You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 16
Em treinamento


Notas iniciais do capítulo

Oi meus Amores! Dia de capítulo novo pra vocês.

E o meu obrigadinha de hoje vai para Leninha Benevides, nat e Trinity Writer. Bem vindas meninas, obrigada por darem uma chance pra minha fic *o*

Ah, e MUITO OBRIGADA pelas sugestões ótimas de nomes pra Banda, acho que vou ficar com Twisted Logic (Obrigada Márcio *o*) Mas tive sugestões tão boas que fiquei um bom tempo em dúvida. Obrigada a todos.

Divirtam-se!



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PDV do Ryan

Quase 2 horas da tarde. Estava na sala de instrumentos com o resto da banda desde o meio dia, sabia que Alícia ainda demoraria, mas tínhamos muitos assuntos pra resolver, então marquei um pouco mais cedo. Agora estava perto da hora da sua chegada, e não tínhamos resolvido nada ainda.

– Não podemos simplesmente escolher outra vocalista. – Nathan estava sentado em uma cadeira virada ao contrário, o queixo apoiado no encosto da cadeira e o baixo no meio das pernas. – Stella pode ter inúmeros defeitos, mas ela é insubstituível. As pessoas gostam dela, da voz dela, não é simples assim.

– Bom, nós quisemos tirar ela da banda, então temos que fazer algo! – Respondi, mau humorado. Minha paciência estava se esgotando. Temia que eles chegassem a conclusão de que a banda não poderia seguir sem ela. Eu amo essa banda, e me doeria muito, mas se resolvessem chamá-la de volta eu teria que deixá-los. Não podiam me pedir pra passar tanto tempo no mesmo ambiente que ela, seria uma situação insustentável pra mim.

– Eu sei, só estou dizendo que não podemos substituí-la. Temos que trilhar outro caminho, repaginar a banda.

Acho que ele tinha razão. Todos permaneceram quietos, pensativos, Noah batucava o chão com suas baquetas insistentemente. Hiperativo e inconveniente como sempre.

Escutamos um estrondo na direção da porta, e então cinco cabeças (incluindo a minha) se viraram na direção do som a tempo de ver Alícia alisar a testa, depois de correr esbaforida e se chocar contra a porta de vidro da entrada.

– Ai... Puxa! Os vidros daqui são quase invisíveis. Daqui a pouco vão criar portas que serão atravessáveis sem precisarmos abri-las. – Resmungava, parecendo não notar a presença de meus amigos. – Desculpa, eu derrubei refrigerante na roupa e... – Finalmente tirou a mão da testa e olhou em volta, seu queixo caiu e as bochechas avermelharam imediatamente. Eu ri, balançando a cabeça negativamente. – Oh... Que ótimo, todos vocês me viram quebrar a cara.

Todos riram, e a cumprimentaram com acenos de cabeça. Kyle ensinou a ela o “toque dos caras”.

– Alícia, esses são os caras da banda. – Apresentei.– Nathan, Luke, e Kyle. – Apontei cada um deles, enquanto faziam gracinhas que iam desde piscadelas até um beijo na mão.

– E eu sou Noah. – O palhaço levantou-se do chão num pulo e segurou-a pelos ombros carinhosamente, beijando-lhe a face. – Já que ele não se deu ao trabalho de me apresentar, podemos ir ali no banheiro resolver isso...

– Idiota! – Ela riu, empurrando-o. – Não se chama uma Lady pra o banheiro assim, tem que me pagar um jantar primeiro.

– Ah não, você já ta me saindo cara demais, vou ficar com a minha magrela mesmo. – Respondeu ele, os olhos adquiriram o brilho tradicional que só Marie conseguia causar.

– Ah, por falar nisso, quero saber o que raios você está aprontando. – Ela fitou-o curiosa.

Noah abriu um sorriso travesso. Os caras se mantinham quietos, prestando atenção em toda aquela conversa que não dizia respeito a eles. Riam hora ou outra, Alícia era engraçada sempre que abria a boca.

– Você vai saber. – Respondeu simplesmente. Ela gesticulou e resmungou indignada por ele a deixar curiosa.

– Bom, ok, vamos ao que interessa. – Interrompi, ainda entre risos. – Temos que resolver isso, e depois ajudar essa mocinha aqui. – Apertei-lhe o nariz.

– Resolver o que? – Ela perguntou, sua voz soou anasalada já que meus dedos ainda seguravam seu nariz.

– Tiramos Stella da banda. – Nathan esclareceu. – E não é fácil substituí-la.

– Vocês não precisam daquela vadia. – Alícia franziu as sobrancelhas, rindo como se fosse uma observação óbvia. – Coloquem o Ryan pra cantar.

Sobressaltei-me. Por essa eu realmente não esperava, nem considerava tal possibilidade. Não sou cantor, sou guitarrista, amante de instrumentos de corda, e compositor. Pra mim aquela ideia era totalmente absurda, mas ela tinha algo inocente e divertido no olhar que fazia as coisas parecerem simples, fáceis, como tirar doce de criança.

– Não... – Respondi na hora, e olhei para os outros caras, buscando apoio. Mas ao invés disso o que encontrei foram 4 rostos fitando-me, intrigados, aparentemente considerando a hipótese. – Ah qual é! Eu cantei uma vez, UMA VEZ, foi um quebra galho, eu não sou cantor.

– E as pessoas gostaram. – Kyle lembrou.

– Eu adorei! – Alícia se aproximou de mim, chacoalhou meus ombros levemente, fitando-me enquanto sorria tentando me encorajar. – Eu não sei como era com Stella, mas você foi incrível. Sua música falou comigo, não sei explicar como, mas era o que eu sentia. E tenho certeza que muitas outras pessoas também.

Aquelas palavras eram como música pros meus ouvidos. Olhei pra ela, sorrindo meio de lado, e ela me olhou de volta com aqueles olhões castanhos enormes e expressivos.

– Eu acho que isso é tudo que um músico busca. – Eu disse, sem tirar os olhos dela. De repente me dei conta do quanto estaria fodido se ela não estivesse aqui. Tudo seria 100 vezes mais difícil.

– E você tem isso. – Ela cutucou meu peito pra reforçar seu argumento.

– Ryan, são suas músicas. – Nate observou. – Ninguém pode interpretá-las melhor que você.

Suspirei. Olhei para os caras, todos pareciam esperar pela minha resposta positiva, e eu estava disposto a negar isso a eles... Mas quando meus olhos encontraram novamente as suplicantes orbes castanhas de Alícia, eu soube que não conseguiria dizer não a ela. Não enquanto ela me olhasse daquele jeito, tomara que ela nunca descubra que tem esse trunfo.

– Tudo bem. – Concordei por fim, esperando não me arrepender disso. – Mas amanhã continuamos essa discussão, ok? Agora nós vamos falar de você. – Apontei pra Alícia. – E eles tem parte nisso também.

Ela olhou cada um de meus amigos, com uma expressão confusa e curiosa.

– Eles, porque?

Peguei uma das cadeiras e estendi a ela, sinalizando para que sentasse. Nathan voltou pra sua cadeira virada ao contrário e o restante se acomodou no pequeno palco onde ficavam os instrumentos. Noah voltou pro seu chão.

– Fica tranqüila, eles não vão nos ver treinar se você não quiser. – Confortei-a. – Eles estão aqui porque dependendo do tipo de apresentação que quiser fazer, e isso é você quem vai definir, e não eu, você vai precisar de uma banda de apoio. – Ela não manifestou nenhuma reação quanto a isso, revirei os olhos, percebendo que teria que ser mais claro. – Vamos tocar pra você, se precisar.

– Ah... Ah ta! – Ela sorriu, fazendo gestos exagerados com as mãos indicando que tinha entendido o recado. – Obrigada, mas nós só estamos começando, não é cedo pra falar disso?

– Talvez. –Respondi, entre risos. – Mas já que estamos todos aqui, já aproveitei pra apresentá-los.

– Ryan falou de você. – Kyle piscou pra ela de maneira atrevida. Ela arregalou os olhos, mas logo lhe dirigiu um sorriso meio amarelo em resposta. – Queremos ver o que sabe fazer. – Arqueou as sobrancelhas, mordendo o lábio inferior em seguida.

Ela ficou roxa de vergonha, não o conhecia o suficiente pra saber que estava brincando, e deveria estar insegura quanto a cantar na frente de todos. Eu mesmo só a escutei cantar por acaso, encontrei-a escondida no meio da noite dedilhando seu violão. Ela teria que perder essa insegurança mais cedo ou mais tarde, era esse meu objetivo principal, mas não a exporia a uma terapia assim tão radical.

– Aposto que querem. – Comecei, caminhando lentamente em direção a porta e sinalizando para que se retirassem. A garota precisava de privacidade, e eu daria isso a ela. – Mas não vai acontecer. Vamos, requebrem essas bundas gordas pra fora daqui.

Eles resmungaram, descontentes, mas não discutiram. Nathan pegou seu baixo e Noah suas baquetas e rumaram pra fora, seguidos de perto por Luke e Kyle. Dei um cascudo no último assim que passou por mim.

– Babaca! Ela é uma dama. – Ralhei com ele, que apenas se dignou a mostrar o dedo do meio pra mim.

Fechei a porta assim que saíram e voltei a minha velha posição em frente ao palco dos instrumentos. Alícia observava minha aproximação com um sorriso travesso nos lábios, e antes que a alcançasse, ela se dirigiu a mim e se jogou em meus braços. Apertei-a contra mim, cheirando seus cabelos escuros. Não entendia muito bem do que se tratava o abraço, mas era bom.

– Parabéns, vocalista! – Ah, isso. Droga, ela parecia mais animada com essa perspectiva do que eu. Não é que não goste de cantar, eu adoro cantar, só me sinto mais confortável na minha boa e velha guitarra. Agora vou ter que fazer ambas as coisas e ainda ter que viver à sombra de Stella.

– Obrigado. – Nos afastamos, ela sorria abertamente, e eu retribuí o sorriso, tentando esconder até mesmo de mim toda a insegurança que sentia. – Mas estamos aqui pra falar de você.

– Estou às ordens! – Ela bateu continência como um soldado do exército, um soldado baixinho e desastrado. Tive que rir da imagem que se formou em minha mente. – Que é? – Perguntou, indignada.

– Nada. – Sentei-me na cadeira antes usada por Nathan, observando-a cuidadosamente. - Me mostra o que sabe fazer.

Ela respirou fundo e sentou-se na cadeira em frente a mim , de olhos fechados. Eu precisava descobrir a origem de tanta vergonha, Alícia não era uma pessoa inibida, alguma coisa a bloqueava. Ela abriu a boca algumas vezes, ensaiando um começo. Nada saiu.

– Relaxa, sou só eu. – Encorajei-a. Estendi minha mão em direção a dela e a apertei. Ela abriu os olhos e sorriu, retribuí o sorriso piscando pra ela. – Você tocava num bar, garota. Não pode ter vergonha de cantar pra mim.

Alícia acenou afirmativamente, fechando novamente os olhos enquanto apertava mais firmemente minhas mãos.

Ela começou a cantarolar baixinho, com a voz trêmula e insegura. Era uma canção em espanhol, pela melodia suave e calma eu arriscaria dizer que era uma cantiga de ninar. A voz dela é delicada, calma, mais aguda do que grave. Era afinada.

– Mais alto. – Pedi, fazendo uma leve pressão em seus dedos, ainda enroscados nos meus. Ela suspirou, e enrubesceu, mas acabou fazendo o que pedi. Deus, ela tinha tanto potencial! E o escondia, trancafiava seu dom num quartinho e o mascarava. Sua performance não tinha nada de inédito ou especial, mas agora eu sabia o motivo. Ela tinha medo. Cantava sim, e cantava bem, mas eu sabia que tinha muito mais lá dentro, e por algum motivo ela não conseguia soltar. – Ok, é o suficiente. Olha pra mim.

Assim ela fez, abriu os olhos castanhos e fitou-me, suas orbes brilhavam de expectativa e curiosidade.

– Você vai ter que me contar umas coisinhas. – Apertei-lhe o nariz como fizera outras vezes antes, esse gesto estava se tornando um hábito, eu gostava da cara engraçada que ela fazia. – Ana sempre diz que você canta com paixão, mas eu ainda não vi essa paixão. O que acontece? Porque você está bloqueando isso?

– Não sei, não estou bloqueando nada. É assim que eu sempre cantei, é o que eu sei fazer. – Ela deu de ombros.

– Você pode fazer mais. – Sussurrei. Podia sentir sua mão gelada ainda presa a minha, passei a brincar com seus dedos, sem tirar os olhos dela. –Você opta por notas e escalas mais fáceis, precisa arriscar mais. Sua voz tem potência pra isso.

– Sempre cantei desse jeito, inclusive no bar. Nunca ninguém reclamou.

– Eu sei. Você confia em mim?

Ela balançou a cabeça afirmativamente.– De olhos fechados.

– Eu prometo a você que vou te ensinar a se soltar mais, a buscar notas mais altas, mais extensas, mais difíceis, sem mudar seu estilo. E você não é obrigada a usar nenhuma das minhas dicas se não quiser. – Ela parecia apreensiva, receosa. – Dou minha palavra.

– Ok. – Concordou, por fim.

Comecei meu trabalho brincando com ela. Cantamos juntos, sem compromisso com acertar ou errar. Tentei fazê-la se divertir, se soltar e aí sim tentar trazer a tona a paixão que ela tem pela música, e que precisa expressar. Logo, estávamos gritando que nem dois retardados, ela ria em meio à letra da música e dançava de um jeito estranho, mexendo o corpo como aqueles bonecos de posto de gasolina. Eu queria filmar aquela cena pra rever sempre que quisesse, era uma coisa bonita de se ver. Ela ria e dançava como uma criança, como se não tivesse problema nenhum no mundo, e eu tinha vontade de rir também.

Acabei esquecendo que tinha que prestar atenção em sua voz, nem lembrava mais que deveria avaliá-la. Só acompanhei seus movimentos, rindo de suas palhaçadas.

Ela é uma artista em todos os sentidos, carismática, atenciosa, desinibida. Tem um pequeno bloqueio, mas quando for resolvido, o céu não vai mais ser o limite pra ela. Mais do que talento, ela tem uma mensagem pra passar.

Ela parou de cantar de repente, veio em minha direção com uma expressão estranha.

– Você não está mais cantando. – Observou. Balancei minha cabeça, tentando trazer meu foco de volta. Ela tinha razão, eu tinha parado de cantar e nem ao menos me dei conta disso.

– Ah, isso. Eu precisava prestar mais atenção em você, só isso. – Limpei a garganta.

– Ahh... Ryan, isso é muito divertido, mas me ajuda em quê?

Sorri, e me aproximei dela, fitando seu rosto ainda sorridente devido à brincadeira.

– Você tem que se divertir enquanto canta. Como fez aqui. – Ela pareceu não entender muito bem a mensagem, seu rosto se contorceu em uma careta engraçada e confusa. Eu ri, colando meus lábios em sua testa. – Pare de se preocupar, faça o que tem vontade. O seu problema é sempre seguir a técnica.

Ela ponderou o que eu disse, a cabeça inclinou levemente pra direita, como uma criança quando tenta entender algo.

– Será?

– Tenho certeza. Amanhã nós vamos pegar algumas músicas que você gosta de cantar, talvez suas próprias músicas, se você tiver. Vamos mudar um pouco o arranjo delas ok? Colocar algumas notas altas aqui e ali, tem alguns artifícios que você pode usar também. Temos que tirar de você esse jeito de Backing vocal!

– Mi... Minhas músicas? –Gaguejou.

– É...Você tem alguma?

– Eu até tenho... – Ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha, fitando o chão. – Mas... Não posso, sei lá, cantar Shakira?

– Pode, se quiser. Mas se você pode ser original, Alícia, pra quê se limitar a covers?

Ela suspirou longamente.

– Ok, amanhã eu trago minha pasta.

Acenei em concordância, bagunçando os cabelos dela com uma das mãos.

– Ok, aqui, mesmo horário amanhã, então.

Ela confirmou com a cabeça.

Pisquei pra ela, e fui de encontro a minha guitarra. Eu a tinha trazido pra reunião da banda, na esperança de que ensaiássemos alguma coisa ainda hoje, mas não aconteceu. Ela estava bonitinha na sua capa exatamente como tinha deixado, então simplesmente peguei a capa e passei-a pelos ombros. Deixaria ela no meu quarto antes de ir pra aula.

– Vamos? – Acenei pra Alícia indicando a porta e me movi em direção a mesma, mas ela não me acompanhou.

– É... Ryan. – Me chamou, receosa. Ela torcia a barra da camiseta com as mãos e mordia o lábio inferior num sinal de nervosismo. – Eu acho que fiz uma burrada, e preciso te contar.

Parei exatamente onde estava, me virando em direção a ela. Ah Deus, em que espécie de confusão essa maluca se meteu agora?

– Fala. – Incentivei.

– Ok... é... – Ensaiou um começo umas 10 vezes, cruzei meus braços e arqueei a sobrancelha, o que pareceu deixá-la ainda mais nervosa. – EuvouacidadecomJoshuanosábado.

Não entendi absolutamente nada.

– Tudo bem... Repete, devagar. – Pedi.

– Eu marquei de ir a cidade com Joshua no fim de semana.

Demorei para assimilar a informação. Fiquei ali, parado, olhando pra ela levemente boquiaberto. Que beleza, ou ela não aprendeu absolutamente nada com o que viveu nos últimos dias, ou estava tentando suicídio. Senti minhas bochechas ferverem, estava nervoso.

– Ah, que ótimo! – Respondi, completamente possesso. Levei minha mão direita aos meus cabelos, puxando-os pra trás. Bufei uma, duas, três vezes, não podia acreditar que depois de tudo o que eu disse, e depois de ver o que viu, ela ainda tinha o disparate de aceitar uma proposta dessas. – Já posso ir ali na funerária da esquina encomendar seu caixão. Porra Alícia, eu já não falei pra você ficar longe dele?

– Para, não fala assim! – Me pediu, com os olhos suplicantes e a voz meio chorosa. – Eu tinha que fazer alguma coisa, eu preciso saber o que está acontecendo.

– E eu falei que vou te ajudar, mas não assim, não dando você como isca! – Gritei. Ela se encolheu, arregalou os olhos, e recuou alguns passos, e então eu percebi que estava sendo bruto demais com ela. Estava tão acostumado a gritar com Stella, e tudo o que ela fazia era gritar ainda mais alto. Acho que desaprendi a conversar civilizadamente. Droga, não devia ter gritado com ela, muito menos ter dito que ia encomendar seu caixão.

– Eu vou com você. – Diminuí o tom de voz. – Vou até a cidade, fico num café ou alguma coisa do tipo. Assim que vocês chegarem onde quer que ele te leve você vai ao banheiro e vai me ligar, ou mandar mensagem, que seja, com o endereço. – Ela acenou afirmativamente, sem discutir. – E por favor, se alguma coisa estranha acontecer, QUALQUER coisa, você vai me avisar.

Ela apenas sorriu em resposta, e se aproximou de mim. Ajeitou parte do meu cabelo pra trás, depois segurou meu rosto entre suas duas mãos, como mães fazem com seus filhos de 5 anos.

– Você é raro, Ryan Dawson. – Beijou minha bochecha demoradamente, e mesmo depois que parou, eu ainda sentia minha pele formigar. – É uma pena que desperdice isso com quem não merece.

E então simplesmente me dedicou um último sorriso discreto e me deu as costas, sumindo porta afora.

Fiquei ali mais um tempo, olhando pro ponto exato aonde sumira. Eu queria tê-la conhecido antes, antes de toda essa confusão. Antes da Stella entrar feito um furação no meu peito e tomado conta de tudo. Talvez as coisas pudessem ser diferentes.

Ela tem razão sabe... Eu sou um trouxa!

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PDV do Adam

Quando encontrei Aaron no escritório de Faros, exatamente às 21:35, o garoto estava absolutamente puto com alguma coisa, como de costume. A diferença é que hoje provavelmente era devido ao estresse pela chegada do tão falado cometa. O próprio Faros parecia mais tenso do que de costume, e isso me dava medo.

O escritório de Faros era bem diferente daquela salinha clássica onde ele atendia os alunos em seu cargo como coordenador, e bem diferente da visão que eu tinha do ambiente de trabalho de um astrônomo. Tinha um computador num canto, daqueles clássicos de antes da existência do notebook, mas parecia bem moderno e contava com uns equipamentos que deviam ser próprios para astronomia já que eu nunca vi nada parecido na vida.

– Por que não posso usar toda essa tecnologia? É totalmente injusto! É como pedir pra um matemático não usar calculadora! – Esbravejou Aaron. O professor continuou seu trajeto para a outra extremidade do aposento sem tirar os olhos dos papeis que analisava de maneira tão compenetrada enquanto o garoto o seguia, pisando duro como uma criança birrenta.

– Cale a boca, Harisson, a resposta que quer está na própria pergunta que me fez. – Respondeu Faros, e apesar das palavras rudes seu tom de voz era calmo e sereno, contradizendo o movimento frenético que as pontas de seus pés faziam contra o assoalho. – Matemáticos sabem fazer operações matemáticas sem a calculadora. Você vai registrar a passagem desse cometa da melhor maneira que puder, usando o telescópio e o cérebro.

Pigarreei, e os dois viraram suas cabeças pra mim. O mais velho me olhou por meio segundo antes de voltar sua atenção pros papéis.

– Ah, bem na hora garoto. Siga-me. – Faros seguiu com seus passos discretos como plumas em direção ao fim do corredor, enquanto eu o seguia, junto com Aaron e seus passos de elefante bastante contrastantes com o comportamento do professor.

– Por que você ta tão irritado? – Sussurrei pra ele enquanto seguíamos o outro de perto.

– Ele quer que eu use somente um telescópio! – Sussurrou de volta, entre dentes.

– Mas não é isso o que os astrônomos usam? – Tive certeza de que era uma pergunta idiota assim que os olhos de Aaron cruzaram com os meus. Ele me olhava de um jeito tão incrédulo, como se nunca tivesse escutado nada pior em toda a sua vida.

– Argh, isso é quase tão ruim quanto confundir astronomia com astrologia.

Me perguntei qual seria a diferença entre os dois nomes, mas achei melhor não perguntar a ele, e agradecer por nunca ter trocado os nomes antes.

Chegamos ao observatório mais rápido do que o usual, Faros, apesar de mais discreto, era mais rápido e objetivo que Aaron. Ao contrário das outras vezes em que estive ali, desta vez o lugar estava apinhado de gente. Estudantes de todas as idades e tamanhos com seus telescópios de mais diversos tipos desfilavam de um lado pro outro feito baratas tontas. Alguns eram orientados por figuras visivelmente mais experientes, provavelmente outros professores, mas a maioria parecia se virar sozinha.

Seguimos Faros, que parou diante de uma engenhoca que eu nem sabia identificar o que era. Arregalei os olhos, mirando o objeto curiosamente.

– O que é isso? – Perguntei, estendendo o dedo para tocá-lo. Faros grunhiu e afastou minhas mãos.

– Não encosta nisso! Eu passei dias ajeitando pra ficar no ângulo perfeito!

Me encolhi. – Ok, desculpa.

– Tudo bem garoto. – Suspirou, alisando as têmporas. Percebi que era uma mania, Faros parecia cheio delas. – Isso é uma câmera... Meio diferente das câmeras comuns, mas é uma câmera. Ela tem um dispositivo de carga acoplada que torna a imagem melhor e mais nítida de acordo com a regulação da luz, que eu faço por aqui. – Apontou pra um pequeno botão que gira, parecia muito com aqueles que regulam luz em microscópios por exemplo.

Fingi entender o que raios era um dispositivo de carga acoplada e acenei afirmativamente.

– Eu meio que esperava te encontrar atrás de um telescópio gigante... – Confessei, envergonhado.

Esperei que fosse gritar comigo e me tratar como imbecil como Aaron fizera, mas ao invés disso sorriu meio de canto.

– Você provavelmente deve ter ouvido falar de escritores de hoje em dia que ainda escrevem em máquinas de escrever, não? – Balancei a cabeça afirmativamente. – É a mesma coisa pra nós. A tecnologia chega, mas nem todos a utilizam. A maior parte dos astrônomos de hoje passa pouquíssimo tempo com telescópios, e a maior parte dele fuçando em dados de pesquisas. Muitos de nós trabalham exclusivamente com pesquisa ou observatórios espaciais. E ainda tem os que trabalham com Radiotelescópios que são totalmente automáticos. – Ele fez uma careta estranha de desgosto. – Não gosto dessas máquinas, gosto de tecnologia que me auxilie, não que roube meu emprego.

– E claro, com toda essa tecnologia eu tenho que me virar com um telescópio que nem é dos melhores. – Bufou Aaron.

– Não vamos discutir essa questão de novo. – Repreendeu o professor, que apenas suspirou sem se deixar exaltar. – Eu vou formar profissionais que saibam trabalhar com tecnologia de ponta quando disponível, mas acima de tudo, que saibam trabalhar usando apenas o olho e um caderno de anotações se precisar. Como os antigos.

Aaron bufou.

– Eu apostei todas as minhas fichas em você, garoto. E você tem um bom projeto, tem tudo pra recolher ótimos dados essa noite. – Tirou os olhos de sua máquina pra fitar Aaron seriamente. – Não me decepcione.


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Notas finais do capítulo

O que os meus Alianáticos de plantão (ou como quiserem chamar haushaus eu sou ruim com nomes) acharam desse capítulo? Ryan é um trouxa ou não é?

Beijos, até o próximo.



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