Six Feet Under escrita por Kaya Levesque


Capítulo 12
Burn the witch


Notas iniciais do capítulo

Continuo viva, ainda não desisti de terminar isso aqui. Boa leitura, espero que gostem!



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DEPOIS

Aquele fim de tarde foi um dos vários momentos em que Daisy refletiu sobre o quão bom seria ser apenas mais um mordedor.

Após deixarem as proximidades da cabana, Rick Grimes liderou o grupo por uma caminhada sem fim pela mata. Moore deixou-se ficar no final da fila que eles haviam formado, logo atrás de Abraham e Rosita, acompanhada por Tara e Eugene. A mulher parecia extremamente preocupada com a reação de todos em relação à volta da garota ruiva; já o cientista se mostrava totalmente alheio à situação, tendo recebido a russa de volta como se nada houvesse acontecido.

Entretanto, nem Chambler nem Porter serviram de muita ajuda em relação às dores que Daisy sentia em suas articulações ao dar cada passo, ou à febre que começou a queimá-la após algumas horas, ou aos espirros ocasionais decorrentes de uma futura gripe, nem mesmo ao formigamento que a russa sentia em suas mãos. Sua cabeça pulsava junto com seu fluxo sanguíneo, e seu lábio partido se abriu quando a menina riu de um comentário bobo de Eugene sobre mosquitos. Em suma, um dia muito ruim.

Para fechar com chave de ouro, Daisy simplesmente desfaleceu cerca de uma hora antes de pôr do Sol, quando o céu fora totalmente coberto por nuvens cor de chumbo e o que indicava a passagem de tempo era um brilho pálido no horizonte.

Em um minuto ela estava lá, lutando com seu fôlego e carregando sua nova mochila nas costas com umas poucas coisas dentro, incluindo um cantil de água, o taco, cuja parte dos pregos ficara para fora, e todos os comprimidos de aspirina que Carol pudera lhe dar; no outro, ela estava estatelada no chão com a vista escura e tremendo.

— Ginger! — exclamou Tara, ajoelhando-se ao lado da menina no chão. — Carol! — chamou a mulher, mais alto.

Daisy ouviu os passos à sua frente pararem e diversos voltarem em sua direção. Ela sentiu a mochila ser tirada de suas costas, seu corpo ser virado para cima e uma mão fria tocar sua testa.

— Ela está queimando de febre — murmurou a voz de Carol.

Houve um momento de comunicação silenciosa que Moore não pode ver por não conseguir abrir os olhos, e então Rick se pronunciou.

— Procure por mordidas ou arranhões — instruiu a alguém. — O resto de vocês se prepare para levantar acampamento.

— Rick, não podemos ficar ao ar livre — contrariou Maggie. — Vai chover, e esse frio não pode ser bom nem para Ginger, nem para Judith.

Daisy não saberia dizer quem era Judith, mas a menção de seu nome trouxe mais uma parcela de conversa silenciosa. Enquanto isso, alguém ergueu sua blusa até a altura das costelas, sem encontrar nada além dos hematomas que a menina supôs que ainda deveriam estar ali, então passou a olhar em seus braços e chegou à atadura em seu cotovelo.

— O que foi isso? — questionou uma mulher de voz desconhecida à sua direita.

— Ela disse que foi um tiro — explicou Carol.

— É verdade — confirmou Tara. — Foi dentro do Terminus, nós estávamos lá. Não acho que ela tenha sido mordida ou arranhada, talvez isso seja apenas algum tipo de reação aos ferimentos...

— O que também não é bom — comentou Glenn. — Maggie tem razão, não podemos ficar aqui fora.

— Vi um lugar quando Carol e eu estávamos indo para o Terminus — informou um homem de voz muito grave que Daisy também não conhecia. — Não fica muito longe daqui, deve dar para passarmos uma noite.

Após mais alguns momentos de silêncio, Grimes concordou.

— É pra lá que vamos, então — decidiu.

Entretanto, Daisy não conseguiria se levantar ou ao menos abrir os olhos para salvar sua própria vida, embora estivesse consciente, e logo tornou-se claro que ela não iria a lugar nenhum andando. Abraham prontamente se voluntariou a carregá-la até lá, e antes de apagar completamente, a garota refletiu sobre quantas pessoas no grupo estariam achando que o sargento era seu pai.

 

❄ ❄ ❄

 

Está quente. É a primeira coisa que Daisy nota ao abrir os olhos, seguida pelos sussurros que sibilam a seu redor.

A menina vê apenas um grande vazio negro que estende-se infinitamente. Moore está presa a uma estaca, amarrada de modo a não poder se mover, e a pouca luz do ambiente mostra diversos vultos lhe rondando.

Antes que a menina possa processar o que está acontecendo, ou mesmo sentir medo, uma voz que ela nunca fora capaz de esquecer grita:

— QUEIME A BRUXA!

Um único fósforo é riscado e jogado aos pés de Daisy, e ela vê, em meio às chamas que em breve a consumirão, um rosto branco feito giz emoldurado por cabelos loiros. Os olhos verdes da garota alemã brilham ao ver Moore queimar, enfim conseguindo vingança.

 

❄ ❄ ❄

 

Daisy acordou sobressaltada em um ambiente estranho ouvindo o barulho da chuva por cima do crepitar de uma fogueira. Ela se sentiu nauseada demais para se mover em primeiro momento, ainda presa no torpor do sonho. Entretanto, logo viu-se deitada dentro de um saco de dormir, enrolada feito um burrito, tendo somente a cabeça do lado de fora. Moore podia sentir o suor escorrer por seu rosto, empapando seus cabelos e pingando para o chão de madeira. Estava muito, muito quente.

Ao olhar para sua esquerda, Daisy viu a mulher de cabelos curtos e grisalhos que espiava ansiosamente por entre as tábuas que cobriam a janela.

— Carol — chamou.

Ela se virou de sobressalto, levando a mão ao coldre antes de ver que Moore estava acordada, e então ajoelhou-se ao lado da garota, abrindo o zíper do saco de dormir. Daisy tentou levantar-se, mas Peletier a empurrou de volta para o chão com delicadeza, a expressão séria como sempre.

— Não levante — disse.

— Está muito quente — reclamou a russa, lembrando-se de seu sonho. — Não posso ficar no calor, lembra?

Carol suspirou.

— Bom, não sabemos exatamente o que fazer — disse a mulher, ajudando Daisy a se sentar. — Estamos cuidando de você da melhor forma que podemos.

— Eu sei disso — devolveu Moore. Já não bastava ser vista como covarde, agora era mal-agradecida também.

Enquanto Carol buscava algo em sua mochila, a menina olhou em volta, descobrindo-se num cômodo mediano com janelas fechadas por tábuas e de aparência velha. A única fonte de iluminação ali era o fogo que ardia na lareira, jogando sombras nas paredes, cujo papel de cor azul já descascava.

— Onde estão os outros? — indagou Daisy, recebendo os comprimidos que Carol lhe estendia. Ela os engoliu de uma vez, tomando longos goles de água do cantil.

— Alguns estão dormindo pela casa, outros estão de vigia — explicou a mulher. — É o último turno, deve amanhecer daqui a pouco.

— Amanhecer? — perguntou Moore, incrédula. — Quanto tempo eu dormi?

— Você tinha apagado quando chegamos aqui ontem à noite — informou Carol. — Como se sente?

A menina avaliou seu estado. Ainda sentia-se formigar da cabeça aos pés e seu nariz estava escorrendo feito louco. Entretanto, as dores latejantes em suas juntas haviam diminuído consideravelmente, ao passo que a sensibilidade parecia ter retornado totalmente a seus pés. Aquilo era bom; talvez a garota não fosse ter sequelas, afinal.

Moore ergueu a mão esquerda para limpar o nariz e não pôde evitar um arquejo ao ver que aquela tinha o dobro de seu tamanho original, assim como uma estranha coloração azulada em alguns pontos, arroxeada em outros, como se houvessem diversos hematomas cobrindo-a.

Bozhe moi — sussurrou a menina num tom que esperou que Carol não pudesse ouvir. A mulher olhou a mão, de Daisy, confusa.

— O que é isso? — perguntou.

— Bom, está inchada — constatou a menina em voz alta, desgostosa. Moore experimentou abrir e fechar os dedos, realizando o movimento normalmente, e só então percebeu que toda a sensibilidade havia deixado sua mão. — Deve ter algo a ver com a circulação, não lembro bem.

— Ótimo — comentou Carol. — E o que fazemos?

— Enfaixamos — respondeu Daisy. A mulher a olhou, esperando que continuasse.

— E? — perguntou, exasperada.

— Esperamos desinchar — respondeu Moore, calmamente.

Carol suspirou.

— As bandagens estão com Maggie — disse, começando a se levantar.

— Eu vou buscar — interrompeu Daisy. Peletier a olhou, desconfiada.

— Tem certeza? — indagou.

— Tenho — disse a menina, levantando-se vacilante, porém recuperando o equilíbrio logo em seguida. — Onde ela está?

— No andar de baixo — respondeu a mulher. Ela remexeu numa mochila e então avançou até a garota e lhe estendeu uma lanterna. — Segunda porta à direita da escada.

Daisy deu as costas, caminhando em direção ao fim da sala, e somente ao chegar à porta lembrou-se de algo.

— Obrigada — disse a Carol. A mulher assentiu e Moore ligou a lanterna.

A luz iluminou todo o corredor escuro à sua frente, fazendo-a piscar com a claridade repentina, e a menina só pôde pensar que estava desarmada e sozinha contra a escuridão. O barulho da chuva e o ar, que ficara mais frio ali, faziam o corredor tornar-se um cenário assustador. Mesmo assim, ela andou até a escada numa caminhada muito lenta, considerando a distância, por suas articulações ainda estarem fragilizadas, e desceu degrau por degrau cuidadosamente. Já estava mal o suficiente, não precisava cair dali também.

Assim, ao chegar ao andar de baixo, Daisy andou até a segunda porta à sua direita, como Carol lhe instruíra, e bateu três vezes com a mão que segurava a lanterna, a fim de não machucar a que se encontrava debilitada. Após alguns instantes, a porta destrancou-se, e um Glenn sem camisa com metade do corpo escondido atrás da mesma recebeu a garota. O rapaz arregalou os olhos por um momento ao vê-la e suas bochechas ganharam um tom rosado de súbito. Ele olhou para trás e estreitou a abertura que dava para o quarto, parecendo querer esconder algo, então voltou-se novamente para a menina ruiva.

— Oi, Ginger — disse, nervoso. — Bom te ver acordada.

— Oi — cumprimentou a garota, levemente desconfiada. — Obrigada. Escute, Maggie está aí dentro?

— Ah, ela está... dormindo — disse o asiático, sem convicção. — É urgente?

— Na verdade, sim — Daisy ergueu a mão inchada para que o rapaz pudesse ver. Ele franziu as sobrancelhas com a visão, confuso. — Só preciso de algumas bandagens — esclareceu a garota. — Sabe onde Maggie as guardou?

— Claro — disse ele, ainda parecendo confuso. — Você... você não liga de esperar aqui fora, certo?

— Não tenho medo do escuro — mentiu Moore, descaradamente. — Só não demore.

O rapaz sorriu e então voltou para dentro do quarto. Daisy o ouviu abrir alguns zíperes e alguém sussurrou dentro do quarto, revelando que Maggie estava acordada, afinal de contas.

Uma porta abriu-se atrás de Moore, fazendo-a pular de medo, recuando em direção à porta do quarto onde Glenn estava. Entretanto, a única coisa assustadora que saiu do quarto foi o garoto de cabelos longos e chapéu de xerife. De perto, ele era meio franzino, muito magro para toda a altura que tinha, e um pouco encurvado. Ele voltara a usar o casaco azul que trajava na primeira vez em que Daisy o vira, correndo por sua vida no Terminus.

— Desculpe — pediu. — Assustei você?

— Hum, não —, mentiu Daisy novamente.

Naquele momento, Glenn abriu a porta do quarto com uma mochila em mãos e a entregou à menina ruiva, que a pendurou no ombro. Por algum motivo, o garoto de chapéu deu um sorriso de lado com a visão.

— Eu coloquei umas coisas que você pode precisar aí dentro, além das suas bandagens — disse o asiático.

— Bom dia, Glenn — cumprimentou o garoto. — Pode me dizer que horas são?

— Ah, ei Carl — respondeu o asiático. — Desculpe, eu deixei o relógio dentro da minha calça... — o esposo de Maggie se interrompeu ao ver o olhar assustado de Daisy. Ele baixou a cabeça, apertando os lábios, e logo suas faces se tingiram de vermelho novamente. — Bem, isso foi suficientemente estranho. Bom dia.

E mal a porta se fechara, Carl deu uma risada maldosa, sendo acompanhado por Daisy após alguns instantes.

— Não fomos apresentados — disse ele, após pararem de rir. — Sou Carl.

— Ginger — respondeu Moore.

— Carol contou. Pra quê você precisa de bandagens?

— Para isso — respondeu a garota. Ela ergueu a mão inchada e Carl pareceu adequadamente surpreso com a visão.

— Uau — disse. — Minha amiga ficou na sala, talvez ela possa te ajudar.

— Onde fica a sala? — indagou Daisy.

Carl não respondeu, apenas caminhou até o final do corredor sem nem mesmo precisar da lanterna, que logo foi desligada quando a menina viu a luz das velas iluminar o ambiente. Moore o seguiu, e ambos acabaram num cômodo grande com janelas de vidro cobertas por cortinas. Separada por um balcão de mármore havia uma cozinha de móveis brancos onde a mulher negra de dreads se encontrava debruçada sobre uma mesa de madeira enquanto comia uma maçã. Perto de uma das janelas, o irmão de Sasha balançava o bebê, que brincava tranquilamente com dois copos vermelhos.

— Michonne — chamou Carl. Ela ergueu os olhos do mapa que analisava, franzindo as sobrancelhas ao ver o garoto com Moore.

— Sim? — perguntou ela. Daisy reconheceu a voz feminina grave que ouvira quando estava desacordada.

— Esta é Ginger — disse Grimes. — Ginger, esta é Michonne. Aquele no canto é Tyreese, irmão de Sasha. — o rapaz indicou o homem próximo à janela e então voltou-se para sua amiga novamente — Ela queria saber se você pode enfaixar sua mão.

A mulher franziu a testa.

— Você se machucou? — indagou, dirigindo-se diretamente a Daisy.

— Não —, respondeu a menina. — Minha mão só... inchou.

— E você tem certeza de que quer colocar bandagens? — indagou o irmão de Sasha, que havia se aproximado silenciosamente e agora encarava  a mão de Daisy, duvidoso.

— É tratamento adequado — respondeu Daisy, um pouco hesitante agora; talvez não fosse uma boa ideia colocar pressão no local.

Entretanto, após alguns minutos, a mão de Moore encontrava-se coberta por uma camada de bandagens, quase como se a menina usasse luvas brancas. Ela experimentou mover seus dedos mais uma vez, sendo capaz de realizar o movimento, e sorriu levemente para Michonne.

— Obrigada — disse.

— Disponha — respondeu a mulher.

— Onde estão todos? — perguntou Carl, olhando em volta inquieto.

— Rick e Daryl saíram há algumas horas para caçar — respondeu Tyreese. — Sasha saiu com o sargento e a mulher latina para checar o perímetro, devem estar de volta em pouco tempo; o resto está dormindo pela casa.

Enquanto o homem falava, Carol adentrou no cômodo discretamente e testou o fogão algumas vezes, tentando ligá-lo. Assim que obteve sucesso, começou a remexer nos armários da cozinha.

— Vou ferver a água que conseguimos — disse ela para Michonne. — Carl, Ginger, temos algumas nozes em cima do balcão, talvez vocês queiram comer.

Daisy assentiu e levantou-se vacilante,  caminhando em direção à bancada de mármore. Carl atacou as nozes sem piedade, faminto após a correria dos últimos dias, mas a menina hesitou, imaginando se deveria comer; o enjôo havia passado, porém ela temia que voltasse a qualquer momento.

Enquanto se decidia, Daisy escutava as conversas despreocupadas entre Carol, Michonne e Tyreese, com comentários ocasionais de Carl; todos eles pareciam muito felizes por terem se reencontrado. Passados mais alguns minutos, Moore notou que o sol se erguia no horizonte, uma vez que o céu acima das árvores começava a assumir um tom pálido de cinza. Logo, as nuvens ficaram carmim, e finalmente alaranjadas, anunciando o amanhecer.

Pouco tempo depois, duas formas distintas surgiram por entre as árvores, caminhando em direção à casa. Rick e o homem de cabelos longos se aproximavam, porém ambos de mãos vazias, indicando que a caça não fora produtiva; o estômago de Daisy roncou mais ainda.

— Sabe do que eu sinto falta? — perguntou Michonne, dirigindo-se a Carol. A mulher grisalha balançou a cabeça com um meio sorriso nos lábios. — Omelete.

Carol riu, sendo acompanhada por Carl e Tyreese; até mesmo Daisy foi capaz de esboçar um pequeno sorriso. Com tanto para sentir saudades, Michonne escolhera um prato de café da manhã estadunidense feito de ovos e farinha.

Logo, os dois homens adentraram na casa, trazendo consigo um odor desagradável de sangue. Carl cumprimentou seu pai enquanto este foi imediatamente em direção à bebê, pegando-a dos braços de Tyreese.

Já o homem de cabelos longos tomou os esquilos de seu companheiro e os levou para Carol, que lhe sorriu carinhosamente. Ele carregava uma arma monstruosa que Daisy reconheceu ter visto antes em poder de Peletier, quando a mulher a achara à beira da morte.

A menina encolheu-se no banco em que estivera sentada com a passagem do homem a seu lado, sem entender a reação de Carol; ela jamais poderia sorrir daquela maneira para um homem como ele. Havia algo sobre seu jeito e aparência que causava calafrios na garota russa, e tudo que ela queria dele era distância.

Sua movimentação que não pareceu passar despercebida para Carl, que lhe franziu as sobrancelhas. Daisy olhou para baixo, querendo evitar contato visual com os presentes.

— Não está com fome? — perguntou Grimes em voz baixa. Moore balançou a cabeça em negativa. — Tem certeza? — insistiu o filho de Rick, duvidoso. — Tem bastante pra todos.

O estômago de Daisy roncou alto e ela lembrou que sua última refeição decente fora quase dois dias atrás, no túnel onde encontraram Glenn e Tara. Assim, com sua fome falando mais alto, a menina pegou uma noz e comeu, mantendo sua cabeça baixa. Ela sorriu forçadamente para Carl, que lhe retribuiu o gesto com um sorriso dado por uma boca cheia.

Minutos depois, Sasha, Abraham e Rosita, adentraram na casa, os três ostentando semblantes cansados. Abraham caminhou a passos largos em direção à mesa onde Michonne se encontrava, depositando sua arma ali, enquanto Sasha foi em direção a seu irmão, lançando-lhe um sorriso caloroso - o mais bonito que Daisy já havia visto em seu rosto.

Os olhares de Espinosa e Moore se cruzaram por um instante antes que a mulher franzisse os lábios e fosse em direção à porta novamente, saindo da casa. Logo, a menina foi preenchida por um sentimento que não era vergonha nem culpa, como lhe acontecera anteriormente; desta vez era raiva.

Sem pensar no que fazia, Daisy levantou-se do banco, logo sentindo suas articulações dos joelhos estalarem simultaneamente e seus dedos dos pés formigarem de forma dolorosa. Ela caminhou mancando em direção à porta, deixando a casa.

Lá fora estava ligeiramente mais frio que dentro da casa. Ao esquadrinhar a varanda, Daisy viu que Rosita se encontrava em uma parte distante, olhando o prado amarelado com os braços cruzados. A garota andou em direção à hispânica, que a olhou rapidamente antes de voltar-se à posição original e bufar, rolando os olhos.

— Não estou no clima para desculpas esfarrapadas — disse Espinosa, ríspida.

— Que bom — respondeu Moore — Porque não vim aqui me desculpar.

Rosita a encarou, furiosa, gesto que foi devolvido por Daisy, que permaneceu impassível.

— Vim explicar por que fiz o que fiz — prosseguiu a menina.

— Sei o porquê — interrompeu a mulher — Porque é uma covarde ingrata.

— Nunca neguei isso — protestou a menina russa. — Vou lhe contar uma história — propôs. — Se ao final dela você ainda não quiser me perdoar, bem; fico fora de seu caminho.

Diante do silêncio de Espinosa, a Moore prosseguiu.

— Depois que meus pais morreram, eu fiquei só até encontrar vocês. Durante esse tempo, minha única companhia fui eu mesma… e os mordedores. Mas um dia, encontrei uma pessoa por acidente. Uma garota talvez com seus vinte anos. Eu tinha me abrigado numa pequena vila perto de Covena, planejava passar a noite ali dentro de um apartamento pequeno e então seguir viagem. E estava tarde, muito tarde… eu acordei com a correria.

Sem perceber, a menina fora transportada de volta à cena. Sentiu o calor que fizera naquela noite, o medo e a angústia que  a tomaram durante o ocorrido e a culpa com a qual lidaria pelo resto da vida.

— Sabe, ela não estava sozinha — continuou. — Haviam homens atrás dela, uns sete, pelo menos. Quando ela chegou perto de onde eu estava, nossos olhares se cruzaram e ela pareceu implorar por ajuda. Eu não pude. Estava petrificada. Não consegui olhar o que veio depois… apenas escutei que ela gritava palavras em alemão a plenos pulmões. E quando eles foram embora, eu só pude sair de meu esconderijo, fechar seus olhos e garantir que ela não voltasse. Não pude enterrá-la ou cobrir seu corpo… e nunca mais parei de ter medo.

Daisy esperou um momento para que Rosita saísse de seu estado atônito antes de continuar:

— Eu sei que você sobreviveu até agora. Sei que é forte e inteligente. Mas eu estive lá fora também e eu sei o que o mundo tirou de mim. Eu sobrevivi, sozinha.


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Notas finais do capítulo

Esclareci algumas coisas nesse capítulo e espero ter compensado o último, que, na minha opinião, não ficou tão bom assim.
Beijinhos e até o próximo!



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