Utopia escrita por dastysama


Capítulo 13
Capítulo 13 - Pinceladas Perdidas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/81561/chapter/13

Apesar do frio cortante, o Sol ainda parecia ter forças para iluminar um pouco e tentar se infiltrar nas trevas que era aquele gelo. Biene estava sentada em uma bancada de madeira observando Fester Wald lixando o casco do seu barco calmamente, ele cantarolava alguma balada romântica enquanto ela tomava café quentinho que ele havia servido.

– Seu barco vai ficar lindo, vou pintá-lo ainda! Quer que eu coloque algum nome nele? Geralmente colocam – ele disse dando uma parada e olhando para ela.

– Eu não sei... – ela disse pensativa, tentando buscar alguma coisa significativa – Acho que Utopie... gosto muito dessa palavra.

Utopie? O que isso significa? – ele perguntou repetindo a palavra várias vezes, tinha um sonido bom, que agradava tanto seus lábios por falar quanto seus ouvidos ao ouvir.

– Utopia é como uma cidade perfeita, imaginária e irreal. É como um mundo paralelo, um mundo que não existe. O termo foi inventado por Thomas More como título para uma obra que escreveu em 1516, baseado nas narrações de Américo Vespúcio quando este visitou a Ilha Fernando de Noronha, em 1503.

– Uou! Você entende mesmo dessas coisas – ele disse impressionado como ela conseguia gravar tantas informações e datas – Mas qual é o significado para você?

– Não sei – ela disse dando de ombros, tomando um gole do café, tentando pensar em uma boa resposta – Talvez seja esse lugar, ele parece ser tão diferente do que eu estava acostumada. Trocar Madgeburg por Aach foi algo estranho e significativo ao mesmo tempo. Talvez porque tudo aqui pareça irreal demais, como se cada esquina quisesse contar mil segredos, mas mesmo assim prefere ficar em silêncio.

– Você é estranha – ele disse rindo roucamente – A cara do seu avô! Cheio de jeitos excêntricos e misteriosos. Mas e seus pais, como vão? Faz tempo que os não vejo.

– Foram para Munique mostrar a peça que fizeram, um amigo deles, dono de um teatro, está louco para colocar a história em ação. Espero que eles consigam algo, é o sonho deles.

– Mas você me parece tão triste, por quê? Sente falta deles? Brigou com seu avô?

– Não! – ela disse forçando um sorriso de repente – Estou ótima, só estou com sono, ontem não dormi muito bem. Mas logo eu me recupero. Só de ver que meu barco está quase finalizado, já me deixou mais feliz.

Fester acreditou no que ela falou e apenas balançou a cabeça antes de continuar a lixar o barco. Biene ficou só mais alguns minutos conversando com ele quando decidiu ir embora, afinal não queria ficar o incomodando e queria seu barco feito o mais rápido possível. Mas ir para casa ou para a casa de Eleazar estava fora de cogitação no momento, queria apenas ficar sozinha por alguns momentos e sabia onde deveria ir.

 

Bill e Eleazar foram para a cozinha, ela era enorme, toda feita em madeira que aparentava também ser bem antiga, com panelas de aço presas na parede que tilintavam quando uma tocava na outra. Havia outra porta no canto e Eleazar a abriu, ali havia escadas que levava para uma espécie de porão que graças aos céus era bem iluminado, mas tinha um cheiro de mofo terrível.

Quando ambos chegaram ao fim da escada, podia-se ver um monte de tranqueira em todos os lugares, principalmente móveis cobertos com panos brancos, baús, livros antigos e vários outros objetos. Pelo visto devia ter algo lá, por que havia tanta coisa velha, que algo poderia ter pertencido ao lugar antes de ser comprado.

– O que tem aqui? – Bill perguntou tentando localizar algo seu interesse.

– Já te mostro, deixa só eu achar – Eleazar disse indo até as coisas velhas e começando a procurar algo atrás delas enquanto Bill apenas ficou olhando, esperando que algo realmente emocionante acontecesse.

– Não sobrou muita coisa, acho que a maioria das coisas daqui foi vendida para que o lugar não falisse, mas não deu muito certo. Com sorte, sobraram alguns quadros daquela época. Pintavam as mulheres que ficavam no Cabaré, ouvi dizer que havia dezenas de quadro, mas agora só sobraram três.

O coração de Bill começou a bater rapidamente, a adrenalina corria por suas veias avisando que talvez os sonhos tivessem algum significado. Ele queria tanto que um dos quadros fosse de Johanna, queria reconhecê-la só de olhar e perceber que ela era tão real quanto o resto do mundo. Que um dia talvez, ela estava respirando do seu lado. Era estranho ter esses sentimentos, mas ansiava por isso.

– Aqui estão! – Eleazar disse pegando algo enorme que estava embrulhado em mais panos brancos – Deixe-me só tirar isso.

Eleazar colocou os quadros em cima de uma mesa e tirou o pano que os envolvia. Bill se aproximou para olhar melhor. Um dos quadros havia uma mulher loira que não reconhecia, com cabelos ondulados até os ombros e olhos azuis penetrantes, como se olhasse de forma sedutora para o pintor. O outro quadro era uma mulher de cabelos castanhos compridos, seminua, com os cabelos cobrindo seus seios e sua mão segurando uma taça contendo vinho. E o último quadro pertencia a uma ruiva com cabelos na altura do queixo, esguia, pintada de costas, com o rosto virado para trás, sorrindo.

– As mulheres daqui eram muito lindas – Eleazar disse também analisando os quadros – Era isso que procurava?

– São ótimos – Bill disse amargamente, estava decepcionado por não encontrar um quadro de Johanna – Já é um começo, afinal isso é história, não é mesmo? Devem ter outros por aí, talvez se eu procurasse por mais.

– Você é algum tipo de artista? Por que quer procurar mais quadros? – Eleazar perguntou, mas Bill já estava subindo as escadas.

– Não é nada de importante – ele disse quando finalmente as subiu – Vou procurar Biene agora, acho que sei onde ela pode estar.

 

Biene estava sentada no chão, comendo uma barra de chocolate para ver se mantinha acordada, afinal o sono a estava tomando. Já eram quase cinco da tarde e o Sol estava quase pronto para se esconder, mesmo assim ainda brilhava bastante por trás das nuvens carregadas de chuva e quem sabe posteriormente neve.

Mas apesar do frio ela se sentia bem ali, o rio estava parado, talvez congelando aos poucos por causa da temperatura e isso a deixava angustiada. Seu barco estava quase pronto, mas se o rio congelasse, ela teria que esperar por um bom tempo até poder navegar nele ou até nadar como já planejava. Sua roupa já fora encomendada, era parecida com aquela que surfistas usavam para pegar ondas imensas no Havaí.

Talvez não fosse as questões sobre o barco que a angustiavam de verdade. Tratou de deixar isso para lá enquanto mordia outro pedaço do chocolate e deixava aquela sensação prazerosa que essa comida dos deuses trazia, deixando a morfina andar por suas veias e acalmar seu coração.

– Sabia que você estaria aqui! – disse uma voz atrás dela que fez seu coração quase saltar boca afora. Nem todo o chocolate do mundo a faria se acalmar naquele momento.

Ela olhou para trás e um cara alto estava tampando todo o Sol que vinha das árvores, ele vestia botas de couro e jeans apertados, sem contar o casaco caro que tentava o aquecer. Fumaça saia de sua boca, por causa do cansaço e do frio, pelo visto ele tinha andado bastante para encontrá-la.

– O que está fazendo aqui? – ela perguntou atônita – Pensei que não gostasse daqui.

– Bem... eu não gosto – ele disse sorrindo – Mas não importa, desde que tenha você.

Bill sentou-se do lado dela, enquanto ela tentava assimilar o que ele acabara de dizer. Era difícil entender, afinal um momento ele parecia estar de mau humor, no outro não parava de sorrir em nenhum momento.

– Desculpa, eu não queria magoá-la. Quando eu durmo pouco eu fico meio... insuportável. Não queria dizer que ele lugar é um porre ou algo do tipo, só não queria que me enchessem por estar aqui... com você.

– Eu entendo – ela disse dando de ombros – Mas se quiser, eu paro de te encher com esse negócio de passado e blábláblá. Acho que isso acaba ficando chato demais quando as pessoas não têm os mesmos interesses.

– Não, eu gosto. É sério, vale à pena pesquisar sobre esse tipo de coisa. Na verdade eu estava até na casa do Eleazar, ele me mostrou uns quadros que havia lá quando o local era uma espécie de Cabaré.

– Ah, você viu as três damas? Eu as chamo assim! São realmente interessantes, por que você pode notar que cada quadro é pintado de uma forma diferente, por que não é o mesmo pintor. Mas as molduras são do mesmo material, talvez fosse uma diversão para o dono que pintasse suas musas de graça, então ele só comprava as molduras e pendurava no Cabaré.

– E você já viu mais quadros daqueles por aí? Eleazar me contou que vários foram vendidos.

– Não, acho que a maioria deve estar jogado em qualquer lugar, sem notarem seu real valor. Claro que várias casas daqui podem ter esses quadros, mas ninguém fala sobre esse assunto. Não é legal você chegar para uma pessoa e perguntar: Você tem o quadro de uma meretriz na sua casa?

– Verdade – ele disse mordendo seus lábios, angustiado por não ter conseguido o que queria – Mas se procurássemos, será que não poderíamos achar algum?

– Não sei – ela disse dando de ombros – Posso procurar para você, mas vai ser meio complicado. Mas por que de repente você começou a se interessar por história? Você não parece ser o tipo de pessoa que gosta disso.

– Bem, acho que é o local, a situação... tudo parece influenciar você – ele disse tentando pensar em algo para justificar – É como um sonho, um mundo irreal que você tem que descobrir uma saída. Acha que sou louco?

– Se você é, eu também sou. Também penso assim às vezes. Deve ser pura loucura.

– Ou talvez, não.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Utopia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.