado, ela não demorou muito no local, depositou o jantar acima de uma das bancadas ao lado da cama e logo se retirou. Meu irmão, então, voltou-se em direção à saída e caminhou até ela. Entretanto, antes de deixar-me sozinho, ele lançou-me um último olhar e disse:

      - Fico feliz que você tenha sobrevivido, você é uma das pessoas das quais eu admiro, afinal, foi o único que conseguiu avistar uma alternativa em minha vida, não apenas aquela miserável que todos esperavam de um menino de rua sem rumos, objetivos, completamente vazio. Obrigado.

      Antes que eu pudesse responder, Raj deixou o local, fechando a porta atrás de si.

      - Creio que sou eu quem deva dizer obrigado – murmurei, mas, certamente, ele não escutou.

      Permaneci por mais alguns dias no hospital até ser liberado. Retornei à casa de Raj, contudo não poderia dizer que estava livre, pois tive de permanecer mais uma boa quantidade de dias em repouso.

      Durante todo esse tempo, Raj relatava-me mais a respeito de suas investigações. Ele já havia conseguido contatar os conhecidos como falsos seguidores e alguns deles juntaram-se a nossa causa. Ele também fora descobrir novos galpões, nos quais ele encontrou alguns dos filhos restantes de Yasuo assassinados pelos “Cincos”, os quais agora eram quatro, pois Raj matara a tiros o homem forte e alto, um dos membros, naquele conflito armado na floresta. As notícias não eram muitas, mas caminhávamos, mesmo que lentamente.

      O tédio tomou conta de mim durante todos aqueles dias e só não me afoguei nele pelo fato de possuir muitos livros para mergulhar em seus mundos fantásticos longe da monótona realidade, o que ocupou meu tempo à toa.

      O dia do qual eu finalmente retiraria meus pontos chegara, o qual também encerraria meus monótonos dias de repouso. Encaminhei ao hospital e permaneci por algumas horas naquele local até ser atendido (as condições, infelizmente, não são tão boas em hospitais públicos). Quando retornei à casa de Raj, o céu já se apresentava escuro e nebuloso. Durante a noite, eu sabia que não poderia fazer nada para ajudar nas investigações, então, novamente, mergulhei no mundo da literatura, porém, não pude permanecer por muito tempo, pois Raj apareceu na porta de meu quarto e relatou:

      - Você tem visita.

      Ergui a cabeça do livro, surpreso com o que escutara.

      - O quê? – perguntei, confuso.

      - Você é surdo? Eu disse que você tem visita.

      Raj fez um sinal para que alguém, atrás dele, adentrasse em meu quarto. Uma garota ruiva, de cabelo até a altura da cintura, belo e sedoso, olhos grandes e cor de esmeralda enfeitados por lápis preto, nariz levemente arrebitado e feições delicadas apareceu diante de mim. Sua pele era muito alva (quase tão branca quanto a minha) e os lábios vermelhos. Ela trajava um vestido preto, meia-arrastão, sapatilhas e um chale do qual ela utilizava para cobrir os ombros nus. Continuava linda como conseguia recordar-me, mesmo após tanto tempo. Não imaginei que fosse revê-la tão cedo (aliás, não pensei que fosse revê-la novamente).

      - Bem, acho que vocês têm muito que conversar, eu não vou atrapalhá-los – disse Raj. – Até mais, vou dar uma volta. – Deixou-nos sozinhos.

      O silêncio recaiu sobre nós, pesado e incômodo. Nossos olhares encontraram-se por um tempo, mas desviamo-nos e cada um fitou uma direção diferente. Eu sabia que havia muitas palavras a serem ditas, melhor dizendo, nós sabíamos, no entanto, não conseguíamos deixá-las escapar de nossas cordas vocais, morriam em nossas gargantas. Tínhamos de fazê-lo, caso contrário, seríamos sufocados por aquela terrível quietude. Então, Amber fora a primeira a dizer, um pouco hesitante:

      - Está melhor...? – Sua doce voz soou pelo ambiente.

      - Sim – respondi com um fio de voz. – Fiquei sabendo de sua ajuda. Obrigado.

      Novamente o silêncio fez-se presente, como uma barreira entre nós, impedindo as palavras saírem livremente. Era como se conversássemos através do olhar, mas sem dizer nada, apenas demonstrando nosso constrangimento. Amber quem retomara a conversa mais uma vez:

      - Bem, eu tinha de fazer alguma coisa, não poderia deixá-lo morrer, mesmo você tendo feito o que fez, eu...

      - Ainda continua uma tola? Esperei que esse tempo você pudesse ter crescido um pouco, mas, pelo visto, continua a mesma menina ingênua – comentei tentando não demonstrar nenhuma emoção.

      - Pare de mentir para mim! – exigiu ela, elevando sua voz. – Eu sei que você não está falando essas coisas por realmente querer. Por que diz tudo isso?

      - Você não me conhece, menina, Amber Moore.

      Ela não respondeu, aproximou-se de mim e fitou diretamente em meus olhos amarelos de gato. Sustentei seu olhar por um momento, tentando não transparecer o que eu realmente sentia e sendo incapaz de decifrar o que aquelas jóias esmeraldas diziam-me.

      - Jim, você está mentindo, eu sei que está, seus olhos revelam-me a verdade. Eu só queria saber por que disso tudo – disse ela. – Naquele dia, naquele último dia no qual nos encontramos, eu acreditei em todas as suas palavras, eu o detestei e queria esquecê-lo. Mas, eu fui incapaz e fiquei pensando se você realmente seria capaz de dizer todas aquelas coisas terríveis. O Jim que eu conheço jamais as diria sem possuir um bom motivo. Quando eu o avistei todo ferido, necessitando de ajuda, eu senti uma forte dor vinda de meu interior e tive de ajudá-lo. Fiquei com saudades de todos os nossos momentos e, por isso, eu vim. Pedi ajuda a Raj para vir até aqui. Não para retornar com nosso antigo relacionamento, mas para esclarecer os fatos. Incomoda-me não ter as respostas.

      Eu continuei sustentando seu olhar, mas sabia que já não seria capaz de esconder-me atrás de duras palavras, a única atitude da qual eu seria capaz de executar era contar tudo a ela e foi exatamente o que eu fiz. Relatei-lhe a respeito do perigo e como eu ainda gostava dela apesar de tudo. Era preferível vê-la a salva com outro homem a senti-la desfalecer em meus braços, o que me fez tomar atitudes drásticas com o intuito de evitar esse tipo de cena, terrível até mesmo de imaginar. Não apenas com ela, mas com todos ao meu redor.

      Quando terminei, Amber retomou sua fala:

      - Pode chamar-me de egoísta, eu não me importo, mas, por favor, deixe-me ajudá-lo.

      - Eu sabia que acabaria dessa forma caso eu contasse. Eu não quero que você sofra as consequências, Amber, deixe de ser teimosa, isso não é uma brincadeira, estou realmente falando de vida ou morte.

      - Você acha que eu não sei me cuidar? – questionou fitando-me intensamente.

      - Acho que todas as pessoas estão suscetíveis a morte prematura, com elevadas chances, caso permanecerem envolvidas em minha situação. – Devolvi o grau de intensidade de seu olhar através do meu.

      - Você também é um egoísta, sabia? – Uma lágrima solitária deslizou por seu delicado rosto. –Você apenas está pensando em sua dor de perda, mas já pensou na minha? Você acha que eu também não sentirei caso alguma coisa acontecer a você? A dor da qual eu senti quando eu o vi quase morto já fora demasiadamente intensa!

      - Por isso que eu desejava que você me odiasse! Nada disso estaria acontecendo se você tivesse permanecido acreditando em minhas palavras... – rebati. – Além disso, eu já senti a insuportável dor de uma perda, não quero senti-la novamente. Luke poderia estar aqui agora se ele não tivesse insistido em ajudar-me, assim como você está fazendo neste exato momento! – Falar de meu amigo ainda me sufocava, mesmo após aquele tempo.

      - Eu sinto muito por sua perda, eu... – Seu olhar tomou uma expressão melancólica. – Mas, você sabe que não conseguirá prosseguir se não obtiver ajuda daqueles que estão empenhados a isso. Entenda, Jim, eu estou disposta. Ninguém caminha sozinho.

      - Você será minha fraqueza.

      - Ao passo em que também serei sua fortaleza.

      Antes de permitir que eu dissesse mais alguma palavra, Amber aproximou-se de mim e envolveu-me com seus calorosos braços em um delicado abraço. Fui capaz de sentir seu cheiro deliciosamente embriagante e percebi o quanto gostava daquilo e quanto me fazia falta. Naquele momento, eu soube que seria incapaz de afastá-la de mim novamente, pelo menos, não por aquele motivo. Meu corpo ansiava seu toque, assim como meus lábios os dela. Meus ouvidos necessitavam escutar a melodia composta por sua doce voz, assim como seus sábios conselhos a guiar-me por estradas rochosas.

      Beijei-a intensamente e relembrei o doce gosto de seus lábios dos quais eu tanto sentira falta. Acariciei suas orelhas com meus dentes e fui deslizando até seu pescoço, ainda fazendo as carícias com meus lábios. Eu sabia que, durante aquela noite, eu não seria capaz de conter-me, então, afastei, ligeiramente, o chale e meu próximo passo fora roçar-me em seus ombros brancos enquanto minhas mãos perdiam-se delineando as perfeitas curvas de seu corpo. Eu também podia sentir o seu toque cada vez mais selvagem.

      Meus dedos alcançaram o zíper de seu vestido, abrindo-o e retirando-o lentamente de modo a expor seu corpo. Amber estremeceu com o primeiro toque do qual fiz diretamente com sua pele. Ela também me ajudou a retirar minha camisa, deixando meu abdômen nu, o qual ela beijou delicadamente.

      Permanecemos por um tempo nesse estado, até, finalmente, retirarmos nossas últimas peças de roupas, de modo sensual e provocante. Estávamos nus, mas não havia nenhum sinal de constrangimento entre nós. Amber possuía um corpo delicado e formado por belas curvas, nas quais minhas mãos perdiam-se e brincavam fazendo novos gestos de carícias. Os seus seios eram de tamanho normal e muito alvos.

      Fiz com que Amber caísse na cama e eu posicionei-me ligeiramente acima. Rolamos pelo colchão (não tão espaçoso, mas conseguimos executar alguns movimentos que exigiam mais espaço) enquanto nos deleitávamos com nossos ansiosos gestos de afeto. Então, finalmente, nossos corpos confundiam-se e movimentavam-se em sincronia naquele momento mais íntimo (sim, eu utilizei preservativo e acho que todos deveriam fazer o mesmo. Sempre carrego na carteira).

      Quando terminamos, desabei exausto na cama e Amber deitou-se ao meu lado e recostou sua cabeça em meu tórax. Permaneci a acariciar os longos fios de seu cabelo ruivo e sedoso. Percebi que provavelmente Raj já sabia que aquele tipo de ato aconteceria, pois ele, nem mesmo Julia, pareciam estar em casa. Meu coração batia suave e tranquilamente sob meu peito, no entanto, eu ainda estava preocupado com tudo o que acontecia.

      - Eu sou realmente um egoísta – murmurei.

      - Hm? – Amber ergueu a face com o intuito de fitar minhas pupilas de gato diretamente.

      - Observe o que eu fiz, a cada instante no qual permanecemos juntos, mais em perigo você está.

      - Ainda pensando nisso? Descanse por esta noite, é tudo o que lhe peço.

      Então Amber começou a cantarolar, com sua doce voz, a música “Dust in the Wind” da banda Kansas e, em questão de instantes, juntei-me a ela, esquecendo as preocupações naquele instante, como se fossem também poeira ao vento, fazendo referência à bela melodia:

“I close my eyes
Only for a moment
And the moment's gone
All my dreams
Pass before my eyes, a curiosity
Dust in the wind
All they are is dust in the wind

Same old song
Just a drop of water
In an endless sea
All we do
Crumbles to the ground
Though we refuse to see
Dust in the wind
All we are is dust in the wind

Now, don't hang on
Nothing lasts forever
But the earth and sky
It slips away
And all your money
Won't another minute buy
Dust in the wind
All we are is dust in the wind
Dust in the wind
Everything is dust in the wind
The wind”

Instantes após Amber e eu terminarmos de cantar a bela melodia, minha namorada adormeceu, contudo, eu ainda não conseguia fechar as pálpebras. Fiquei pensando e relembrando todos os momentos daquela noite, todas as novas sensações das quais senti (agora só restava entrar na faculdade para concluir tudo o que eu tinha de fazer antes de morrer. Brincadeira! Havia muito mais coisas, talvez um dia eu fizesse uma lista).

      Refleti a respeito do sexo e percebi que esse ato vai muito além do maior prazer e contato carnal entre dois indivíduos (é o esperado ser apenas dois indivíduos...). A cada movimento e carícia, descobrimos mais a respeito de nós mesmos, sobre nossos anseios e desejos e também a respeito da parceira (o). É preciso muita confiança para entregar-se ao outro dessa forma. Novas sensações das quais eu nunca pensei que pudessem ser sentidas surgiam e percorriam todo meu corpo. Aquela era uma das formas de conhecer a pessoa a qual está ao seu lado, através do toque, através de uma linguagem completamente diferente e íntima (não consigo entender o motivo pelo qual muitos banalizam o sexo e acho que é uma coisa estúpida a ser feita com algo tão belo e natural). Amber revelou-se a mim da melhor forma possível, tanto que me deu vontade de talvez pensar em procurar um significado para aquilo que eles chamam de amor.

Um vento gélido entrava pela janela aberta (sabe-se lá o motivo dela estar desse modo), fazendo meu corpo completamente nu estremecer. O cobertor velho do qual eu utilizei para cobrir-me estava caído no chão e Amber não se encontrava ao meu lado como era o esperado. Levantei-me e procurei por minhas roupas, mas não consegui encontrá-las, nem mesmo minha mala, desse modo, apressei-me a fechar a janela com o intuito de bloquear a passagem do vento frio.

      Uma das portas do armário estava aberta, revelando um espelho, pelo qual eu pude ver as marcas das longas e afiadas unhas de Amber deixadas em minhas costas. Aquela dor era prazerosa e fez-me recordar algumas passagens da noite anterior. Também reparei que meu cabelo havia crescido um pouco assim como uma barba a fazer contornava o meu queixo. Se o pai de minha namorada souber o que fizemos durante aquela noite, não sei nem o que ele será capaz de fazer, pensei. No entanto, aquela não era a minha preocupação no momento, eu ainda precisava encontrar minhas roupas.

      Utilizei a porta para abrir uma pequena fresta, pela qual eu pude espiar o corredor. Percebi que Raj já estava em casa e, provavelmente, Julia também, então eu não poderia sair pelado pela morada afora atrás de minhas roupas perdidas (era uma situação bem ridícula e de alguma forma, cômica). Chamei por Amber e esperei que ela viesse atender-me.

      Em questão de instantes, ela apareceu diante de mim e adentrou no quarto. Amber trajava uma de minhas camisas como se fosse um vestido e carregava um balde contendo água e um esfregão.

      - Bom dia, Jimmy. – Ela beijou minha face. – O que está fazendo pelado até agora?

      - Bom dia – retribui. – Certamente se você tivesse deixado minhas roupas visíveis e no lugar onde estavam, eu não me encontraria neste estado...

      - Ah, é verdade, esqueci. Levei sua mala lá para fora para ver se tinha roupas sujas, mas você as mantêm bem limpas.

      - Seria bom você pegá-las para mim...

      - Acho que você fica melhor assim. – Um sorriso travesso esboçou-se em seu rosto. – Brincadeira, eu vou buscá-las.

      Ela deixou-me sozinho, mas não demorou muito para retornar carregando minha mala consigo. Após isso, depositou-a no chão, desse modo, eu pude escolher uma roupa para encobrir meu corpo nu: uma camisa cinza escura e uma calça jeans, peguei também meias e calcei meus tênis surrados.

      - Está fazendo uma arrumação na casa? – perguntei a ela.

      - Sim, este lugar está uma bagunça! Como consegue conviver com isso?

      - Não sei. Nunca me incomodei...

      - Homens... – ela suspirou revirando os olhos.

      - Hm, mulheres... – disse eu com deleite.

      - Olhe o estado dessa cama, uma bagunça!

      - Bem, não olhe para mim dessa forma, afinal, a culpa não é apenas minha. – O sorriso travesso se também esboçou em meus lábios. – Você também possuí uma parcela de culpa. Veio aqui balançar meu colchão...

      - Bobão! – Avistei seu rosto delicado tornar-se rubro.

      Amber aproximou-se da cama e começou a arrumá-la, eu caminhei até ela com o intuito de ajudá-la. Enquanto isso, dialogávamos:

      - Você foi ao show da banda cover dos Beatles? – perguntei.

      - Fui, sozinha – respondeu enquanto dobrava o cobertor. – Até que encontrei algumas pessoas bem legais por lá. E você, o que tem feito da vida nesse tempo?

      - Minha vida não tem sido nada fácil, como você deve perceber... Vivo por conta de resolver meus problemas...

      - Sua mãe está louca atrás de você, está em tempo de dar um ataque de nervos.

      - Imagino... Eu não a queria nessa situação, é tão ruim de pensar... – Fiz uma pausa e tentei mudar de assunto. – Ocorreu-me que seus pais devem ter estranhado o fato de você não ter passado a noite em casa. Além disso, seria bem capaz de seu entregar-me a minha mãe quando Raj teve de recorrê-lo ajuda, no entanto, ele não o fez. Por quê?

      - De fato, mas ontem eu pretendia dormir na casa de minha avó, perguntei a ela se eu podia dar uma volta, então, eu vim aqui. Não pensei que tudo isso iria acontecer, tenho explicações a dar a ela, porém, vovó é bem mais tranquila de lidar. Bem, meu pai deve ser o único de Sinéad que não está sabendo de seu desaparecimento, ele pouco se importa com o que acontece na cidade. Ele não gosta de morar aqui. – Jim, eu não me arrependo de nada do que aconteceu.

      Beijamo-nos mais uma vez, no entanto, senti uma dor no estômago devido à fome e percebi que já estava na hora de fazer o meu desjejum. Desse modo, quando terminamos de arrumar o quarto, rumamos à cozinha. Raj e Julia já estavam lá e tomavam café. Fizemos os costumeiros cumprimentos matinais e, logo após isso, Raj observou-me com uma expressão travessa estampada em sua face e Julia deu um risinho.

      - Pelo visto, sua noite fora muito boa... – comentou Raj.

      - E como... – respondi enquanto enchia meu copo com café. Não havia motivos para mentir para eles, pois eles já sabiam de tudo e talvez até foram os responsáveis a ajudar Amber a querer vir aqui atrás de mim.

      - Mas não vá pensando que toda noite você fará farra... – continuou Raj.

      - Eu sei disso, até porque Amber não pode ficar dormindo aqui.

      - Enfim, temos coisas mais importantes a resolver – disse Raj. – Eu preciso de você hoje, pois você deve conhecer nossos novos aliados e nosso quartel general.

      - Entendo...

      Julia lançou a Raj um olhar suplicante, mas ele fez um sinal negativo com a cabeça, o que a deixou irritada (provavelmente ela desejava ir junto). Meu irmão não demorou à mesa, ele retornou ao seu quarto com o intuito de partir o quanto antes. Enquanto isso, terminei meu desjejum e guiei Amber pela floresta até Sinéad.

      - Depois nos vemos – disse a ela.

      - Sim. – Ela ergueu a cabeça para beijar-me. – Eu preciso ir antes que vovó fique realmente brava!

     Amber voltou-se na direção contrária a mim e já rumava para longe quando eu segurei sua mão pela última vez naquele dia.

      - Obrigado – disse a ela e, após isso, soltei-a.

      Ela sorriu graciosamente como resposta, instantes depois, voltou sua atenção ao seu caminho e afastou-se. Observei-a distanciar-se até sua silhueta desaparecer de minha vista.

      Eu teria de esperar Raj dar a volta com o caminhão e estacionar bem ali, próximo à entrada da floresta para que eu também pudesse adentrar no veículo. Enquanto isso, eu sentia e observava o vento soprar as folhas das árvores, produzindo um suave ruído e percebi que meu coração palpitava tranquilamente naquele instante. Eu estava em equilíbrio, não apenas comigo mesmo, mas também com tudo ao meu redor (muito bom). Penso que Amber fora a grande responsável por essa paz interior, fez-me experimentar sensações completamente novas, revigorantes e prazerosas. Sentia-me diferente, mais maduro, leve e determinado. Naquele “sonho”, eu havia dito a Luke que todas as pessoas possuem uma árvore, porém ela não é visível e nem sempre está saudável. A minha estava doente, não dava frutos, no entanto, naquele instante eu percebi que ela curara-se e, desse modo, eu pude colher sua dádiva.

      Eu escolhi águas profundas e escuras, pois eu sei que serei capaz de enfrentar meus medos e também alcançar meu interior mais obscuro. Todas as pessoas possuem um, mas a maioria tem medo de desenterrá-lo e, por esse motivo, preferem manter esse lado no fundo do poço ou o expõe até demais. Na verdade, em minha opinião, nós não devemos temer nossa pior natureza, mas fortalecer através dela, sempre tentando melhorar. Isso também faz parte do autoconhecimento.

      Meus pensamentos foram interrompidos quando escutei o ruído de rodas pesadas sobre a estrada, então, o veículo estacionou diante de mim. Sem dizer uma palavra, abri a porta e adentrei. Logo após isso, Raj deu a partida, desse modo, seguíamos em silêncio. Podia ver através da janela lateral as árvores passando como um borrão ao meu lado enquanto o vento bagunçava os fios já desalinhados de meu cabelo negro. Raj parecia atento à estrada, apesar de que ele cantava e batia no volante de vez em quando ao mesmo tempo em que escutava a música “Crazy Train” do Ozzy tocando em uma rádio de rock.

      - Não sabia que você escutava Ozzy – comentei.

      - Julia mostrou-me algumas canções dele. Eu gosto de música, música boa, claro. As artes acabam chamando minha atenção.

      - Talvez quando tivermos mais tempo, eu te mostre algumas outras músicas boas – sugeri.

      - Vamos ver se você tem bom gosto...

      - Bem, eu acho que você gostará.

      Após essa curta conversa, Raj fez uma manobra com o veículo para estacioná-lo. Desse modo, pude avistar melhor o local no qual havíamos chegado. Era uma casa velha de apenas um andar e sem jardim de entrada. As janelas estavam todas tampadas por cortinas pelo lado de dentro e a porta de madeira entreaberta.

      Descemos do veículo e caminhamos até a porta, Raj fora o primeiro a adentrou casa adentro. O primeiro recinto possuía armários e uma mesa com lugares para oito pessoas em que sete destes estavam ocupados por Jan, quatro homens e duas mulheres. Os sujeitos aparentavam ter por volta dos vinte anos. O primeiro possuía cabelo escuro, curto e arrumado, a pele também escura e os olhos claros, feições mais angulosas e rígidas. O segundo também possuía cabelo negro e olhos claros, mas seus traços mais leves e a pele mais clara. O terceiro possuía cabelo louro da altura dos ombros, de pele clara e olhos castanhos. O quarto aparentava ser o mais velho, possuía cabelo castanho raspado, barba mal feita e olhos da mesma cor do cabelo. Raj apresentou-os a mim, dizendo-me seus nomes: Joseph, Benjen, Taylor e Lary. 

      Após isso, Raj apresentou-me as garotas, as quais também aparentavam ter vinte anos. A primeira, Judith, possuía cabelo longo, louro que formava alguns cachos, feições leves e delicadas, olhos castanhos e lábios carnudos. A segunda, Loren, não era tão bela e também não parecia importar-se com isso, seu cabelo castanho era muito curto e repicado, seus olhos verdes e desprovidos de qualquer maquiagem e seus lábios finos. A primeira pessoa a falar fora Judith:

      - Uau! – exclamou ela. – Yasuo só teve filhos bonitos! É cada um mais bonito que o outro, também, com um pai daqueles, até eu queria ter tido um romance com ele. Jim, você é lindo e sexy!

      Eu não respondi, apenas dei um sorriso um pouco sem graça.

      - Eu gosto de olhos! – bradou Jan. – Olhos amarelos de gato, eu quero, eu quero!

      - Fique quieto, Jan! – exigiu Raj. – Jim, esses são os falsos seguidores, os conhecidos de Jan, eles entraram no culto com o intuito de destruí-lo, por isso, vão nos ajudar.

      - Essa é uma boa notícia, toda ajuda é válida – disse.

      Joseph levantou-se de sua cadeira e observou a todos antes de iniciar sua fala:

      - Primeiramente, eu acho que deveríamos identificar as capacidades de nossos inimigos. Como vocês, filhos de Yasuo, devem saber, vocês possuem certas habilidades, digamos assim, que outras pessoas comuns não.

      - É! – exclamou Jan. – Eu consigo fazer as luzes piscarem, é bonitinho!

      - Bem, retomando minha fala, nossos inimigos também possuem essas habilidades e será uma boa para fazermos uma estratégia caso soubermos mais a respeito.

      Eu nunca havia parado para pensar a respeito desses poderes (pareço até um heroi, apesar de não ser bem assim), eu sonhava com insanidades e já fiz desenhos de locais existentes antes mesmo de conhecê-los. Minha melhor reação a esses acontecimentos era ficar assustado, mas nunca passara pela minha mente que se tratava de uma habilidade. Relembrei também que Raj conseguia escutar ruídos além da compreensão, logo, esse é o seu “poder”.

      - Você tem uma habilidade importante, Jim – disse Loren. – Segundo o que Raj relatou-nos, você consegue desenhar locais dos quais nunca avistara, os quais podem conter informações valiosas. Talvez você consiga fazer um desenho que possa ajudar-nos.

      Quando me dei conta, todos ao redor observavam-me e Lary havia depositado um lápis e um papel acima da mesa. As cortinas estavam abertas, permitindo que a luminosidade adentrasse no recinto.

      - Eu não sei se consigo... – murmurei observando o papel e depois passando os olhos ao meu redor.

      - Pelo menos tente. – Judith acariciou meu braço e lançou-me um olhar sedutor. Senti-me ruborizar.

      Sem nada a dizer, assentei-me na cadeira de madeira e logo a frente da folha. Segurei meu lápis e fiquei pensando no que deveria desenhar, estava completamente sem ideias das quais eu poderia passar para o papel naquele momento. Observei pela janela lateral a natureza lá fora em busca de alguma inspiração e, em certo momento, avistei o gato cujo pêlo era dourado ao longe, sentado próximo à floresta. Senti meu corpo estremecer, pois sempre quando o avistava, alguma coisa ruim ocorria. Nos dois incêndios, o felino estava lá. Indiquei a janela e comentei:

      - Ga... – Mas antes que eu pudesse terminar minha fala, algo inesperado aconteceu.

      Escutei um ruído de vidro estilhaçando e, quando me voltei na direção do som, avistei os miolos de Lary estourando e espalhando-se pelo ambiente. O sangue jorrava da massa que restara de sua cabeça. O corpo caiu pesadamente no chão. Senti náuseas ao visualizar aquela cena, no entanto, os outros presentes pareciam rígidos, sérios, inalterados e de armas em mãos.

      - Nossos inimigos estão aqui, é melhor sairmos pelo fundo! – disse Joseph.

      - Droga, nem os olhos eles deixaram! – reclamou Jan.

      - Vamos! – bradou Joseph.

      O homem guiou-nos por um comprido corredor até chegarmos à sala dos fundos. Devido à correria, não pude observar o cenário ao redor. Joseph não demorou a destrancar a porta e apressar-se casa afora. Eu quase tropecei quando deixei a morada (era desastrado e nada bom em esportes). Em primeiro momento, não avistei nenhum de nossos inimigos, o que me aliviou um pouco, mas eu sabia que logo eles poderiam alcançar-nos.

      Segui Raj, Jan e os outros até a floresta, no entanto, logo na entrada, senti mãos leves, porém firmes vedar minha boca e um objeto gélido tocar minha testa. Percebi que quem me prendia era Ariadne e pensei que aquele poderia ser o meu fim, aquela mulher possuía os olhos gélidos e era desprovida de qualquer sentimento.

      - Nenhum movimento em falso ou eu atiro em meu querido irmão – disse ela aos outros que não tiveram reação quanto aquilo. – Deixem-me levá-lo e ninguém sai ferido ou morto.

      As pessoas do grupo entreolharam-se pensativas e sem reação. Escutei passos apressados cada vez mais próximos, então percebi que se tratava de mais inimigos, aliados de Ariadne. Eles privaram que sairíamos pela passagem dos fundos e apressaríamos para a floresta, como uma única alternativa de fuga e, por esse motivo, minha meio-irmã esperou à espreita, atrás de uma árvore, pronta para dar o bote.

      Fomos direto a uma armadilha, como tolos o que me deixou irritado. Teria de tomar uma atitude para sair daquela situação e, mais uma vez, eu estava prestes a perder meus miolos, como Lary. Estremeci ao relembrar a cena de seu cadáver o qual jazia no piso da casa.

      - Vocês não possuem alternativas, mas se tentarem algum movimento em falso, eu mato o meu irmão – continuou Ariadne.

      Ariadne começou a dar passos para trás, observando, atentamente, todos os evolvidos, carregando-me junto e ameaçando estourar meus miolos a qualquer momento, caso suas exigências não fossem atendidas. Mas eu não podia permitir tal situação, pois minha vida (para variar) estava em risco. Com um rápido movimento, acertei com meu cotovelo o estômago de Ariadne, fazendo-a soltar-me e gritar de dor. Ela fez um disparo perdido para cima. Eu não perdi meu tempo, apressei-me floresta adentro. Escutei alguns tiros, mas eles não demoraram a cessar.

      Continuei correndo, sem rumo em meio aquelas árvores, sempre em frente, para longe de meus inimigos. Eu não havia pensado muito antes de agir, mas enquanto eu estava próximo de pessoas armadas e eu, como o único desarmado, eu seria a presa mais fácil. O desespero tomara conta de mim, fazendo-me correr para longe. No entanto, na medida em que adentrava na mata fechada, mais a neblina a qual se fazia presente tornava-se mais densa, dificultando minha visão.

      Permaneci correndo, entretanto, diminuindo minha velocidade, pois já me sentia cansado e suado. Contudo, em um momento, acabei tropeçando em uma grossa raiz a qual saia da terra, o que resultou em minha queda. Amaldiçoei a densa neblina pelo fato de subjugar minha visão. Enquanto eu me levantava, avistei uma silhueta aproximando-se cada vez mais. Quem era? Eu não sabia e nem ficaria por ali para descobrir (se é que eu tinha tempo de escapar), pois algo dentro de mim dizia-me que se tratava de perigo.


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