Utopia escrita por dastysama


Capítulo 14
Capítulo 14 - Moedas de Ouro




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Ela abrira os olhos, o quarto estava tão escuro que conseguiu se acostumar rápido com a falta de luz. Virou-se e percebeu que alguém ao seu lado respirava, com seu peito nu subindo e descendo calmamente. Johanna não fazia ideia de como viera parar na cama já que a última coisa de que se lembrava era que adormecera naquela poltrona.

Por um momento ficou com medo que algo tivesse acontecido, mas estava completamente vestida, além de ele estar a uma distância dela. Decidiu que a única coisa que queria fazer era ficar o olhando, afinal estava tão agradecida! Ele parecia ser uma pessoa tão decente, não quis tocar nela por que era nova e virgem, uma coisa que poucos fariam.

Sua vida andava tão complicada que era um alívio saber que pelo menos uma noite tudo havia dado certo. Ela iria receber o dinheiro sem ter precisado vender seu corpo, isso já ajudaria a pagar a hipoteca da casa e quem sabe não sobrava alguma coisa para pagar outras dívidas?

Mas isso não importava agora, nada parecia ter uma real importância. Tudo parecia tão vago, era como se fosse um sonho. Ela não estava dormindo em um quartinho apertado junto com mais umas cinco mulheres, nem acordando essa hora para limpar a bagunça e tentar se livrar daqueles homens bêbados.

Johanna estava no maior quarto do local, deitada do lado de um Baumgärtner, ela já tinha visto William antes e nunca fora com a cara dele. Ouvia falar que ele era impiedoso e orgulhoso demais, adorava pisar nas pessoas e carregava aquele olhar cheio de hipocrisia. Mas ontem, ela não vira nada do que imaginara, era como se de repente pudesse ver uma segunda personalidade nele que não vira antes.

Os olhos dele de repente abriram mostrando uma tonalidade acastanhada e intensa. Ele piscou várias vezes, a analisando também como se tentasse reconhecer quem ela era e o que estava acontecendo. Então ele sorriu.

– Bom dia – ele disse com uma voz rouca – O Thomas não abriu a porta ainda?

– Não – ela disse também notando como seu timbre estava rouco – Ele ainda deve estar ocupado ou talvez dormindo. Mas acho que Jörg daqui a pouco abre para nós, ele tem duas chaves.

– E como dormiu? Espero que detalhe toda nossa noite para Thomas – ele disse se virando e rindo – Quero que ele se convença e pare de ficar inventando novas ciladas para mim.

– Obrigada – ela disse por fim, olhando para o teto – Por ter me salvado de certa forma. Isso com certeza vai fazer uma grande diferença na minha vida. Tanto o dinheiro quanto sua boa ação.

– Não foi nada, só me prometa que não vai fazer isso com mais ninguém – ele disse se virando para olhá-la – Não vai se jogar nesse mundo horrível das meretrizes, você não merecesse essa vida.

– Eu prometo – ela disse dando um sorriso amargo, afinal temia que a promessa pudesse ser quebrada – Mas é complicado saber o que esperar da vida, afinal todos já me tratam de uma maneira diferente só de eu estar morando aqui.

– Quando sua vida melhorar, você some dessa cidade e se casa com algum bom rapaz. Não desista tão facilmente, na verdade, nunca desista.

– E você? Não me parece tão feliz quanto eu – ela disse percebendo a expressão dele.

– Vamos dizer que negócios de família não são meu forte. Mas terá que ser minha cruz, vou ter que carregar isso querendo ou não. Meu irmão mais velho foi estudar fora, está viajando por aí, mas eu vou ter que aguentar a pressão de cuidar de minha família.

– É isso que seus pais desejam para você?

– Meu pai apenas, minha mãe morreu de uma doença faz uns cinco anos. Ele também anda meio doente, por isso se retirou da contabilidade para trabalhar na política que na opinião dele é uma área mais calma, e quem terá que cuidar dessa parte sou eu.

– Soube que a contabilidade estava passando por alguns problemas...

– Sim, mas já estou resolvendo isso, não é questão de tempo. Só é necessário um pouco de pulso firme e dedicação.

De repente se ouviu um clique da porta e ela foi aberta cuidadosamente, William disse que poderia entrar e Jörg apareceu. Ele olhou para os dois como se esperasse os dois nus ou algo do tipo, mas ao ver Johanna ainda vestida, logo percebeu que nada havia acontecido e ele sentiu um alívio enorme.

– Onde está o Thomas? – William perguntou se levantando e começando a colocar sua camisa.

– Ele ainda está no quarto, já vou acordá-lo – Jörg disse entrando e fechando um pouco a porta para que ninguém descobrisse a farsa – E então como a noite?

– Ótima, desde que Thomas saiba o contrário do que realmente aconteceu. Vocês vão receber o seu devido dinheiro e eu apenas vou-me embora, de mãos abanando mesmo, não me importo. Pelo menos bebi um pouco de vinho!

– Se quiser algo mais, podemos lhe dar. Quer comer algo?

– Não, muito obrigado – William disse colocando seu paletó – Já tenho que ir, apesar de ser sábado, tenho que trabalhar.

Ele colocou os sapatos rapidamente e passou na frente da penteadeira para dar uma olhada em seu cabelo, passou a mão nele algumas vezes para que ficasse do jeito que gostava e foi até a porta. Antes de cair fora, olhou para trás e viu Johanna saindo da cama, tentando se arrumar também e foi até ela.

– Obrigada pela noite, foi legal conversar com você – ele disse levantando o rosto dela e dando um beijo em sua testa. Uma corrente elétrica perpassou a pele dela e o lugar onde ele beijara queimou – Agora tenho que ir.

Antes que ela pudesse fazer qualquer coisa, ele já havia ido embora. Fora apenas uma noite diferente, agora ela poderia voltar para sua vida normal que se resumia em limpar o Cabaré, ajudar na cozinha e de noite servir os fregueses com várias bebidas e tentar evitar os assédios que sofria. Era doloroso saber que sua primeira noite calma acabara. A realidade realmente machucava.

 

William saiu apressado do Cabaré, ele não ia esperar Thomas, precisava chegar ao trabalho o quanto antes. Aproveitou que uma carruagem estava estacionada por perto e pediu ao cocheiro que levasse até sua contabilidade, o homem aceitou prontamente quando o viu estender uma mão com várias moedas de ouro.

Entrou na carruagem e apoiou seu rosto no seu cotovelo que estava na janela da carruagem. Era estranho assimilar que há algumas horas estava em um quarto de Cabaré, dormindo com uma mulher, mas que não fizeram nada demais. Mas o fato que mais lhe causou surpresa foi acordar com aquele belo par de olhos azuis acinzentados o espreitando, como se o olhasse de uma maneira que ninguém o olhara antes.

Além de que Johanna era uma das mulheres mais bonitas que já vira e ele se sentia horrível por abandoná-la num lugar daqueles, onde beleza não significa muito perto do prazer. Ele queria tanto que ela não tivesse aquela vida, afinal era apenas uma garota, ela devia estar na casa dos pais treinando para ser uma boa esposa, não sendo tratada como qualquer uma.

Quando a carruagem chegou à frente de sua contabilidade, ele desceu e entrou. O lugar não estava tão lotado por que era sábado, poucas pessoas trabalham hoje. Mas na sua sala Gustaf Schmidt estava fazendo as contas de sempre e arrumando documentos, ele decidira que iria trabalhar mais para conseguir mais dinheiro.

– Bom dia, Schmidt – ele disse indo até a sua mesa – Desculpe o atraso, tive alguns problemas.

– Bom dia, Senhor. Não tem problema nenhum! Já enviei umas cartas que o Senhor havia pedido – ele disse calmamente, com sua voz baixa como sempre.

– Ótimo! Isso já me ajudou muito, obrigado Schmidt – ele disse começando a avaliar uns papéis que estavam em sua mesa, cantarolando uma música qualquer que havia ouvido em alguma festa.

Gustaf notou que havia algo de diferente nele, afinal sempre quando William se atrasava, chegava mal humorado, falando de forma grosseira com quem bem entendesse e tratava Gustaf como qualquer um sem importância. Hoje seu chefe parecia bem, estava cantarolando e parecia estar perdido em seus próprios pensamentos, como se ficar preso naquela contabilidade não fosse algo digno de se fazer agora.

– O que foi, Schmidt? – perguntou William ao ver que Gustaf o olhava com surpresa – Quer falar alguma coisa?

– Não, não... Senhor – ele disse engolindo seco – Só estava pensando aqui comigo que hoje o Senhor está diferente...

William olhou para ele, piscando várias vezes, atônito. Será que havia algo realmente diferente com ele? Será que a noite de ontem ainda estava grudada na sua pele, o denunciando que estava em lugar proibido, onde todos sabem que ele odeia? Apenas deu de ombros, fingindo que assinar os documentos era mais importante do que prestar atenção no que aquele tolo dissera.

– Gustaf – William disse de repente abrindo uma gaveta e tirando um envelope – Aqui está seu aumento. Eu estava pensando que talvez você trabalhe demais, merece algo mais. Parabéns.

Com tom seco, sem quase nenhuma emoção, William estendeu o envelope para Gustaf, que apenas olhou pasmado para aquilo. O que estava acontecendo? Seu chefe endoidara de repente? Mas não discutiu quanto a isso, afinal era o que mais queria, estava precisando tanto daquele dinheiro e lá estava uma grande oportunidade.

– Obrigado, Senhor – ele disse mais feliz do que nunca, sentindo suas mãos tremerem ao pegar o envelope.

Ele apenas sorriu, afinal William andara pensando muito. Gustaf estava passando por problemas com dinheiro e ao ter um deslumbre de uma vida totalmente diferente da sua ao lado de Johanna, percebeu que as coisas não são tão fáceis. Talvez ele pudesse maneirar um pouco no seu jeito turrão. Mas claro que não por muito tempo.


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