Bastarda escrita por Lena Saunders


Capítulo 6
Aquele das Asas


Notas iniciais do capítulo

Quero dedicar esse capitulo à Burn e a Unfinishedgirl que me acompanham desde o primeiro capitulo e me incentivaram à continuar a história.
~Lena



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/538021/chapter/6

Eu não fui mais à casa de Greta. Quando eu via Aires na vila, eu mudava meu caminho e sumia antes de ele me ver. O anúncio fora dado há um mês e eu ainda não podia acreditar. Heike nem sequer ficara preocupada comigo. Quando eu voltei da caverna, no dia seguinte, ela não perguntou onde eu passara a noite.

Esse era um dia especial. Eu passara a última semana aguardando ansiosamente. Heike me pediu para não sair por causa do frio. O chão ainda estava coberto pela nevesca da última semana e meus dedos nus tremiam com o frio. Mas eu não poderia ficar em casa.

Coloquei as luvas e abri a porta de uma vez, encarando o inverno rigoroso de Seyrin. O vento rachava meus lábios e o casaco de peles me protegia superficialmente.

Embora eu conhecesse o caminho perfeitamente, a neve atrapalhava meus passos. Consegui impedir minha cabeça de tocar o chão, parando meu tombo com as mãos. O frio e a água penetraram minhas luvas e congelaram meus ossos.

Valkíria estava enrolada ao lado da fogueira apagada. Arrastei a rede para fora da água, quase congelando meus dentes no processo. Selecionei o que precisaríamos e devolvi o resto na água. A comida estava acabando.

Coloquei mais lenha na fogueira e comecei a esfregar os poucos gravetos secos que restavam. Demorou um pouco para conseguir a faísca.

Valkíria tinha um sono relativamente pesado. Ela acordou apenas quando sentiu o cheiro da carne assando. Ovelhas tinham um gosto fabuloso. Não tanto quanto um veado, mas dava para o gasto.

"Bom dia, Kyra"

– Bom dia bebê. Feliz aniversário.

Enquanto comíamos a carne das ovelhas, expliquei para ela o que era um aniversário e que o meu era no equinócio de primavera. Então, tive que explicar o que era um equinócio de primavera.

Quando acabamos de comer, achei que seria uma boa idéia treinar. Eu já conseguia erguer o machado com uma certa facilidade. Nos primeiros dois meses era o meu maior desafio: tirá-lo do chão. Então, eu comecei a tentar levantá-lo todos os dias, até conseguir.

Com um pouco de dificuldade, eu já conseguia erguê-lo com uma mão. Eu treinava os movimentos básicos que conhecia: cortar, puxar e desviar. Uma vez tentei girá-lo e quase perdi minha mão. Resolvi esperar até ficar mais forte e poder fazê-lo.

Também pedi ao Gigante que fizesse bainhas para mim. Ele não questionou o motivo ao ver os diamantes que eu usaria para pagar. Aprendi uma lição importante naquele dia: Todo mundo tem um preço e seu sucesso depende do quanto você está disposto a pagar.

As bainhas tornaram as lâminas praticamente inofensivas e permitiram que Valkíria lutasse contra mim. Eu sabia que não era o mesmo que um humano, mas era suficientemente bom. Ela era forte e veloz como somente um dragão poderia ser.

Ás vezes ela me arranhava acidentalmente e eu tinha que inventar uma desculpa para Heike. Outras vezes, eu a acertava de verdade sem querer e ela reclama a semana toda, mesmo que os hematomas levassem poucas horas para cicatrizar.

Meu maior desafio era girar o machado. Ter lâminas dos dois lados o tornava duas vezes mais perigoso. Eu precisava tomar cuidado para não arrancar minha própria cabeça.

Entretanto, era inevitável girá-lo. Mais da metade do poder dele estava no giro. Flechas foram criadas para serem atiradas, espadas para cortar e espetar, facas para lutas corpo-a-corpo e lançamento há curta distância. Machados comuns para cortar e machados duplos para girar e fatiar. É o básico de qualquer batalha.

Quando acabamos, o suor escorria por minha testa e pingava em minhas bochechas. Minhas pernas estavam bem, ao contrário dos meus braços. Sentia como se meus músculos estivessem pegando fogo. Era hora de descansar.

Ficamos conversando durante horas, como costumavámos fazer. Sua voz doce e infantil me acompanhava todos os dias, sem excessão. Eu podia sentir nossos laços, aqueles que nasceram com ela, se tornarem mais fortes.

Vez ou outra ela perguntava o que havia de errado e eu respondia que estava tudo bem. Então ela alegava que sabia o que era mentira e que eu estava mentindo. Então, eu mudava de assunto. Falava sobre os vaga-lumes, o mar ou sobre como as folhas caíam no outono.

Eu não era a única agindo estranho. Valkíria estava esquisita já fazia quase um mês. Ela ficava se coçando e estava dormindo mais do que o normal. Comecei a me preocupar com sua saúde. Agora, ela estava rolando no chão.

– Val, você está sentindo dor? - Perguntei pela centésima vez naquela semana.

"Não. Mas minhas costas ficam coçando."

– Você pode ter levado uma mordida de inseto ou estar com uma alergia. Deixe-me olhar.

Ela se virou, sua cauda quase me acertando. Eu olhava há semanas mas nunca havia nada.

Quase não acreditei quando vi. Entre as escamas profundamente negras surgiam os pequenos espinhos que um dia formaríam asas.

Dragões não costumam ter asas antes dos três anos. Em dois ou três meses elas deveria ser capaz de voar.

– Bem, parece que você poderá sair da caverna em breve. Suas asas estão nascendo.

"Mas você disse que ainda levaria muito tempo."

– Eu sei. Mas as pessoas erram às vezes.

"Então logo vou poder conhecer Heike, Greta e Aires, certo? O que foi? Você parece triste."

Para um dragão tão pequeno, Valkíria fazia muitas perguntas.

– Greta e Aires não são mais meus amigos.

"Mas você adorava os dois. O que aconteceu? Foi por isso que você estava vazando aquele dia? Chorando, eu quero dizer."

Suas palavras eram tão rápidas que era um milagre que eu as entendesse e um ainda maior que ela não morresse sem fôlego.

– Eles estão ocupados demais com sua nova família.

"O que é uma família?"

Muitas perguntas mesmo.

– Família é.... Eu não sei direito. Acho que são pessoas que se importam com você. Que se sacrificariam por você.

"O que é sacrifício?"

Precisei pensar bastante antes de responder aquela.

– Acho que é abrir mão, voluntariamente, de coisas importantes para você. É colocar algo ou alguém acima das sua prioridades.

"Então nós somos uma família, certo?"

Não pude conter um sorriso.

– Sim. Acho que sim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!