Six Feet Under escrita por Kaya Levesque


Capítulo 13
St. Sarah's Episcopal Church


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Gente, não vou me desculpar pela demora, acho que todos vocês já entenderam que eu passo por longos períodos sem conseguir escrever nadica de nada e depois volto com tudo. Mas de qualquer forma, quero deixar claro novamente que não desisti dessa história, às vezes a inspiração me foge mas eu sigo com vontade de finalizá-la, e atualmente estou revendo o plot todo da fic. Já tenho quase todos os arcos bolados, só faltam alguns retoques e logo, logo vou ter o roteiro todo pronto. Ou seja, daqui pro final do mandato do Bonossauro eu termino isso aqui, talquei?

Agora eu quero pedir só uma coisa de vocês, meus 126 leitores: feedback. Comentem, favoritem e recomendem a história, porque quanto mais vocês demonstram que gostam do conteúdo que eu estou trazendo, mais fácil fica o processo inteiro pra mim. Não tenham vergonha de deixar reviews, por menores que sejam, nem de apontar erros (afinal minha escrita está um pouco enferrujada), porque é algo que realmente me motiva a continuar.

No mais, quero agradecer ao Artur por toda a paciência e ajuda e dedicar esse capítulo à Nessie, a menina que sempre escuta quando eu venho falar dessa história pra ela e nunca se cansa de ouvir minhas fritações com plot. Feliz aniversário! Tudo de bom pra tu, chuchu ♥

Boa leitura!



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Eles deixaram a casa na mesma manhã, após uma precária refeição feita a partir de nozes e pêssegos selvagens. Àquela altura, a febre de Daisy sumira, junto com os sintomas da gripe, de modo que ela já se sentia mais forte para caminhar agora, podendo aguentar a longa jornada que certamente enfrentariam. Não havia melhora, no entanto, em relação às suas dores ou sua mão, que continuava latejando de maneira ritmada; Moore nunca se sentira tão feliz por ser destra, podendo dispensar o uso da mão esquerda por hora. Para ajudá-la, Carol cedeu-lhe uma glock carregada e com silenciador acoplado, de modo que, se necessário, a russa não precisaria usar o taco para defender-se, uma vez que este exigia as duas mãos.

Assim, após saírem da residência, os membros do grupo passaram a caminhar longamente pela mata mais uma vez, todos atentos a qualquer barulho suspeito, porém falando baixo uns com os outros. Daisy estava sozinha a princípio, concentrada apenas no peso da mochila que carregava, nas suas articulações debilitadas e em sua respiração, alheia até mesmo às conversas ao seu redor. A garota caminhou logo atrás de Glenn e Maggie, mas não perto o suficiente para que o casal se sentisse inclinado a falar com ela.

— Ginger? — Moore ouviu a voz de Carl Grimes atrás de si, desacelerando momentaneamente para olhá-lo. — Sobraram umas nozes — informou. — Você vai querer?

— Hum — ponderou ela. — Não sei se é uma boa ideia comer tudo agora, talvez você deva guardá-las. Mas obrigada, Coral.

O filho de Rick a olhou, uma sobrancelha erguida.

— É Carl — disse.

Corol — tentou Daisy mais uma vez, frustrada por não conseguir dizer o nome corretamente. Ela levara pouquíssimo tempo para aprender a língua inglesa, porém algumas palavras eram simplesmente impossíveis de pronunciar.

— Que tal você me chamar de Grimes? — sugeriu o rapaz, parecendo segurar o riso.

— Soa melhor — concordou Daisy. — Obrigada, Grimes.

Ele lhe lançou um sorriso contido e logo passaram a caminhar lado a lado em silêncio. Vez ou outra um mordedor aparecia perto deles, mas era logo derrubado por um membro do grupo, geralmente Michonne, que ia à frente do grupo, onde conversava em voz baixa com Rick.

Em determinado momento, Daisy ouviu passos e estalos que indicavam uma aproximação. Ela ergueu sua glock e a apontou para a origem do som, sendo imitada por Carl e todos os que estavam perto de si. Entretanto, o que saiu de trás dos arbustos foi apenas o homem de cabelos longos, que carregava mais uma leva de esquilos em um dos ombros.

— Nos rendemos — disse ele, de maneira debochada.

Moore baixou a arma, sentindo o estômago revirar, e esperou até que ele e Rick estivessem caminhando à frente do grupo para prosseguir.

— Algo errado? — indagou Carl, deixando-se ficar para trás para estar caminhando com ela novamente.

— Não — mentiu Daisy, voltando a andar quando o Grimes mais velho caminhou ao lado dos dois e instruiu-os a ficarem próximos aos outros.

O garoto a encarou, as sobrancelhas franzidas, e a russa imaginou por que ele não ia embora para conversar com outras pessoas e deixá-la só.

— Você não gosta de Daryl — não era uma pergunta.

— Quem?

— Você sabe quem — retrucou ele. — O homem com a besta. Sabe, ele pode ser assustador, mas é um cara legal. Você só precisa conhecê-lo.

Grimes estava certo: ela não sentia simpatia alguma pelo besteiro. Aquilo se devia ao simples fato de ele lembrar demais os homens no grupo que matara a jovem alemã em sua frente, o tipo de white trash caipira do qual a menina gostaria apenas de manter distância.

Mas antes que Daisy pudesse formular uma resposta evasiva, todos ouviram o som que ecoou pela mata: gritos altos e desesperados pedindo por socorro. Moore parou de caminhar imediatamente, paralisada ao chão, e sentiu seu coração falhar duas batidas com o susto. Todos haviam se colocado em estado de alerta, ouvindo atentamente os chamado, e Rick voltou imediatamente para perto de seu filho.

— Pai, vamos! — chamou Carl com urgência. — Vamos!

E assim, apenas com um sinal do homem, todos correram em direção à fonte dos gritos. Todos menos Daisy, cujas pernas ela já nem mesmo sentia, tamanho era o terror que lhe tomava: ela imaginava apenas cenas horrendas envolvendo sangue, ossos expostos e uma horda de andarilhos cercando uma carcaça que gritava por piedade.

— Venha — chamou Rosita, e para a surpresa de Moore mulher não mostrava nenhuma negatividade em sua expressão.

— Eu não consigo — respondeu a menina, registrando que todos haviam ido embora e ali só restavam as duas.

— Consegue — insistiu Espinosa; quase imediatamente, ambas ouviram tiros. — Ficaremos bem, mas somente se estivermos todos juntos — prometeu a mulher latina. — Protegemos uns aos outros. Não precisa mais fugir: você não está mais sozinha.

E mesmo contra sua vontade, Daisy começou a correr para junto dos outros, acompanhada por Rosita, que seguiu pacientemente seu passo lento e debilitado. Instantes depois, ambas chegaram à pequena clareira onde o resto do grupo se encontrava, cercando uma figura vestida de preto em um silêncio aparentemente desconfortável.

— Vocês têm um acampamento? — Moore ouviu o desconhecido perguntar.

— Não — respondeu Rick imediatamente num tom ameaçador. — Você tem?

E só então Moore teve uma visão boa do homem. Ele era negro, quase da altura de Rick, talvez passando dos 40 anos de idade, e usava um terno inteiramente preto com um detalhe branco no pescoço que estranhamente o fazia parecer um padre.

— Tenho uma igreja — informou.

— Levante as mãos — exigiu Rick, balançando a cabeça exasperadamente. Ele revistou o homem, procurando por armas escondidas, enquanto perguntava: — Quantos errantes já matou?

— Nenhum, na verdade — respondeu o estranho, soando muito nervoso.

— Quantas pessoas já matou? — Rick prosseguia revistando-o.

Desta vez, o outro homem pareceu mortificado com a pergunta.

— Nenhuma! — exclamou.

— Por quê? — indagou o pai de Carl, soltando-o finalmente.

— Porque o Senhor abomina violência!

Daisy desviou os olhos da cena.

— Não gosto disso — comentou ela com Rosita.

— Nem eu — concordou a mulher. — Mas talvez ele saiba quem esteve nos seguindo.

Ao notar o olhar confuso de Moore, a mulher explicou em voz baixa que ouvira uma conversa de Daryl e Rick sobre alguém no rastro do grupo. Tara, que estivera prestando atenção no que diziam, intrometeu-se assim que Espinosa parou de falar.

— Mas o que um cara aparentemente sozinho ia querer indo atrás de nós, umas quinze pessoas armadas até os dentes?

— Talvez ele não esteja sozinho — cogitou Daisy.

— Acho que vamos ter que descobrir — constatou Rosita ao ver o grupo de mover, seguindo o sujeito matagal adentro.

No fim das contas, enquanto caminhavam na direção da tal igreja, o homem afirmou realmente ser um padre e se chamar Gabriel. Segundo ele, estivera só desde o começo, e nunca fora muito longe para além de um riacho ali perto; a primeira vez que tentou foi justamente naquele dia em particular. Ele os guiou até o edifício que contava com um pequeno jardim na frente e uma placa onde se lia “Igreja Episcopal de Santa Sarah”.

Rick e mais algumas poucas pessoas entraram no local para checar se realmente estava vazio antes que todos pudessem entrar, voltando após alguns minutos de busca meticulosa. Daisy foi uma das primeiras pessoas a adentrar depois disso, sem nem mesmo esperar seus companheiros. Ela mancou pelo corredor central, observando o ambiente a seu redor, e sentou-se num banco perto do altar.

A igreja não era grande. Não era nenhuma base de segurança, tinha diversos pontos cegos e era extremamente claustrofóbica; Moore não entendia como o padre sobrevivera tanto tempo ali, e sozinho. Caso sua história fosse verdadeira, Gabriel era muito mais forte do que aparentava, e a garota imediatamente identificou-se com ele por saber o quão sofrida era uma existência solitária naqueles dias.

Enquanto os outros se aproximavam e examinavam o interior da igreja, Moore tirou seu taco de dentro da mochila e colocou-o a seu lado enquanto vasculhava a bolsa. Ali havia uma garrafa de água, um agasalho preto que parecia ser para um homem adulto, uma bússola e um mapa, que a garota passou a examinar com interesse.

— O que você está fazendo? — indagou Tara, sentando-se ao lado da russa.

— Tentando nos localizar — Daisy explicou. — Quero refazer nossa rota para D.C. a partir daqui.

Chambler assentiu.

— Vamos falar com Abraham sobre isso — sugeriu. — Ele ficou lá fora.

— Por quê? — indagou Moore.

E durante os minutos seguintes, Tara contou sobre o impasse em que o grupo se encontrava: Ford queria consertar um mini ônibus que achara nos fundos da igreja e ir embora imediatamente, enquanto Rick e os outros queriam ficar, descansar e partir dali alguns dias.

— Não gosto de viajar sem saber que tenho provisões — ponderou a menina. — Talvez seja uma boa ideia ficar, pelo menos mais um dia.

— De onde vieram seus suprimentos? — a voz de Rick ecoou pela igreja antes que Tara pudesse responder, atraindo a atenção de todos.

— Sorte — respondeu Gabriel. — Nossa arrecadação anual de enlatados… as coisas desandaram logo que nós a terminamos.

— Não gosto da maneira como ele trata o padre — confessou Daisy em voz baixa enquanto os outros continuavam conversando, definindo o local onde procurariam por suprimentos.

— Não sabemos quem ele é ou o que quer — justificou Tara. — Rick tem dois filhos e um bando de gente dependendo dele, dê um desconto.

Moore desviou os olhos para Carl, que sentara ali perto com a bebê nos braços, e assentiu.

— É, tem razão — disse. — Mas mesmo assim… deve ter sido muito difícil aqui pra ele, sozinho esse tempo todo.

Tara pareceu sem jeito.

— Desculpe por ter contado a todos que você estava sozinha — pediu. — Era seu segredo, e embora eu não entenda o porquê de guardá-lo, eu não tinha o direito de falar nada.

— Tudo bem — garantiu Daisy.

— Daryl e Carol, preciso que busquem água no riacho que o Padre mencionou — Rick novamente se fez ouvir, dividindo as tarefas. — Glenn, precisamos de munição e silenciadores. O resto de vocês fique aqui, montem acampamento e fiquem de olhos bem abertos.

Houve um murmúrio de concordância ao redor do grupo e logo o homem asiático caminhou para o banco onde Moore e Chambler estavam sentadas.

— Tara, você pode me acompanhar até a cidade? — perguntou ele. A mulher assentiu, claramente feliz em ser útil, e Glenn sorriu com pesar para Daisy. — Uma pena que você está tão mal, poderíamos usar uma ajuda.

— Que tal a minha ajuda? — perguntou Maggie, aparecendo por trás do marido.

Eles sorriram um para o outro e se beijaram, fazendo com que tanto Moore quanto Chambler desviassem os olhos, desconfortáveis com a demonstração de afeto do casal.

Daisy acompanhou-os para fora da igreja e se despediu do trio, olhando enquanto desapareciam à distância. A menina então decidiu aproveitar que estava cercada de pessoas por todos os lados para caminhar livremente por aí. Moore logo começou a explorar os arredores do prédio, sempre mantendo-se por perto, e acabou achando alguns arbustos de amora crescendo juntos à parede lateral da igreja.

A russa se agachou com cuidado, despindo o agasalho preto que vestira e colocando-o no chão para servir de trouxa para as frutinhas, antes de começar a colhê-las uma a uma. Daisy lembrou-se do bebê de Rick, imaginando se poderiam dar as amoras para ela quando sentisse fome.

— São uvas? — perguntou alguém à esquerda da menina ruiva quando ela havia terminado de colher todas as pequenas frutas e agora se encontrava sentada, as costas contra a parede lateral da igreja, a boca cheia de amoras. Grimes havia se aproximado se onde ela estava, provavelmente tendo a mesma ideia de explorar o terreno.

— Não — respondeu Daisy, levantando-se com certa dificuldade. — São amoras. Você quer uma?

— Claro — o rapaz se aproximou, pescando ele mesmo uma frutinha do casaco para que Moore não tornasse a se abaixar. — Acho que Judith vai gostar quando acordar.

— É a sua irmã? — indagou a russa.

— É — disse Grimes, pegando outra amora. — Você veio aqui fora só para colher frutinhas?

Daisy deu um sorriso mínimo.

— Na verdade, vim para não ficar lá dentro — esclareceu. — Achei muito apertado e escuro.

Carl assentiu, concordando.

— Nem sei como o Padre conseguiu sobreviver tanto tempo aí sozinho — comentou ele.

— Eu estava pensando justamente nisso — disse Daisy. — Mas pelo menos ele tinha um lugar para ficar…

Ela cruzou os braços e baixou os olhos, lembrando de todas as vezes que tivera de acampar no meio do nada porque não havia nenhuma construção perto de si. Nas ocasiões, Moore precisava dormir com um olho aberto e o outro fechado, mantendo-se em vigilância constante.

— Você ficou sozinha um tempo, não foi? — indagou Carl. Daisy o fitou, inexpressiva, sem demonstrar que iria responder e o rapaz apressou-se em acrescentar: — Tara disse no vagão. Deve ter sido bem difícil.

— Foi — concordou Moore, desviando os olhos para as copas das árvores que os cercavam.

— Você é de onde? — perguntou Grimes, numa clara tentativa de mudar de assunto.

Daisy não teve tempo de pensar em uma resposta, no entanto, porque naquele momento ambos ouviram gemidos e passos arrastados. Logo, um andarilho havia dobrado a lateral da igreja, entrando no campo de visão dos jovens, e seguiu na direção deles.

Grimes tomou a dianteira, adivinhando que Moore estava muito debilitada para matar um andarilho, e sacou sua faca, cravando-a sem dificuldades na cabeça do que já fora uma mulher morena. Enquanto ele puxava a lâmina de volta, Daisy avançou para olhar a parte de trás da igreja, procurando mais alguma ameaça imediata; tudo que achou, no entanto, foram estranhos arranhões na tinta que já descascada. Ela tocou um deles, passando o dedo indicador por toda sua extensão, e notou como eram profundos.

— O que é isso? — perguntou Carl, aproximando-se.

— Veja — Daisy apontou para as marcas. — Acho que foram feitos com facas.

— Alguém tentando entrar? — Grimes ergueu as sobrancelhas.

— Possivelmente.

Ao olhar mais para cima, a menina deparou-se com algo que não havia notado antes: palavras cravadas na madeira.

— “Você vai queimar por isso” — Carl leu em voz alta e os dois se entreolharam. Queimar pelo quê? O que Padre Gabriel poderia ter feito de tão grave para ser condenado ao fogo eterno daquela forma?

— Ginger! — chamou a voz grave de Abraham, fazendo com que a menina se sobressaltasse. Ela voltou para a lateral da igreja com Carl, encontrando ali o homem coberto por fuligem com uma expressão muito séria em seu rosto. Ele acenou com a cabeça para Moore, indicando que queria conversar com a russa e ela olhou para Grimes, decidindo que não diria nada sobre a mensagem para não alterar os ânimos do Sargento.

— Até mais — disse. — Pode levar essas outras amoras para a sua irmã, se quiser.

O rapaz murmurou um “obrigado” em resposta, parecendo perdido em pensamentos, e logo a menina de cabelos rubros estava indo ao encontro de Ford, que havia apoiado suas costas no ônibus. Abraham olhou-a muito sério, os braços grossos cruzados enquanto ela se encaminhava para perto dele.

— Tara disse que você estava tentando refazer a nossa rota — começou ele.

— Sim — concordou Moore. — Ela voltou da cidade?

— Voltou — respondeu Abraham. — Estamos agora esperando o grupo de Rick com a comida. Ouça, vou precisar dessa rota nova o mais rápido possível, garota. Acha que pode começar hoje ainda?

— Claro — Daisy assentiu.

Ela começou a andar na direção da igreja, mas foi novamente impedida pelo Sargento:

— Ginger — chamou ele e Moore virou-se para olhá-lo. — Está fazendo amigos?

Daisy piscou uma vez, sem entender o que o homem queria dizer, mas ele limitou-se a assentir, tomando o silêncio da garota russa como resposta.

— Apenas lembre-se de nossa missão — aconselhou Ford, muito sério. — E do que está em jogo aqui.

 

❄ ❄ ❄

 

À noite, tiveram um banquete. Rick, Michonne, Sasha, Bob e o Padre haviam conseguido bastante comida em sua ida à cidade, embora, por algum motivo, todos cheirassem como fossas; Daryl e Carol pegaram água suficiente para todos e Padre Gabriel liberou seu vinho de comunhão para que bebessem, portanto logo boa parte dos adultos se encontrava animada. Assim, sobrou para Daisy, Carl e mais alguns outros que escolheram ficar sóbrios misturar água com pó de suco de uva.

— Aqui — o Grimes mais novo entregou um copo com o líquido arroxeado para Moore, tomando o lugar a seu lado no banco. Eles dois haviam se aproximado após aquela tarde, possivelmente porque eram os únicos de sua faixa etária ali; a própria menina russa sentia falta de alguém jovem para conversar, sentimento que parecia ser compartilhado pelo filho de Rick.

— Obrigada — disse a menina, deixando seu prato de ervilhas e carne de esquilo de lado. — Saúde.

Ambos tomaram um gole de suco ao mesmo tempo e portanto fizeram caretas quase idênticas.

— Credo! — exclamou Carl, afastando o copo de si.

— Só tem água — reclamou Daisy, o nariz franzido. Logo, os dois se entreolharam e riram.

— Olha só como o Glenn está vermelho — apontou o rapaz.

De fato, as bochechas do rapaz asiático se encontravam cor de carmim, e ele tinha um sorriso muito grande nos lábios. Moore riu.

— Vocês são muito fracos — disse ela, referindo-se aos estadunidenses como um todo. — De onde eu venho, as pessoas precisam de muito mais que um copo de vinho pra ficarem bêbadas.

Carl riu baixo.

— Você é irlandesa, então? — perguntou ele. — Eu devia ter percebido, por causa do seu cabelo.

Daisy sorriu, sem graça.

— Por aí — disse, evasiva. — As pessoas na minha família eram todas fortes para bebida; minha mãe até já me deixou beber whisky algumas vezes, mas nunca entendi por que eles gostavam tanto. Álcool é superestimado.

— Eu bebi vinho uma vez — comentou Carl. — Minha mãe não queria, mas meu pai insistiu; não achei muito bom.

— Porque não é — concordou Moore.

Ela ficou contente que o rapaz não perguntou o que acontecera com sua família, e nem tampouco o questionou sobre sua mãe; a resposta do paradeiro da mulher era óbvia, no entanto, já que Judith estava ali e ela não.

— Então… você acha que se eu pedir, Glenn me deixa tomar um pouco? — indagou Grimes. Daisy riu alto de sua contradição.

— Não sei — admitiu. — Por que você não pergunta?

E assim, alguns minutos depois, Carl voltou para o banco com um copo cheio da bebida bíblica. Ele tomou um gole e seu nariz se franziu numa reação instantânea.

— Você quer? — ofereceu o rapaz.

Moore assentiu, tomando o copo das mãos dele bem no momento em que Abraham se levantou do banco em que estivera sentado e levantou a bebida que segurava.

— Eu gostaria de propor um brinde… — começou ele, falando alto para se fazer ouvir na igreja barulhenta. As pessoas aos poucos foram fazendo silêncio e se acomodando ao redor da lamparina acesa que iluminava o ambiente com a chama que ardia em seu interior.

— Quando olho ao redor deste cômodo, eu vejo sobreviventes — afirmou o Sargento. — Cada um e todos vocês fizeram por merecer este título. Aos sobreviventes!

Ouviram-se gritos de “saúde” pela igreja e vários dos presentes beberam um pequeno gole de vinho ou suco; a própria Daisy bebericou a bebida antes de entregá-la novamente a Carl, ainda olhando para Abraham e tentando entender onde o homem ruivo queria chegar com aquilo.

— Isso é tudo que vocês querem ser? — perguntou Ford, quase como se lesse os pensamentos de Moore. — Acordar de manhã, brigar com os mortos-vivos safados, procurar por comida, ir dormir com os dois olhos abertos e fazer tudo de novo? Porque vocês podem fazer isso; são fortes e são capazes.

Ele correu os olhos pelo cômodo de maneira dramática antes de continuar:

— O problema é que… pra vocês… e o que vocês sabem fazer… isso significa se render — Ford cravou os olhos em Daisy com as últimas palavras. — Se levarmos Eugene a Washington, ele fará os mortos morrerem e os vivos terão esse mundo novamente, e isso não é um motivo pequeno para uma pequena viagem.

Abraham parou novamente por alguns segundos e então virou-se para Porter:

— Eugene — chamou. — O que há em D.C.?

O cientista pigarreou antes de responder.

— Infraestrutura para resistir a pandemias até mesmo dessa magnitude — disse. — Ou seja: comida, combustível… refúgio. Recomeço.

— O que quer que aconteça — Ford retomou a palavra. — Quanto tempo quer que leve para que as coisas voltem ao normal, vocês estarão seguros lá. Mais seguros que estiveram desde que tudo isso começou.

Ela parou, agora olhando para Rick, que tinha a pequena Judith aninhada em seus braços e fitava o Sargento com uma expressão indecifrável.

— Venham conosco — ele apelou no plural, mas dirigia-se diretamente ao líder do grupo. — Salvem o mundo para essa pequenininha. Salvem por vocês mesmos. Salvem para as pessoas lá fora que não têm mais nada a fazer, exceto sobreviver.

Após estas palavras, todos se mantiveram em silêncio, alguns se entreolhando, e Daisy arriscou uma olhadela para Carl, que encontrava-se atento à reação de seu pai. Depois do que pareceram horas, dias, Rick Grimes sorriu e olhou para Judith; a menina fez um barulhinho de bebê que pareceu encantar seu pai, e o sorriso do homem cresceu mais ainda.

— Como é? — perguntou ele à criança; várias risadas se ouviram ao redor da sala e até mesmo Moore deixou que seus lábios se esticassem. — Acho que ela sabe o que vou dizer. Ela vai; se ela vai, eu vou também. Nós vamos.

Ao redor da igreja, as pessoas comemoraram e Daisy suspirou, aliviada. A jornada seria bem menos árdua, bem menos difícil com mais pessoas; ela agora começava a sentir que talvez aquilo fosse real. Talvez pudesse se permitir criar laços com aqueles homens e mulheres, talvez pudesse contar a eles quem realmente era. Ela soube naquele momento, se não antes, que seria eternamente grata a Abraham, Eugene e Rosita por salvarem-na de uma existência solitária.

— Ele soltou tudo aquilo de improviso ou ensaiou antes? — perguntou Carl em meio à algazarra de conversas que voltavam a se espalhar pelo ambiente. Moore riu.

— Acho que ele esteve calado esse tempo todo porque estava tentando pensar em algumas frases de efeito — brincou ela.

Claro, não deveria estar errada; quando o assunto era convencer as pessoas a se juntarem a ele, Abraham Ford não pouparia seu fôlego.


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Notas finais do capítulo

Enfim galera, tivemos um capítulo calmo e cheio de interações entre Daisy e Carl; não quero apressar as coisas entre os dois, estou tentando construir uma base para um possível romance de um modo que não saia algo forçado. Quero adiantar que talvez demore um pouquinho para ter outro momento assim na história, até mesmo porque esse não é nosso único foco nessa fic. Espero que estejam gostando até aqui, e novamente, comentem por favor. Beijinhos e até o próximo capítulo!



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