O Colecionador De Penas escrita por Yukii


Capítulo 5
Fugit irreparabile tempus


Notas iniciais do capítulo

O título se refere a passagem do tempo ser irreparável, ao tempo não voltar. Relativo com a relativamente grande passagem de tempo que teremos neste capítulo. Boa leitura! c:
(obs.: Pesquisei um pouco sobre a geografia italiana e tentei me ambientar da melhor forma possível para escrever este capítulo de forma agradável. Peço desculpas se houver qualquer erro na ambientação, ainda estou aprendendo a selecionar minhas fontes de pesquisa. XD)



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A voz solene do velho padre ecoava pelas seis naves da basílica, cuja acústica bem-trabalhada permitia que os mais distantes conseguissem ouvi-lo com clareza. No alto, a abóbada brilhava em tons de dourado-vivo, exibindo seus arcos e imagens sagradas.

As missas na basílica de São Marcos eram ocasiões muito especiais. Sendo um dos templos católicos mais renomados da Europa, era comum que muitos padres, acólitos e outros membros do clero considerassem uma honra participar das cerimônias que se desenrolavam ali. O padre que redigia a missa parecia extremamente acostumado com a situação, sem compartilhar a silenciosa euforia religiosa dos acólitos que pontilhavam o altar, em suas mais variadas funções.

Depois de terminar uma de suas inúmeras leituras sacras com um pigarro seco, o padre virou sua cabeça branca para um dos acólitos num dos cantos do altar - um sinal mudo ordenando sua aproximação. O rapaz segurava um turíbulo¹, e o cheiro da fumaça perfumada percorreu as primeiras fileiras dos bancos cerimoniais quando ele se aproximou e prostrou-se onde o padre lhe ordenara.

O acólito em questão tinha cabelos castanhos e levemente anelados, que refulgiam à luz dourada da basílica. Sua mão esquerda segurava o turíbulo pelas correntes, enquanto a direita repousava no peito, como havia aprendido a fazer. O rosto jovem sugeria inexperiência e concentração. Vários dos que assistiam a missa sabiam o nome do padre que a redigia e de alguns diáconos mais antigos, mas nenhum deles conhecia o jovem Charles Kristof, em seus esparsos 16 anos de idade e alguns meses de vida clerical.

A voz rouca do padre começou a recitar trechos do Livro Sagrado aberto à sua frente. Ao seu lado, Charles lembrava-se do que havia aprendido nas aulas na Igreja e balançava o turíbulo levemente sempre que sabia ser necessário, deixando a fumaça aromática envolver o clérigo e sua leitura sagrada. Seus colegas acólitos, tão inexperientes quanto ele, admiravam-no de vários pontos do altar, e a chuva de olhares que recebia fez os dedos de Charles suarem - a corrente tremeu perigosamente entre seu indicador e o polegar - e seu rosto esquentar.

Finda a leitura, o padre fez um aceno breve com a mão, indicando que o acólito podia se afastar. Charles recolheu-se de volta ao seu posto do lado esquerdo do altar, tomando cuidado para não tropeçar na longa batina preta.

Do outro lado do altar, um de seus colegas sorriu para ele com um aceno positivo da cabeça, aprovando a atuação recente do colega. Charles tentou sorrir de volta, mas seu nervosismo ainda não aplainado fez surgir um esgar tremido no lugar do sorriso.

A missa se estendia lentamente, com ocasionais repreendimentos do diácono que supervisionava os acólitos presentes, resmungando ferozmente com os poucos que ousavam bocejar. Charles, por sua vez, tinha os olhos bem abertos e os lábios comprimidos - uma técnica simples para lutar contra o sono de uma noite de preparações e as longas horas daquela missa. O diácono se aproximou dele, o rosto fechado exibindo rugas fundas, e o garoto começou a ventilar a possibilidade de um bocejo ter-lhe escapado e atraído a atenção do superior. Mas, quando o velho se aproximou, ele resmungou algo um tanto diferente:

- Vá trocar este incenso. Vamos precisar de um aroma menos almiscarado para a parte da Adoração. E tente não pegar nada que cheire a flor de lótus, Lady Eshebert está sentando bem na frente e ela tem uma alergia terrível a qualquer coisa que cheire assim.

Charles acenou com a cabeça, registrando as palavras do velho homem e se retirando discretamente para uma das ante-salas do altar. Dali, caminhou por um corredor lateral e alcançou uma sala menor, cuja porta imponente foi destrancada por uma minúscula chave dourada puxada de sua sobrepeliz branca.

Ali, várias gavetas estendiam-se até o teto, algumas cuidadosamente etiquetadas, outras sem identificação alguma. A maioria dos objetos cerimoniais adjacentes e menos importantes era guardada ali - o que não incluía o turíbulo prateado e elegante que o jovem acólito carregava. Ele depositou-o cuidadosamente sobre uma mesa lateral, abrindo o recipiente e apagando o incenso que ainda queimava. Em uma das gavetas, encontrou o costumeiro pano surrado que usava para limpar as cinzas, e umedeceu-o numa larga bacia rasa de pedra que repousava sobre a mesa, destinada à limpeza superficial de objetos menores.

Charles ocupava-se em secar qualquer vestígio de umidade do turíbulo vazio quando a porta foi empurrada sem nenhuma delicadeza, ressonando num baque surdo que ele esperava não ter sido ouvido na nave principal.

No portal, uma figura descabelada ofegava.

- Charles! - gritou o homem, parecendo aliviado por encontrar o jovem acólito. Ele usava um terno surrado e tinha cabelos pretos colados à cabeça, acompanhados por um bigode fino e esquisito.

- Edmond - o acólito cumprimentou sem muito entusiasmo, puxando-o para dentro e fechando a porta. - O que está fazendo aqui? Quem o deixou entrar?

- A porta estava destrancada - defendeu-se Edmond entre arquejos. Ele puxou um lenço amassado do bolso e começou a limpar a testa suada.

Charles girou os olhos, e tentou voltar suas atenções para o turíbulo.

- Edmond, estamos no meio de uma cerimônia - e não é uma simples cerimônia, é uma cerimônia na basílica de São Marcos. Sabe o que isso significa? Eu não posso atendê-lo agora.

- Eu sei, eu sei, eu sei! - o homem grasnou nervosamente, guardando o lenço. - Não vim lhe pedir nada, meu garoto, acredite! Desta vez, estou aqui pelo seu bem. - ele pigarreou. - Pelo bem da sua família.

As mãos de Charles, ocupadas em secar o interior da cápsula do turíbulo, pararam abruptamente. Ele fitou o homem à sua frente, e, combinando um suspiro a olhos semicerrados, questionou, tenso:

- O que houve com Caius desta vez?

- Há! O que houve! O que houve! Você não imagina, garoto! - Edmond repetiu em tom dramático.

- Sabe, seria mais fácil para todos nós se você simplesmente falasse.

O homem engoliu em seco.

- Bom, como você sabe... como você sabe, eu e seu irmão temos... negócios com a família Fawles.

- Ah. - Charles girou os olhos. - Claro.

- E, bem, hum, infelizmente... infelizmente, por causa de alguns, hum, imprevistos, seu irmão... - ele parecia prestes a chorar. - Ah, Charles, eu não sei o que fazer.

- Mas o que...

- Ele disse que vai matá-lo. - sussurrou Edmond em tom etéreo. - Aquele cara musculoso e rico, Jules Fawles, disse que vai matá-lo.

Era de pleno conhecimento de Charles que Caius - seu falso irmão, por assim dizer - estava envolvido no submundo dos negócios no mercado negro, o que era uma profissão um tanto arriscada. Não era raro que ele recebesse juras de morte ou que fosse perseguido por um bando de corsários furiosos ocasionalmente, logo, a notícia não provocou o impacto dramático que Edmond parecia esperar surtir em Charles.

- Ah. Certo. - ele voltou suas atenções para o turíbulo. - Onde ele está agora?

Edmond amarrou a cara.

- Este é o problema, meu menino. Ele está aqui.

- Aqui? - Charles franziu o cenho. - Não, ele não está.

- Lá fora - completou Edmond. - Em frente à basílica. Aparentemente, estava vindo lhe visitar, mas então, aquele selvagem o achou e...

O sangue de Charles pareceu congelar.

- Eles estão brigando aqui? Aqui em frente?

- Brigando... algo assim. - Edmond coçou o nariz. - Ah, você sabe como seu irmão é meio estúpido. Estúpido demais até para brigar. Veja só! ele estava querendo dar a minha carga, a mercadoria que levei anos para... para conseguir de algumas pessoas, como pagamento para aquele maldito Fawles! Um ultraje!

Charles massageou as têmporas, sentindo uma onda de raiva preparando-se para explodir dentro de si.

- Deixe-me adivinhar, Edmond. Você não deixou Caius pagar o que deviam a Fawles, é isso?

- Obviamente! Mandei seu irmão obtuso dar um jeito, mas você sabe como ele é ruim com esse tipo de coisa, por isso venho pedir sua ajuda. Se você não fizer algo por ele...

Charles reuniu o pouco de força que seus anos de ensinamentos católicos deixaram em seus punhos para agarrar o contrabandista à sua frente pelo colarinho, olhando-o com ferocidade. Não era de sua índole perder a paciência, mas, algumas vezes, o egoísmo de Edmond era suficiente para despertar o que havia de pior no acólito.

- Então, é isso? - ele resmungou, a voz transbordando raiva. - Você simplesmente pede que Caius se mate por você por causa de uma dívida, enquanto se esconde dentro dessa Igreja e não o deixa pagar o que você deve? É isso, seu homem imundo?

Os olhos de Edmond estavam arregalados.

- Charles, não... ponha-me no chão... ponha-me no chão! - ele tentava desenganchar os dedos do acólito de seu colarinho, sem sucesso. - Eu cuidei de vocês dois por todos... por todos esses anos! Mostre algum respeito!

Sem aviso prévio, Charles largou-o subitamente e o fez cair no chão, embolotado no terno surrado.

- Saia. - pediu Charles em tom seco.

- Eu não...

- Saia. - ele repetiu com firmeza, empurrando o homem contra a porta. - Eu estou ocupado.

Edmond lançou-lhe um último olhar.

- Talvez você devesse deixá-lo morrer mesmo. É o melhor que tem a fazer. Ninguém sentiria falta daquele moleque.

Charles empurrou a porta com um estrondo, censurando-se mentalmente por perder a compostura com alguém como Edmond. Há alguns anos, ele tentara adotá-lo juntamente a Caius, secretamente interessado em vender ambos na primeira oportunidade que tivesse - era um contrabandista nato, afinal de contas. Os membros do clero veneziano, conhecendo a má fama do homem e sendo os responsáveis pela custódia de Charles, impediram a concretização do ato, mas Edmond sempre enviou algum dinheiro e outros bens para os falsos irmãos, parecendo tentar conquistá-los de alguma forma. Tempos depois, quando Charles engajara-se mais seriamente na Igreja, Caius acabara por se subordinar ao crivo de Edmond, o que lhe rendeu algumas complicações, incluindo um par de asas cerrado e uma certa fobia a luminosidade intensa.

E agora estava ali, a poucos metros de distância, correndo riscos pela centésima vez em seus poucos anos de estadia no mundo humano.

Charles tentou desanuviar os pensamentos daquele setor preocupante que incluía seu falso irmão e os perigos que ele corria. Obviamente, sua antiga família não sabia nada sobre seu falso laço familiar com o anjo que lhe salvara havia tanto tempo - havia perdido o contato com eles quando se mudara para Veneza.

As mãos esquálidas do acólito vasculhavam uma das gavetas de incenso, e ele apanhou um pacote rosa e comprido, sem prestar atenção em qual aroma era aquele. O incenso foi depositado no interior do turíbulo apressadamente, e ele acendeu-o com mãos trêmulas.

A missa continuava a se desenrolar monotonamente, e a voz do padre parecia ter envelhecido um mihão de anos enquanto Charles esteve fora.

Um diácono feroz o esperava no altar.

- Por todos os santos, onde você estava? Se demorasse um pouco mais, você arruinaria essa cerimônia. Não se pode ler o próximo trecho sem um turíbulo aceso.

Charles resmungou um pedido de desculpas esmigalhado, e foi ocupar seu posto lateral no altar. A fumaça do incenso começava a se desprender com brandura, e seu coração martelava furiosamente, esperando a qualquer momento ouvir um estrondo ou qualquer coisa que indicasse que Caius estava com problemas. Seus olhos ansiosos focavam o portal da basílica, tentando divisar o que quer que pudesse estar acontecendo lá fora. A intensa luz da manhã, porém, não permitia que ele divisasse muita coisa além de distantes silhuetas de passantes e alguns pombos.

Luminosidade forte. Se Caius estava realmente lá fora, ele devia estar odiando o lugar.

Charles estava tão focado em sua vigília que quase perdeu o momento certo de adiantar-se para o lado do padre com o turíbulo em mãos. A fumaça espiralou em golfadas quando ele movimentou o objeto pela primeira vez com um pouco mais de força que o necessário - um possível fruto maligno de seu nervosismo. Felizmente, ele não derrubou cinzas no padre.

Um espirro um tanto agudo ecoou de algum ponto próximo à sua direita. Ignorando o barulho, Charles continuou em sua função, contando mentalmente para demarcar quando fosse necessário balançar o turíbulo. Um segundo espirro se seguiu ao primeiro, e um terceiro, e um quarto, todos da mesma voz. E um olhar afiado espetava as costas do acólito.

Após alguns segundos de silenciosa reflexão, ele se deu conta do que devia ter acontecido - e do quão culpado ele era.

Com uma olhadela rápida para o lado, Charles divisou uma senhora envolta em plumas elegantes, sentada ao lado do que parecia ser seu marido. Ela cobria o nariz e a boca com um lenço, e seu rosto estava rosado, transparecendo constrangimento - Lady Eshebert e sua famosa alergia por flor de lótus.

Charles imaginou que o olhar que o pinçava deveria ser do diácono, que lhe alertara apenas alguns minutos mais cedo para não escolher o incenso de flor de lótus. Ainda assim, a conversa com Edmond o distraíra e o fizera pegar o primeiro incenso da primeira gaveta que abriu - um pacote rosa sem identificação, mas que certamente cheirava a flor de lótus.

As orelhas de Charles esquentaram de vergonha enquanto a mulher continuava a espirrar. De todos os incensos que poderia pegar aleatoriamente, porque tinha de pegar justo o proibido?

Lady Eshebert espirrava repetidamente, e parecia quase sem ar. O padre parecia não reparar, persistindo em sua ladainha monótona. Inconscientemente, Charles recuou um passo, tentando desviar a fumaça adocicada de perto da mulher, mas ela continuava a espirrar sem parar. O garoto já não sabia o que poderia fazer, quando um dos acólitos aproximou-se discretamente e sussurrou a ordem do diácono para que ele voltasse a seu posto original. Girando nos calcanhares e caminhando disfarçadamente até seu lugar no altar, Charles encontrou um diácono vermelho e brilhante de suor, parecendo incrivelmente furioso.

Sem palavras, ele fez um aceno rígido de cabeça, indicando que o turíbulo deveria ser passado ao outro acólito. No caminho, Charles quase o derrubou, espalhando algumas cinzas por cima de sua sobrepeliz branca, o que não contribuiu para animar o diácono. O colega recebeu o turíbulo e permaneceu em seu posto, enquanto Lady Eshebert lentamente recuperava o ritmo de sua respiração e um de seus servos abanava a fumaça para longe de seu rosto.

- Me diga, Charles Kristof, por que, eu me pergunto, por que de todas as chances que você tinha de fazer algo errado, tinha que ser hoje? - um diácono feroz o questionou enquanto caminhavam a passadas largas por um corredor lateral da basílica, longe da vista dos que assistiam à cerimônia.

- Eu não sei, senhor.

- É claro que não sabe. Ninguém nunca sabe. Eu mesmo o indiquei para estar presente nesta cerimônia, ciente de sua competência em suas funções, e o que você me faz? Dos mil incensos que temos à nossa disposição, você escolhe o único que causa algum mal para alguém! E alguém importante!

- Desculpe-me, senhor. Isso não se repetirá.

- Não, claro que não, ou terei que chutar você para alguma outra Igreja. - o diácono suspirou. - O que está acontecendo, Charles? Você é um bom acólito. Um jovem responsável. Nunca algo assim aconteceu antes. O que...

A voz do diácono foi lentamente silenciando enquanto ambos se aproximavam de uma saída lateral da basílica, por onde era possível divisar um homem grande e corpulento discutindo ferozmente com um jovem menor e esguio, de cabelos louros um tanto compridos e dedos calmos que tamborilavam na borda de uma carroceria que parecia abarrotada. Edmond não estava à vista.

Charles congelou.

- Ah. Eu deveria imaginar. - o diácono resmungou com frieza, observando a cena junto ao acólito. - Caius Kristof. Por Deus, que espécie de irmão vem arranjar problemas na porta de uma das mais sofisticadas Casas de Deus? Este moleque não tem nenhum respeito pelas forças divinas, ou ao menos por você?

Mas Charles não estava mais escutando. Ele desceu os degraus de pedra num trote rápido, assustando alguns pombos enquanto caminhava pela larga praça de pedra, a sobrepeliz branca refulgindo à luz solar.

Jules Fawles puxou um punhal do cinto e apontou-o na direção de Caius, que parecia não se preocupar, descansando uma das maçãs do rosto na mão esquerda. Ele só percebeu a presença de Charles quando este encontrava-se a poucos metros de distância, com o vento bagunçando seus cabelos castanhos.

- Ah, Charles! - o anjo se virou para ele com um sorriso alegre, ignorando o gesto furioso que o homem fez com o punhal em direção ao laurel de cabelos louros que lhe escondiam o pescoço. - Sua missa já terminou? Eu precisava falar com você.

- Não sem antes terminarmos a nossa conversa - rosnou Fawles, fazendo gestos ameaçadores com a lâmina prateada. Caius amarrou a cara para ele, um quê de arrogância transparecendo em suas sobrancelhas franzidas.

- Se você quer conversar com sua faca, não me inclua na conversa, obrigado.

- Ora, seu...

- Não, espere! - Charles interviu, arriscando aproximar-se do homem corpulento que ameaçava seu falso irmão. - Posso ajudar a resolver isso. O que você quer?

Os olhos de Fawles brilharam com violência.

- Quero a cabeça de seu irmão empalada no meu muro. Pode fazer isso por mim, padrezinho? Quer rezar uma missa antes?

Charles encolheu-se, e o anjo suspirou, entediado.

-  Charles não é um padre. E você costumava ser mais simpático quando eu comprei aquela terra horrorosa para você.

- Isso foi antes daquele maldito Edmond me roubar! - vociferou o homem. - O que é meu, é meu, e eu quero o que tenho por direito!

- Ele é péssimo com essas frases de impacto. - Caius sussurrou ao ouvido do irmão. - Ele não precisa fazer muito mais do que falar para me torturar.

- Essa carroça, hum, você a quer como pagamento, é isso? - questionou Charles, lembrando das palavras de Edmond.

Fawles abriu um sorriso irritado.

- Serviria como pagamento, moleque. Seu irmão, porém, prefere dar a vida no lugar, aparentemente.

Caius deu de ombros.

- Não fui autorizado a dar essas mercadorias para você. Não há nada que eu possa fazer.

O rosto de Fawles adquiriu uma coloração vermelha, a fúria tornando-se evidente em cada poro de sua pele.

- Escute, rapazinho. Se você não me pagar o que deve até o meio-dia, eu não hesitarei em matar você aqui mesmo, da pior forma possível. Se for necessário - ele apontou o punhal para Charles -, posso levá-lo junto.

Após terminar de falar, o homem empertigou-se, como se esperasse que os irmãos fugissem de medo em face de suas palavras. Charles não podia deixar de sentir algum medo - estava acostumado com o ambiente pacifista de Igrejas, com padres velhos e gordos cuja severidade não se estendia além de caras feias.

Caius, por sua vez, desencostou-se da carroça, caminhando calmamente até o homem. Ele tinha uma expressão condoída, como se estivesse prestes a fazer algo de que não gostava.

- Você não me deixa muita escolha. - ele suspirou. - As coisas pioraram quando você ameaçou Charles.

- Ah, é? - Fawles sorriu com ironia, levantando o punhal. - E o que você vai fazer?

Com um mau presságio sobre a atitude do irmão, Charles recuou alguns passos.

- Você quer esta carroça? Pode ficar. É toda sua.

O homem hesitou, baixando o punhal alguns centímetros. Confirmando os temores de Charles, Caius agarrou a cabeça do homem, e, numa fração de segundo, chocou-a violentamente contra a extremidade pontuda da carruagem, com um som não muito agradável. O corpo enorme de Fawles rolou na rua, e alguns passantes estancaram o passo para observarem, horrorizados, a cena.

Caius caminhou até o irmão, limpando as mãos no longo capuz preto que usava sobre as roupas. Involuntariamente, Charles recuou um passo.

- Agora - Caius sorriu -, como vai o meu filhote de Adão preferido? - ele puxou o irmão pela praça. - Vamos sair de perto, antes que aquele senhor simpático acorde.


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Notas finais do capítulo

¹O turíbulo é uma espécie de objeto cerimonial que funciona como um incenso. Vocês provavelmente já viram em alguma missa, ou até na tv - é como uma "gaiola" fechada de metal, pendurada por correntes, com um incenso ou objeto semelhante dentro, aceso.
Este capítulo era para ser supostamente maior, mas, novamente, me envolvi demais nos detalhes secundários, e ficou assim. @_@ Como vocês podem ver, houve uma passagem temporal de oito anos (Charles tinha oito anos no último cap., e agora tem dezesseis). Antes, ele era um menino numa igreja feudal italiana que supostamente deveria se tornar um castrato, mas aconteceu tudo aquilo, e, bem, agora ele trabalha como acólito em Veneza. Sei que essa história de "irmãos" deve estar confusa para todo mundo, especialmente com o fato de que o irmão que morreu do Charles TAMBÉM se chamava Caius Kristof, mas lembrem-se que no último capítulo o Charles deu esse nome para o anjo. E não se preocupem, tudo será explicado nos próximos capítulos, inclusive como diabos o Caius voltou depois de ter sumido no último capítulo, e como eles desenvolveram essa história de irmãos. XD Eu não expliquei tudo isso de uma vez aqui porque não gosto de colocar slots de informação de uma vez, faz a história ficar chata : Além do mais, um pouco de suspense sempre ajuda!~
Se qualquer coisa estiver confusa demais ou não tiverem entendido algo, me avisem nas reviews, por favor. Isso me ajuda MUITO a melhorar o jeito que escrevo, que é algo que eu realmente preciso. Muito obrigada por acompanharem esta história, e até o próximo cap.! ♥



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