Não Pare a Chuva escrita por sheisbia


Capítulo 19
Capítulo 19 - Rainy day


Notas iniciais do capítulo

"Nós podemos fazer isso durar pra sempre, então por favor, não pare a chuva" (James Morrison, Please don't stop the rain)



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TOM's POV

Senti algo pesar sobre meu peito, não incomodava nem um pouco, mas também não era comum. Abri os olhos devagar e mirei-os para baixo, vendo a cabeça de Nicole repousada sobre mim. Me lembrei que havia dormido na mesma cama que ela, só não me lembrava de nenhum momento que ela tenha me agarrado durante a noite. Sorri sem motivos e acariciei sua pele, ela estava quente. Olhei em volta, era cedo. Me levantei com cuidado para que ela não acordasse e me dirigi ao banheiro.

Depois de realizar minha higiene matinal, voltei para o quarto e lá estava ela, com o rosto inchado, cabelo e roupa bagunçados e uma expressão de ódio comum.

— Bom dia. Dormiu bem? Pelo seu ronco, eu creio que sim. — Eu disse com um sorriso.

Ela olhou-me com ainda mais ódio, como se quisesse apenas me triturar com o olhar. Eu ouvi que geralmente algumas pessoas não acordam de bom humor, mas ela era sempre exagerada. Eu me sentei na cama, longe dela, enquanto procurava por um cigarro no criado-mudo.

— Eu tive um péssimo sonho, se quer saber — ela finalmente disse algo.

— Sonhou com o quê?

— Eu não sonhei, na verdade foi um pesadelo. E a culpa é sua e daquele filme imbecil.

— Não respondeu minha pergunta.

Seus olhos baixaram enquanto eu a fitava. Ela respirou fundo.

— Sonhei que morria — ela disse séria.

— Não foi assim tão mal.

— Idiota!

Quando acendi o cigarro ela se levantou e começou a arrumar suas coisas. Enquanto calçava sua sandália, sentada do outro lado da cama, eu me levantei para pegar meu celular na penteadeira e jogar o cigarro pela janela ao lado de onde estava sua bolsa, aberta. Notei que estava lotada de coisas, entre elas, um caderno lilás com uma flor de tecido colada na capa. Eu sei perfeitamente que não é legal mexer nas coisas de alguém, mas eu peguei o caderno em mãos para simplesmente perguntar o que era aquilo, mas assim que eu virei-me para Nicole, ela notou o caderno e correu pra cima de mim.

— Devolve agora! — gritou brava.

— Eu não vou roubar, eu só...

— Agora!

Seu último grito foi proferido junto com alguns tapas pelo meu braço e empurrões fortes — fortes demais pra uma garota. Eu tentei devolver, mas ela me empurrou a ponto de ambos cairmos sobre a cama e o caderno ao meu lado. Ela soltou um suspiro de irritação e pegou o caderno, o abraçando ainda com o olhar furioso, como se eu tivesse cometido um crime.

— Pode me dizer o que há de tão especial nessas folhas? — perguntei.

Ela fitou o caderno e não me deu resposta. Enquanto parecia absorta, a porta se abriu com uma voz fina e sarcástica. Olívia.

— Tom, a Nin está... Opa, já vi que tô interrompendo um momento particular — seu sorriso parecia zombar da situação. — Até!

— Espera aí! — Nin gritou e se levantou rapidamente.

Por mais que a situação não fosse das mais agradáveis, eu iria pagar pra ver Nicole tentando explicar a situação para a Olívia. No entanto, meu humor foi embora rápido ao ver a expressão de repugnância estampado no rosto dela enquanto me encarava. Eu fiz alguma coisa e não percebi? É claro, além do filme. Não achava que uma brincadeira tão idiota como aquela podia trazer tanto ódio à alguém.

— Eu vou esclarecer as coisas — apesar de sua expressão, ela disse isso calmamente, pegando sua bolsa em seguida.

Suspirei.

Um pouco mais tarde me dirigi até a cozinha para o almoço. Julie e Nicole cozinhavam juntas enquanto os outros conversavam sentados à mesa na sala de jantar. Me juntei a eles e de cara, recebi uma provocação um tanto tediosa:

— Dormiu bem, Tom? — Georg perguntou enquanto Olívia sorria.

Infelizmente, a sala de jantar era ao lado da cozinha e não havia portas para separá-las, portanto a senhorita geniosa ouviu, mas nada disse.

— Dormi — respondi, dando ênfase a palavra, como se fosse a única coisa que tivesse acontecido durante a noite. E não foi?

O restante daquele dia foi monótono e passou lentamente, mas o péssimo humor de Nicole durou até tarde. Naquele dia o céu estava nublado e com certeza a chuva iria cair a qualquer momento, o que nos impediu de ir até a praia. Isso não foi problema, contando com o conforto e elegância que a casa oferecia, não dava muita vontade de sair de lá. Por isso decidimos organizar um jantar igualmente refinado especialmente naquele dia, iriamos preparar italiana.

O relógio marcava 19h quando Julie inventou do jantar especial. Certamente ela sabia cozinhar esses pratos aparentemente difíceis, mas ainda faltava ingredientes, mas ela tratou de fazer logo uma lista e dá-la para Nicole. Porém, a lista pareciam um tanto grande para apenas ela carregar tudo sozinha e então propus a ir ajudá-la, como era previsível, ela negou na hora. Mesmo assim, após muita insistência de Julie, acabamos indo até o mercado sem reclamar mais. Como era bem perto, não usamos o carro e fomos a pé.

A caminhada durou quinze minutos. Quinze longos e silenciosos minutos, já que ela decidira não dizer nada e, mesmo quando eu a questionava sobre algo aleatório, ela apenas respondia assentindo com a cabeça. O caminho também não favorecia em nada, afinal eram ruas calmas, sem muitas casas muito menos comércio e não havia quase ninguém andando por lá naquela hora. Eu estava disposto a pedir desculpas pelo que quer eu tivesse feito, pois aquilo já havia consumido o resto de calma que me restava.

Ao chegar no estabelecimento, entramos sem problemas. O lugar era bonito, tinha luzes brancas e fortes e era como um outro supermercado comum. Estava tudo absolutamente agradável, a não ser o clima entre nós. Nin retirou do bolso a lista que lhe fora entregue e analisou item por item enquanto andávamos entre o local.

— Que tipo de comida a Julie pretende fazer? — eu perguntei, esperando uma resposta além de "sim" e "não".

— Pelos ingredientes... Macarrão — ela respondeu-me finalmente, olhando para a lista e sorrindo pela primeira vez naquele dia.

— Isso é a tal comida italiana?

Não demorou muito para que o silêncio voltasse, porém as compras foram bem rápidas, já que Nin era bem objetiva nesse ponto. Mas como nada podia ser eternamente perfeito, assim que saímos do mercado pôde-se ouvir um estrondo fortes no céu, trovões. E nuvens carregadas os acompanhando. Decidimos andar mais rápido, porém, antes mesmo de chegarmos à metade do caminho, uma chuva forte começou a cair. Havia apenas duas opções disponíveis, eram elas correr ou procurar um lugar até a chuva passar. Eu escolhi a primeira, mas como minha opinião representava exatamente nada para Nicole, procuramos um lugar.

Havia, porém, apenas uma fábrica aparentemente abandonada. Era como se os responsáveis não aparecessem por ali há alguns anos. Não havia luz, apenas a luz do poste fora da rua que iluminava um pouco através das janelas. As paredes pichadas e o chão repleto de pó. Nada além disso.

— Isso me parece familiar — eu disse, me arrependendo em seguida de dizer tão alto em meio ao silêncio.

— É, parece.

— Aconteceu alguma coisa? — eu perguntei sério, não suportava mais que ela estava fazendo. — Se é por causa do filme eu peço desculpas, satisfeita?

Ela colocou as sacolas e sua bolsa no chão, limpou um pouco o chão e sentou-se, sem se importar nem um pouco no quanto sujaria seu short e botas pretas ou sua camiseta branca, como quase todas as garotas fariam.

— Não é pelo filme — ela não me olhou para responder, ao contrário de mim que a fitava duvidoso.

— Então devo pedir desculpas por você estar na tpm?!

— Não.

Espantei-me com sua resposta séria e calma, em qualquer outra circunstância ela me socaria ao dizer aquilo. Pegou sua bolsa no colo e tirou de lá o caderninho pelo qual ela quase me matou anteriormente e me entregou.

— O que é isso?

— Abre — ela pediu.

Sentei-me ao seu lado e abri com um pouco de receio. Lá havia várias páginas rabiscadas que não faziam o menor sentido pra mim. Havia uma lista com apenas três datas e nenhuma observação sobre elas, apenas uma flor desenhada ao lado e o nome: "Catherine V. L." E ela desenhava bem. Continuei observando página por página até que um envelope caiu do caderninho, não havia nada escrito além de: "Querida pequena". Eu olhei para Nicole, como se pedisse uma permissão para abri-lo e ela assentiu.

Dentro havia uma linha:

"1964, Catherine, eu te amo.", e o restante em francês.

Minha mente deu um nó ao ver aquilo e eu encarei-a por um instante, pedindo uma explicação com o olhar. Ela sorriu um pouco e tomou a carta em mãos.

— Meu avô escreveu para minha avó. Nessa época o pai dela havia separado os dois e ele diz que sente saudade.

— É isso que guardava com tanto medo? — perguntei um pouco confuso. — Eu não sei francês.

— Há algum tempo os dois foram internados em hospitais diferentes. Ele adoeceu primeiro, ela depois. Antes de morrer, ele encontrou a carta e me entregou. Ele me chamava de pequena, como o meu pai — ela sorriu e voltou a ficar séria em seguida. — É a lembrança mais forte que tenho dele, quando me entregou e, assim que eu saí daquele quarto, faleceu. Desde então, sempre que posso, eu leio a carta para ela no hospital.

— Você era apegada a eles, não é?

— Sim. Mas ela sofre de Alzheimer agora, se esqueceu completamente de mim e dele.

— Por que tá me contando isso?

— Essa é só uma das coisas que eu guardo nesse caderno. Algumas estão escritas em francês como a carta e são pedaços das minhas memórias. É como um diário, mas não conta sobre mim, não conta uma história. Não conta nada. São só anotações importantes. E memórias. Vai ser importante um dia.

— Por quê?

— Eu tenho medo de morrer. E de me esquecer de tudo — ela continuou, sorrindo e olhando para o nada, como se lembrasse de algo especial.

— Eu entendi então porque ficou tão brava com o tal pesadelo.

— Eu não fiquei, é por outro motivo.

— O caderno?

— Um pouco. Mas também não é isso.

Fitei-a por muito tempo enquanto tentava adivinhar o que se passava naquela cabeça. Confesso que estava muito quente, mesmo com toda a chuva, que também não diminuíra desde que entramos ali.

— Pelo telefonema do Matt? — tentei novamente. — Aliás, o que ele queria tão tarde?

— Não! E eu pedi um favor pra ele.

— Droga, que garota complicada! — resmunguei enquanto ela ria. — Não vai me contar então por que tá assim?

— Porque eu não consigo tirar uma coisa da minha cabeça. Eu notei isso há alguns dias atrás. E eu tenho medo disso me machucar.

Fiquei algum tempo só observando-a, imaginando o que seria aquela tal coisa.

— Você é muito idiota — ela murmurou.

— Já voltou a me ofender de repente? — eu sorri apenas ao ver seu humor voltar, mesmo que lentamente.

— Oh, mil perdões! — ela riu e guardou o caderno na bolsa, tirando dela um celular. — Vou pedir para o Bill buscar a gente, já passou da hora de ir embora. Da última vez que fiquei presa com você por causa da chuva não foi muito legal.

— Obrigado pela parte que me toca!

— Tem uma ligação perdida... Espera aí.

Ela discou um número e eu rolei os olhos certamente a ligação seria o Matt. Eu queria saber que tipo de favor ela pedira que o fazia ligar de madrugada. Aliás, eu queria saber porque ele ainda falava com ela. E também queria saber porque eu me importava.

— Sem sinal — ela respondeu após algumas tentativas.

— E agora? — perguntei.

— Vamos esperar um pouco.

Esperamos. Mais dez minutos lentos e irritantes, onde eu rezei para que aquela chuva parasse logo e eu simplesmente fosse embora. Nicole ficou cantando músicas baixinho o tempo todo, disse que não queria falar comigo porque eu a irritava. É, a velha e irônica Nicole havia voltado, definitivamente.

— Tá quente aqui — ela disse após algum tempo sem cantar nada.

— Arram, por quê? Vai tirar a roupa? — eu ri de sua cara brava me encarando.

— Prefiro derreter.

E voltou a cantar, dessa vez cantou "Beat It", ainda bem baixinho, enquanto mexia os braços. Como alguém consegue ir do silêncio e tristeza extrema até Michael Jackson? Eu aproveitei seu momento infantil para puxar do bolso um cigarro e um isqueiro e acendê-lo. Quando ela virou o rosto de volta pra mim, cerrou os olhos, tirou o cigarro de minha boca e apagou-o no chão.

— O que tá fazendo?!

— Se quiser fumar vai ser longe de mim! — ela disse brava, mas sem alterar o tom de voz.

— Por que você não vai pra longe?

— Porque eu não estou incomodando ninguém.

— Você já se ouviu cantando?!

— Isso não vem ao caso... — ela ajoelhou-se ao meu lado e colocou as mãos dentro do bolso da calça, a procura do maço de cigarros.

— Isso é assédio sexual, sabia? — recebi um soco no ombro como resposta. — Tá! Eu vou pra longe, satisfeita?

— Por que tem que fumar numa hora dessas?

Afinal, qual era o problema em um cigarro?

— Eu só preciso de algo pra ocupar minha boca — respondi sem humor.

Ela cerrou ainda mais os olhos e, depois de envolver seus braços no meu pescoço repentinamente, me beijou. Fiquei surpreso com aquela atitude inesperada, mas apenas o correspondi ao seu ritmo com avidez e minhas mãos deslizaram até seu quadril, puxando-a para mais perto, enquanto seus lábios macios e quentes se encaixavam e moviam-se em perfeita sincronia com os meus. O ar faltou por alguns instantes e ela se afastou com seus lábios sem sorriso, porém, os olhos sarcásticos de sempre.

— Precisa de algo mais, senhor Kaulitz? — ela continuava séria, com seu corpo ainda próximo ao meu.

— De você.

Ela fitou-me surpresa e, apesar da luz, podia vê-la ruborizar. Trancou a respiração, enquanto eu me aproximava novamente dos seus lábios para beijá-la calmamente. Ela esticou os dedos que caminharam do meu pescoço ao meu braço e segurou minha mão, enquanto a outra continuava a prender nossos corpos juntos. Nossas mãos estavam encaixadas e eu não conseguia pensar em nada coerente, a não ser o porquê dela estar fazendo aquilo.

— Só pra constar — ela sussurrou entre os beijos, como se pudesse ler minha mente com apenas um toque. — Foi impulso.

Senti como se ela estivesse rindo da minha cara naquele exato momento, e com toda a razão, eu merecia. Mas aquilo não era impulso nem de longe e muito menos de perto. Naquele momento, acho que nós dois desejamos que aquela chuva não parasse nunca mais.


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Notas finais do capítulo

Eu com medo da reação de vocês? Magina haha. Um beijo pra Lovethek que me obrigou a postar logo, pra Pitchu que me ajudou e pra Analg_483 pela indicação *-* (olha eu achando que tô recebendo o oscar, aham cláudia). Póximo capítulo a Nin volta a narrar, beijos e deixem reviews