The Wall escrita por Taigo Leão


Capítulo 3
Capítulo 3




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Quando a semana começou, suas palavras ainda ecoavam em minha mente. 

“Você será um, também”, mas não conseguia compreender o quê, exatamente. 

Para mim era como se tivesse dormido durante dias inteiros; como se estivesse acordando de um coma, e, embora minha cabeça doesse como se um trem tivesse passado por cima de mim, remédios não pareciam ser a cura para isso. 

Uma vez li no jornal que, quando acordam de um coma ou pós-acidente, os pacientes podem ser induzidos pelos médicos a responderem perguntas como seu nome, idade, e o motivo de estarem ali. Esse procedimento faz parte da avaliação de consciência e orientação do paciente, para verificar sua cognição e a capacidade de se orientar no tempo e em relação à situação atual. Embora consiga me lembrar claramente da situação, não conseguia me lembrar de algo importante: meu próprio nome. Minha cabeça doía quando me forçava a pensar. Tudo que surgia era um vazio estranho. Como, em sã consciência, uma pessoa pode esquecer o próprio nome? 

No percurso entre minha casa e o trabalho, tudo que conseguia fazer era pensar, tentando me lembrar, repetindo inúmeras vezes a mesma pergunta em minha cabeça: 

Quem sou eu? 

Mas não havia uma resposta. 

Ao entrar no prédio, fui direto para minha sala, em busca de algo. Revirei algumas gavetas até finalmente sentir um em minhas mãos: Cartões de visita. Eu tinha certeza de que um deles conteria meu nome, afinal, estes eram meus cartões, me pertenciam; mas eu estava enganado. Não havia nada além do nome da empresa e um telefone para contato, e isso me frustrou. Havia espaço ali para um nome, e em minha memória, antes realmente havia um nome ali, mas eu não estava vendo. Eu tinha a certeza de que meu nome estava ali, mas fui contrariado pelo que estava vendo. Reli então agendas, anotações, arquivos no computador e tudo que poderia possuir um nome que me pertencia, mas buscar me desagradava, pois não encontrava um único nome que poderia ser meu. Meu email era genérico, meu usuário também. 

Embora estivesse assustado, tentei manter a calma e entender o que estava acontecendo ali. Embora não soubesse meu nome, conseguia me lembrar tranquilamente sobre minha idade e o local onde nasci. Também me lembrava o nome da agência, meu cargo, e minha comida favorita, e talvez você duvide da minha capacidade de afirmar todas essas informações, e com clareza digo que essas informações parecem ser minhas. Quando as repito, em minha mente, tenho a certeza de que não são inventadas. Elas definitivamente vieram de mim, pois isso parecem tão certo. Quanto ao nome, eu não tinha certeza. 

Em outra sala ampla na empresa havia um mural com notícias, e ali havia uma lista com o nome de todos aqueles que faziam aniversário no mês, mas novamente, em meio à confusão, havia uma certeza: nenhum parecia me pertencer. 

Quando repetia os nomes para mim mesmo, não parecia certo, era como se eu estivesse tentando roubar o nome de outra pessoa. Eu me sentia como um cachorro que é chamado de gato por uma criança. Aquilo não me pertencia, e dizer “Eu sou John”, ou “Eu sou Joe” no espelho, era incerto; Era como mentir para mim mesmo. 

Voltei para o mural e olhei por muito tempo, esperando forçar, sem sucesso, um nome a me pertencer. 

Talvez eu não faça aniversário neste mês. - Foi o que pensei, e essa afirmação fazia sentido para mim, pois eu me lembrava de meu aniversário, seria daqui seis meses. 

 

Essa busca já estava se tornando cansativa, e me deixara assustado: Como um homem pode esquecer quem ele é? Se sou o único que me conheço verdadeiramente, então não há mais ninguém com tal poder. 

Aos poucos, quem sabe, essa informação poderia voltar para mim como se não fosse nada além de um esquecimento repentino. Às vezes temos tantas coisas para pensar que talvez esquecemos certas coisas para pensar sobre outras, e talvez isso tenha acontecido comigo. 

Embora tenha tentado me forçar a trabalhar, não conseguia. Não podia ficar em paz após perder meu próprio nome, então fui até a copa para buscar um café. 

Enquanto degustava do primeiro gole amargo, uma mulher se aproximou de mim: 

— Bom dia. – Foi o que ela disse. E foi o bastante para que eu lembrasse de seu nome. Era Amiko. 

Amiko trabalhava a pouco tempo na empresa, cerca de três ou quatro meses. Assim como eu, era uma fotógrafa, mas estava em um cargo inferior ao meu. 

Eu a respondi educadamente, mas não conseguia pensar em uma forma para lhe perguntar qual era meu nome. 

— Ora, você me conhece. 

— Mas é claro que conheço. Não conversamos a poucos dias? 

— Sim, é verdade. Como estão suas fotos? 

— Estou conseguindo melhorá-las, graças a sua dica. Uma 35mm f/1.8 realmente é melhor para o que trabalho que quero fazer. 

— É o trabalho que você havia mencionado. Para o tipo de foto que você me disse, não consegui pensar em uma lente melhor do que essa. Ela captura detalhes mais próximos e mantém um campo de visão amplo. Baseado em minha própria experiência, surge uma boa sensação ao ver fotos tiradas por essa lente. 

— Obrigada por isso. 

— Não há de quê. 

 

Como não havia mais nada a ser dito, Amiko saiu e me deixou ali sozinho enquanto eu me perdia em meus próprios pensamentos, indagando-me sobre como poderia perguntar para qualquer pessoa sobre o meu nome sem parecer que eu estava delirando. Não há uma forma de fazê-lo sem parecer louco. Imagine chegar em qualquer conhecido e lhe perguntar algo como “Ei, qual meu nome?”, não há uma forma de fazê-lo sem um toque de afronésia. 

 Não importa quanto tempo havia passado. Já era tarde e eu ainda não havia recuperado meu próprio nome, o que me fez questionar se eu não havia perdido mais nada no caminho. 

Amiko entrou em minha sala trazendo fotos consigo. Eram três fotos meio escuras, mais bonitas. As fotos remetiam bem ao que ela havia me dito anteriormente. Eu via o amadorismo, mas também via algo a mais. 

Então, o que achou? São boas. Vai dizer apenas isso? “São boas”? Sim. Não há o que dizer, são fotos boas. Entendi. Então você acha que serão usadas? Isso eu não sei, mas talvez sim. São fotos boas, você está melhorando. Se não tivesse usado a lente que sugeriu, talvez não sairiam tão boas. O esforço é totalmente seu, as lentes são apenas um auxílio. 

Amiko começou a olhar pela janela. 

Você é estranho. Quieto. Não fala com ninguém, mas... Hm? Suas fotos. Elas transmitem algo. Passam uma mensagem. Todos têm algo a dizer, basta ouvir ou não. Eu falo através de minhas fotos. Apenas assim? 

Confesso que não prestei muita atenção na última pergunta feita por Amiko. Quando percebi, ela estava olhando para mim esperando uma resposta. Eu não conseguia entender bem o motivo, mas Amiko me chamou para almoçar com ela. 

Eu ainda não sabia meu nome, então aceitei o convite para que talvez assim pudesse recordar de algo, ou encontrar uma abertura para lhe perguntar sobre ele. 

O restaurante que ela me levou não era muito longe de onde trabalhávamos, mas era um bom lugar. Ela implorou para fazer nosso pedido, e acabei aceitando. Enquanto ela foi direto ao balcão para fazê-lo, escolhi uma mesa próxima de uma janela, assim eu poderia olhar a paisagem. Quando ela me achou, era exatamente isso que eu estava fazendo. 

O que tanto olha? Bom, você nunca sabe de onde virá inspiração para fotografar algo. - Mostrei minha câmera para ela. Estamos almoçando, agora. Não acredito que trouxe uma câmera. Eu sempre ando com ela. Bom, podemos almoçar em paz? 

Ela esticou as mãos para que eu lhe desse a câmera e eu não tive outra escolha a não ser fazê-lo, mas não de bom grado, como podem imaginar. Acredito que as lentes de uma câmera são o que há de mais poderoso no mundo. Suas imagens são como lei. Após captadas, não podem ser alteradas. As câmeras capturam a essência das coisas, e essa essência não pode ser mudada ou manipulada, mesmo que seja a essência de um momento. Dizem que não há justiça em fotografias, pois capturam apenas momentos. Mas nós, humanos, não somos isso? Não somos feitos de momentos? Eu gostaria de saber em que momento abandonei meu nome. 

Enquanto almoçamos, tudo que passava em minha cabeça eram nomes masculinos, mas novamente nenhum deles me pertencia. Eu estava distraído, cansado, e Amiko percebeu isso: 

O que você tanto pensa? Que embora as câmeras possam pegar a essência de algo, elas não podem pegar algo muito importante; algo que realmente nos difere dos outros. E o que seria? Bom, veja essas outras mulheres nesse restaurante. Qual a diferença entre você e todas elas? Não sei, eu acho que posso ser mais simpática ou tiro fotos melhores do que elas, mas não as conheço para afirmar isso. Em minha mente, sou a melhor fotógrafa daqui. Talvez isso me diferencie delas. Também posso dizer do lugar de onde vim, e que sou filha de meus pais. Também não sei se alguma delas está com um esmalte da mesma cor que o meu, e minha camisa é diferente das delas. Talvez os sapatos... Estou falando de algo mais único. Hmmm... - Amiko se pôs a pensar. - Único? Sim. Você é Amiko. Como sabe que nenhuma delas se chama Amiko? Para mim você é Amiko, e isso faz de você única entre as outras. Se eu perguntar o nome de cada uma delas e encontrar mais uma Amiko, ela seria a outra Amiko. Você é a Amiko que conheço, para mim isso te diferenciaria de todas as outras. Se eu tirar uma foto agora, deste ângulo, posso dizer que é um retrato da Amiko, mas se outra pessoa o ver, dirá que é apenas o retrato de uma mulher. Então você gostaria que as fotos capturassem nomes? Isso seria engraçado. Não. Apenas quis dizer que nem mesmo as fotos são perfeitas, sempre há algo que fica para trás. Você diz coisas engraçadas. Às vezes, apenas. 

 

Amiko sorriu e terminamos de comer em silêncio. 

Acho que tem muito que posso aprender com pessoas como você. Há quanto tempo trabalha nessa empresa? Quatro anos, mais ou menos. Antes era um freelancer, mas resolvi ter a certeza de um salário todo mês, mesmo que seja pouco. Faz sentido. Eu entrei aqui pelo mesmo motivo, em partes. Quero ter mais experiência e acho que a visibilidade aqui se torna maior do que como uma freelancer amadora. Acredito que você está fazendo um bom trabalho. 

Amiko sorriu novamente e eu evitei olhar diretamente para ela. Seu rosto era bonito. 

Eu não conseguia entender o motivo pelo qual ela me convidou para almoçar, mas aqui estávamos nós. Quando voltamos para o escritório, ela foi para sua sala e eu voltei para a minha, mas antes ela me fez prometer que daria mais atenção aos trabalhos que ela iria me apresentar de agora em diante, como se eu fosse seu tutor. Não me considero alguém muito capaz disso, mas aceitei. Amiko consegue ser muito insistente quando quer algo. 

No resto do dia ainda estava frustrado, pois falhava em tentar lembrar o meu nome. Tanto que resolvi ir para casa mais cedo: minha cabeça já estava doendo de tanto pensar. 

Como saí antes do horário de pico, o trem ainda estava meio vazio, então cheguei rápido em casa e fui direto para as gavetas dos armários, em busca de alguma carta que pudesse conter meu nome, mas logo me dei conta de que ninguém jamais mandava cartas para mim. As contas chegavam para o zelador e eu pagava uma taxa mensal pela água, luz e gás. Pouco antes de perder a esperança, encontrei uma carta em meio aos papéis que havia ali. Aquela realmente era uma carta, mas o destinatário estava em branco. Não havia um único nome além da pessoa que havia me enviado: Yumi. Mas... quem era Yumi? Eu também não conseguia me lembrar... 

A carta era do ano passado, e logo eu iria vê-la, mas antes precisava descansar um pouco: Me sentia cansado e minha cabeça ainda doía, então fui para o banheiro. Meu nome ainda não havia voltado, e comecei a me perguntar sobre como essa carta chegou até mim se não possui um destinatário. O endereço estava certo, mas o nome estava em branco. Será que Yumi me entregou em mãos? Eu não conseguia lembrar. 

Ao sair do banho, enquanto me secava, passei de relance a mão no centro de meu peitoral e algo chamou minha atenção. Em um pequeno espaço do tamanho de dois polegares, minha pele estava diferente. Ao encostar minha mão, senti uma textura lisa, que me fez lembrar de uma superfície recém pintada, tão firme quanto fria. Quando fui até o espelho, quase entrei em choque: não apenas parecia algo concreto, era. Era como um pequeno pedaço de... parede. 


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