Sombras sobre Sinéad escrita por Dani


Capítulo 10
Cemitério




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Caminhamos pelas ruas cheias rumo à morada da avó de Amber, Rosemary. Provavelmente não era um local longe, assim como a maior parte dos lugares de Sinéad. Apesar de ser uma cidade pequena, eu até gostava dali, o clima agradava-me, assim como a tranquilidade a qual a cidade era capaz de proporcionar. Também apreciava a arquitetura local, como sua organização. Às vezes sentia-me bem ao observar o espaço ao meu redor: os modelos de casas, prédios, praças, construções em geral as quais se faziam presentes.

      No entanto, aquele não era o momento de reparar em paisagens, pois até ficava difícil observar algo com as ruas abarrotadas. Não gostava de locais lotados e nunca pensei que teria esse tipo de problema em Sinéad. Ficar esbarrando em pessoas ou quando quero passar e sempre tem aqueles lerdos os quais não dão espaço e ainda ficam “molengando” em minha frente, atrasando minha vida (era calmo, mas aquilo conseguia irritar-me!).

      Após um tempo (achei que iria enlouquecer em meio aquele mar de pessoas), chegamos à morada de Rosemary. Um local mais afastado do centro da cidade. Observei a casa a qual parecia normal exteriormente, achei que seria um lugar estranho logo à primeira vista, pelo que Amber falou-me dela, aquilo era o propício a imaginar. A moradia possuía um aspecto rústico, havia um pequeno jardim bem cuidado e organizado, uma escada dava acesso a uma varanda e à porta de entrada.

      Amber tocou a campainha, fazendo-nos esperar por alguns instantes, até sermos atendidos. A porta abriu-se, revelando Rosemary. Esta não estava muito diferente do dia da qual a vi pela primeira vez. Seu rosto iluminou-se ao avistar-nos.

      - Ah, o que temos aqui, minha netinha Amber e seu namoradinho, Jim! Se soubesse que viriam, teria feito chá e biscoitos.

      - Tudo bem, vovó, não precisa incomodar-se. – Amber abraçou-a.

      - Olá – cumprimentei-a.

      - Olá, querido! – retribuiu. – Entrem. – Ela fez um sinal para que adentrássemos ao recinto.

      Não nos fizemos de rogado, entramos no local. Tudo o que não existia de excêntrico exteriormente, fazia-se presente recinto adentro: a mobília não era estranha, um sofá situava-se à frente de uma televisão de modelo antigo. Existia uma estante abarrotada de porta-retratos; o que realmente se apresentavam anormais eram os ornamentos, os quais se localizavam em toda parte. Máscaras, estatuetas adornavam o ambiente, deixando-o com aspecto misterioso, assim como quadros do modelo Surrealistas (eram lindos!).

      Apesar de toda a excentricidade do local, eu até gostei do diferente visual. Rosemary indicou-nos o sofá, no qual nos assentamos e permanecemos por um tempo conversando sobre assuntos rotineiros. Até não termos mais o que falar sobre isso e Amber iniciar o nosso real objetivo.

      - Vovó, quero que nos conte uma história, se possível, - ela fez uma pausa – mas, dessa vez, eu quero escolher a história.

      - Claro, minha querida. Se eu souber a história contarei. Qual seria?

      - Yasuo.

      - Yasuo?

      - Sim.

      - Bem, já ouvi falar – disse Rosemary. – Mas preciso certificar-me em meus livros.

      Ela guiou-nos até sua biblioteca particular de livros misteriosos. Fiquei impressionado com a quantidade de estantes abarrotadas de arquivos (aquilo tudo era um tesouro!), o que me deu vontade de possuir uma livraria assim também. Enquanto Rosemary procurava por aquele do qual havia algo a respeito de Yasuo, eu ia folheando livros interessantes.

      - Não é incrível? – perguntou Amber.

      - Demais! – respondi. – Adoraria ter uma biblioteca dessas! Um dia terei.

      - Eu também – concordou Amber. Sabia que ela era tão apaixonada por livros quanto eu.

      Esperamos por mais algum tempo até escutarmos Rosemary bradar vitoriosa pelo fato de ter encontrado o livro. Ela começou a folheá-lo, peneirando apenas as informações das quais necessitava no momento. Ela leu, em silêncio e atentamente os trechos com informações das quais desejávamos saber. Após algum tempo, imergidos naquela quietude, Rosemary iniciou uma conversa:

      - Bem, crianças, preparem-se para ouvirem uma história.

      Retornamos à sala com o intuito de adquirirmos um conforto maior enquanto escutávamos o que Rosemary tinha a contar-nos.

      - Pesquisei a respeito de Yasuo em meus livros e relembrei que esse é o nome de uma divindade pagã, a qual representa o caos – explicou. – Mas essa nomenclatura também pode ser utilizada para amaldiçoar.

      - Deve ser um tipo de divindade bem desconhecida, afinal, quando fui pesquisar a respeito não encontrei nada – comentei.

      - Há tempos existia um numeroso grupo que cultuava tal divindade, no entanto, eles praticavam terríveis rituais, os quais não sou capaz de relatar. Isso começou a chamar muito a atenção, fazendo com que as autoridades caçassem essa sociedade até quase dizimá-los, deixando-os com poucos seguidores.

      - Vovó, aquelas ruínas que se situam no meio da floresta era pertencente ao culto? – quis saber Amber.

      - Acredito que sim. Acho que aqui em Sinéad foi um dos lugares mais abarrotados de seguidores do culto. No entanto, hoje em dia estão praticamente extintos.

      - A senhora acha que quando disseram “maldito filho de Yasuo” era um tipo de maldição? – perguntei.

      - Sim. Até onde eu saiba, essa expressão é como uma maldição, uma praga.

      Com todas aquelas informações, não pude deixar de concluir que Raj conhece sobre o culto, possivelmente, era um seguidor. Se bem que, se ele utilizou o nome de Yasuo como uma maldição, ele não acha que seja algo bom, deixando a impressão a qual ele é contra a seita.

      Minha mente começou a fervilhar criando teorias mirabolantes. Talvez Raj queira destruir o que resta do culto. Mas por que ele precisa de minha “ajuda”? Não havia resposta para aquela pergunta, ainda. Contudo, como já estava em meio a toda aquela confusão, precisava descobrir o motivo de tudo aquilo.

      - Obrigado – agradeci a Rosemary. – Gostaria de ficar e escutar mais histórias, mas já está tarde, preciso ir.

      - Não quer nem um chá antes de ir? – ofereceu Rosemary educadamente.

      Pensei em recusar, pois já estava ficando tarde e sempre quando demorava a voltar à minha casa, alguma coisa ruim sempre ocorria, também havia prometido à minha mãe que sempre retornaria cedo. No entanto, pensei que, caso o fizesse, estaria sendo mal-educado e acabei aceitando o convite.

      Permaneci na sala, conversando com Amber enquanto Rosemary preparava o chá. Tentamos esquecer um pouco a respeito do culto e dialogar sobre coisas mais interessantes como o show da banda cover dos Beatles do qual iremos. Ela explicou-me onde aconteceria o evento e quando começariam a vender ingressos.

      - Vai ser tão legal! – exclamou Amber. – Gosto muito de Beatles, sempre gostei. Como não tem como ir ao show dos originais, vamos em cover mesmo.

      - Sim, também gosto de Beatles, bastante. É uma pena como nascemos na época errada e como existiam muitas bandas das quais gostaria de ter ido ao show e não pude...

      - É verdade, hoje em dia música já não é mais como antes. Já não é arte, apenas um produto a mais no mercado.

      - Infelizmente...

      Continuamos conversando a respeito de música, quando Rosemary terminou de preparar o chá, ela serviu-nos e juntou-se a nós em nosso assunto sobre gostos musicais. A avó de Amber possuía vinis bem legais, algumas raridades e fiquei pensando em como ela fora uma influência na formação da personalidade de minha namorada. Geralmente são irmãos mais velhos os responsáveis por tal façanha, mas Amber não tem nenhum, logo, sua referência foi Rosemary. Queria eu ter servido de exemplo à Lisa, desse modo, seria poupado de muitas torturas, principalmente sonora.

      Após terminar meu chá, despedi-me de Rosemary e deixei sua morada com Amber logo atrás de mim. Levá-la-ia até sua casa e depois rumaria em direção a minha. Caminhamos, de mãos dadas, pelas ruas não tão cheias como estavam (o que era muito bom e não me deixou irritado). Quando chegamos à frente de sua residência, ela envolveu-me em um abraço, assim, beijamo-nos pela última vez aquela noite.

      - Cuide-se, viu? Não me deixe preocupada novamente.

      - É difícil pedir isso a mim, ainda mais em tempos como estes... Sou desmiolado. Entretanto, vou tentar por você.

      - Mesmo sendo desmiolado e deixando-me preocupada, eu gosto de você!

      Sorri, acariciando sua bela face.

      - Boa noite – desejei a ela.

      - Boa noite – retribuiu.

Quando retornei à minha morada, minha mãe não havia voltado de seu trabalho, mas, pelo menos, ela ficaria feliz em saber que não tive problemas aquela noite. Decidi que, durante o resto do dia, tentaria não pensar em coisas anormais (não podia deixar aquilo tomar conta de minha vida). Escondi as peças de xadrez longe de meu alcance de visão e rumei ao meu revigorante banho. Após isso, jantei e até ajudei Lisa em alguns exercícios de física (era bonzinho com ela, mesmo ela sendo chata!).

      Após tudo isso, assentei-me no sofá da sala situado à frente da televisão. Peguei o controle e liguei-a com o intuito de assistir (eu sei, isso ficou redundante, mas eu realmente iria fazê-lo, pois tem gente que ao invés de ver o que está passando, fica mudando de canal toda hora!). Quanto tempo não fazia aquilo? Não apreciava tanto tal aparelho quanto minha irmã, raramente passava meu tempo próximo àquela tela. Contudo, hoje senti vontade de assistir algo. Yuki enroscou-se em mim e, assim, permanecemos por um bom tempo.

      Estava assistindo a um documentário quando minha mãe chegou, cansada. Yuki deixou meu colo para recebê-la, assim como levantei meu traseiro do local onde estava sentado e caminhei até ela. Abracei-a e recebi em troca um beijo em meu rosto. Ela trazia consigo as diárias correspondências, até aí, nada de anormal, o que realmente me chamou a atenção foi que pensei ter lido Martjin como o remetente em uma delas. Provavelmente aquilo era o resultado de minha fértil imaginação, afinal aquele fora o nome de meu pai, o qual já faleceu (até onde sei, mortos não enviam cartas...).

      Minha cabeça ficava atolada com pensamentos a respeito de meu pai psicopata, cultos e outras coisas sinistras que, provavelmente, li Martjin ao invés de Martina, a qual era uma amiga de minha mãe. Tentei dar de ombros, no entanto, ainda fiquei ocupando minha mente com aquele assunto por mais alguns instantes até, finalmente, concluir que eu realmente li errado (às vezes apresentava certa dislexia).

      Retornei à sala, assentei-me no sofá e voltei minha atenção ao documentário, o qual estava assistindo antes. Yuki acomodara-se novamente em meus braços, de forma a permanecer confortável em sua posição por tempo considerável. Escutei as ações de minha mãe: ela jantou, tomou banho e acomodou-se ao meu lado.

      - Você parece cansada, mamãe – comentei.

      - Trabalho e problemas demais... – respondeu ela.

      - Perdão. Eu trouxe muitos problemas a você.

      - Claro que não, meu filho. Não diga isso! Você só traz alegria. Lisa e você foram os únicos frutos bons de meu passado com aquele homem doentio. – Ela acariciou-me. – Não fique desanimado!

      Não respondi. Por mais que dona Marisa tente negar, eu sabia que boa parte dos problemas era culpa minha. Trazia muitas preocupações a ela, cansando-a. Preciso parar de arriscar minha vida, minha frágil vida, assim, não a deixarei preocupada.

      Decidido isso, voltei minha atenção novamente ao programa de televisão, o qual estava assistindo, mas este acabara, o que deu início a um seriado, não sabia o nome, no entanto, possuía muitas cenas de sexo. Dona Marisa lançou-me um olhar de surpresa ao avistar-me assistindo aquilo.

      - O que foi, mamãe? Já tenho dezessete anos! – Sorri. – Mas não assisto a este seriado, não sei nem o nome! – Entreguei-lhe o controle. – Pode mudar de canal se desejar. Vou dormir, estou demasiado cansado. Boa noite.

      - Boa noite, meu querido – desejou a mim.

      Subi as escadas e rumei ao meu quarto, troquei-me e deitei-me de modo confortável em minha cama. A noite estava fria e tenebrosa, por esse motivo, aproximei a coberta até meu queixo. Escutei os leves passos de minha gata aproximando-se. Ela pulou e acomodou-se ao meu lado, como uma irresistível bola de pelos.

      - Oi, minha pequena bolinha – disse acariciando o pelo macio.

      Ela miou.

      Após isso, o silêncio recaiu sobre nós, o que facilitou, ainda mais, minha entrada ao mundo de Morfeu e acredito que acontecera o mesmo à Yuki.

Acordei cedo aquela manhã, pela primeira vez através do som do despertador de meu celular e não pelos berros de Lisa (ambos eram irritantes, mas o aparelho possuía a vantagem da opção “desligar”). Levantei-me ainda sonolento, troquei-me e abri as cortinhas permitindo a claridade adentrar ao recinto. Observei o céu pela janela, este se apresentava abarrotado de nuvens escuras, uma fina chuva molhava tudo o que estava desprotegido.

      Reclamei um pouco, gostava de chuva quando estava em casa, não quando tinha de sair de minha toca. Enfim, aquele era um pequeno incômodo de fácil superação (bastava utilizar guarda-chuva). Desci até a cozinha onde Lisa já estava tomando seu café, aproveitei para fazer meu desjejum também.

      - Bom dia! – disse minha irmã, animada.

      - Bom dia – retribui. – O que aconteceu para você estar tão animada, Lisa?

      - Ai, nem te conto!

      - Ai, nem queria saber mesmo... – ironizei.

      - Seu bobo, vou contar, era apenas uma expressão! – Senti irritação em sua voz. – É um garoto... Ele é tão lindo!

      - Já imaginei que fosse isso...

      - O nome dele é Zack e tem quinze anos. É lindo, alto, simpático, inteligente...

      - Lisa, acho que não desejo saber da vida pessoal de seu príncipe encantado. Apenas perguntei o motivo de sua animação, sem mais delongas. 

      Minha irmã não respondeu, continuou sonhando acordada com o tal rapaz. Ela é apenas uma “garotinha apaixonada”, afinal, patricinhas de catorze anos costumavam ser assim, ficam empolgadas com esses tolos garotinhos (era até um pouco infantil, mas depois minha irmã crescia). Só espero que ela não se decepcione, pois gostava de seu bom humor, pois não teria de escutar seus estridentes berros, culpando-me por dormir demais.

      Não perdi meu tempo refletindo a respeito das condições de minha irmã. Terminei meu desjejum, escovei meus dentes, peguei a mochila e o guarda-chuva e deixei minha casa com Lisa logo atrás. Rumamos em silêncio pelas calçadas, provavelmente ela ainda estava pensando em seu príncipe, o que a fez com que ela ficasse quieta durante todo o percurso. Aquilo era uma coisa boa, pois me cansava facilmente de sua falação.

      Pouco demoramos a chegarmos ao colégio. Despedi de minha irmã que foi juntar-se a seu grupo de amigos com o intuito de fofocar antes da aula. Segui até onde David, Jenny, Luke e Jon estavam, mas não conversei muito antes do sino tocar. Rumamos desanimados até a sala, pois a primeira aula seria de química da Eleonora.

      Chegando ao recinto, assentei-me em meu costumeiro local: a última carteira do canto próxima a janela. Logo em seguida, aquela bruxa velha adentrou e começou sua enfadonha aula. Os outros professores eram legais, exceto Eleonora, pois sua voz era terrivelmente irritante e ela vivia berrando em sala, o que não despertava em mim a mínima vontade de assistir sua aula. Como não iria prestar atenção, decidi encontrar algo do qual me ocupar. Observei o céu pela janela e percebi que as nuvens escuras ainda faziam-se presentes, a chuva iria demorar a cessar.

      Após isso, retirei um livro de minha mochila com o intuito de viajar ao maravilhoso mundo da literatura. Assim, lentamente, as aulas foram passando-se até chegar o horário do intervalo. Como de costume, descemos até o pátio e assentamo-nos nos bancos próximos aos canteiros.

      - Não sei como vocês conseguem tirar boas notas – comentou Jon, quebrando o silêncio.

      - Basta você dedicar um tempo a mais aos estudos e parar um pouco de olhar as pernas das garotas – brinquei.

      - Ah, mas olhar as pernas é muito melhor! – continuou ele.

      - Tarado... – disse Jenny.

      - Ah, esqueci, Jimmy, você não pode mais aproveitar isso, afinal, está apaixonado!

      - Não estou apaixonado, Jon, é muito cedo para dizer isso! – rebati. – Estou namorando e gosto muito dela, mas não acredito em amor na adolescência. Na verdade, acho uma grande tolice, afinal, somos jovens demais e há muitas coisas a acontecer. Jovens dizendo que amam quando esse sentimento não passa de um fogo momentâneo, pois é tudo uma beleza quando estão juntos, mas quando terminam só começam a falar mal da pessoa, acho que isso não é amor. Esse sentimento é algo muito mais complexo. – Fiz uma pausa. – Às vezes penso que o ser humano não foi um animal criado para amar, ou confunde esse sentido, noto isso pela quantidade crescente de divórcios, traições, abandonos. Isso não se resume apenas às questões amorosas, mas como também no amor aos nossos semelhantes e à natureza, basta olharmos ao redor e vermos o mundo decadente no qual vivemos. E o que nós, os considerados “éticos” e “politicamente conscientes” fazemos? Nada. Fingimos que não vemos. Acho que isso é quase tão ruim quanto às ações dos aproveitadores.

      Após meu discurso, todos ficaram observando-me com espanto e estranheza. Já imaginei que essa seria a reação à minha falação.

      - Desculpem-me, são ideias à parte em momentos de revolta. Não levem a sério – disse um pouco sem graça.

      - Você não deve estar normal hoje... – comentou Jon.

      - É, deve ser isso... – Fiz uma pausa. – Acho que escutei o sino que indica o fim do intervalo. Vamos?

De fato, aquele dia eu não aparentava normal. Queria dar um tempo ao culto, meu pai, Yasuo, Raj, mas não conseguia, por mais que tentasse aquelas questões não paravam de martelar minha cabeça. Sabia que não poderia ignorá-las, contudo, desejava um momento sem formar teorias mirabolantes para tal assunto. Precisava de um instante para sair daquele sufoco e ter uma vida comum.

      Talvez meu erro fosse justamente tentar ter uma vida comum. Para algumas pessoas, como minha irmã, era algo tão simples, mas não para mim. O normal era algo muito difícil de ser alcançado por mim. Às vezes pensava que eu não era Jim Harris, filho de Marisa Harris, mas, sim, um E.T com problemas de memória.

      Tais pensamentos acompanharam-me durante todo o percurso de retorno à minha morada. Quando cheguei, rumei até meu quarto e joguei a mochila acima de minha cama e regressei à cozinha. Minha mãe estava presente no recinto lendo algumas cartas e assustou-se quando me avistou e, logo, apressou-se a escondê-las. Seu ato foi motivo para aumentar minhas desconfianças com relações aquelas cartas, no entanto, decidi não comentar nada.

      - Ah, oi, Jimmy! – cumprimentou-me.

      - Olá, mamãe.

      - O almoço já está pronto, se quiser pode se servir.

      - Obrigado.

      Arrumei meu prato, assentei-me e iniciei minha refeição, dona Marisa juntou-se a mim. Conversamos enquanto alimentávamos, coisas como escola, trabalho, assuntos rotineiros e clichês. Isso sempre acontecia quando minha mãe não tinha tempo para um diálogo mais elaborado, pois deveria retornar à sua tarefa. Como já havia suposto, ela terminou seu almoço e apressou-se a arrumar-se e voltar ao seu local de trabalho.

      Dona Marisa beijou o rosto de Lisa e o meu e não demorou a sair. Após isso, fiquei decidindo se deveria espiar as cartas das quais minha mãe estava recebendo ou não fazer nada. Caso investigasse, talvez conseguisse mais informações a respeito de meu pai e todos os meus problemas, afinal, o fato de eu ter lido Martjin ao invés de qualquer outro nome, talvez seja, de fato, o que parecia. Além disso, o modo que ela escondera as correspondências era digno de desconfiança.

      Sabia que ficaria com um peso na consciência, mas precisava tentar. Decidido isso, segui até o quarto de minha mãe. A porta estava entreaberta, mas tive de abri-la ainda mais de modo a permitir minha passagem. Rumei até a gaveta onde minha mãe guarda seus documentos.

      Abri a gaveta e comecei a remexer em meio aos papéis, demorei alguns segundos até encontrar as correspondências. Ela jamais desconfiaria que eu iria investigar suas coisas, o que fez com que minha consciência tornasse ainda mais pesada. Desculpe, mamãe, mas eu preciso disso.

      Analisei as cartas em minhas mãos e percebi que em duas delas o remetente era, de fato, Martjin Harris. Talvez estivesse prestes a descobrir o que realmente estava acontecendo, caso as informações das quais necessitava estivessem contidas ali. Retirei uma folha de dentro do envelope e comecei a ler rapidamente o que estava escrito. Não imaginei que fosse mais terrível que eu imaginava.

Rumava apressado pela calçada, talvez pelo fato de não desejar demorar muito. O céu ainda estava nebuloso, no entanto, a chuva já cessara, contudo, ela deixou seus vestígios nas ruas, carros e, até mesmo, em algumas pessoas encharcadas. Nada daquela paisagem interessava-me, focava-me apenas em meu caminho. À medida que andava mais me afastava do centro da cidade até chegar a um local completamente desabitado: o cemitério.

      O portão estava aberto e pelo muro eu já era capaz de avistar boa parte daquela arquitetura sombria a qual compunha os túmulos. Não fiquei receoso ao entrar naquele local considerado por muitos, tenebroso. O lugar estava completamente silencioso, o chão lamacento e algumas poças formaram-se devido à chuva.

      Procurei pelo túmulo de meu pai, não tive dificuldades para encontrá-lo. Era bem simples e não havia nenhuma palavra ou frase de consideração, nem mesmo as datas de nascimento e de sua morte. Havia apenas seu nome: Martjin Harris. Toquei a lápide e senti-me em um filme de terror, imaginei que faltava só uma mão em decomposição sair da terra e agarrar meu tornozelo.

      - Como você continuou a enviar cartas à minha mãe após a morte? – pensei alto. – Provavelmente seu corpo não está embaixo da terra...

      Até então, achei que meu pai havia falecido, no entanto, após ler a carta, comecei a duvidar desse fato. Seria ele um homem vivo, o qual está planejando todas as coisas estranhas as quais estão acontecendo comigo? Não poderia descartar essa hipótese.

      Antes que pudesse viajar nessa teoria, meus pensamentos foram interrompidos quando avistei alguém, aproximando-se de mim, pelo reflexo de uma grande poça situada ao lado da lápide de meu pai. Não fiquei muito satisfeito com aquela aparição, pois sabia que estava em uma enrascada, afinal, aquele era, nada mais, nada menos, que meu querido meio-irmão, Raj.


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