Sombras sobre Sinéad escrita por Dani


Capítulo 11
Pesadelo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/138977/chapter/11

      Raj aproximava-se, lento e imponentemente, seus passos ruíam quando estes passavam sobre a grama molhada. Fiquei tentando encontrar um meio de fuga, mas não havia como, ele já estava próximo demais. Além disso, a menos que eu pulasse o muro, o qual cercava o cemitério, não havia escapatória. O silêncio foi quebrado pela voz de meu meio-irmão, a qual era muito semelhante à minha.

      - Vejo que alguém se importa com nosso pai a ponto de visitar seu túmulo. Faltaram apenas as flores.

      Tentei um movimento brusco com intuito de encontrar uma saída, no entanto, fora um plano falho. Isso fez piorar, ainda mais, minha situação (para variar), pois Raj percebeu minha intenção e, para evitar minha fuga, retirou seu revólver de seu bolso e apontou-o em minha direção. Após isso, caminhou, aproximando-se tanto a ponto de encostar sua arma em minha testa.

      - Não tente fugir, só quero ter uma conversa com você, meu irmão.

      - Então acho que você não deveria estar com essa arma...

      Ele deu de ombros.

      - Já estou acostumado a andar assim. Além disso, essa arma serve para evitar com que você escape, pois posso ameaçá-lo.

      Não respondi, permaneci em silêncio e suando frio. Mesmo que ele tenha dito que só veio conversar, ainda não baixei minha guarda, pois seria imprudente acreditar em suas palavras. Acho que ele teria sido mais convincente caso não estivesse com essa ameaçadora arma apontada em minha direção. Acredito que seria melhor ainda se eu pudesse chutá-lo em seu local proibido e retornar à minha morada antes que algo pior aconteça ou, até mesmo, antes que eu não possa mais voltar.

      O silêncio do ambiente estava perigosamente incômodo, não conseguia escutar nem o canto dos grilos. Ficava desejando que alguém aparecesse por ali (de preferência algum policial) e avistasse a ameaça de Raj e ajudasse-me a sair desta enrascada. Mas quem iria a um local completamente abandonado? Aquilo seria sonhar demais e, por isso, decidi acabar logo com aquilo, quebrando o silêncio:

      - O que você quer?

      - Como disse, conversar.

      - Prossiga.

      - O que você sabe sobre nosso pai?

      - Praticamente nada. Apenas seu nome, o fato de ter sido um psicopata e ter tido dois filhos com minha mãe e alguns outros com outras mulheres. – Diante do perigo, você faz de tudo para não ter seus miolos estourados. Não desejei citar Lisa, mas o fiz pelo fato de imaginar que Raj já saiba que eu tenho uma irmã.

      - Você estivera com nosso pai quando ele morreu, eu li no jornal – comentou Raj. – O que ele dissera a você?

      - Não muita coisa, queria que eu fosse com ele a algum lugar.

      Após ouvir isso, Raj ficou em silêncio e uma expressão pensativa tomou conta de sua face. Fiquei imaginando que ele era mais razoável ao que aparentava ser. Talvez se eu tentasse convencê-lo a parar com estas perseguições, ameaças, andar armado, eu estaria livre daqueles problemas. No entanto, como faria isso? Comecei a selecionar algumas palavras das quais poderia utilizar a fim de persuadi-lo.

      - Agora eu... – começou Raj.

      No entanto, Raj não continuou sua fala. Percebi que seu olhar desviara de mim e mirara em outra direção, acompanhando algo por sobre meu ombro. Antes que eu pudesse observar o que era, Raj retirou a arma de minha testa e correu até aquele local.

      Observei vagamente o que atraíra a atenção de Raj e o que o fizera correr para longe de mim e avistei um gato de pelagem brilhante, parecia dourada. Acreditei que aquele era o mesmo animal do qual persegui em uma madrugada há dias.

      Mesmo sendo apaixonado por gatos, não permaneci no cemitério para admirá-lo, pois aquela talvez fosse minha única chance de escapar. Corri o quanto pude, cheguei a escorregar em alguns momentos (como era desastrado e desajeitado!), mas não resultou em minha queda. As solas de meus sapatos estavam sujas de lama, na verdade, imundas. A chuva logo voltaria a fazer-se presente, pois as nuvens ainda ocupavam o céu.

      Cheguei a casa, arfando devido ao meu esforço. Tive de lavar meus tênis e tomar um banho quente para poder relaxar. Após isso, preparei um lanche e assentei-me à frente da televisão, mas não podia dizer o que estava passando, pois minha atenção estava voltada aos meus pensamentos a respeito do ocorrido.

      Qual era, de fato, a intenção de Raj? Ainda era incapaz de compreender. Além disso, não podia dizer que minhas teorias estavam corretas, pois estas se baseavam em minhas pesquisas, contudo, poderiam levar a uma direção a qual poderia resultar em um equívoco. Queria saber o que era aquele gato, da última vez que o vi, tive a impressão de que sua sombra era humana. Também precisava saber o interesse de Raj no animal. Necessitava anotar tudo isso em minha lista de “coisas a pensar”.

      Precisava organizar meus pensamentos, parecia que, a cada dia, ao invés de esclarecê-los, tornava-se mais confuso, nebuloso. Talvez aquilo fosse demais para meu pequeno cérebro humano. Tentava fazer de tudo com o intuito de compreender, entretanto, não obtive o êxito desejado. Pensei em desistir de procurar por respostas, no entanto, como já estava em meio àquela situação, não havia escapatória, logo, imaginei que conhecendo o que está por trás de tudo, os motivos de meus “inimigos”, estaria mais preparado a enfrentá-los.

      Contudo, também não poderia viver em função de conseguir as respostas ou enlouqueceria (acredite que poderia ficar mais louco do que já sou). Precisava ir com calma, isso significa que sempre deveria separar um tempo para descansar minha mente. Desse modo, decidi que aquele seria o horário, do qual utilizaria a fim de relaxar durante aquele dia, uma vez que já estava de noite e não conseguiria descobrir mais nada hoje, talvez apenas piorasse minhas condições.

      Voltei minha atenção à televisão. Já estava passando o jornal noturno, o qual relatava notícias trágicas de modo sensacionalista. Não tinha muita paciência para aquele tipo de coisa (preferia noticiário escrito), por esse motivo, desliguei o aparelho e subi até meu quarto, retirei um livro de minha estante (atividade muito mais produtiva) e mergulhei no universo da literatura.

Estive tão concentrado no mundo da literatura que não percebi o tempo passar no “universo real” (se é que, de fato, este é o mundo real). Percebi que já estava tarde quando tive de, infelizmente, fechar meu livro e ir dormir, pois tinha de ir à escola cedo. Guardei-o no local adequado em minha estante, troquei-me e deitei, confortavelmente, em minha cama.

      Escutei Yuki adentrando ao recinto e acomodando-se ao meu lado (essa garota sempre dormia comigo). Não tive dificuldades para adormecer, pelo menos não estava submetido às minhas frequentes insônias há dias.

      Durante a madrugada, escutei alguém adentrando em meu quarto, no entanto, como estava muito sonolento, não dei a devida importância ao ocorrido. Fui perceber que havia uma pessoa deitada ao meu lado (além de Yuki) quando esta se pronunciou:

      - Jimmy...

      - Lisa, o que você está fazendo aqui? – perguntei. – Está atrapalhando a mim e a Yuki dormir. Por isso senti que estava sem espaço na cama...

      - Jimmy, estou tendo aqueles pesadelos novamente.

      - Pesadelos...?

      - Sim. Você não se lembra de quando éramos pequenos? Eu costumava deitar com você sempre que ficava com medo dos pesadelos.

      De fato, após a fala de Lisa, relembrei que, há, mais ou menos, oito anos, minha irmã tinha frequentes pesadelos e apenas sentia-se segura próxima a mim ou à mamãe. Eu também costumava sonhar com coisas demasiadas estranhas, entretanto, por algum motivo (ou por falta de memória), acabei esquecendo esses detalhes. Nunca dei muita importância, mas, para Lisa, era uma experiência aterrorizante.

      - Lisa, você já não é mais criança! É apenas um pesadelo, acho que você é capaz de superar. Não tem como você dormir comigo, como fazia...

      - Por favor, Jimmy. – Ela segurou meu braço com força. – Estes pesadelos ainda me apavoram! Fazia anos que eu não os tinha e agora voltei a tê-los, não estou conseguindo dormir.

      Pensei o que poderia fazer para solucionar tal situação. Não me agradava nem um pouco ter de acordar no meio da madrugada, devido a bebê chorona de minha irmã. Não poderia deixá-la dormir ali, não havia espaço, mal conseguia movimentar-me. Também não incomodaria minha mãe com isso.

      - Vamos fazer o seguinte: vou até seu quarto contigo e permaneço lá até você dormir. Está bem?

      - Hum-hum – concordou ela.

      Levantei-me, ainda mal humorado e sonolento, e segui até o outro quarto com Lisa agarrada ao meu braço. Ela acomodou-se em sua cama, enquanto eu assentei-me ao seu lado. Estava sentindo-me um estúpido, como um pai tendo de contar uma história infantil à sua filha para esta conseguir dormir, contudo, quando se é para uma criança, a cena é classificada como “bonitinha”, mas, para uma garota de catorze anos, aquilo não passava de “ridículo”.

      - Lisa, é tão terrível assim? – perguntei.

      - Sim.

      - Olha o papel de ridículo do qual estou fazendo por você – comentei. – Depois sou bobo, bobão, bobinho e todos os criativos nomes “ofensivos” dos quais você utiliza com o intuito de referir-se a mim.

      - Não. Você é o melhor irmão do mundo. Obrigada.

      - De nada.

      Apesar de saber que ela dizia isso apenas em situações das quais ela necessitava de minha ajuda. No cotidiano, as brigas e as “belas palavras de apoio” eram mais frequentes.

      - Pense em coisas boas como beijar seu querido príncipe ou comer seu prato favorito, logo você conseguirá dormir – aconselhei a ela.

      Ela não respondeu, mas um sorriso formou-se em seus lábios, de modo a demonstrar-me que iria seguir meu conselho. Enquanto esperava Lisa dormir, ia tentando lembrar-me do tipo de pesadelos dos quais eu também era submetido. Tive de fazer certo esforço para obter sucesso, conseguindo, assim, relembrar algumas coisas, como o fato de sonhar com um altar estranho e o choro de bebês, fazendo com que eu pensasse que a vida da qual eu possuía antes de mudar-me para Sinéad não era tão normal quanto recordava.

      Comecei a relembrar coisas de minha infância das quais estavam guardadas em minha mente e eu não sabia, como quando avistei minha mãe chorando sozinha em seu quarto escuro ou, até mesmo, o fato dos pesadelos. Estes eram muito frequentes e bizarros, além disso, Lisa e eu sempre dizíamos que sonhamos com as mesmas coisas. Isso deixava minha mãe preocupada, o que fez com que ela procurasse um psicólogo para nós.

      Sorri relembrando todas essas coisas medonhas (não que elas sejam engraçadas, mas gostei de ter recordado) e como eu era estranho, desde pequeno. Fiquei tão absorto com meus pensamentos que apenas após um momento percebi que minha irmã adormecera.

      Fitei-a por um instante, ela estava tão serena. Raramente a avistava assim. Acariciei seu rosto macio, resultado de seu extremo cuidado com sua pele, afastei alguns fios do fino e liso cabelo negro a fim de beijar sua testa. Vê-la neste estado imóvel fez com que eu recordasse, exatamente, do choro dos bebês dos pesadelos, dando-me certa vontade de cair em prantos, no entanto, tal impulso fora reprimido facilmente.

      - Boa noite, irmãzinha.

      Levantei-me do local o qual estava assentado e rumei, silenciosamente até a porta, fechando-a delicadamente. Após isso, segui até meu quarto, onde Yuki esperava-me. Deitei-me ao seu lado e não demorou muito para imergir à escuridão.

Estava em uma floresta, ainda trajava minha roupa de dormir e meus pés estavam descalços. Não sabia o motivo de estar ali, entretanto, não pensei muito a respeito, aquilo não importava no momento, pois minha atenção estava voltada a uma espécie de canto em uma língua da qual eu não consegui identificar. A canção parecia ser entoada por um grupo de pessoas, sendo o único ruído no ambiente, atraindo-me de modo a seguir na direção em que o volume aumentava a intensidade.

      Seguia em meio a árvores, afastando alguns galhos para não machucar meu rosto, no entanto, não estava tendo o mesmo cuidado com meus pés, os quais estavam em contato direto com o solo, ferindo-os a cada passo. Mas aquilo não importava e nem seria empecilho para aproximar-me das pessoas, as quais estavam cantando.

      Atravessei boa parte da floresta até chegar ao local: havia um altar onde situava um caixão e pedras grandes e pontiagudas rodeavam-no, onde crianças de, no máximo, três anos, estavam amarradas por correntes. Os adultos presentes, os quais cantavam, estavam trajando uma túnica negra adornada de complexos símbolos em vermelho, os quais formavam uma chama a altura do peito. O local estava escuro, era iluminado apenas por algumas tochas, mas acho que isso foi uma vantagem para manter-me escondido no local no qual me encontrava.

      Fiquei observando o que acontecia em seguida, os estranhos vestidos de modo ainda mais esquisito continuaram cantando por mais algum tempo até um deles aproximar-se do caixão, abrindo sua tampa e revelando um cadáver. Estremeci quando vi que quem estava lá era meu pai. Outro pegou a maior tocha, erguendo-a em direção ao céu estrelado e bradou:

      - A Yasuo! – Pela sua voz, pude saber que se tratava de uma mulher.

      E todos os outros a acompanharam em um aglutinado de vozes femininas e masculinas.

      - A Yasuo!

      Percebi que aquilo se tratava do maldito culto, aqueles os quais trajavam os mantos eram os fiéis, mas qual seria a função do cadáver de meu pai e das crianças aprisionadas? Não pude pensar a respeito, pois fiquei impressionado quando todos os seguidores desembainharam facas afiadas, muito semelhantes a pertencente a Raj, e começaram a apunhalar as crianças prisioneiras. Tal cena chocara-me, senti vontade de gritar ao presenciar tamanho horror. Ódio, terror, espanto, tristeza, dor inundaram meu ser, não desejava mais assistir à carnificina.

      Comecei a correr e não me importava aonde iria, mas desejava estar longe de tudo aquilo, longe de toda aquela dor, choro, desespero e sangue. Não pensei em quanto meus pés estavam feridos, apenas segui em frente, sem, ao menos, olhar ao redor.

      Parei apenas quando senti minha respiração pesada e uma pontada de dor. Algo bem afiado perfurou minha carne, atingindo meu coração. Segurei a lâmina com o intuito de afastá-la dali e avistei o sangue escorrer de meus dedos e do grande estrago feito pela arma branca, senti aquele líquido viscoso e vermelho em minha boca.

      “A morte é o começo de tudo”.

      Caí de joelhos, percebi que, aos poucos, ia perdendo os sentidos, mas antes pude avistar meu agressor: Raj. Ele sorria triunfante, seus olhos verdes fuzilaram-me. Após isso, a única coisa a qual vi foi sangue, muito sangue...

Acordei suado e assustado. Havia uma lágrima escorrendo pelo meu rosto. Fiquei pensando se aquele era o mesmo pesadelo o qual Lisa tivera. Caso fosse, compreendo o fato de minha irmã ter ficado com tanto medo, ela não era o exemplo de pessoa corajosa e o sonho fora, de fato, assustador. O choro dos bebês fez-me recordar de meus pesadelos de quando era criança. Por que voltei a tê-los? Não gostava daquilo, até enquanto dormia era perturbado com essa questão de culto.

      Talvez seja o fato de eu pensar demais em todas essas questões, fazendo-me até ter pesadelos com isso. Decidi afastar tais reflexões por enquanto, afinal, logo pela manhã já estava com minha atenção voltada a esses assuntos (iria enlouquecer dessa forma).

      Peguei meu celular e percebi que acordara exatamente no horário o qual devia. Desse modo, levantei-me de minha cama, desanimado e sonolento, “pronto” a enfrentar mais um dia entediante de aula. Observei Yuki confortavelmente deitada como uma irresistível bola de pêlos e, por um momento, invejei-a. Como desejava dormir tranquilamente, sem ter pesadelos todas as noites.

      Sem mais delongas, troquei-me e desci com intuito de saciar minha necessidade básica. Lisa e mamãe já faziam seu desjejum e conversavam animadas logo pela manhã (não sei como...).

      - Bom dia – disseram as duas ao avistarem-me.

      - Bom dia – retribui sem me preocupar em disfarçar meu mau humor.

      Acredito que as duas perceberam, no entanto, acharam melhor não fazer comentários a respeito. Desse modo, pude prosseguir com meus afazeres em silêncio. Após isso, aprontei-me e deixei minha morada com Lisa logo atrás, como costumava acontecer. Dessa vez, minha irmã apresentava-se tagarela (para meu desagrado), muito diferente de ontem, que ela estava situada em um mundo de fantasias (preferia-a sonhadora).

      - Mamãe me contou sobre a relação dela com o oficial Ross. Você sabia disso, Jimmy?

      - Sim.

      - E o que você acha? – perguntou.

      - Não vejo problemas se ela está bem com ele.

      - É, eu também. Apesar de ele ser bem mais novo, é dez anos mais moço que mamãe. Ficou pensando se ele tem a maturidade para paquerar uma mãe de família.

      - Já não acho que isso seja um problema. Mesmo ele sendo jovem, de apenas trinta e dois anos, o oficial Ross parece ser um homem honesto e dedicado. Pelo menos esta foi a impressão que tive das poucas oportunidades as quais me apareceram para dialogar com ele.

      Minha irmã continuou o percurso conversando a respeito, entretanto, não estava prestando atenção, minha mente vagueava em locais distantes. Respondi-a vagamente, mas Lisa não percebeu minha falta de interesse, de tanto que ela falava, minhas palavras não eram tão requisitadas.

      Chegamos ao colégio e tudo prosseguiu como de costume. Encontrei-me com meu grupo de amigos e conversamos até a aula começar. Quando o professor adentrou na sala, assentei-me em meu local de sempre e lá permaneci quieto durante todo o tempo.

      Durante a aula, fiquei pensando em meu pesadelo. Se aquele era o ritual, do qual os fiéis executavam, era algo completamente abominável. Imaginava o significado de tudo aquilo (para algumas pessoas, os sonhos possuíam suas representações), o que seria o caixão de meu pai? A frase “a morte é o começo de tudo” voltara a atormentar-me. Talvez o falecimento de Martjin seja a causa de todos esses problemas estranhos, os quais estou sendo submetido, por isso é o início.

      Pensando em meu pesadelo, fui perceber que aquela floresta é a mesma de Sinéad, assim como as ruínas, entretanto, estas últimas estavam intactas em meu sonho. Talvez tudo isso seja um aviso de algo que está por vir. Essa fora a única teoria da qual consegui formular em minha mente.

      Passei o restante das aulas vagueando em locais distantes, desenhando e, por incrível que pareça, prestando atenção na mesma. Assim, o tempo passara até chegar a hora de retornar à minha casa para o almoço.

      Fui caminhando pela calçada alheio ao meu redor (por esse motivo, quase fui atropelado por uma patricinha ainda mais desatenta, a qual utilizava o retrovisor e tudo que produzisse reflexo dentro de um carro para passar sua maquiagem. Ela amaldiçoou-me, mas dei de ombros e prossegui em meu caminho, não fiz questão de respondê-la). Sentia-me estranho, apavorado e, ao mesmo tempo, despreocupado. Ficava preocupado com todas as coisas estranhas, porém possuía a ligeira impressão de que estava no caminho correto.

      Cheguei a casa e prossegui com minhas costumeiras ações: deixei a mochila em meu quarto, almocei e fui ler. Imergi no maravilhoso mundo da literatura (às vezes queria viver ali para sempre) e só fui sair dele três horas depois, quando meu celular tocou avisando que havia uma nova mensagem. Era Amber perguntando se eu poderia ir jantar em sua casa. Enviei-lhe uma resposta positiva e, logo em seguida, ela respondeu dizendo o horário que eu deveria aparecer.

      A cada dia parecia que a necessidade de estar com Amber crescia. Desde a primeira vez, encantei-me com sua aparência e, após isso, fui descobrindo seu interior e fascinando-me ainda mais. Ela era a garota mais estranha com a qual fiquei (as outras também eram), mas, também, foi a que eu mais gostei. A cada gesto de carinho, novas boas sensações surgiam. Apreciava a experiência de, aos poucos, ir desvendando a verdadeira Amber Moore, assim como acredito que ela faz comigo.

      Com esses pensamentos, arrumei-me (precisava aparentar bem, ela provavelmente irá apresentar-me aos seus pais). Expliquei à dona Marisa aonde irei e disse que tentaria tomar cuidado em meu caminho de volta. Feito isso, deixei minha morada rumo à da Amber.

Chegando lá, toquei a campainha e esperei alguns instantes até ser atendido por Amber. Minha namorada estava perigosamente sensual e estonteantemente bela. Trajava um vestido negro elegante, o qual lhe caia muito bem, pois delineava, com precisão, as curvas de seu corpo esbelto, meia arrastão e sapatilhas da mesma cor de sua roupa. Seus longos e finos cabelos ruivos estavam mais sedosos e seus lábios mais avermelhados (queria beijá-la fervorosamente). Perto dela, sentia-me um indigno de tamanha beleza, um garoto extremamente sortudo (todas as garotas com as quais fiquei eram muito bonitas, pelo menos nisso tinha sorte).

      - Desculpe chamá-lo tão de repente – apressou-se a dizer. – Acabei revelando ao meu pai nosso estado e ele exigiu conhecê-lo imediatamente. Ele é muito ciumento. – Ela sussurrou essa última frase.

      - Sem problemas. – Beijei-a. – Você está linda!

      Ela sorriu graciosamente.

      - Você também! – Ela beijou-me e depois disse: - Venha, vou apresentá-lo aos meus pais. Provavelmente minha mãe você já conhece.

      Amber guiou-me casa adentro. A sala de entrada estava exatamente disposta de modo o qual eu conseguia lembrar-me, no entanto, não permanecemos ali, fomos direto à sala de jantar. O local era bem organizado e elegante, havia uma grande mesa, na qual poderia comportar oito pessoas, uma estante com variados tipos de bebidas e seus respectivos copos adequados a bebê-las, belos quadros de natureza-morta adornavam o ambiente e um lustre contribuía com a luminosidade. O odor de uma boa refeição inundava todo o recinto.

      Senhor e senhora Moore estavam esperando-nos naquele local. A mulher estava como conseguia lembrar-me: cabelo ruivo e curto, olhos pequenos e verdes, feições leves e bem traçadas. Trajava um longo vestido simples e não utilizava qualquer tipo de adorno. Sua imagem ficava ofuscada ao lado do marido, imponente, elegante, alto e severo. O homem possuía cabelo arrumado e escuro, assim como seus olhos, as feições bem definidas.

      - Papai, mamãe, este é Jim, meu namorado. Jim, esses são meus pais: Norah e James Moore.

      - Prazer – cumprimentei-os devidamente.

      - Amber, minha filha, é esse seu namorado? – surpreendeu-se James. – Esse garoto é muito magro, a pele muito branca, tem cara de anêmico e alguém que parece constantemente doente. E esses olhos amarelados de gato dissimulado? Essa não é uma cor natural para um humano, é algum tipo de doença?

      Ótimo, o pai de Amber já não gostava de mim. O que eu poderia dizer após ter sido tão rebaixado? Não precisei ficar pensando muito, pois minha namorada veio em meu socorro.

      - Pai! – exclamou Amber. – Não é assim que o senhor ensinou-me a tratar os convidados! Eu gosto de Jim, acho-o lindo e admiro muito seus olhos amarelados.

      - É verdade, querido, o namorado de nossa filha é muito belo e charmoso!

      - Esses jovens... – disse o homem. – Bem, sem mais delongas, vamos jantar.

      Assentamo-nos à mesa e iniciamos o jantar. Tudo estava delicioso, sem carne e fora preparado por Amber (minha namorada era muito prendada!). Permanecemos conversando sobre política, economia entre outros assuntos.

      - Pelo menos ele é inteligente – comentou James Moore.

      Após um tempo, iniciou-se uma conversa, uma tentativa de convencer James Moore a matricular sua filha no colégio da cidade, mas acabou resultando em discussão, o que deixou o ambiente pesado e desagradável. Em meio a tudo aquilo, Amber levantou-se, segurou minha mão e guiou-me até seu quarto.

      - Desculpe, achei que esse jantar não teria problemas, mas meus pais são sempre assim, vivem brigando...

      - Sem problemas... Não vou ficar com receio por isso.

      Beijei-a antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, fazendo-a sentar-se em sua cama. De sua boca, desci pelo seu pescoço e sentia-a estremecer de prazer. Já estava fazendo a alça de seu braço quando a percebi hesitar.

      - Desculpe, acho que estou indo rápido demais...

      - Tudo bem, eu é quem tenho de desculpar-me pelo desastroso jantar.

      - Já disse que não tem problema.

      - É meu pai... Ele é tão ciumento que acaba falando coisas sem noção. Acho que ele é assim porque é frustrado!

      - Por que diz isso? – perguntei.

      - Ele e seus irmãos cuidam do negócio da família, mas, na verdade, meu pai sempre quis ser médico. Parece que ele me gerou para realizar os sonhos dos quais ele não foi capaz de conquistar. Teve filho para ficar à mercê de seus desejos futuros. Eu não quero ser médica, quero ser psicóloga.

      Quando Amber disse “filho à mercê”, coisas muito estranhas vieram em minha mente. Comecei a relembrar meu sonho, o choro das crianças, o ritual e meu pai. Foi então que compreendi. Fiquei assustado com tudo aquilo. Era doentio, mas era a verdade.

      - Tente falar com seu pai, não desista de seu sonho, senão vai tornar-se uma frustrada como ele – aconselhei a ela.

      - Não vou desistir – disse ela, abraçando-me. – Obrigada.

      Permanecemos conversando a respeito de outros assuntos, no entanto, não estava prestando atenção, minha mente ainda estava apavorada com o que descobrira. Como aquilo poderia ser verdade? Contudo, não havia outra explicação, os pesadelos, as crianças, o culto e meu pai. Só poderia ser aquilo!

      - Bem, preciso ir, Amber. Prometi a minha mãe que não retornaria tarde.

      - Vou acompanhá-lo até a porta.

      Despedi-me do senhor e da senhora Moore e fui acompanhado até a porta por minha namorada.

      - Obrigado pelo jantar – agradeci.

      - Desastroso jantar...

      - Prometa-me que não vai ficar preocupando-se com isso. Eu gostei, de verdade.

      - Prometo. – Ela sorriu.

      Beijei-a e desejei boa noite, ela retribuiu. Após isso, segui até minha casa. Aparentemente, não tive problemas em meu caminho, no entanto, quando estava próximo de casa, senti ser perseguido. Ainda não era capaz de avistar seu rosto, mas fazia um tempo que o sujeito seguia pelo mesmo rumo que o meu.

      Até ele desaparecer, fazendo-me ficar aliviado. Entretanto, minha tranquilidade não durou muito tempo, pois, de um beco escuro, emergiu meu meio-irmão, Raj. Aquilo me apavorou, no sonho, ele fora o responsável por minha morte, talvez fosse um aviso do que iria acontecer (não queria morrer, não ainda).

      - Olá, irmãozinho. Vim terminar aquele assunto de antes.

      - Não estou interessado. – Foi a única coisa que consegui dizer.

      - Pois deveria, o que vim dizer é de seu interesse. Sou até bonzinho por estar revelando que nosso pai é...

      - Yasuo... – completei.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sombras sobre Sinéad" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.