The Wall escrita por Taigo Leão


Capítulo 2
Capítulo 2




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No dia seguinte, contei ao zelador do edifício sobre esse problema.

Embora eu comprasse cortinas mais grossas ou evitasse ao máximo estar frente aquela janela, eu sentia sua presença e sentia seu olhar, como se ele enxergasse por trás das paredes, das persianas, do vidro. Era como se sua visão fosse absoluta, e mesmo assim, eu, tolo, ainda tentava me esconder. Por isso, consegui um estilingue.

Sendo sincero, eu havia começado a temer que ele invadisse minha casa, e não sabia mais o que poderia fazer, por isso relatei ao zelador. Meu ódio não se consistia apenas em vê-lo, mas sim em vê-lo e não saber o que se passava em sua cabeça: Ter alguém tão próximo e não conseguir saber o que está em sua mente é assustador.

Algumas horas depois, o zelador bateu em minha porta.

— Fui até lá mas não havia ninguém. Se te incomodava, provavelmente foi embora quando viu você saindo.

— Espero não ter que ficar saindo sempre para que ele suma.

— Bom, o que importa é que ele não está mais lá.

— Eu não sei o que dizer, apenas não quero vê-lo nunca mais. Eu espero que não volte.

— Faz muito tempo que ele estava ali parado?

— Acredito que desde ontem ou antes de ontem.

Não sei bem se o zelador me levou a sério, mas como não havia mais nada que pudesse fazer, ele se foi. Embora tivesse vindo até minha porta, eu sentia que ele não queria me ajudar, pois aquele não parecia ser realmente um problema. Mesmo que aquele homem estivesse ali, me olhando, o zelador nada faria, pois olhar não é exatamente um crime, porém, o próximo ato – o crime em si –, poderia ser algo fatal para mim. Mas como dizem, a fatalidade é como fantasmas na neve, então não hão de vê-la até que nos esmigalhe por inteiro.

Tentei não me preocupar muito com essa situação, pois saber se o zelador me “ajudou” de bom grado ou não me era indiferente, já que o problema havia sido resolvido. O que estava em jogo, além de minha segurança, era minha tranquilidade, que era perdida sempre que eu sentia sua presença ali.

Abri um pouco a janela para circular ar, pois desde o dia em que ele apareceu a mantive fechada, e fui tomar um banho para relaxar um pouco, mas, quando fechei os meus olhos, ali o senti novamente: aquele homem estava em algum lugar, me olhando. Eu sentia seu olhar sobre mim, e isso me deixava irado. Eu sentia que a janela não era importante: mesmo através das paredes, ele conseguia me ver, pois eu conseguia sentir sua presença.

Me apressei a sair do banho e fui até a janela, e ali estava ele, como antes, me observando.

Seu olhar ainda era indiferente e sua presença, nula, mas eu sabia que ele estava ali, indiferente de tudo, e quanto mais olhava em seus olhos, compreendia que meu sentimento não era necessariamente de ódio, mas de incômodo. Aquele senhor me incomodava com sua presença, mas não era como se ele fosse capaz de fazer algo, o que mexia comigo era saber que ele estava ali.

— O que quer?!

Ele não me respondeu.

— Diga o que quer ou chamarei a polícia.

E novamente ele não me respondeu, me fazendo questionar se era capaz de entender o que eu falava. O sentimento que me preenchia era raiva e repulsa por esse estranho se impor contra mim em minha própria residência, então envolto de raiva, peguei o estilingue e o armei com uma pequena pedra, então mirei no senhor. Eu não iria realmente atirar, mas sua reação me deixou ainda mais zangado. Embora eu estivesse armado, a ponto de feri-lo, ele não demonstrava medo, e sim continuava com seu olhar... superior. Puxei a pedra e atirei, mas não diretamente em uma parte que poderia machucá-lo realmente, pois não queria problemas: atirei de raspão em seu ombro, e dessa vez, finalmente, ele se moveu.

Agora ele não aparecia no centro da janela como antes, mas em sua extremidade direita, escondendo parcialmente seu rosto. Ele queria me ver, e queria que eu o visse, mas também parecia querer se proteger, por isso estava assim, meio escondido. Ao mesmo tempo que se escondia, ele se mostrava para mim, e isso me fez odiá-lo mais do que tudo.

Como se adivinhasse que aquilo estava acontecendo, o zelador bateu em minha porta. Puxei-o para dentro e o fiz olhar para a janela. O zelador se aproximou da janela e fez uma análise bem cautelosa, olhando bem para todas as suas extremidades, antes de me responder friamente que não estava vendo nada ali.

Fiquei tão perplexo e surpreso que não tive o que responder, então nada disse, apenas abaixei a cabeça e ouvi o recado que ele veio me dar. Assim que fechei a porta, voltei a olhar nos olhos daquele homem que estava do outro lado de minha janela, e que por algum motivo não foi visto pelo zelador.

Eu estava ficando louco? Não conseguia acreditar nisso. Respirei fundo e peguei o estilingue novamente, então posicionei minha mira bem na testa daquele senhor, e dessa vez ele passou a acreditar que eu atiraria, pois se escondeu completamente. Eu mantive a mira por mais uns instantes e respirei fundo novamente, então me aproximei e fechei a janela de vez.

Resolvi sair de casa novamente, pois não estava mais aguentando todo esse rancor que sentia.

Já era noite quando cheguei ao centro, a última noite antes do fim de semana, por isso os bares estavam cheios. Uma coisa que gosto de fazer, quando estou em algum movimentado, é observar as pessoas a minha volta. Tento adivinhar o que fazem, quem são elas, ou o que estão sentindo, e me sinto satisfeito com as conclusões que chego.

Embora ande no meio de muitas pessoas, sempre me sinto relativamente sozinho, e não me importo muito com esse tipo de coisa.

Acredito que, em partes, minha profissão também auxilia nesse estado de solitude. Sou um fotógrafo. Costumo tirar foto de qualquer coisa que acho interessante, então gosto de caminhar entre pessoas e pela cidade, pois nunca sei quando encontrarei algo que dará uma boa fotografia.

Antigamente era um freelancer, mas encontrei meu lugar em uma pequena agência no centro da cidade.

Minha maior vontade como fotógrafo é mostrar as coisas como são por meu ponto de vista: eu gostaria de fotografar um mundo quebrado, mas as circunstâncias me levaram a entrar em uma agência, pois um freelancer precisa tirar foto de tudo que lhe render dinheiro. Se ele seguir fielmente seus valores, morre de fome. Em uma agência, ao menos, posso escolher os trabalhos que quero fazer. Não há mundos quebrados em chás de bebês ou casamentos. Não direi que foi fácil, mas já estou neste ramo a alguns anos – são quatro na agência –, então possuo um pouco mais de respeito de meus superiores, o que me permite ser mais criterioso na seleção de um trabalho.

Após passar por alguns bares e lugares mais movimentados, encontrei uma praça que ficava próxima de um mercadinho, então fui até lá – antes, entrei no mercadinho e comprei uma água gelada. Na praça havia algumas pessoas, mas não o bastante para dizer que era um lugar muito movimentado. Ao menos era bonito e me rendera algumas fotos.

Quando fui tirar a última, ao movimentar a lente, vi algo se mexendo em meio a alguns arbustos que não estavam muito longe de mim. Quando aproximei o zoom, vi que realmente ele estava ali, tentando se esconder, mas eu claramente o via: aquele senhor estava me seguindo.

Quando o vi, logo levei a mão até o bolso de meu sobretudo e apertei o estilingue que estava comigo. Para tentar me conter, achei melhor sair do local, pois não sei bem o que poderia fazer se o encarasse agora.

Por quê me seguia? O que queria comigo? Porque logo comigo?

Antes de sair, tirei uma foto sua tentando esconder-se – sem sucesso –, no arbusto.

Fui até um bar, onde pedi uma água – eu havia deixado a minha na praça –. Eu poderia ter voltado ao mercadinho, mas preferia estar rodeado de pessoas, neste momento. O ódio contra aquele senhor voltou para mim. Tenho a certeza de que caso eu atirasse uma pequena pedra em sua cabeça agora, não seria condenado, pois estava agindo em legítima defesa. Era certo que ele estava me seguindo e eu poderia provar isso. O zelador estava ciente, eu possuía uma foto e talvez aquele restaurante estranho possuísse alguma câmera! Eu poderia tranquilamente provar que ele me perseguia. O que queria comigo era impossível dizer, mas ele certamente possuía algum tipo de interesse em mim, o que me deixava com mais ódio ainda a respeito desse ser. O ódio surgia de sua imposição aos valores básicos de ser humano, pois em que mundo um homem pode perseguir outro assim e sair impune? Não sei ao certo, mas não seria nesse.

Como se adivinhasse meus pensamentos, eu o vi novamente. Em uma área mais aberta do bar em que estava, pude vê-lo em meio a duas pessoas que estavam sentadas. Para mim ficou extremamente confuso tal situação, pois ele estava entre as pessoas que conversavam e elas não estavam vendo. Entre elas, ele me encarava, com a mesma feição de sempre, era como se apenas eu pudesse vê-lo.

O pior veio pouco depois, quando realmente acreditei que ele estava ali, pois após alguns movimentos atrapalhando meu campo de visão, ele havia sumido.

Acredito que toda essa situação esteja me enlouquecendo. Não sei ao certo porque isso acontecia, mas achei melhor ir para minha casa torcendo para que ele não me seguisse novamente, mesmo já sabendo onde eu morava.

Quando desci para a plataforma onde pegaria o trem, o vi uma última vez, na plataforma da frente. Dessa vez, pela primeira vez, o vi se mexer, na verdade vi sua boa se mexer. Ele me dizia algo pouco antes do trem passar entre nós.

 

 

 


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