Bastarda escrita por Lena Saunders


Capítulo 7
Aquele do Relicário


Notas iniciais do capítulo

Esse cap. partiu meu coração.
Essa semana foi aniversário da minna irmãzinha então tive pouco tempo, por isso a demora.

MAS EU GANHEI MINHA PRIMEIRA RECOMENDAÇÃO!!!
Muito obrigada, Darah/Unfinishedgirl pela recomendação!
Do fundo do meu coração, foi a melhor coisa que já me aconteceu no Nyah e me fez muito feliz.
Esse capitulo é mais longo e é para você, sua linda!
~Lena.



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Os dois meses passaram rapidamente. As asas dela cresceram em tamanho e força, assim como seu corpo.

Ás vezes eu pensava nas asas dos outros dragões. Elas costumavam seguir um padrão, como asas de morcego, tendo pequenas alterações próprias da espécie.

As asas dos dragões aquáticos eram arrendondadas, cobertas de escamas e funcionavam como barbatanas na água.

Os dragões terrestres não tinham asas, apenas vários pares de pernas om garras afiadas, próprias para a escavação.

As dos dragões de gelo eram transparentes e duras como se fossem feitas de água congelada.

As dos psíquicos tinham penas, como as dos passarinhos. As asas de Mercúrio, por exemplo, podiam se incendiar e eram quentes como ferro em brasa.

Mas as de Valkíria não pareciam especiais. Pareciam apenas asas de morcego comuns. Me perguntei se ela ficaria chateada de se soubesse que suas asas eram tão comuns, quando comparadas às dos outros. Mas ela nunca saberia. Ela nunca os conheceria.

Hoje seria o primeiro passeio dela. Nós havíamos praticado bastante e ela já conseguia voar a uma altura baixa, na velocidade em que eu corria.

– Tudo bem Valkíria. Você vai se sair bem. Pode subir.

Ela voou até meu ombro e se segurou com as garras. Eu aprendera a vestir ombreiras de couro depois da primeira vez que ela fez aquilo. Apesar do tamanho e da força, ela era mais leve do que meu machado. Heike dizia que os dragões tinham uma bolsinha com ar dentro deles e por isso eram tão leves.

Valkíria segurou meu ombro ainda mais forte quando saímos. As estrelas estavam brilhantes e já não nevava há algum tempo. A primavera estava chegando naquela noite. Em algumas horas, seria meu aniversário e faria 11 anos que minha mãe estava morta.

– Isso é uma árvore. E essas são suas folhas. Aquela é a lua e o pontinhos brilhantes são as estrelas.

"É lá que sua mãe está?"

– Heike diz que sim. Mas as vezes eu não tenho certeza.

Ela saiu do meu ombro e ficou voando alguns centímetros na frente do meu rosto.

"Já sei! Eu posso voar até lá e buscá-la para você!"

Meus olhos se encheram de lágrimas.

Heike diz que eu não chorei ao nascer. Ela foi minha parteira e diz que pensaram que eu estivesse morta. Talvez fosse melhor estar.

A primeira vez que me lembro de chorar foi quando descobri do casamento de Alistair e Greta. Quando descobri sobre Aires.

Controlei as lágrimas e sorri para Valkíria. Ela era doce e gentil.

– É muito longe, bebê. Não acho que você possa chegar até lá. Mas pode ir. Você está livre agora. Pode voar para onde você quiser.

"Para onde você quer ir?"

– Ah não. Eu não posso ir. Não sei voar.

"Bem, não estou indo à lugar algum sem você."

Ela pousou em meu ombro e caminhei com ela até a praia.

– Vai, Valkíria. É sua chance de ser livre. Você deveria ir, voar até o horizonte e descobrir outras terras. Encontrar um lugar melhor. Qualquer lugar.

"Mas não quero te deixar. Eu sentiria sua falta. Eu espero você aprender a voar."

– Ah, querida. Eu nunca vou aprender a voar. O único jeito de um humano voar é montado em um dragão mas você ainda é pequena demais para isso.

"Bem, então esperaremos. Um dia eu vou ser muito grande e vou te levar comigo. Eu prometo."

– E eu prometo ir, querida. Quando você puder me carregar e Heike estiver morta, nós iremos embora daqui. Vamos encontrar um lugar bom para morar.

"Nós não precisamos voltar para a caverna?"

– Você quer voltar lá?

"Na verdade, não."

– Que bom. Porque eu planejei um acampamento na praia. Vamos.

Eu caminhava com Valkíria em meus ombros. Suas escamas ficavam com um brilho sinistro sob a luz do luar, como se a roubasse para si próprias. Suas asas pareciam levemente borradas, como se fossem feitas de pó.

"O que é um acampamento?"

– Bem, as outras crianças da vila costumam fazer. Elas passam a noite fora, comendo e se divertindo, eu acho.

"Parece bom. O que vamos comer?"

– Eu ainda não sei. Posso tentar conseguir maçãs, o que acha?

"O que é aquilo?"

Enfim chegarámos ao local.

– É onde vamos dormir.

Eu trouxera, mais cedo, dois travesseiros e alguns cobertores, além de um saquinho de açúcar. Heike não se importou. Não hoje.

– Olha para lá, Valkíria. - Apontei para a beirada da floresta.

Às 00:00, pontualmente, a primavera começou. As flores brancas, que há cerca de uma semana haviam começado a brotar, se abriram, libertando os vagalumes.

É a única coisa que eu gosto em Seiryn: as flores dos vagalumes. Eles nascem brilhando e aproveitam a única noite que terão para procriar. A única noite em que brilharão. Depois serão seus filhos ou netos, durante toda a primavera. Os ovos da última geração, antes do verão, são botados de volta nas flores e hibernam durante nove meses, como uma gravidez.

Eu e Valkíria assistimos, durante incansáveis minutos, o brilho viciante dos insetos.

"Que bonito."

– É sim. A primeira noite da primavera é sempre a mais bonita.

"Hoje é equinócio de primavera?"

– Agora é.

"Então é seu aniversário."

Ela parecia ainda mais animada, agora.

"Eu vou buscar um presente para você. Igual aquelas ovelhas que você assou para mim."

E saiu voando, em direção à floresta.

Eu continuei ali, sentada na areia confortavelmente fria da praia, apreciando os vagalumes, um tributo que considerei adequado à minha mãe.

Eu tinha, oficialmente, onze anos. Se eu fosse como as outras garotas, minha mãe começaria a me ensinar sobre os deveres de uma mulher.

Ela me ensinaria à lavar, passar, cozinhar, limpar, colher, coletar lenha, falar, tocar um instrumento, e muito mais.

E, em cerca de quatro anos, eu noivaria. Aos dezeseis me casaria e até os dezoito já seria mãe. Como mamãe. Como todas as outras.

Mas eu não era como todas as outras. Eu já sabia tudo isso. Heike me ensinara há anos. Eu jamais noivaria porque não tinha um nome ou um dote. Jamais teria filhos, porque seria injusto demais colocá-los nesse mundo como minha mãe fez comigo.

Eu me levantei assim que o ouvi. Eu estava sem meu machado, mas ainda poderia me defender.

Aires saiu da floresta, meio que tropeçando em seus próprios pés.

– Hey, Kyrie.

Eu não poderia evitá-lo agora.

– Hey Air.

– Eu passei na sua casa, mas Heike disse que você estaria aqui. Eu trouxe um presente. Feliz aniversário.

Era um colar, muito bonito. A corrente de prata segurava um pingente arredondado com uma rosa dourada, extremamente delicada. Era um relicário. No espaço interno haviam duas pinturas. Na da esquerda, Heike aparecia com Greta e, na direita, Greta aparecia com Aires.

– Ah. Obrigada. Mas não precisava.

– Você gostou? - Seu olhos jovens brilharam. - Eu quis fazer nossa família.

– Bem, obrigada, mas está tarde. Você deveria ir.

– Claro. Apenas coloque-o, por favor. Quero ver como você fica.

– Ah, eu não vou colocar. - Fui sincera. -É lindo mas não serve para mim.

Ele parecia ter levado um tapa na cara.

– Por que não?

– Isso, esse relicário, é uma coleira. Eu não tenho família.

Ele parecia furioso agora.

– Bem, você tem. Aceite isso. Família é quem te ama. E eu te amo Kyra! - Ele estava gritando agora. - Eu passei horas pintando Heike, eu, Greta e Siv! Você podeia pelo menos fingir que gostou!

Ah. Então aquela era minha mãe. Ou pelo menos como ela seria. Não eram duas pinturas de Greta.

– Pare com isso, Aires. - Minha voz parecia mais serena e gelada do que eu jamais escutara. Mas eu precisava me livrar dele antes que Valkíria voltasse. - Você sabe muito bem que não existe amor. Vá embora, antes que Greta e Alistair fiquem preocupados com seu precioso herdeiro.

– Eu não quero ir sem você.

– Mas você deve. Você é o herdeiro da ilha, o queridinho de todos e eu sou uma das maiores párias que já habitou esse lugar.

– E se nós nos casarmos? - Ele segurou minhas mãos, quase tremendo em seu choro soluçado. - Vamos morar juntos e ninguém nunca mais vai te chamar de bastarda. Nós seremos sua família. Eu, Greta, Alistair, a pequena Siv,

– Pare com isso! - Puxei bruscamente minhas mãos das dele. - Isso é impossível. Apenas me deixe em paz.

E era mesmo. Ele seria o líder e, por tanto, deveria se casar com alguém como Brenda ou Hayra. Alguém com sobrenome e dote.

Pela segunda vez na minha vida, eu corri desesperadamente e, preciso dizer, eu estava ficando boa naquilo.

Aires me seguiu mas eu rapidamente criei uma distância entre nós. Assim que passei pela entrada da caverna, rolei a pedra, apenas o suficiente para meu corpo passar e me encolhi, deixando as lágrimas rolarem livremente. Era a segunda vez que eu chorava.

Novamente, pelo mesmo motivo, pela mesma pessoa.

Eu podia ouví-lo através da parede da caverna, gritando meu nome, me procurando. Não sei quanto tempo se passou, mas sei que eu estava prestes a pegar no sono quando ouvi Valkíria.

"Está tudo bem. Ele já foi."

Rolei a pedra, apenas para me deparar com meu dragão, segurando um veado pela coxa. Era impresionante para um dragão tão jovem.

"Eu posso assar esse. Porque não busca maçãs para a sobremesa? Podemos carmelizá-las."

Ela parecia chateada.

– O que foi, Valkíria?

"Você disse que éramos uma família, mas acabou de dizer para aquele garoto que você não tem família."

– Você é minha única família. Eu não posso contar sobre você para Aires, mas somos uma família, eu juro.

Ela pareceu menos chateada.

"Então aquele era Aires? Por que não o convidou para comer conosco?"

– Ele me machucou. - Doía admitir a influência que Aires exercia em mim. - Podemos comer e nos divertir só nós duas.

"Engraçado."

– O que é engraçado, bebê?

"Parecia que era você quem estava machucando ele."

Passei a noite do meu aniversário de 11 anos comendo, cantando e brincando com Valkíria, mas em momento algum deixei de pensar em suas palavras. Talvez eu tivesse sido grossa demais com ele. Ele era tão bobo e inocente. Acreditava em amor e toda essa baboseira. Não era culpa dele.

Quando cheguei em casa, quase na hora do almoço, Heike me esperava com uma torta. Conforme prezava a etiqueta, Greta, Alistair e suas adoráveis crianças estavam lá. Todas menos Aires.

Comemos a torta e eu pedi licença para cuidar de meus afazeres, deixando os adultos conversarem.

Eu estava regando as plantas quando eles saíram. Alistair tinha o rosto vermelho, ardendo em fúria, enquanto Greta parecia desesperada, correndo atrás dele com a pequena Siv no colo e as outras crianças em seus calcanhares.

– Pare com isso, menina Kyra. - Heike anunciou. - Vamos passear na praia hoje. Há algo que quero te mostrar.


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