You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 11
Ressaca Moral


Notas iniciais do capítulo

Heey! Olha quem voltou?
As coisas tão começando a esquentar... Que será que vai acontecer?

Queria agradecer à Be9 pela recomendação diva, amei, de verdade



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PDV da Alícia

Minha manhã de terça já começava incrivelmente preguiçosa. Graças àquele infeliz desgraçado do Noah fiquei até sei lá que horas da manhã com os cachos loiros de Marie no meu colo enquanto tentava desesperadamente fazê-la parar de chorar. Eu lhe acariciava o rosto e o cabelo enquanto ela me dizia repetidas vezes que era uma idiota e que ele a tinha usado.

Eu sabia que não era bem verdade. Sinceramente esses dois já tinham abusado e gastado até o último fio da minha paciência, como podiam não enxergar? Como? Por que ela saiu correndo quando ele a beijou? Por que ele agiu que nem um imbecil e beijou uma garota qualquer que eu tenho certeza que não significa nada pra ele? Puta merda, como duas pessoas que se gostam se enrolam TANTO a esse ponto?

Eu queria ajudá-los. Se resolvesse isso acabaria com o tormento deles, e o meu, mas como eu poderia defendê-lo depois dessa? Ele agiu como um pilantra cafajeste, e machucou ela! Nada que eu diga vai convencê-la de que ele se importa com ela.

Bom, levantei-me da cama e parecia que eu tinha acabado de me deitar. Marie ainda dormia, aparentemente tranqüila, então peguei uma muda de roupa e me apressei a tomar um banho, quando a Barbie acordasse o banheiro seria todo dela por duas horas.

Me tranquei no banheiro, depositei minhas roupas em cima da tampa do vaso sanitário e fui até a pia escovar os dentes e lavar o rosto, então despi-me e entrei no banho.

Pensei que as coisas estariam mais tranqüilas sem Stella por perto, no entanto, eu tinha outros vários problemas martelando em minha cabeça. As flores, a correspondência, Joshua, Marie... E no meio disso, Landon, o bonito do sorrisão... Queria conhecê-lo melhor.

Decidi que passaria no restaurante hoje depois da aula e pegaria comida pra viagem.

– Alícia, são 6:30! Eu preciso do banheiro! – Marie gritou, obviamente já acordada.

– Já estou saindo. – Gritei de volta. Desliguei o chuveiro meio a contragosto, tentando aquietar meus pensamentos. Peguei minha toalha no cabide e me sequei, demorando-me um pouco mais do que de costume apenas para provocá-la, e então vesti minha calça jeans rasgada nas duas coxas (uma delas rasgou sem querer, e eu amava a calça então simplesmente rasguei a outra de propósito, e acabou dando um efeito legal) e uma regata vermelha meio cavada com um top branco por baixo. Prendi os cabelos com uma fita vermelha.

Saí do banheiro e dei de cara com a carranca matinal típica de Marie, agravada pelo acontecimento da noite anterior, e minha demora no banheiro. Não entendo como as pessoas conseguem já acordar de mau humor.

–Bom dia! – Cantarolei. Ela apenas sorriu de maneira nada convincente e entrou no banheiro, batendo a porta. Dei de ombros e rumei até a cozinha, meu estômago roncava de fome.

A casa estava silenciosa, morávamos perto do mato então eu podia ouvir o canto dos pássaros, era encantador. Cheguei à cozinha bem a tempo de ver Ana sair do quarto parecendo um zumbi: Descabelada, cheia de olheiras, e pra completar uma camisa larga preta do Metallica rasgada propositalmente ao longo da gola para fazê-la cair pelos ombros.

– Pássaros INFERNAIS! – Gritou, levando uma das mãos a cabeça, alisando a testa.

Arqueei a sobrancelha, rindo da cena. Ana costuma amar animais, ela é a durona mais mole que eu já vi. Acontece que seu mau humor matinal é maior que qualquer amor que ela possa ter na vida. E quando a Ana está de mau humor, é diversão na certa (A menos que o alvo dela seja você).

– Você os alimenta todas as tardes. – Eu disse, pegando uns ovos na geladeira pra fazer um omelete. – Quer ovos?

– Mas de manhã eles são detestáveis. – Choramingou. – Eu quero dormiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiir. Mas já que eu não posso, comer é uma boa, faz aí vai.

Ri, me dirigindo ao fogão. Peguei uma frigideira no armário de panelas e acendi o fogo, despejando os ovos na mesma. Levei alguns minutos para fazer os ovos, nesse meio tempo Ana se manteve quieta apoiada na parede da cozinha, praticamente dormindo em pé.

Depois de pronto, cortei o omelete ao meio e o coloquei em dois pratos, incrementando-os com pedaços que queijo branco e rodelas de tomate e orégano. Peguei os talheres no armário e entreguei um prato à Ana.

– Vou comer na sala, quero ver as notícias da manhã. – Disse a ela, que apenas se dignou a balançar a cabeça afirmativamente e se jogar ali na cadeira da cozinha mesmo.

–Obrigada pelos ovos. – Piscou pra mim meio sonolenta enquanto eu me dirigia à sala pelo corredor.

O cômodo era iluminado apenas pelos pequenos feixes de luz solar que atravessavam as frestas das janelas fechadas. Peguei o controle remoto e liguei a televisão, então acomodei meus ovos no braço do sofá e fui até a janela, abrindo-a em seguida.

Escutei um estrondo, e então um gemido. Coloquei minha cabeça pra fora e me deparei com Noah caído ao chão, alisando a parte detrás da cabeça.

– Ai... – Gemeu novamente, erguendo os olhos em minha direção. Acho que acabei acertando a cabeça dele com a Janela e assustando-o, caíra com cadeira e tudo. – Bom dia pra você também.

– Bom dia! – Respondi entre risos. – Eu pediria desculpas, mas levando em consideração que eu quase não dormi por sua culpa, bem feito.

Resolvi desligar a TV e comer lá fora, assim poderia ter uma conversa séria com ele. Se não podia limpar a barra dele com Marie, ia fazê-lo tomar alguma providência quanto a isso, ah com certeza ia.

– Noah, você é um imbecil. – Eu disse, sentando-me em uma das grandes e confortáveis cadeiras da varanda. – Mas você ainda não a perdeu. Pelo amor de DEUS, toma vergonha na sua cara e faça alguma coisa direito.

– Ela fugiu de mim... Eu me senti horrível. – Respondeu. Apenas arqueei minha sobrancelha, zombando dele. – Não justifica, eu sei, mas eu não faria isso se soubesse que ela ia me procurar pra esclarecer as coisas. Eu não entendo, é tudo tão confuso... Eu a beijo, e ela foge, e então no momento seguinte está puta comigo porque eu beijei outra.

Era compreensível. Ela o feriu de certa forma quando fugiu, eu lembro a maneira transtornada como chegou em casa depois disso... Provavelmente estava se sentindo um trapo e uma vaca ofereceu consolo a ele. Acho que ninguém podia realmente julgá-lo por ceder, ou por não entender todas as reações confusas e controversas de Marie.

– Noah, ela gostou do beijo. – Disparei, rapidamente, sem me dar tempo pra pensar e me arrepender. Uma amiga não devia revelar esse tipo de coisa, devia? Mas eu sentia que ele devia saber. – Ela fugiu porque pensou que você não sabia o que estava fazendo, e quando você beijou aquela garota horas depois, acabou provando a ela justamente isso. Eu entendo como você se sentiu, mas não muda o fato de que você agiu como um cafajeste. E além de tudo é MUITO BURRO.

Seus olhos tristes fitavam meus lábios atentos. Um brilho de incredulidade passou por eles quando disse que ela gostou do beijo, isso me fez revirar os olhos.

– Por quê está me contando isso? Ela é sua amiga.

– Porque vocês dois estão me irritando com esse vai ou não vai. – Respondi, de pronto. – Concerte isso, e chame-a pra sair PELO AMOR DE DEUS.

Ele pareceu ponderar por um momento, e isso me deu uma faísca de esperança. Acho que finalmente enfiei na cabeça dele que alguém precisa se mexer.

– Você acha que ela aceitaria? – Perguntou, cheio de insegurança.

– Olha, você dificultou um pouco as coisas cara, acho que agora vai ser mais complicado de derretê-la. – Ele me olhava apreensivo, pisquei pra ele. – Mas se você fizer direito, eu tenho certeza que sim.

– Ta aí. – Levantou-se da cadeira num pulo. – Acho que tenho uma ideia.

_/_/_

PDV da Ana

Ah, se eu soubesse que essa menina era eficiente desse jeito, tinha dado um jeito de descobri-la antes. Pelos Deuses, esses ovos estão divinos.

Sabe, as pessoas que educaram Alícia merecem um prêmio, de verdade. Ela tem se virado muito bem nos dias tumultuados que vem vivendo por aqui, sem quebrar a cara de ninguém e se mantendo gentil e prestativa. Se fosse eu, Stella ia precisar de 500 plásticas pra voltar a ser uma pessoa minimamente apresentável. Bom, se bem que eu quebraria a cara da Stella só por quebrar se pudesse, ô cobrinha venenosa aquela lá! Eu podia imaginá-la tomando chá com Faros e planejando como dominar o mundo.

Ok, não preciso lembrar daquele branquelo azedo a essa hora da manhã, já me basta ter que trabalhar.

Ah, eu tinha dores de cabeça só de pensar que ainda teria um longo dia de aulas pela frente. Não me entenda mal, eu adoro dançar, e adoro ensinar, só não sinto ânimo pra nada disso e nem pra porra nenhuma às 7 horas da manhã. Suspirei, dando mais uma garfada generosa em meus ovos.

– Hey Ana, bom dia! – Noah entrou na cozinha e sorriu pra mim, simpático. Simpático até demais, mas resolvi não fazer nenhum comentário a respeito. Acenei com a cabeça já que a boca estava cheia, e o observei ir até a geladeira e encher um copo de suco, estendendo-o em minha direção em seguida. – Vai um suquinho pra acompanhar?

– Ok, desembucha. – Soltei os talheres, pegando um guardanapo e limpando meus lábios. Nenhum deles se preocupa em me agradar simplesmente porque eu movo mar e terra por eles (e sim, eu faço bastante coisa por esses ingratos), se tem agrados, tem uma intenção por trás.

– Não posso ser simpático com a melhor coordenadora desse mundo?

– Pode e deve, mas não faria isso se não tivesse um motivo, fala.

– Ok, você gosta das coisas diretas, então vamos lá. – Sentou-se na cadeira em frente a mim, do outro lado da mesa. – Por favor, me deixa xeretar o que vocês guardam lá no depósito do teatro.

– Não. – Respondi, sem maiores rodeios. Ele jogou a cabeça pra trás, resmungando – O que raios você quer com isso?

– Por favor! – Insistiu, revirei os olhos sem o mínimo de paciência. – Eu preciso concertar uma burrada que eu fiz. Eu sei que no fundo desse seu peito duro feito pedra bate um coração romântico... Vai, me ajuda. Quebra essa.

Pensei por um segundo, os olhos do garoto mal piscavam, fixos em meus lábios esperando uma resposta. Percebi que qualquer que seja a intenção dele, se tratava de algo importante. E infelizmente, eu pareço uma mãe babona quando se trata desses infelizes.

– Ok. – Suspirei. Ele abriu um sorriso de orelha a orelha. – Mas é só uma olhada. Se quiser usar qualquer uma das peças dali, vai ter que me contar direitinho essa história.

– Prometo. – Respondeu, erguendo a mão teatralmente. – Posso ir agora?

– Não, eu tenho aula, não tenho como ir lá com você. Aparece na hora do almoço. – Ele acenou afirmativamente, ainda sorrindo. De repente algo totalmente random me veio à cabeça, senti meu rosto esquentar de indignação. – Noah, você acha Nirvana ¨Deplorável¨?

Perguntei, me lembrando daquele corno filho da puta insultando uma das minhas bandas favoritas.

– Deplorável? Nem minha avó usa essa palavra mais! – Noah respondeu de pronto, rindo. – E Nirvana é demais. De onde você tirou isso?

– Nada importante. Certas bocas parecem mais latas de lixo, não dizem nada que presta.

Ele riu, dando de ombros.

Ouvi Marie vindo pelo corredor, ela cantarolava baixinho e seus passos eram tão suaves que mal eram audíveis. Não demorou nem meio minuto para que aparecesse na cozinha com uma de suas saias rendadas, essa na cor azul claro, e uma blusa branca. A mochila já estava nas costas. Noah, que não pôde ouvi-la se aproximar, sobressaltou-se.

– Bom dia... – Ele disse, ainda se recuperando do susto.

Ela olhou duramente pra ele, pegou uma maçã na fruteira e já se dirigia para a porta de entrada sem ao menos respondê-lo. Seus olhos tinham olheiras profundas e então eu liguei as peças. A burrada que esse energúmeno quer concertar tem a ver com ela, eu tenho certeza.

– Bom dia, Ana! – Ela gritou pra mim, já da porta. E então a porta bateu em um estrondo.

– Bom dia... – Respondi, inutilmente.

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PDV da Stella

– Hey preguiçosa, eu fiz Panquecas! – Charles gritava na porta do quarto de hóspedes, esmurrando-a simultaneamente. – Vamos, levante-se! Marion virá apenas pra jantar hoje, temos o dia só pra nós.

Argh. Tão cedo? Não podíamos começar essa porcaria desse dia depois do meio dia? Tentei ficar imóvel, em silêncio, assim talvez pensasse que eu ainda dormia e me deixasse em paz.

– Vamos, garota. Não me obrigue a jogar um copo de água em você. – Insistiu. Bufei embaixo das cobertas. Se tivesse ido pra casa, pelo menos ninguém ia se meter no meu sono.

Levantei-me preguiçosamente, espreguiçando. Coloquei meus pés descalços sobre o piso gelado, me arrepiei pela diferença de temperatura. Caminhei bem lentamente até minha mochila pendurada em uma cadeira próxima a penteadeira e tirei de lá uma meia calça rasgada e uma camiseta enorme também preta com uma caveira branca no meio. Ficava tão comprida em mim que eu customizei a gola e passei a usá-la como vestido. Peguei a escova de dentes e a escova de cabelos e rumei para o banheiro.

Fiz minha higiene matinal e me vesti. Parecia uma tartaruga, cada movimento era extremamente preguiçoso e lento. Depois de pentear os cabelos e prender os fios vermelhos num rabo de cavalo frouxo, olhei meu reflexo no espelho do banheiro. Era estranho me ver sem maquiagem, os olhos sem toda aquela maquiagem preta delineando-os não pareciam meus. Apenas dei de ombros, estava com preguiça demais pra perder tempo me maquiando.

Deixei o quarto ainda em extremo estado de lentidão. Atravessei as paredes brancas do corredor e desci as escadas, me apoiando no corrimão para não cair. Me sentia como um zumbi sonolento.

O cheiro das panquecas invadiu minhas narinas assim que pisei na sala, e isso me animou um pouco. Meus pais nunca, e quando digo nunca, é nunca mesmo, prepararam um café da manhã pra mim. Quem se ocupava disso eram os cozinheiros, raramente comíamos juntos, e ainda assim o assunto à mesa era sempre dinheiro ou negócios. Era estranho ter alguém cozinhando especialmente pra mim, parte de mim se sentia acolhida, a outra parte achava estranho de mais, de repente me vi meio arredia sem nenhum motivo pra isso.

Quando cheguei à cozinha, Charles falava ao telefone. Sentei-me à mesa silenciosamente e coloquei-me a admirar aquela maravilhosa cauda de chocolate que estava em uma jarra bem na minha frente. Rezei pra que essa ligação terminasse logo e pudéssemos comer.

– Não... Sim, sim já acordou. O que? Não, não foi preciso torturá-la nem arrastá-la. – Ele murmurava ao telefone. Arqueei a sobrancelha, suspirando. Estava falando de mim, e eu fazia uma boa ideia de quem estava do outro lado da linha. Eu não acredito que aquele imbecil ainda não entendeu o recado. Puta que pariu, logo cedo já querem me estressar. – Eu vou cuidar bem dela, gosto dessa garota. Relaxa garoto, não vou deixá-la botar fogo em nada, mas que coisa!

Levantei-me da cadeira num pulo, correndo até ele e arrancando o telefone das mãos dele de maneira brusca.

– Ryan, VÁ SE FODER! – Gritei ao telefone, desligando logo em seguida. Puta merda que cara chato! Me larga!

Charles me olhou, aparentemente surpreso, mas tinha um riso divertido no canto de seus lábios.

– Me divirto muito com vocês dois... – Disse, pegando o prato de panquecas no balcão da cozinha e levando até a mesa. Coloquei o telefone de volta na base, ainda bufando de raiva. Que droga! Nem na minha suspensão eu tinha paz. Sentei-me de volta a mesa irritada, mas logo a perspectiva de comer aquelas delícias cheirosas me animou um pouco. – Mas então garota, vamos conversar sobre toda essa confusão em que você se meteu?

– O quê? – Pisquei várias vezes, surpresa.

– Você foi suspensa. O que aconteceu?

Nunca tinham me feito aquela pergunta antes, nunca tinham me feito panquecas antes. Por um momento me senti em um universo paralelo, e me sentia... Estranha. Me sentia fora da minha vida, sabe? Sei lá como explicar.

– Não importa, não vai causar problemas pras malditas propagandas de margarina e aquele livro do inferno que meu pai quer lançar.

– Eu não dou a mínima pros problemas do seu pai. – Sorriu gentilmente. – Eu quero saber de você.

Meu primeiro impulso foi recuar. Num segundo estava ali olhando pra ele, no segundo seguinte já tinha voado pro outro lado da cozinha. Sabia que tinha ali, na minha frente, a oportunidade de realizar um dos meus desejos mais profundos: Ter uma refeição de verdade, com alguém que se importa de verdade comigo. Era esse o problema. Não era assim que as coisas funcionavam pra mim, tinha alguma coisa errada.

Era como estar num sonho bom, mas saber que não é real. Não parecia real. As pessoas não se importam simplesmente comigo sem nenhum motivo aparente.

– Ryan te pediu pra fazer isso não foi? – Não pretendia soar tão agressiva, mas de repente algo me apertou a garganta, alguma coisa estava me comprimindo, sugando meu ar, me senti sufocada. – Eu não quero, não preciso brincar de casinha.

– Stella... – Ele se levantou, tentou se aproximar de mim mas cada passo que dava em minha direção era um passo que eu dava pra trás. – Ninguém me pediu pra fazer isso, mas alguém tem que fazer isso por você...

Estendeu a mão em minha direção.

– Não toque em mim. – Não sabia porque estava reagindo daquele jeito. Sempre quis que meus pais agissem como pais, tentei ter atenção de todas as maneiras possíveis, mas ali, naquele momento, não parecia natural, não parecia certo. – Você não é meu pai! Ninguém quer mais uma porcaria de problema na vida, porque você ia querer saber de uma garota problemática? Pare de brincar comigo!

– Não... Querida...

– NÃO ME CHAME DE QUERIDA! – Gritei. A essa altura já tinha recuado tanto que estava no meio do corredor. – Olha, eu agradeço de verdade a hospitalidade, muito mesmo, mas por favor não tente fazer isso, por favor.

Não queria estragar tudo. Eu o amava, o amava como amava Joe, e Ryan. Sei lá, não queria que as coisas fossem pra esse lado, não queria que ele acabasse tão desapontado comigo quanto minha família.

– Ok, ok. Está tudo bem... – Ele ergueu as mãos para o alto e parou de se aproximar. – Me desculpe. Venha, sente-se e coma, por favor.

Estendeu uma mão em minha direção e eu a encarei. Respirei fundo algumas vezes, me acalmando.

– Não vou mais tocar nesse assunto. – Assegurou, seus olhos me pareciam genuinamente preocupados, mas eu me sentia como uma presa que cai numa armadilha. Droga, será possível que eu não conseguia confiar nem no pai do meu namorado que sempre foi bom pra mim? Será que isso significava que eu ia acabar sozinha pra sempre? Que catso, me sinto vulnerável, e isso me estressa.

Aceitei a mão dele, que me guiou de volta a mesa em silêncio. Deixei que afagasse meus ombros, mas seu toque ainda me incomodava um pouco.

– Não vou mais perguntar. – Sentou-se na cadeira em frente, me encarando com aqueles olhos profundos que pareciam enxergar tudo e mais um pouco. – Mas saiba que eu estou aqui se quiser falar. E sei lá o que se passa na sua cabeça oca, mas eu não quero brincar com você.

Sorri minimamente, era o melhor que eu podia fazer, ainda estava histérica, e assustada por dentro.

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PDV da Alícia

Me sentia uma pré adolescente no meio de uma paixonite platônica. Não via a hora de terminar a aula pra que eu pudesse ir até aquele bendito restaurante e olhar pra ele, só olhar, de longe mesmo. E era engraçado... No primeiro dia eu fiquei tão encantada com Joshua, achei ele tão legal e engraçado, e agora a maior parte do tempo eu nem lembrava que ia encontrá-lo no sábado, não sentia falta de suas ligações ou mensagem, nem me incomodava o fato de ele não ter perdido um segundo sequer para me dar sinal de vida desde o almoço de ontem.

Não sentia mais atração nenhuma por Joshua, mas teria que mantê-lo por perto. Podia ser um tiro no escuro, mas era a única pista que eu tinha... Preciso aparecer lá na república dele qualquer hora e dar uma olhada por lá.

Graças a Deus o caminho até o prédio onde estudo é bem simples, apesar de relativamente longo. Eu fazia o trajeto em cerca de meia hora, mas não tinha que passar por muitas entradas e bifurcações, simplesmente seguia por uma avenida longa que passava pela praça mais ou menos na metade do caminho, e então mais pra frente tinha uma placa indicando aonde eu deveria entrar. Depois era só seguir a estradinha de pedras me mantendo a direita por uns 5 minutos, e pronto.

Aqueles mini buggies eram bem fáceis de dirigir, não tinha nada que prendesse minha atenção, então minha mente viajava entre Joshua, Landon e Marie. Era tanta coisa pra pensar que eu tinha medo de simplesmente não dar conta.

Estacionei em frente ao prédio de Direito, devo ter chegado cedo porque estava praticamente vazio.

Desci do carrinho e peguei minha bolsa no banco do carona, suspirando, mais algumas horas de tédio. Coloquei as chaves do Mini Buggie no mesmo bolso onde guardo minhas chaves, e de repente me lembrei da chave que recebi quando fui buscar meu cartão magnético... A chave do meu armário!

Nº 305. Acho que devia dar uma olhada lá antes de ir pra aula, estou adiantada, minha bolsa está meio pesada, talvez eu pudesse deixar lá pelo menos os livros da matéria de ontem, já que só a teria novamente na próxima segunda.

Dei de ombros, seguindo porta adentro pelos corredores ainda desconhecidos do prédio.

Graças a Deus e a organização humana, a numeração dos armários era não apenas organizada em ordem crescente, como também era relacionada com o andar em que estavam localizados. Não foi difícil encontrar o 305 no 3º andar, era um dos primeiros perto da grande escada principal e do hall dos elevadores que eu nunca usava.

Coloquei a pequena chave na fechadura prateada do armário e o abri, esperando encontrá-lo vazio.

É, mas não estava vazio.

Fiquei parada por uns segundos, boquiaberta. Podia sentir o rastro gelado deixado por uma lágrima solitária, e só então percebi que chorava. Eu não conseguia me mexer, mal piscava, só conseguia ficar ali, parada, estática mirando o conteúdo dentro do meu armário.

No... – Murmurei. Mal tinha consciência do que acontecia ao meu redor. – No... Mamá!

Passado o torpor da surpresa (pelo menos parcialmente), praticamente me joguei dentro do armário recolhendo um porta retrato quebrado, e sobre ele vários e vários pedacinhos de papel. Uma foto, a foto da minha mãe. E claro, ao lado tinha que ter uma rosa com a fita preta, dessa vez porém ela estava murcha.

Joguei-me no chão, com o porta retrato e os pedacinhos em mãos. Meus dedos se moviam rapidamente, tentava desesperadamente montar novamente a imagem, mas os pedaços eram muito pequenos. Sentia meus dedos tremerem, e as lágrimas antes isoladas agora caíam em enxurradas.

Era a única foto que eu tinha aqui comigo. A única que eu tinha trazido pra esse maldito país. As pessoas passavam por mim e mal me notavam, e isso me deixava ainda mais irritada. Eu sempre estendi a mão pra todo mundo e ninguém parecia dar a mínima pra mim, e eu precisava de ajuda. Mal conseguia me firmar nas minhas pernas e queria desesperadamente sair dali e fazer alguma coisa pra pegar o monstro que fez isso.

Joguei o porta retrato na parede mais próxima, as poucas pessoas que passavam me olhavam como se eu fosse louca.

De repente me dei conta de que não tinha mais pra onde fugir, eu tinha que admitir que a pessoa que me manda as flores não gosta de mim, não é um admirador, ou um conhecido fazendo uma brincadeira. É alguém que quer me ver mal.

Não sei quanto tempo fiquei ali sentada, chorando, tentando concertar a imagem, mas de repente, senti alguém me erguer pelos ombros.

– Hey... – Sussurrou, amigavelmente. Virei-me em direção ao estranho e percebi que não se tratava de um estranho. Era o professor da aula de ontem. – O que houve?

– Nada. – Balancei a cabeça negativamente, secando as lágrimas com as costas das mãos. – Eu... não tô me sentindo muito bem, mas vou pra casa e vou ficar melhor, pode ficar tranqüilo. Obrigada.

Não dei a ele a chance de responder, faltava bem pouco para eu me debulhar em lágrimas ali novamente e a última coisa que eu precisava é que ele resolvesse me levar pra uma salinha e me dar água ou chá.

Fui até a tal parede e recolhi os cacos do porta retrato, jogando-o no lixo mais próximo junto com a rosa, e então rumei até a saída do prédio, ainda tremendo.

Sentei-me em um banquinho ao lado da entrada, e olhei novamente para os pedacinhos em minhas mãos. Droga, lá estava eu chorando de novo. Guardei os pedacinhos carinhosamente em um bolso pequenininho na minha bolsa, e aproveitei para pegar o celular. Busquei o número de Ryan na discagem rápida, era a única pessoa que eu pensava em ligar numa hora dessas.

– Alô – Atendeu no segundo toque.

– Oi. – Respondi. Tentei ao máximo soar normal, mas não deu muito certo, minha voz ainda estava chorosa. – Você pode vir me buscar? Eu não consigo dirigir, e eu preciso de ajuda com uma coisa, eu acredito em você! – Despejei tudo de uma vez. – Acredito nessa loucura toda de Seita, só uma pessoa doentia faria uma coisa dessas.

– Hey, perae o que aconteceu? – Seu tom se tornou urgente.

– Eu abri o meu armário hoje... Tinha uma rosa, uma rosa murcha. E... – Solucei. – E uma foto da minha mãe, rasgada.

– Ok, calma, eu to indo. E relaxa, você vai poder tirar outras fotos, o importante é descobrir o que está acontecendo com você.

– Minha mãe morreu, Ryan. Eu não tenho como tirar outras fotos! – Gritei. Sei que a intenção dele era me reconfortar, mas acabou tendo o efeito contrário.

– Oh... Ok, desculpa. Estou a caminho. Respira e fica calma, pode fazer isso por mim?

Apenas murmurei qualquer coisa em afirmação e desliguei o telefone, jogando-o na bolsa e abraçando meu próprio corpo.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram? Alguns dos meus fantasminhas deram as caras, fiquei feliz! Podem aparecer amores, eu sou legal, juro! Quero saber o que vocês acham.

Beijos, até o próximo!



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