You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 12
Aliciologia


Notas iniciais do capítulo

Batata quente, quente, quente, quente haushaus/parei

Ta esquentando em galera?

Agradecendo a Moale e Aniinha por comentarem, bem vindas meninas



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PDV da Alícia

Eu não tinha muito o que fazer além de esperar. Esperar e chorar. Chorar não só pela foto, mas também por ter tantas dúvidas e agora tantos medos. Se eu estou pronta pra admitir que a teoria de Ryan faz sentido, tenho que admitir também que tem um grupo de loucos psicopatas atrás de mim. E eu não fiz absolutamente nada que justificasse isso.

Do outro lado da rua, há uns dois quarteirões, Landon saiu pela porta de serviço do restaurante com dois sacos de lixo nas mãos. Me lembrei de como estava um pouco mais cedo, animada, até mesmo ansiosa pra ir até aquele restaurante e flertar com ele. As coisas mudam em tão pouco tempo... Desejei que ele me notasse ali, aquele sorriso podia ser reconfortante, tão grande e quente... mas estava concentrado em seu trabalho, apenas levou o lixo até a lixeira, em seguida tirou as duas luvas descartáveis das mãos e jogou fora também, rumando pra dentro.

Ryan parou em frente à entrada principal do prédio de direito cantando pneus 15 minutos depois do término da ligação. Metade do tempo que eu costumava levar. Desceu do carro rapidamente, e no segundo seguinte tinha se ajoelhado diante de mim, segurando meus ombros.

– Hey... Você me fez uma promessa, lembra? Sem choro. – Sorriu, acariciando-me os ombros de leve. Seus olhos tinham um brilho preocupado, e eu simplesmente não resisti. Me joguei nos braços dele mal podendo conter os soluços.

– Eu não consigo... Foi horrível.

– Vem, vem comigo, eu vou te tirar daqui. – Me ajudou a levantar, e manteve um dos braços em torno do meu ombro, servindo-me de apoio. Guiou-me até o carro, me acomodando no banco do carona e então deu a volta no carro, entrando no lado do motorista. – Posso ver o que eles colocaram no seu armário?

– Eu... Eu joguei fora. Só peguei os pedaços da foto.

– Você JOGOU FORA? – Sua voz se exaltou, eu me encolhi. Não tava acreditando que ele ia gritar comigo numa hora dessas. – Ok, desculpa, não queria gritar. Mas e agora? Como quer que a gente prove que você foi ameaçada?

– Eu sei lá! Não sei que raios vamos fazer, eu não sei de porcaria nenhuma, só sei que tem um louco atrás de mim E ALGUÉM TEM QUE FAZER ALGUMA COISA A RESPEITO! – Gritei.

– Ok, calma, calma. O que tinha lá, e aonde você jogou?

– O porta retrato quebrado, a foto rasgada, e uma rosa murcha. Joguei no lixo perto da escada do terceiro andar.

– Eu vou lá, já volto. – Saiu do carro novamente, enfiando a cabeça pela janela pra me checar uma última vez. – Fica calma, nós vamos descobrir quem fez isso.

Piscou pra mim, e afastou-se do veículo, indo a passos largos para o prédio.

Eu precisava parar de chorar, precisava parar de sucumbir às emoções e pensar com clareza. Tinha sido uma surpresa horrível, ok, mas tinha uma mensagem por detrás disso, e eu tinha que desvendar.

Primeiro uma rosa com uma fita. A marca da “Seita” como diz o Ryan. Tentava a todo custo me lembrar de cada palavra que me falara sobre isso, mas estava tão ocupada duvidando dele que nem ao menos absorvi os detalhes.

Depois, arrancaram minha caixa de correspondência... Essa é mais sugestiva, não? Com certeza quer dizer que não me querem aqui. Certeza? Será que eu sabia o suficiente pra ter certeza de qualquer coisa? Acho que não e isso já está me tirando a paciência.

E então isso. A rosa murcha, e a foto rasgada. Estão brincando com o meu psicológico.

Ainda faltavam tantas peças... Eu não sabia de absolutamente nada.

Ryan voltou pouco tempo depois, com a rosa e o porta retrato já em mãos, e uma expressão carrancuda.

– Não acredito que tive que revirar o lixo. – Bufou, acomodando-se novamente no banco do motorista. Entregou-me o que tinha em mãos. – Vê se guarda direito, ok? Vamos precisar disso.

– Eles querem que eu vá embora? – Perguntei, mantendo meus olhos fixos no vidro frontal do carro, sem dar a mínima atenção para o mau humor temporário dele. Eu estaria feliz se revirar o lixo fosse o maior dos meus problemas.

– Eu não sei muito mais que você... Mas acho que sim. – Ele olhava pra mim, mas eu não conseguia tirar os olhos do vidro.

– Vão tentar me machucar? Ou pior... Como fizeram com aquele garoto. – Aquelas palavras entalavam na minha garganta como enormes cubos de gelo, grandes demais para passar.

– Podem tentar, não vão conseguir. – Não tinha mais nenhum vestígio de mau humor em sua voz, agora ela era tenra e suave. Tentava me trazer algum conforto, mas eu estava aterrorizada.

– Como pode ter certeza? – Minha voz não passava de um sussurro.

– Eu não vou deixar. – Falou com tanta firmeza que tive que me virar para encará-lo. Ele sorria pra mim, e me fitava de tal modo que eu sabia que falava sério. Apesar de toda a confusão dos últimos dias, eu tinha muito o que agradecer, eu era realmente uma pessoa abençoada. Em cerca de 5 dias eu tinha conhecido pessoas incríveis e feito amigos. Amigos de verdade, que estavam dispostos a se arriscar por mim.

– Obrigada... – Sorri em resposta. – Mas o que nós vamos fazer? Vamos à polícia?

– Podemos ir se você quiser, mas eu duvido que vão fazer alguma coisa.

– Vamos tentar, por favor.

– Ok. – Ajeitou-se no banco do motorista, ligando o carro em seguida. – Vamos nessa.

_/_/_

PDV da Marie

Eu sempre soube que Noah gostava de curtir, digamos assim. Sempre o defendi, nunca passou pela minha cabeça que ele fosse um idiota cafajeste, mas agora eu não sabia mais o que pensar.

... Ok, não era justo, não tinha o direito de estar brava, ele não é nem nunca foi nada meu, e eu não devia levar em consideração nada do que tinha acontecido naquela sala de instrumentos. Mas doeu... Eu tinha ido lá pra resolver as coisas, pronta pra admitir que eu tinha gostado, e muito daquele beijo, e o encontrei se agarrando com outra como se nada tivesse acontecido.

Caminhei até a minha sala de aula tentando me convencer de que eu não deveria estar tão irritada, não tinha motivos pra isso... Bom, tirando as olheiras enormes e os olhos vermelhos pela péssima noite de sono. Passei quilos de maquiagem e mal consegui minimizar esses sinais horríveis de cansaço.

Nem mesmo a iminência da minha aula de teatro diminuía minha irritação, era sempre meu dia favorito na semana. A grade costumava mudar de um semestre pro outro, mas algumas aulas sempre se mantinham, como teatro e dança no geral.

Meus passos eram rápidos, queria chegar logo, me entreter com outras coisas e esquecer que o cara por quem eu estava apaixonada nunca me veria como mulher. Devido a pressa, meu trajeto de cerca de 10 minutos ficou ainda mais curto.

Adentrei o prédio, a sala de teatro ficava ainda no primeiro andar, ao fundo do corredor principal. Era uma sala grande, uma das paredes era inteira de vidro com uma barra no meio. Bastante parecida com uma sala de dança, mas a enchemos com toda a parafernália que julgamos necessárias para as aulas e quando chegam as vésperas das estréias, passamos a ensaiar no teatro principal e usamos a sala pra fazer e guardar o cenário.

Fui até o fundo da sala e coloquei minha bolsa no enorme banco que tinha ali, junto com as outras mochilas. Em seguida tirei o prendedor de cabelo do bolso de fora e prendi meus cachos em um coque, deixando os fios da frente soltos. Me lembrei do quanto Noah adorava desmanchar meus penteados, e do quanto eu parecia irritada por fora, mas bem lá no fundo, eu gostava.

Meu celular vibrou bem na hora que meus pensamentos voaram até ele, e eu agradeci mentalmente. Não podia simplesmente deixar minha mente vagar, se não eu ia encontrá-lo em cada pedaço do meu dia e simplesmente seria doloroso demais.

Peguei o aparelho no bolso, a tela brilhava com o anúncio de uma nova mensagem. O número era desconhecido. Abri-a.

“Bom dia Mademoiselle... Soube que tem um teste no fim de semana. Trate de arrasar e conseguir esse papel, eu tenho uma surpresa pra você.

P.s: Você ta linda hoje.

P.s ²: Não sou um louco psicopata, juro. Vou te provar em breve.”

Arqueei uma sobrancelha, sorrindo, divertida. Não tinha assinatura, nem qualquer indício que me fizesse desconfiar de alguém, o que aguçou minha curiosidade. Eu tinha um admirador secreto? Será?

_/_/_

PDV do Ryan

O silêncio reinava absoluto no carro. A delegacia mais próxima ficava fora do campus, na cidade. Não era tão próxima, nem tão distante, eu calculava uns 20 minutos de distância. Eu dirigia dentro do normal, já tinha chegado até Alícia, não tinha mais por que correr.

Por falar em Alícia, ela estava parada, pensativa, olhava para a frente e mal piscava. Eu só conseguia pensar em como a vida era injusta por fazer isso com ela, justo ela, a pessoa que não hesitara em estender a mão pra nenhum de nós, meros desconhecidos. Não era justo, se cada pessoa colhe o que planta, com certeza não deveria estar colhendo isso.

– Não tem ninguém pra quem você queira ligar? Posso te deixar na casa de algum parente na volta. – Olhei para ela com o canto de olho, não moveu um músculo sequer. – Não precisamos fazer tudo hoje, você pode tirar o resto do dia pra descansar, amanhã vemos o que podemos fazer.

– Não tenho nenhum lugar pra ir, Ryan. – Disse, simplesmente. A voz era tão baixa quanto um sussurro. – Meus avós e minha tia ficaram na Argentina, e meu pai ia ficar feliz se algo acontecesse comigo e eu saísse do caminho dele de vez.

– Não diga isso. – Interrompi, de pronto. Qualquer pai estaria cheio de orgulho por ter uma filha como ela, com certeza acabaram brigando ou algo assim, nada que fosse permanente. – Onde ele mora? Eu te deixo lá na volta, e vocês resolvem as suas diferenças.

– Não é simples assim, não é como se tivéssemos brigado por qualquer coisinha do dia a dia! – Ela finalmente virou os olhos em minha direção, alterando um pouco o tom de voz. – Eu sou bastarda, Ryan! Meu pai viajou pra Argentina a negócio e por acaso foi a uma boate onde minha mãe dançava. Uma noite, eu sou fruto de uma aventura. Ele era casado, e quando aquela VACA da mulher dele descobriu, o casamento dele quase acabou. Agora entende por que eu não posso ir pra lá? Está satisfeito? Ele provavelmente se arrepende daquela noite até hoje.

Tentei não deixar meu queixo cair, mas era difícil segurar. O pai da Alícia era um grande imbecil, ta aí uma coisa que eu nunca imaginaria. Na verdade, até hoje de manhã pouco antes da ligação eu acreditava que ela tinha uma ótima família, era o que sempre aparentara.

– Mas ele nunca nem te ligou ou algo assim? – Era inacreditável. – Nem nos aniversários?

– Ele me visitava sempre, até os 4 anos. Eu não me lembro de muita coisa, mas lembro como eu me sentia quando ele chegava, e como me sentia quando ia embora. Ele devia ser bom pra mim nessa época, eu ansiava por cada visita mais do que natal ou aniversário. Aí aquela vaca descobriu que eu existia e o fez escolher. – Ela fez uma pausa, suspirando longamente. Percebi que tinha tocado num assunto difícil. – Ela mesma jogou isso na minha cara anos depois. Fez questão de me contar tudinho, como ele implorou pra que ela não o largasse e como nem titubeou em aceitar suas condições. Me largou, sem cartas, ou telefonemas, como se nunca tivesse existido, e ficou com elas. A vaca e as gêmeas. E então quando minha mãe morreu minha tia mandou uma carta pra eles, e ela aceitou que ele me enviasse algum dinheiro. Passamos a nos falar de vez em nunca, basicamente por isso.

– Wow... – Era a única palavra concreta que vinha a minha cabeça. Aquela garota era cheia de surpresas. – A perda foi dele, se quer saber minha opinião.

– Não... A perda foi minha. – Murmurou, tristemente. Ela conseguia amar esse homem apesar de tudo o que acontecera, isso era impressionante. – Ele podia ter agido como uma pessoa descente e simplesmente ter dito que não podia escolher... Eu era tão sua filha quanto as gêmeas, e cresci sem nenhum tipo de apoio paterno. Minha mãe nunca mais quis saber de homem nenhum, ela sempre me dizia que o amor da vida dela era eu. – Ela soltou uma risada doída, olhei pelo canto do olho e vi que seus olhos marejavam novamente. – É única coisa que sempre me faltou... Um homem pra chamar de pai, pra ter ciúmes dos meus namorados e implicar com a minha roupa. É como uma peça de quebra cabeças que falta em mim, não sei explicar.

Imaginei minha vida sem Marion. Nunca me faltou nada, graças a ela. Não podia sequer imaginar como seria crescer sem ela.

– Eu entendo. – Respondi, sinceramente.

Ela não disse mais nada, e eu apenas deixei que o silêncio se instalasse. Estava absolutamente chocado, parecia história de filme. A mãe dela devia ser uma pessoa encantadora, fiquei curioso sobre ela, mas achei que não devia perguntar. Alícia devia ter puxado a ela, simplesmente não conseguia enxergar qualquer semelhança entre ela e esse homem que a abandonou sozinha com a mãe.

Tinha aprendido muitas coisas sobre ela hoje, mais do que em todos os outros dias.

Alícia não é tão frágil nem tão ingênua quanto aparenta. Ela é vivida, tem bagagem, e uma força impressionante.

Alícia não sabe guardar rancor, mesmo depois de tudo o que o pai lhe fez, ela ainda o ama e espera por seu amor. E quanto a madrasta... Bem, a garota não tem sangue de barata né, a mulher acabou com a vida dela.

Alícia tem um lado carente que esconde muito bem.

E o mais intrigante: Ela tem cicatrizes internas. Quem vê aquele sorriso enorme todos os dias pela manhã não imagina que elas existam.

Permanecemos em silêncio o resto do trajeto à delegacia, os olhos de Alícia passeavam do vidro para as evidências em suas mãos, e das evidências para os pedaços da foto (que não deixavam de ser evidências também, mas ela mantinha-os separados). Eu podia ver o brilho de seus olhos encarando os pedaços, e soube naquele momento que eu faria de tudo pra juntar de novo as peças, nem que precisasse contratar um especialista pra isso.

Estacionei o carro no chão de paralelepípedos em frente à delegacia e descemos vagarosamente. Ela suspirou longamente, criando coragem para prosseguir.

Não sei que tipo de coisas passavam pela cabeça dela ali, naquele momento, encarando a fachada da delegacia como quem vê sua salvação e perdição ao mesmo tempo. Imaginava que estivesse passando por vários conflitos internos, sabia que toda essa história de Seita era difícil de acreditar, eu mesmo duvidara, mas ao mesmo tempo ela tinha um forte indício em mãos, não tinha mais como negar. Isso devia assustá-la.

– Vamos. – Disse, de maneira imperativa. Na sua voz não existia mais nenhum vestígio de nervosismo, embora eu soubesse que por dentro ela se tremia inteira. Mais uma lição pra minha lista: Alícia transbordava coragem.

Acenei afirmativamente, seguindo-a de perto.

A delegacia estava vazia, provavelmente por estar localizada em uma cidade calma, pelo menos no quesito violência. Tinha um balcão bem alto ao fundo, e algumas fileiras de cadeiras pretas distribuídas diante de uma TV pequena. Do lado dela havia um bebedouro.

Alícia pisou firme e seguiu seu caminho até o balcão, atrás dele um policial cochilava. Ela pigarreou, e o preguiçoso despertou assustado.

– Er... Oi, em que posso ajudar? – Murmurou, claramente mau-humorado por terem o acordado de maneira tão súbita.

Alícia colocou cuidadosamente o porta retrato quebrado, a rosa, e os pedaços da foto um ao lado do outro em cima do balcão bem em frente a ele.

– Meu nome é Alícia Baquedano, fui abrir meu armário pela primeira vez hoje, e encontrei isso. Não é a primeira rosa que recebo, mas as outras estavam frescas, sempre com a fita preta. O porta retrato já estava quebrado, e a foto rasgada era um retrato da minha mãe, e estava na cabeceira da minha cama.

Ele olhava as três evidências e aparentemente não entendia o motivo de estarmos ali. Dirigiu a nós dois um olhar desconfiado, arqueando a sobrancelha, e eu resolvi interferir e deixar as coisas em pratos limpos.

– Parece uma ameaça pra mim. – Eu disse, encostando-me no balcão e encarando o sujeito. Nunca um policial me pareceu tão mal encarado.

O rosto do cara se contorceu em um sorriso debochado e eu senti vontade de socar a cara dele. Alícia apenas se manteve imóvel, encarando-o de modo a sinalizar que estávamos falando bem sério.

– Parece alguma piada de mal gosto. Olhem pra vocês... De onde vocês vieram mesmo?

– Universidade de Calloun. – Alícia respondeu. Acho que nunca a tinha visto tão séria antes. Seu tom de voz não era nada amável ou gentil, não tinha qualquer vestígio de leveza ou brincadeira, estava absolutamente focada.

– Universitários. – Riu o policial. – Hey, Lewbert! Vem ver isso aqui! A garota não agüenta os trotes da faculdade e quer registrar um B.O!

Alícia deu um tapa estrondoso na mesa, respirando fundo. Afaguei seus ombros tentando mantê-la calma, afinal eram policiais, e podiam prendê-la por desacato.

Um policial uns anos mais velho, pançudo e com a barba por fazer atravessou uma portinha de madeira e apareceu para nós, atrás do balcão. Lewbert analisou os objetos de Alícia mesmo sem saber do que se tratava e encarou o outro, tão mau humorado quanto aquele que nos atendeu.

– Deixaram essas coisas no armário da garota. O garoto disse que “parece uma ameaça” – Ria sozinho, parecia achar mesmo que estávamos em algum tipo de brincadeira. Lewbert apenas deixava seus olhos vagarem dos objetos para Alícia, e de Alícia para o amigo paspalho. Não parecia ver graça.

– Invadiram meu quarto! – Alícia perdeu a paciência, elevando o tom de voz. – Não é motivo o suficiente pra vocês ao menos olharem pra essas coisas? – Queixou-se, desgostosa. Lewbert fitava-a com cara de paisagem, não achava graça como o outro, mas também não parecia acreditar estar diante de algo sério.

– Ok, você mora sozinha? – Perguntou, preguiçosamente, tirando uma caneta do bolso. – Ba o quê? Pode soletrar seu sobrenome?

– B-a-q-u-e-d-a-n-o. E não, moro em uma república.

– Olha garota, eu quero ajudar. Mas vai ter que me mostrar mais que isso se quiser me convencer de que trata-se de uma ameaça.- Ele encarava Alícia, ela mantinha-se irredutível. - Você não tem, sei lá, uma colega de quarto? Ela poderia estar brincando com você...

– É... Essas coisas que colegas fazem sabe? Nem tudo é crime. – Disparou o outro. Lewbert revirou os olhos, alisando as têmporas.

Alícia riu, e eu entendia porque. Logo me veio a cabeça uma imagem de Marie dormindo com o abajur acesso por medo do escuro, era hilário mesmo imaginar que alguém a considerava capaz de uma “brincadeira” de tamanho mal gosto.

– Eu até tenho uma colega de quarto, mas se a vissem saberiam o quão ridícula é essa suspeita... – Ignorou completamente o outro policial.

– Olha garota, se fosse você, não procuraria caroço onde não tem. Uma hora você pode achar.– Lewbert suspirou, debruçando-se sobre o balcão e encarando-a firmemente. Os punhos de Alícia cerraram, e ela fuzilava o policial com o olhar, mal piscava, mantendo o contato visual a qualquer custo

– Não é uma brincadeira! Um garoto morreu antes, vão acabar me matando agora! – Ela alterou a voz, podia ver seus lábios tremerem de nervoso e medo. Um medo muito bem embutido.

– Ela está falando de Tim Crawford. – Acrescentei. Alícia olhou para mim, feliz por me ver demonstrar algum apoio. – O caso ficou famoso, o garoto morreu de alergia. Na época fizeram uma pequena investigação para apurar se houve envenenamento, mas o caso logo foi arquivado.

– Se foi arquivado é porque não acharam nada de conclusivo. – O policial concluiu, presunçoso.

– Porra Ryan, era pra ajudar Caralho.

– O garoto não tinha família. Eu fiz uma pequena investigação por conta e acho que se aproveitaram do fato de que ninguém parecia realmente interessado no garoto e arquivaram o caso. – Respondi. – Em outras palavras, acho que colocaram o caso por debaixo dos panos, se é que me entendem.

Lewbert ergueu as mãos para o alto, abaixando-as em seguida em um sinal de impotência.

– Vocês não tem nada concreto pra mim, eu não tenho o que fazer.

Alícia o olhava absolutamente estupefata e aborrecida. Eu percebia seu nível de estresse se elevar a cada segundo, e rezava mentalmente para que se contivesse, aparentemente sem sucesso. Seus olhos brilharam em fogo, e eu estava prestes a adicionar mais uma descoberta à minha lista:

A guria é pequena, mas guarda a fúria de um vulcão dentro de si. E não, não era legal provocá-la.

_/_/_

Alícia PDV

Ryan suspirou pesadamente, incrédulo, se esforçava para não explodir de raiva bem na minha frente.

– Não acredito que você jogou uma pilha de papéis na cara de um policial. – Disse, andando de um lado para outro freneticamente. Gesticulava bastante, socando as grades da cela vez ou outra. Sim, eu estava numa cela. Aqueles filhos da puta além de não me ajudar ainda resolveram me prender. – E xingou toda a família dos caras, os próprios caras, A MÃE DOS CARAS! Em pelo menos duas línguas diferentes!

– Eles mereceram. – Dei de ombros, sentando-me numa espécie de banco duro que eles achavam que era uma cama. Pelo menos tinha um travesseirinho rampeiro. – As mães talvez não, mas eles sim.

– Alícia, você quase fez o policial ENGOLIR a rosa! E agora? Como eu tiro você daí?? – Ele parou diante de mim, segurando a grade com ambas as mãos. Cerrou os punhos em volta dela com tanta força que podia ver a veia de suas mãos saltadas.

Revirei os olhos.

– Me deixa aqui ué, uma noite no xilindró não vai me matar.

– Você é Inacreditável! – Provavelmente era pra soar como um defeito, uma coisa ruim, mas o canto de seus lábios queria se esticar em um sorriso, um sorriso que ele estava tentando reprimir arduamente, provavelmente pra continuar o sermão. – Não vou te largar assim, muito menos ficar aqui até amanhã. Eles já foram bastante legais me deixando falar com você, geralmente não é assim, as pessoas não podem se aproximar das celas a torto e a direito.

– Eu não matei nem roubei ninguém, eles sabem que não podem me tratar como criminosa. Larga de drama! – Eu estava calma, tranqüila. Já tinha dormido em lugares piores que aquele durante as muitas viagens que fazia com minha mãe. Ela ia dar aulas de tango e dançar em cidades vizinhas, as vezes estados vizinhos. Sempre ganhando uma merreca. Muitas vezes arrumava um bico como doméstica em alguma casa durante o dia para ganhar um pouco mais de dinheiro. Sempre ia com ela, tanto para as casas onde trabalhava quanto para as boates à noite. Ela me proibia terminantemente de sair do camarim. Se é que se podia chamar um quartinho fétido com uma penteadeira caindo aos pedaços de camarim. – Está longe de ser o pior lugar que eu já dormi.

– Temos que ligar pra alguém... – Voltou a andar de um lado para o outro, puxando o cabelo pra trás como sempre fazia quando estava nervoso. – Você vai ter que me passar o número do seu pai.

– Não! – Respondi categoricamente. Não tinha a menor possibilidade de isso acontecer. De jeito nenhum.

– Eu não tenho dinheiro aqui, só o bendito cartão de crédito! Não tenho como te tirar daqui sozinho.

– Então me deixa aqui, já falei.

– Eu vou ligar pra Ana, ela deve ter o número.

– Ryan! Não! – Ele tirou o celular do bolso e discou rapidamente o número de Ana. Eu não tava acreditando naquilo. – NÃO! SEU CRETINO, VOLTA AQUI!

Eu gritava, socando a cela enquanto ele se afastava com o celular em uma orelha e a outra mão tapando as outras. Eu gritei ainda mais alto mas fui completamente ignorada. Infeliz!


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