You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 10
De cabeça pra baixo


Notas iniciais do capítulo

Gente, meus conhecimentos de Astronomia são baixíssimos, então perdoem qualquer erro ok? E se virem algum podem me avisar para eu corrigir. Obrigada.

Agradeço ao Márcio Gabriel pela recomendação DIVA, e aos 6 lindos que favoritaram a minha fic. Mesmo tendo uns fantasminhas, eu não me importo, fico feliz que leiam e gostem! OBRIGADA!

Leiam meus amores!



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PDV do Adam

O tal garoto que o Sr. Hagias designou pra me acompanhar é meio estranho. No começo eu pensei que essa noite seria um saco e acabaria não me servindo de muita coisa, já que o tal garoto saiu mudo da sala do diretor e chegou calado ao observatório. Me apresentei a ele, mas só tive um aceno de cabeça como resposta. Permaneci o resto do caminho em silêncio.

Adentramos o observatório por volta das 18:30, ainda estava claro. Já estava me preparando para sentar ali no chão mesmo e esperar anoitecer quando o garoto entrou numa espécie de salinha, tipo um quartinho guarda trecos, e saiu de lá com um mapa gigantesco, estendendo-o sobre um dos balcões metálicos.

Dá pra entender porque a Ana queria tanto conhecer esse lugar, é fantástico. O teto era uma enorme redoma de vidro, e os telescópios dourados estavam dispostos por todo o entorno da redoma. No meio, estavam dois balcões metálicos bem compridos, com bancos de madeira dispostos por eles. Isso era só o que eu conseguia identificar, tinha muitas coisas ali que eu não fazia idéia de pra quê serviam. Era absolutamente incrível, e eu não via a hora da noite cair.

– Então, o que exatamente você quer saber? – Perguntou, indo direto ao ponto. Os olhos castanho-escuros me fitavam esperando uma resposta.

– Primeiro, seu nome. É estranho conversar com uma pessoa e não saber como chamá-la.

– Aaron Harrison. – Sua objetividade começava a me incomodar.

– Harrison? Como Matthew Harrison?

Observei-o revirar os olhos. Foi a primeira vez que notei que ele tinha trejeitos, gestos meio afeminados, mas nada muito gritante.

– É, essa mula ambulante é meu irmão. Porque? Ele enfiou sua cabeça em uma privada?

– Não, ele fez uma coisa a uma colega da república onde moro, mas não vem ao caso. – Me sentei em um dos bancos de madeira, debruçando-me sobre a mesa e inclinando-me sobre o mapa. – Não sei exatamente o que eu quero saber. Que tal um pouco de tudo?

– Você tem a mínima noção de quanto é um pouco de tudo? É muita coisa. – Seu tom de voz demonstrava certa impaciência, como se fosse uma coisa óbvia que eu deveria saber. Não levei a agressividade para o lado pessoal. – Você tem, sei lá, uma constelação favorita ou alguma coisa assim?

– Que tal falarmos sobre a sua constelação favorita então? Aposto que você tem uma. – Rebati, arqueando a sobrancelha.

– Cassiopéia. – Um sorriso mínimo, mas mínimo mesmo, surgiu no canto de seus lábios. Ele rapidamente passou seus olhos pelo mapa, a achando prontamente. Já devia tê-la procurado várias vezes antes. – Ela fica mais ao sul, num céu bem limpo dá pra vê-la a olho nu.

– Li um romance uma vez sobre dois jovens que se amavam e não podiam ficar juntos, moravam longe. Eles marcavam horários para observar a Cassiopéia, era como um ponto de encontro.

– As estrelas servem de inspiração para os homens desde que o mundo é mundo... Não tenho nenhum talento artístico, definitivamente não, mas elas inspiram minha vida todas as noites. Se tivesse alguém a quem oferecer algo, ofereceria uma estrela. Tem muitas que ainda não foram nomeadas. – As rigidezes de suas palavras e de sua expressão aos poucos suavizavam enquanto falava de sua paixão, era uma coisa bonita de ver, o sorriso tímido se alargava. – Mas eu faria melhor que isso, descobriria uma estrela que ainda não está no mapa, e então a nomearia com o nome de quem quer que fosse.

– Como Landon Carter em “O amor pra recordar”?

– Tudo pra você tem relação com algum romance?

– Tudo pra você tem relação com as estrelas?

– Touché. – Pegou um marca texto amarelo de um dos porta lápis dispostos por toda a mesa e marcou Cassiopéia. – Quando escurecer vou procurá-la pra você.

Acenei afirmativamente.

Depois dessa breve conversa, as coisas melhoraram. Não parecia mais tão tenso e arredio comigo, falamos sobre suas constelações favoritas e ele as adicionou na lista daquelas que iríamos observar. Depois adicionei algumas que me deixavam curioso, só as mais famosas já que não conheço muita coisa. A noite caiu antes que nos déssemos conta.

Aaron ajeitou um dos telescópios, e então deixou o observatório por uns segundos. Voltou logo depois com duas garrafas pequenas de refrigerante, e estendeu uma pra mim.

– Não conte ao Sr. Hagias. – Sussurrou pra mim, enquanto levava o mapa para mais perto do telescópio e terminava de ajeitar as coisas. – Ele vai ter uma síncope, dar um escândalo e torturar nós dois vagarosamente se souber que trouxemos comida pra cá.

– Não deveria ter mais gente num observatório de astronomia à noite?

– Não hoje, a maior parte de nós está se preparando pra passagem de um cometa daqui há dois dias. Tem uma espécie de competição, quem conseguir a melhor imagem ganha um prêmio. Ninguém sabe o que é, mas os prêmios do Sr. Hagias são ótimos. – Olhou o telescópio rapidamente, alterando a altura e o ângulo dele.

– Você não vai se preparar?

– Tenho tudo sob controle. - Tirou os olhos do instrumento, me encarando com um ar presunçoso. - Aprendi com o melhor.

Ficamos em silêncio depois disso, Aaron se concentrou em sua tarefa. Sua atenção oscilava entre o mapa e o telescópio, e era incrível observá-lo trabalhar. Seus traços e sobrancelhas se alternavam, deixando sua expressão ora concentrada, ora duvidosa, por vezes intrigada, mas principalmente absolutamente maravilhada.

– Olhe aqui. – Me chamou, de repente. Pisquei várias vezes, forçando-me a voltar para a realidade. – Algumas são tímidas, demoram um pouco mais pra aparecer.

Afastou-se um pouco, gesticulando para que eu olhasse o telescópio.

– Você fala das estrelas como se elas fossem garotas.

Dei um gole no refrigerante.

– Não... Eu sou apaixonado por estrelas, e não gosto de garotas. – Disse, assim, como quem diz as horas.

Engasguei-me com o refrigerante, cuspindo parte dele no chão. Tossi mais algumas vezes.

–De... Desculpe. – Disse, ainda contendo a tosse. – Eu... Só não esperava por isso.

Ele riu.

– Não se preocupe, você não faz o meu tipo. Muito... Sei lá, branquelo.

Senti meu rosto esquentar, devia estar mais vermelho que um pimentão.

– E você definitivamente não é o meu. – Pensei em Jenny, minha ex namorada. Não havia qualquer semelhança entre eles, exceto os cabelos castanhos, mas ainda assim os dela eram mais escuros e lisos. Ela é mais alta, Aaron parecia não ter mais que 1, 65 m, e as pernas dela eram mais longas e torneadas, ele parecia ter sido achatado. E claro, ela é uma garota. Esse definitivamente é o fator determinante, eu gosto de garotas.

– Olhe a Cassiopéia, eu vou buscar um pano pra limpar a poça de refrigerante que você fez no chão antes que alguém nos pegue comendo aqui. – E saiu, rindo que nem idiota, se divertindo com o meu embaraço. – Tente vê-la sem o telescópio depois.

_/_/_

PDV do Noah

Me sentia irritado, cansado, confuso e até meio rejeitado. Ela podia ter conversado comigo, me dito qualquer coisa, até o clássico “Olha Noah, eu adoro você, mas só quero sua amizade” Seria melhor do que sair correndo. A saudade da minha vida antiga ainda doía em mim depois do surto de hoje a tarde, e agora também pesava em meu peito essa sensação horrível de rejeição.

Mal vi o professor durante todo o período. Ele explicava, gesticulava, e tentou chamar minha atenção nos primeiros minutos da aula, depois pareceu entender que eu não tinha cabeça pra isso e desistiu. Via os olhares preocupados de Ryan pelo canto do olho. Só percebi quando estávamos dispensados porque ele me deu um murro no ombro, chamando minha atenção.

– Vamos, trouxa. – Chamou ele, jogando a mochila sobre os ombros. – Nós temos um trabalho pra fazer. Um single, gravado, com capa e com clipe pra daqui há um mês. E ainda bem que eu estava atento pra anotar as instruções né?

– Na boa cara, me erra. – Xinguei. Um cara legal não pode ter um dia ruim? Que saco.

– É... Sinto falta do seu bom humor. – Deu tapinhas no meu ombro.

Saímos porta afora já era cerca de 11 horas da noite. Os corredores do prédio estavam quase vazios, poucas turmas estudam ali a noite e a maioria sai um pouco mais cedo. Fomos em direção à saída do prédio, e quando chegamos lá, senti um par de braços em torno do meu pescoço.

Acho que no fundo eu tinha esperanças de que fosse ela. Tinha esperanças de que me diria que não devia ter saído correndo, e que tinha gostado do beijo, e então eu pediria desculpas por tudo ter sido tão repentino e nem um pouco romântico já que eu estava aos prantos sentado no banco do teclado. Mas não era ela.

Me virei em direção a belíssima morena, ainda com os braços em torno do meu pescoço. Ela distribuía beijos por minha clavícula enquanto cravava suas unhas em meu pescoço.

– Faz tempo que não me liga. – Miou ao meu ouvido, Ryan revirou os olhos e seguiu seu caminho rumo à republica provavelmente. – Estou com saudade.

– Você sabe o que eu acho disso tudo. – Afastei-a gentilmente. Minha voz era um pouco mais alta que um sussurro. – Sabe que eu não quero ninguém que não seja ela.

– E você sabe que eu não me importo em ser apenas uma distração... – Aproximou-se novamente, enfiando suas mãos por dentro da minha jaqueta e arranhando a pele dos meus ombros por cima da camiseta. Seus lábios tocavam os meus, mas não tinha emoção nenhuma, eu não tinha vontade de retribuir. – Apenas use sua imaginação... Não vou me importar se acabar sussurrando o nome dela...

Mordeu o lóbulo da minha orelha, em seguida passou a trabalhar no pescoço, lambendo, mordiscando, provocando. Deu uma mordida no meu queixo, passando a língua por meus lábios em seguida.

Era tentador... Se fechasse os olhos eu poderia ver os cachos loiros caindo soltos sobre os ombros, os olhos azuis brilhantes me fitando, apaixonados. Podia até mesmo sentir o cheiro de erva doce no ar, o cheiro dela, da minha Marie.

Acabei cedendo ao beijo, meio entorpecido, mas me arrependi quase no mesmo segundo em que nossas línguas se tocaram. Aquela não era ela, não era nem remotamente parecida com ela. Não tinha nada de doce ou inocente naquele beijo, era quente, cheio de desejo, vulgar. Marie tinha um gosto doce, era mais tímida, e mais romântica.

Senti meu celular vibrar no bolso traseiro da calça, mas ignorei. Apenas queria acabar logo com aquela droga de beijo, dar qualquer desculpa e voltar pra casa.

Fiquei aliviado quando finalmente acabou. A garota morena cujo nome eu nem me lembrava me olhava com um sorriso satisfeito no rosto, eu apenas a afastei gentilmente para seguir meu caminho, mas quando dei o primeiro passo em direção ao estacionamento, quase caí pra trás.

Marie estava ali, ligeiramente boquiaberta e com os olhos marejados. Oh merda.

– Oi... – Dei alguns passos em direção a ela, estendendo os braços para tocar-lhe os ombros, mas ela recuou antes que pudesse fazê-lo. – Olha, isso...

– Não é o que eu estou pensando. – Completou. Eu nunca a tinha visto me olhar de maneira tão dura. – Eu... queria falar com você sobre aquele beijo, mas claramente foi um erro...

– Não! – Interrompi, ela ergueu uma das mãos num sinal para que eu me calasse.

– Não se preocupe, não precisa me explicar nada, eu entendi. – Sua expressão suavizou um pouco, ela sorriu tristemente, mas a dureza dos olhos ainda estava lá. – Você estava no meio de um momento difícil, e eu estava lá com você. Não seria justo esperar que você soubesse o que estava fazendo numa hora como aquela...

– Mas eu sa...

– Está tudo bem. Não devia ter acontecido de qualquer forma...

Observei-a virar as costas e se afastar pelo mesmo caminho em que viera. Senti minha garganta apertar, e meus joelhos vacilarem, mas me forcei a permanecer em pé.

– Não, Marie... – Tentei ir atrás dela, mas senti dois braços me segurando, não precisava me virar pra saber que era a tal garota morena. Eu sentia uma raiva descomunal dela naquele momento, mesmo sabendo que a culpa era minha, o imbecil tinha sido eu. Soquei a cara de um garoto por sair com outra logo depois de beijá-la, e acabei fazendo pior.

– Droga! – Gritei. Me livrei das mãos dela de maneira brusca, e por um segundo pensei novamente em correr até Marie, mas ela já estava longe demais pra alcançar, e provavelmente não era uma boa idéia procurá-la agora. – Sai de perto de mim.

Segui em direção a república sem olhar pra trás, não sabia pra onde a garota ia, mas sabia que não me seguiria.

Tirei meu celular do bolso enquanto caminhava, tinha que checar porque raios o celular vibrara. Percebi que estava chorando quando uma enorme gota molhou minha tela. Droga, eu não ia parar de chorar feito idiota hoje? Que caralho. Queria ter uma atitude mais máscula num momento como esse, mas eu sentia tanta raiva, da garota, de mim mesmo, da minha burrice, que era simplesmente impossível conter as lágrimas.

Chequei as mensagens, e o nome do Ryan brilhou na tela, seguido da seguinte mensagem:

Marie está aqui, acabou de me perguntar de você. Se livra da garota.

Ah valeu a dica amigão, mas agora era meio tarde pra isso.

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PDV da Ana

Eu sou muito preguiçosa, e acho que Deus está começando a me punir por isso.

Bom, eu resolvi que já que eu não tinha porcaria nenhuma pra fazer na república, ia esperar Adam ali mesmo, dentro do meu fusca ouvindo Nirvana e brisando loucamente (sem o uso de alucinógenos, não preciso deles). Até aí ótimo, tinha tudo pra ser um programa bacana, só que a porra toda de estudo demorou mais do que eu esperava, e meu estômago começava a roncar de fome.

Eu ODEIO ter fome. Fome e sono são as duas coisas que eu mais odeio nessa vida. A terceira é Faros Hagias, e sim, como eu sou uma pessoa cagada, ele tinha que tornar minha desgraça ainda maior.

– Eu sou um cavalheiro, Kailis. – Murmurou, do lado de fora do carro. Os cabelos ainda estavam presos, deixando os olhos cristalinos perfeitamente à mostra. Como se já não fossem hipnotizantes o suficiente sem toda essa ênfase. – Por mais que não goste de você, não vou permitir que espere aqui fora, ao som dessa música deplorável.

– Deplorável é o seu modo de se vestir. – Olhei horrorizada para a camisa e calça, ambas brancas, cobertas pelo longo sobretudo preto. Tinha um relógio prateado no pulso, e um colar (muito gay, diga-se de passagem) com uma pedra roxinha pendurada ao pescoço. Era uma pedra grega, eu a conhecia, era muito famosa principalmente por ser extremamente rara de se encontrar. Pelo visto Hagias ainda era muito ligado às suas raízes, poderia voltar pra lá, assim parava de me encher. – Estou bem aqui, obrigada.

– Ok... – Suspirou bem teatralmente. – Vou me fartar sozinho com todo aquele macarrão com bacon que meus alunos trouxeram pra mim.

Eu AMO bacon. E ele sabe disso. Vou socar a cara dele, depois socar a cara de todos os paus mandados alunos dele.

– Pois tomara que se engasgue! – Gritei, e ele riu.

Acenou em minha direção, despedindo-se. Me mandou um beijo bem cinicamente e então subiu novamente a escada de mármore, rumo à sua velha sala.

Eu realmente pensei que depois disso eu ia ter sossego, apesar da fome. Acontece que o infeliz resolveu me provocar.

Voltou à frente do meu carro menos de cinco minutos depois e sentou-se no último degrau da escada (Não sem antes averiguar se estava bem limpo, ele deve ter algum tipo de TOC, não é possível). Tinha um prato bem cheio de macarrão lotado de bacon nas mãos, senti minha boca aguar na hora. Filho da puta.

– Tem certeza que não quer se juntar a mim? – Provocou, dando uma bela garfada na comida logo em seguida. Quis esfregar a cara dele no asfalto quando seu rosto se contorceu em uma expressão de puro prazer. Meu estômago roncou. Porra.

– Tenho! – Bufei, irritada. Ah mas eu vou preparar uma pra esse infeliz que nem depois de 500 anos ele vai esquecer. E essa merda desse estudo que não acaba nunca?

Seu sorriso se alargou, e ele se pôs de pé, caminhando em direção à minha janela. O cheiro ficava cada vez melhor à medida que se aproximava, e eu me esforçava ao máximo para não demonstrar interesse. Mas minha barriga roncou novamente assim que ele se escorou ao meu carro. Argh.

– Saia daí e coma, vamos. – Falou, entre risos. Até pra fazer piada seu tom de voz é absolutamente sarcástico.

– Não!

– Isso já está ficando ridículo. Você está com fome e eu estou te oferecendo comida.

Encarei-o, fazendo-o sentir toda a minha vontade de fuzilá-lo.

–Não vou comer com você como se fôssemos coleguinhas de jardim de infância. – Disparei.

Ele se debruçou sob o carro, apoiando-se na porta. Sua cabeça estava praticamente dentro do carro, já que a capota estava abaixada.

– Colegas de jardim de infância não vêem uns aos outros como vieram ao mundo, eu presumo. – Os olhos azuis se fixaram nos meus, provocantes e um sorriso cínico surgiu no canto de seus olhos. – Você me quer.

– Vai a merda!

– Suas orbes estão douradas. – Me encarava, presunçoso. Faros dizia que meus olhos mudavam de cor quando algo me afetava, sinceramente não sei até que ponto isso é verdade, mas ele sempre acerta. ( Claro que não admitiria isso).

– O que não prova absolutamente nada.

Não respondeu, tampouco se mexeu. Permaneceu ali, com parte da cabeça dentro do meu carro e os olhos grudados em mim. Arqueou levemente a sobrancelha numa provocação silenciosa e mordeu levemente o lábio inferior.

Seu olhar queimava minha pele, todos os pelos de minha nuca se arrepiaram. Mantive minha postura por um tempo, mas era difícil me conter.

– Foda-se.

Murmurei, passando meus braços por seus ombros e o puxando pra dentro sem me dar ao trabalho de abrir a porta. Pude ouvir o barulho do prato caindo ao chão, e por um segundo lamentei a comida desperdiçada, mas logo esqueci o bacon. Beijei-o com urgência, desejo, e principalmente saudade. Era um beijo quente e sem nenhum tipo de pudor, tentávamos nos ajeitar no carro, mas não queríamos nos desgrudar por um segundo sequer. Nos mexíamos em busca de uma posição confortável, mas sinceramente era difícil me concentrar nisso quando aquelas mãos enormes, finas e tão frias apertavam a parte interna da minha coxa. Deixei um suspiro escapar por meus lábios enquanto meus dedos passeavam quase inconscientemente por suas costas, pensei em arrancar aquele sobretudo, mas fui acometida por uma vontade louca de puxar aquele cabelo enorme e assim o fiz.

No segundo seguinte Faros tinha se afastado de mim, ofegando. Me olhava alarmado do banco do carona.

–Não... toca... no cabelo. – Sussurrou.

–Você é muito gay! – Ri, divertida, agarrando-o pela gola do sobretudo e trazendo-o pra mais perto de novo.

Estar com ele parecia certo, tudo entre nós era sincrônico e perfeito, encaixava, mas apenas ali, enquanto estávamos juntos. No mundo real, o mundo fora da nossa bolha, as coisas eram mais complicadas.

Eu tinha todos os motivos para odiá-lo, e parte de mim o fazia. Tinha uma série de lembranças doloridas que eu tinha que reprimir cada vez que olhava pra ele. Não suportava pessoas me olhando de cima, e era isso o que ele fazia, sempre. Contudo, eu sabia que tinha alguma coisa ali, certa melancolia, solidão por detrás dos olhos azuis. Mas foda-se, ele é um grande filho da puta

Ouvi as batidas insistentes no vidro e afastei-me de Faros, Adam olhava do outro lado do vidro, vermelho como um pimentão. Aaron estava ao seu lado, a mão ainda erguida provava que fora ele quem batera no vidro.

– Er... Eu volto depois. – Adam falou, já se virando.

Eu podia fingir que nada aconteceu e continuar de onde paramos, mas alguma coisa naquela pequena interrupção me acordou pra realidade. Eu não podia fazer isso, não podia me rebaixar a tanto.

– Não, Adam, nós já estamos indo. – Sibilei, meio friamente. – Ele já está de saída.

Não precisei olhar pra visualizar a expressão confusa no rosto do homem ao meu lado, eu conhecia cada traço daquele rosto.

– Vai, Faros.

Ele não discutiu, apenas suspirou contrariado e abriu a porta do fusca.

– É... eu, posso voltar amanhã? – Adam gaguejou.

– Pode garoto, pode. – Faros respondeu sem muito ânimo, nem olhando pra ele.

Ainda estava imersa em meus próprios pensamentos quando o garoto finalmente se acomodou no banco do carona. Permaneci um tempo assim, com a mão no volante, olhando pra frente.

– Se quiser voltar, vai ter que vir sozinho. – Eu Disse finalmente, virando a chave na ignição. Ele acenou afirmativamente.

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PDV Anônimo

“Falou com a garota?” –A voz do chefe ecoava do outro lado do telefone, a ligação estava meio falha. Assim que citou a menina senti o arrepio percorrer meu corpo, imaginei o corpo dela em minhas mãos, seu olhar amedrontado enquanto eu a acariciava, os murmúrios suplicantes abafados pela mordaça. Era uma visão excitante e perturbadora...

... Não podia por as mãos nela, não podia. Pelo menos não agora. “Imbecil! Não tenho o dia todo!”

– Muito pouco... – Respondi, a voz trêmula pelo desejo contido. A visão dela amarrada, machucada, quase sem forças, circulava minha mente e era quase impossível conter-me. Sentia minha respiração pesada, cerrei meus pulsos. – Me deixe cuidar dela... Nunca quis ninguém como eu quero ela.

“Já falei que não vamos machucá-la, não agora.” – Bradou, sua paciência estava quase no fim. “Controle-se, filho da mãe maldito! Se botar tudo a perder eu acabo com você!”

Estremeci, sabia que não estava brincando.

– Então não me peça pra me aproximar dela. – Supliquei, tentando conter os pensamentos que cismavam em me vir a mente. Queria arrancar-lhe suspiros de dor, gritos e mais gritos abafados, precisava ver sua pele quente esfriar, e seus olhos brilhantes ficarem opacos.

Ela era suja... Suja, pobre, suburbana. Tinha que morrer. Mas antes eu queria nadar na sujeira, queria, queria sim. Desesperadamente.

“Vai fazer exatamente como planejamos, e vai fazer direito.”

Grunhi mais alto do que gostaria, aquilo não era justo, não era nem um pouco justo. – Por favor, eu lhe imploro... – Minha voz estava embargada, me senti patético. – Ao menos me arrume um pouco de diversão... Faz tempo que não caço.

“Sabe que eu não posso ficar te arrumando presas assim à torto e a direito. Mas ok, faça as coisas direito e eu vou saber te recompensar.” – Fez uma pausa meio sinistra. “Cometa um erro sequer, e eu vou saber te punir.”

– Chefe... – Sussurrei, mas era tarde demais. Ele desligou.

Agora além do desejo inegável e cada vez maior, eu sentia o medo que crescia na mesma proporção. Garota maldita, fedelha imunda, eu ainda vou por minhas mãos nela... Não queria sofrer nas mãos do chefe, não, ele não conhecia a misericórdia... Mas Deus, como eu quero botar minhas mãos nela.

Respirei fundo várias vezes, tentando encontrar minha sanidade. Em algum lugar da minha mente eu ainda era são... Não era?

Precisava me controlar, precisava cumprir meu dever. Tenho mais uma encomenda pra entregar.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram? Que será que a Anta do Noah vai fazer agora?

Comenteem! Beijinhos!



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