You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 17
Diga-me com quem andas e eu te direi quem és


Notas iniciais do capítulo

Gentee tem escândalo nesse capítulo! E ele nem saiu como eu queria, mas eu espero que gostem!

Meio insegura haushausa Fiz, refiz, e fiz de novo, e saiu assim.

Me digam o que acharam! Beeijos



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PDV do Adam

O humor do Aaron estava ótimo hoje, apesar do momento de estresse que teve com Faros a pouco. Tinha uma pasta de dados que ele mesmo pesquisou em sites específicos de astrologia, ali tinha todas as informações sobre as passagens do cometa que foram devidamente documentadas antes. Assim ele sabia mais ou menos o que esperar, e como se preparar.

– Por que reclama tanto de ter de usar o telescópio? – Perguntei, enquanto o observava trabalhar. Estava sentado em um dos bancos em frente a bancada do observatório, e dali podia ver Faros trabalhar também. – Você gosta. Eu sei que gosta, parece bastante entusiasmado pra mim.

Ele sorriu, dando mais uma olhada nos dados enquanto ajustava o telescópio na direção e ângulo corretos.

– Você pergunta demais. – Ele disse, mas não parecia realmente incomodado. – Vem aqui.

Assim o fiz, quando cheguei até ele, Aaron me estendeu a pasta de dados.

– Olhe. Eu encontrei as coordenadas correspondentes ao local em que o cometa passou, pelo menos nas últimas 5 vezes. Alguns dados eram tão antigos que foram registrados a mão, e adicionados ao sistema décadas depois. É fascinante. – Os olhos dele brilhavam de excitação. O sorriso já era tão largo que formava uma covinha na sua bochecha. – Eu só preciso fazer uma média entre eles, veja, a variação é mínima, praticamente inexistente.

– Então porque vocês calculam? E não me olhe como se eu fosse imbecil, eu aposto que ia se sentir igualmente perdido em meio à literatura.

– Nós calculamos porque não podemos errar. – Esclareceu. – Se por um descuido não conseguirmos registrar nada, perdemos um tempo valioso. Esse cometa não passa todo dia. - Acenei afirmativamente. – E isso por acaso é um desafio? Aposto que me dou melhor com a literatura do que você com a astronomia.

Arqueei a sobrancelha, rindo.

– Veremos então.

Ele não se deu ao trabalho de responder, apenas riu incredulamente e levou sua pasta de dados até a bancada. Tirou uma lapiseira do bolso de seu blazer preto e passou a rabiscar freneticamente em um papel. Cálculos, eu presumia. Seus lábios se moviam acompanhando seu raciocínio, mas não emitiam som algum.

Meu celular vibrou no bolso traseiro da minha calça, me tirando de meus devaneios. Era uma mensagem de Ana.

Tira uma foto do Faros pra mim? Eu... Argh, eu gosto da cara de concentrado dele. Comente com alguém e eu quebro a sua cara.

Ela é uma figura mesmo. Se não fosse tão orgulhosa aposto que já estaria com ele a essa altura do campeonato. Daria um jeito de tirar a foto pra ela, não me custava nada mesmo, do jeito que ele está distraído nem ao menos notaria.

– Aaron. – Chamei, ele apenas murmurou um “hum” sem tirar os olhos dos papeis. – Faros alguma vez já falou da Ana?

Ele ergueu os olhos pra mim, e largou a lapiseira ao lado do papel.

– Faros não é do tipo que fala sobre seus problemas com os outros. – Começou. Puxou um dos bancos e sentou-se de frente para a bancada. – Mas eu estava aqui na época que eles saíram, foram as duas semanas mais estranhas da minha vida.

– É? Porque?

Ele deu de ombros, e baixou os olhos em direção ao relógio de pulso para verificar as horas.

– Ainda temos tempo, e eu estou faminto. Que tal nós irmos comer alguma coisa no refeitório e aí eu te conto o que sei?

Dei de ombros e desci do meu banco, acompanhando-o em direção à saída do observatório.

_/_/_

PDV da Stella

Minha mãe me infernizou a tarde toda. Queria entrar no quarto de qualquer jeito, de modo que eu tive que fugir pela janela depois de colocar algumas de minhas melhores roupas e maquiagem em uma bolsa. Joe me viu sair enquanto encerava o carro já brilhante de minha mãe, pra ela era isso que ele deveria fazer quando ninguém precisava que ele dirigisse. Dediquei a ele meu melhor olhar suplicante, implorando pra que me deixasse sair, e assim ele fez, apesar de relutante.

Atravessei a rua às pressas, e só diminui o ritmo da minha caminhada quando já tinha andado três dos cinco quarteirões que separavam minha casa da dos Harisson.

Eu fazia aquele caminho quase todos os dias desde que voltara do reformatório. Pra mim, descobrir que Matt morava na minha rua era tipo um sinal divino de que deveríamos ser amigos. Ele foi a única pessoa com quem eu conversei durante meus dois meses de estadia naquele lugar tenebroso, me ajudou a sobreviver a verdadeiros terroristas juvenis e me ensinou a usar os mais bestas pra me divertir. De uns eu fugia, com outros eu jogava, e nele eu sempre confiava.

As primeiras semanas depois da minha volta pra casa foram difíceis. Apesar de estar feliz por ter deixado aquele inferno, eu sentia falta dele, e achava que nunca mais o veria. E então, alguns meses depois quando estava caminhando até a escola eu o vi, deitado na grama enquanto fumava um cigarro, e ainda nem eram oito horas da manhã.

Na época eu realmente interpretei aquilo como um sinal. Vivi ali minha vida inteira e nunca o tinha visto, e agora ele simplesmente aparecia, bem na minha frente como mágica. Hoje eu sei que é besteira, não é sinal nenhum. Nunca o vi porque ele sempre passou mais tempo em reformatórios do que em casa. E claro, não era surpresa que morássemos perto já que o reformatório era envolto por três bairros, e apenas um deles poderia ser considerado de alto nível. Filhos de gente importante, como nós, só poderiam ter vindo dali.

O fato é que independente do que pensei naquela época ou pense hoje, ele é a única pessoa a quem eu confiaria minha vida se precisasse. Do nosso jeito torto e errado, éramos bons amigos. E agora tudo o que eu precisava era do meu amigo, e dos bagulhos que ele eventualmente conseguia arrumar.

Cheguei até a porta da frente de sua casa, mas sabia que não estaria lá dentro. Contornei a grande casa de tom amarelado e me embrenhei pelo jardim arborizado da Sra. Harisson. Ela sempre adorou aquela porcaria de jardim.

Cheguei ao pé de duas grandes árvores de troncos largos, e olhei em direção a casa de madeira construída entre as duas.

Eu vou aparecer naquela merda de jantar, e vou fazer com que a cara da minha mãe nunca mais saia do chão.

– Matt, a escada! – Gritei. Meio segundo depois pude ver a cabeleira negra dele pela janela improvisada da casa. A aparência de Matthew não combinava em absoluto com sua postura. O cabelo era sempre curto, bem aparado e bem penteado, barba sempre feita, sempre bem vestido. Ryan e Noah seriam mais facilmente confundidos com delinqüentes do que ele.

– Olha só! – Exclamou, saindo da casinha. Desamarrou uma corda de um dos galhos mais altos da árvore e girou uma espécie de manivela que trazia a escada pra baixo. – Acho que tô muito louco cara, devo estar vendo coisas. Stella Windsor no meu humilde esconderijo?

– Engraçado você. – Respondi, subindo a escada sem maiores dificuldades. Conhecia cada detalhe daquela casa muito bem. – Aposto que não ficaria louco nem se inalasse toda a droga do universo. Você já é praticamente imune.

Ele riu, enquanto voltava pra dentro e se jogava em uma poltrona em forma de mão que tinha lá. O pequeno som no canto do aposento tocava um dos CDs favoritos de Matt. É uma banda amadora que ele nunca me apresentou oficialmente, tudo o que eu sabia deles estava contido naquele CD.

– Como vão as coisas no hospício? – Perguntou, voltando sua atenção a pequena escrivaninha em frente à poltrona onde trabalhava no seu “negócio”, enquanto fumava um baseado recém aceso. Aquele troço parecia ser uma mistura de sei lá quantas ervas diferentes. Sou porra louca mas nunca me meti nos “negócios” de Matt, apenas fazia bom proveito deles quando me convinha. Mas não, não entendo de Drogas.

– Ah... Como sempre. Mas hoje vou fazer diferente, e é por isso que preciso que me ajude.

Observei-o enquanto enrolava seus cigarros um por um. Nunca o vi ter tanto cuidado com nada em sua vida.

– Oh, então é disso que se trata a visita! – Exclamou, abrindo seu clássico sorriso enigmático. Era um sorriso bonito, mas me dava calafrios. Sempre tinha algo meio maligno nas risadas de Matt. – Hoje é um daqueles dias.

Era assim que chamávamos os dias que eu resolvia “esquecer os problemas”. Por mais inacreditável que seja, não eram tão comuns assim.

– Não, preciso de sua ajuda pra outra coisa. – Deitei-me no tapete em meio ao aposento, ele pertencera ao meu quarto quando eu era menor. Mamãe queria se livrar dele quando reformamos, eu o trouxe pra cá e fiz a empregada dizer que jogou fora. Continuava tão confortável quanto naquela época, mas hoje cheirava a bebida, nicotina, e uma série de outras coisas. – Digamos que hoje as coisas vão ficar mais quentes que de costume, e eu preciso estar sóbria pra isso.

– Gosto de como isso soa. – O sorriso macabro se alargou ainda mais. – Conte-me mais.

– Minha mãe vai dar um jantar daqui a pouco. – Comecei. Por um momento, hesitei em continuar. Sabia que a partir do momento em que contasse a Matt o que pretendia fazer, não teria mais volta. – Eu vou aparecer nesse jantar e fazer um escândalo, e você vai chamar a imprensa. Hoje todos vão conhecer a família Windsor como realmente é.

– Interessante... – Sibilou ele, esticando a mão para pegar um dos cigarros enrolados sobre a mesa e acendeu-o pra mim. – Que comece a rebelião então.

Olhei a droga em sua mão enquanto me virava de barriga pra cima no tapete.

– Matt, já disse que preciso estar sóbria. – Repeti, em recusa. Ele então, pra evitar o desperdício obviamente, resolveu que ia fumar esse também.

– E aí, como vão as coisas no campus? – Perguntou, se esparramando ainda mais em sua poltrona. Deu uma pausa em seu trabalho e se concentrou apenas em mim. – Não ouço nada de lá faz um tempo... Bah, na minha época as coisas eram bem mais animadas.

– Na sua época, as pessoas atravessavam para o outro lado da rua sempre que você passava. Você provavelmente tem o recorde de surras daquele lugar, isso sem falar nos furtos, acordos, trapaças, e venda de coisas ilícitas. Você é praticamente o Rumplestilskin!

– E me orgulho disso!

– Pior que eu sei... – E sabia mesmo. – Não tem nada de mais acontecendo. Aquela latina nojenta resolveu que vai acabar com a minha vida, mas aparentemente ela vai ter o que merece, anda recebendo umas surpresas meio macabras...

– Podemos armar outra pra ela, ia ser divertido.

– Não, deixa ela lá. – Uma das coisas que aprendi com Matt: Saber jogar significa estudar bem a hora de fazer um movimento. – Se um dia eu comprovar, de alguma maneira, que ela está arrastando aquelas asinhas magrelas dela pra cima do Ryan, aí eu acabo com ela.

Ele suspirou longamente, o sorriso em seu rosto murchou um pouco.

– Você ama mesmo aquele Mané, não ama?

– É, eu amo. – E isso é um fato que eu admitia abertamente apenas pra Matthew. – Mas hoje eu tenho outros problemas pra resolver.

Pisquei pra ele.

_/_/_

PDV do Adam

O refeitório do prédio de astronomia era bem semelhante aos outros refeitórios do campus, exceto que esse funciona 24 horas. Além disso é bem arejado, tem uma parte coberta e uma parte descoberta, onde estamos sentados, e também algumas árvores em meio as mesas. Bem agradável.

Eu saboreava meu cappuccino duplo enquanto escutava Aaron falar sobre seu projeto, e algumas banalidades. Eu gostava de olhar pra ele, e isso me assustava. Nesses poucos dias de convivência eu aprendi a detectar algumas manias em suas expressões, coisas como o jeito como me olha quando acha que falei alguma coisa absurdamente imbecil, a covinha que se forma em sua bochecha quando sorri (O que acontece muito pouco, devo dizer.), aprendi inclusive que grande parte das vezes que ele parece mal humorado, não está de verdade. Aaron não sabe lidar com emoções positivas, sarcasmo e hostilidade são as armas que ele encontrou pra sobreviver. E na minha humilde opinião aquele hematoma no olho tinha tudo a ver com isso.

Nunca tive amigos homens na vida, não tão próximos. Na verdade a única amiga próxima que já tive é a Marie. Simpatizar tanto com um garoto era uma coisa nova pra mim, geralmente eles são indiferentes a mim, e eu a eles, mas eu gostava de estar com Aaron, e ao mesmo tempo em que tinha medo dessa novidade, tentava colocar na minha cabeça que era normal. Estávamos nos tornando amigos, e se eu me sinto estranho, é porque nunca passei por isso antes.

– Hey, acorda! – Aaron tacou um de seus bolinhos na minha cara, delicado como sempre. – Você ta viajando, aposto que não ouviu nada do que eu disse. E pare de me olhar como se eu fosse comestível, já falei que você não é meu tipo.

– O... O quê? – Gaguejei, me ajeitando na cadeira. – Eu não tava olhando pra você como se fosse comestível, só estava...

– Relaxa cara, eu tava brincando.

Ah, que engraçadinho! Nessas horas ele resolvia ter senso de humor? Eu não achei a menor graça naquela brincadeira, mas fiquei quieto.

– Tanto faz. – Respondi, tentando não deixar meu desagrado transparecer. – Mas então, disse que ia me contar o que sabe sobre o Faros e a Ana.

Deu de ombros, mordendo um bolinho.

– Não muito. – Disse, ainda de boca cheia. – Faros teve umas semanas estranhas, há algum tempo atrás... Ele sorria ao falar comigo, e o peguei cantarolando pelos corredores algumas vezes. Passou menos tempo trabalhando, e esse é sempre o maior indicativo de que há algo errado com Faros. Entenda, Faros Hagias não tem vida, a vida dele é o trabalho.

– E Faros Hagias não sorri muito também. Por Deus, nem consigo imaginar ele cantarolando.

Aaron abriu um sorriso zombeteiro.

– Ele não é tão ruim quanto você pensa. – Tacou outro pedaço de bolinho em mim. – Enfim, naquela mesma semana eu vi a Ana saindo sorrateiramente da sala dele. Na época não sabia quem era ela, eu só achei estranho, uma mulher saindo da sala do Faros

– Sair sorrateiramente de lugares estranhos tem tudo a ver com a Ana.

– Mas deixar mulheres saírem sorrateiramente de sua sala não tem nada a ver com Faros. Na verdade, sinceramente, eu nunca tinha feito o link entre a mulher que saiu da sala de Faros e o humor estranho dele até que vi os dois cara a cara no dia em que você pediu autorização pra ir ao observatório. Não entrava na minha cabeça que uma mulher podia virar a vida do faros de cabeça pra baixo, por isso nunca concebi tal hipótese.

– Você não conhece a Ana. – Comentei, entre risos. – Ana vira a vida de qualquer pessoa de cabeça pra baixo.

– Se eles realmente se envolveram durante essas semanas, alguma coisa deu errado. – Bebericou seu copo de café puro sem açúcar. (Eca, quem é que toma café puro sem açúcar?) – Ele voltou ao que era na mesma velocidade com que mudou a princípio, até piorou um pouco. Do dia pra noite ele voltou a ser o cara carrancudo de sempre, e passou os dias que se seguiram tão obcecado com trabalho que mal dormia. Ele ficou pilhado por causa da cafeína e energéticos, e então resolveu conversar com o chefe e tirou alguns dias de licença.

– O que será que aconteceu? – Perguntei, apoiando meu queixo em minhas mãos. Estava interessado no que tinha a dizer. – Eles obviamente se amam. Quem você acha que fez merda?

– Aposto 10 libras que foi o Faros.

– Fechado. – Apertamo-nos as mãos.

– Hey, quase 22:00, vamos voltar? Preciso checar mais algumas coisas.

– Ok.

Levei nossas bandejas até a bancada e segui-o rumo ao observatório.

_/_/_

PDV da Stella

Me olhei no espelho uma última vez antes de fazer o caminho de volta a minha casa. Acho que tinha feito um bom trabalho, afinal. Não tinha feito nada teatral, ainda eram minhas roupas e minha maquiagem, digamos apenas que eu tive o cuidado de pegar aquelas peças que minha mãe e pessoas como ela considerariam as piores do meu guarda roupa.

Eu usava uma meia calça diferente, ela era meio cinza e seu design era feito pra parecer que algo preto escorria pelas minhas coxas. Era um dos xodós do meu guarda roupa. Por cima da meia, coloquei um blusão preto que se estendia até o meio das minhas coxas, eu adorava comprar camisetas enormes para cortá-las e transformá-las em blusões. Essa em particular era do Guns N’ Roses. Nos pés, coloquei um coturno preto desamarrado.

Deixei meus fios vermelhos mais desgrenhados que o normal e caprichei no delineador em volta dos olhos. Essa é a minha noite, merece um figurino especial.

– E aí, como estou? – Perguntei a Matt, que me analisava de sua velha poltrona. Estava me olhando sem dizer nada por pelo menos cinco minutos.

– Pronta pra arrasar, como sempre. – Sorriu, com a mesma expressão de cafajeste de sempre. – Mas dessa vez literalmente. – Piscou pra mim.

– Acho que essa suspensão pode ser divertida, no fim das contas.

– Aposto que será. – Levantou-se da cadeira e caminhou em minha direção, me comendo com os olhos. Matt me desejava, e não fazia questão de esconder. Os olhares furtivos que me lançava eram quase doentios, beiravam a obsessão, mas tudo com ele era sempre mais extremo que o normal. Não me assustava. – Já falei com meus contatos, conheço um cara que trabalha no jornal local, e algumas pessoas que trabalham na TV. Eles me devem umas coisinhas, se é que me entende. Vou gravar tudo do lado de fora da sua janela, por precaução. Qualquer coisa entrego a fita pros caras na saída.

– Ótimo. – Dei as costas pro espelho, virando-me pra encarar Matt. – Obrigada.

– Nunca consegui negar nada pra você mesmo. – Deu de ombros.

Arqueei a sobrancelha, claramente debochando de seu sentimentalismo imediato.

– Me deseje sorte. – Rumei até a entrada da velha casinha, então agachei-me e desci escada a baixo, dedicando-lhe uma última piscadela.

– Stella Windsor não precisa de sorte. – Gritou, antes de girar a manivela que trazia a escada de volta pra cima.

De repente me vi sozinha em meio aos arbustos nauseantemente bem cuidados da Sra. Harisson. Eu e meus pensamentos. Agora era a minha deixa, minha chance de fazê-los prestar atenção em mim, ao menos uma vez na vida. Servi de fantoche para as convenções deles minha vida inteira, indo pra lá e pra cá feito uma boneca de pano jogada de um lado pro outro. Isso acaba hoje.

Respirei fundo e segui meu caminho, atravessando o jardim e chegando enfim a rua.

A noite estava escura, aposto que não veria um palmo diante do nariz se não fossem as luzes vindas dos postes de iluminação. Não havia ninguém nas calçadas, as pessoas do meu bairro não tem o costume de perambular pelas ruas sem motivo durante noite. O silencio é tão grande que posso ouvir os grilos cantarem, pena que esse sossego não vai durar muito.

Caminhei os cinco quarteirões vagarosamente, saboreando o que eu sabia que viria pela frente. Eu olharia bem para as caras lavadas de meus pais, queria gravar cada linha de expressão daqueles rostos quando entendessem o que eu estou tentando fazer. Ao menos um vez na vida toda a atenção deles estará voltada pra mim, e eu vou saber aproveitar isso.

A imagem dos dois ainda estava em minha mente quando escancarei a porta de casa. Os dois casais dispostos em dois sofás cor de creme se sobressaltaram, e um garoto mais ou menos da minha idade ergueu os olhos do videogame por meio segundo, e logo voltou sua atenção para o jogo novamente.

– Ah, Olá querida. – Minha mãe ajeitou-se no sofá, visivelmente desconfortável. Eu senti uma leve náusea pela falsidade implícita em suas palavras. – Uh, o que está usando, amor?

Revirei os olhos.

– Minhas roupas. – Respondi secamente, seu olhar de reprovação não me abalava dessa vez. Toda a sua linguagem corporal não poderia ser mais clara: “Você vai se arrepender disso”. Mal sabia ela que eu estava apenas começando, e no fim, quem se arrependeria seria ela. – E agora eu fui promovida a “Querida”? Sério? De manhã eu era a filha problemática com quem você estava gritando do lado de fora da porta.

– Stella... – Meu pai resolveu intervir, e eu voltei meus olhos pra ele com a cara mais deslavada que já fiz em toda a minha vida. Minha boca se abriu em uma falsa surpresa.

– Oh papai! Você em casa? Já tinha quase me esquecido de que tinha pai, bom te ver.

– Pare com isso! – Gritou, e num passo já tinha tomado meus braços entre suas mãos. – Chega de teatro! Suba e se troque, quero você de volta nessa sala em vinte minutos.

– Ou o quê? – Gritei ainda mais alto. – Vai me trancar no escuro, sozinha como fazia quando eu era menor? Vai? Vai me mandar pra uma droga de reformatório e me largar lá mofando no meio de marginais por dois meses? Não, já sei! Vai me mandar pra um internato na suíça! Só essa que me falta, mas acho que é tarde pai, eu já sou maior de idade. – A cada palavra cuspida, eu aproximava meu rosto ao dele, mas nem por isso baixava o tom de voz. Eu gostava de brigar cara a cara, e aprendi isso com ele. – Você pode fazer o que quiser comigo, pode me botar no olho da rua se quiser, mas eu vou jogar a merda toda no ventilador.

A campainha tocou como uma confirmação de minhas palavras, e um sorriso estranho se apossou de meus lábios. Eu tinha vontade de rir descontroladamente, e chorar, e gritar todas as frustrações guardadas por tanto tempo, mas ainda não era a hora. Matt como sempre fez sua parte bem na hora, então eu tinha que fazer a minha também.

Fui até a porta sem tirar os olhos de meu pai. Os convidados fitavam a cena, boquiabertos, e minha mãe queria sumir em meio as almofadas. Quando abri a porta, o queixo dela caiu. Eram dois repórteres, sinceramente não sabia de onde eram, se tinham emissora, se era uma das grandes, ou só dois babacas atrás de uma história. Não me importava, minha história se venderia sozinha se eu conseguisse ao menos deixá-los curiosos. Não precisava provar nada, só precisava que alguém se interessasse em ouvir meu lado. Isso teria impacto suficiente naquele livro maldito que meu pai queria lançar.

– Oh, Stella! Eu nem ao menos me arrumei! – Esbravejou ela, escondendo o rosto entre as mãos.

– Não tem problema, a ideia é as máscaras caírem mesmo.

– Querida... – Meu pai se aproximou, infinitamente mais doce e cordial que o monstro de segundos atrás, mas eu não ia dar espaço para que montasse uma farsa, não dessa vez. – Eu sei que está irritada, mas somos uma família discreta, podemos resolver nossos problemas em casa.

– Como quando estapeou minha cara na frente dos meus amigos na minha festa de 16 anos? Na frente de todos eles...

– Oh meu Deus, eles vão lavar a roupa suja, você ta gravando isso? – O repórter com o microfone na mão cochichou pro outro, que acenou afirmativamente. Meu pai olhou feio pra eles.

– Ninguém vai lavar roupa suja aqui... – Começou, mas eu o interrompi.

– Por que me mandou pra aquele lugar? – Meus olhos mal piscavam, tamanha a raiva e o ressentimento que sentia. – Eu apanhei, fui cuspida, e tive meu cabelo cortado. Se Matt não tivesse me achado eu teria morrido ali...

– Filha, você não está dizendo coisa com coisa, vamos subir, é melhor você se deitar... – Estendeu a mão direita em minha direção, e eu a fitei por um instante, enojada.

– Para de me tratar feito louca! – Gritei, esmurrando sua mão. – Eu não era uma delinqüente, eu era uma criança!

– Oh, pare de se fazer de inocente! – Esbravejou, finalmente desistindo de me calar. – Você colocou fogo na roupa da sua babá.

– Porque eu queria atenção! Eu queria que olhassem pra mim. – Gritava a plenos pulmões agora. – Me arrependi no mesmo segundo em que o fiz, e eu mesma apaguei o fogo. E ao invés de cuidarem de mim como eu queria que fizessem vocês me mandaram literalmente pro inferno!

Meu pai olhava para os repórteres aterrorizado, e ria para eles de maneira descrente, como quem diz “Não liguem pra ela”.

– Minha menina, nós achávamos que era o melhor pra você...

– UMA DROGA DE REFORMATÓRIO? – Eu podia sentir as lágrimas arderem em meus olhos, e turvarem minha visão. – Aquele lugar não é o melhor pra ninguém. Eu amava vocês, idolatrava vocês tanto quanto qualquer criança idolatra os pais. Queria ser como vocês, mas depois daquilo, nunca mais foi a mesma coisa. Nada nunca mais foi a mesma coisa. Vocês não gostam de mim desse jeito, mas vocês me fizeram assim. – Limpei minhas lágrimas com as costas das mãos, mas logo meus olhos estavam cheios de novo. Dei as costas pros meus pais e voltei minha atenção para a câmera. Só então pude notar a expressão boquiaberta do repórter, que nem ousava falar nada. – E essa nem é a história toda. Eles espalham por aí que são um casal feliz e perfeito quando não dormem mais no mesmo quarto há mais de 17 anos. Eu não tenho família, isso não é uma família, é uma farsa. Eu sou uma farsa, não sou a garota das fotos tiradas pra capas de revista e entrevistas. Eu sou assim, escura, amarga, e cretina. E eles me fizeram assim. Aquele lugar me fez assim, e agora vão ter que me engolir assim.

Fiquei mirando a luzinha verde da câmera por mais algum tempo, passando e repassando em minha mente tudo o que havia dito, procurando mais alguma coisa que quisesse dizer, mais alguma coisa pra falar.

– Bom, acho que é isso. – Dei-me por satisfeita por fim. – O empresário Windsor que vocês tanto amam e respeitam engana vocês com um casamento falso e uma família perfeita há 17 anos, mandou a própria filha pra um reformatório, e a trancava no escuro como castigo quando pequena, não que a última seja relevante perto de todo o resto, não? – Eu podia vê-lo bufando de raiva pelo canto do olho, e essa imagem não tinha preço pra mim, valia qualquer penitência. – Eu só queria mostrar pra todos como é essa família de verdade, bem diferente daquilo que se passa em frente às câmeras. E bem diferente do que está escrito naquela autobiografia. Ah, e tem mais uma coisa...

Ergui a blusa e mostrei meus seios completamente descobertos diante das câmeras. Minha mãe teve uma síncope e caiu no chão.

Quando recuperei a postura e abaixei a blusa, caminhei até ela e sentei-me bem ao seu lado. Dei-lhe uma bela bofetada na cara que a fez acordar na hora.

– Wow, você gravou ISSO? – Cochichou o repórter, ignorei-o.

– Isso é por nunca ter me defendido, por ter me feito de fantoche, de bonequinha de luxo, mas principalmente: Por não ter me deixado quieta no meu quarto hoje. Era tudo o que eu queria: Ficar quieta. Mas você quis que eu viesse, então está aqui seu jantar.

Voltei minha atenção uma última vez para os repórteres, ainda boquiabertos.

– Se prezam por algum tipo de justiça nesse mundo, façam isso ir ao ar. – Mirei bem os olhos de cada um, queria que entendessem minha urgência, minha necessidade de vingança. – Mas não se preocupe, papai. – Dei as costas aos repórteres, mirando novamente meu pai. – Matt tem uma cópia dessa nossa conversa, e se não for a público pela TV, a internet pode fazer esse trabalho.

Segui meu caminho porta afora, e empurrei os repórteres e sua câmera comigo.

– Stella. – A voz de meu pai assumiu um tom imperativo que eu nunca presenciei antes. Apenas parei onde estava, sem ao menos me virar. – Não se dê ao trabalho de voltar.

– Mas, mas senhor, não pode fazer isso! – Joe interviu, a voz tremia de nervoso. – Não pode botar minha menina na rua, pra onde ela vai?

– Se minha decisão te incomoda, Joseph, fique a vontade pra ir pro olho da rua com ela.

– Ta tudo bem Joe... – Tranquilizei-o. Não queria que se metesse em confusão por minha causa. – Eu sei me virar sozinha.

Foi minha última palavra antes de sair. Caminhei cerca de meio metro pela grama bem aparada em frente a minha casa (ou ex casa), e então pude ouvir os inconfundíveis passos pesados atrás de mim. Droga cara, era pra ele ter ficado lá.

– Joe! – Virei-me de frente pra ele e o agarrei pelos ombros, sacudindo-o levemente. – Você percebeu que acabou de mandar seu emprego pelos ares? Ficou maluco?

– Não... – Sorriu de maneira acolhedora, e abriu os braços pra mim. Me esquivei de seu abraço. – Emprego eu arrumo outro, mas você é minha filha de coração, e eu não vou te deixar sozinha por aí.

– Ah, vai sim! – Gritei.– É tudo o que eu quero agora, ficar sozinha. Eu não quero sua companhia! Não agora!

Meu coração se partiu em um milhão de pedaços ao ver a forma magoada com que olhou pra mim. Ele estava ali, abrindo o coração, e eu o tratei muito mal. Mas entenda, ao menos desta vez, eu tinha razões nobres. Eu queria que ele voltasse pra dentro e recuperasse seu emprego, eu sei que precisa dele, e agora eu não tenho como ajudá-lo, e não posso deixá-lo me ajudar, se não ia acabar me levando pra casa e eu seria mais uma despesa. Ao menos dessa vez, eu não queria ter sido estúpida com ele, mas precisava, então simplesmente dei as costas e segui meu rumo, rezando pra que ele voltasse pra dentro e fizesse o que devia fazer.

Apertei os passos e atravessei a rua. Por um momento os passos pesados cessaram, e eu respirei aliviada. Imaginei que tinha voltado pra dentro.

Antes fosse.

– Stella... Filha... – Me chamou, com a voz chorosa. Pude ouvir mais alguns passos vacilantes em minha direção, e então uma buzina estridente e o barulho de algo se chocando ao carro.

Meus pelos da espinha todos se arrepiaram.

Virei-me em direção a ele assim que o barulho adentrou meus ouvidos, e me deparei com Joe caído ao chão uns metros a frente do carro, o filho da puta do motorista contornou a rua e sumiu dali.

– Joe! – Gritei, e corri até ele, as lágrimas já inundavam meu rosto como duas cachoeiras instaladas nos olhos.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo! Beeijos.



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