Um amor inesperado escrita por Tianinha


Capítulo 8
Jogo do Corinthians




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/812059/chapter/8

O dia começou mal. Era a hora do almoço, quando Bento tivera uma briga feia com Wilson, irmão do tio Gilson. Wilson viera buscar o filho, Vinny, e o garoto se recusara a voltar para casa. Vinny não suportava o ambiente de sua casa, por isso, sempre que podia, escapava para a casa de tio Gilson. Wilson não admitia que o filho desse trabalho para o irmão. Quis levar o filho à força. Quase bateu no garoto. Bento tomou partido de Vinny, e acabaram brigando. Ao ir embora, Wilson passou com o carro ao lado de Bento, quase atropelando-o. É sempre assim. Sempre que se encontram, Bento e Wilson acabam brigando.

Em casa, tia Salma ofereceu um chá para Vinny, procurando acalmá-lo.

— Eu sabia que o papai ia ficar bravo, mas eu nunca imaginei que ele ficaria desse jeito. — disse Vinny.

Bento andava para lá e para cá na sala, bufando de raiva. Ele disse:

— Olha, você vai me desculpar — dirigiu-se a Vinny e também a tio Gilson. — O senhor também tio Gilson, mas não é possível que esse cara seja teu irmão. Ele não é gente.

— O Wilson teve uma infância muito dura. — defendeu tio Gilson. — Nós dois passamos muita necessidade, Bento.

— E desde quando pobreza determina caráter? — rebateu Bento. — Se fosse assim, o senhor também seria um monstro igual a ele.

Para Bento, Wilson não valia nada. Wilson brigava com ele desde quando ele era pequeno, e para Bento, quem tratava mal uma criança não podia prestar.

— O meu irmão não é esse monstro também. — defendeu tio Gilson. — Nunca foi. Quando ele era jovem, a gente chamava ele de coração de ouro. Não é, Salma?

— É, mas Wilson nunca mais foi o mesmo depois da morte da Lívia. — disse tia Salma.

— Quem era essa Lívia? — perguntou Vinny.

— É uma namorada que seu pai teve antes de conhecer sua mãe. — explicou tia Salma, passando a mão no ombro do garoto.

— Olha, sinceramente, eu não tô nem um pouco interessado na vida desse cara. — disse Bento. — E nada justifica ele tratar as pessoas dessa maneira.

— É isso aí mermo, Bento. — disse Giane. — Pô, lembra lá do teu aniversário de dez anos? Tio Gilson levou a gente no parque...

— Oh Giane! — explodiu Bento, interrompendo-a. — Desculpa, prefiro nem lembrar dessa história. Olha, vou pra casa, gente. Vou esfriar minha cabeça.

— Calma... — dizia tio Gilson, mas Bento já ia embora. Vinny perguntou:

— O que é que o meu pai fez pra ele não querer lembrar?

— Ele expulsou a gente do parque, xingou o Bento de pivete. — Giane explicou. — Pô, o garoto tava fazendo dez anos. Isso aí não se faz não.

Giane odiava Wilson. Tinha a mesma opinião que Bento. Wilson não prestava. Quando Bento estava completando dez anos, tio Gilson resolvera levar todas as crianças do lar para o parque de diversões de Wilson. Giane, como não podia deixar de ser, foi junto. Porém, o parque estava fechado para a comemoração do aniversário do filho de um político. E Wilson não quisera misturar crianças carentes com as crianças ricas, filhas de políticos. Por isso não permitiu a entrada de Bento e outras crianças do lar. Expulsou todas. Bento ficara magoadíssimo. Nunca mais quis ir ao parque. 

— E a partir desse dia, toda vez que o Bento cruza com seu pai é briga na certa. — disse tia Salma.

— O que que eu acho mais estranho é que esse Wilson aí é a única pessoa na vida que consegue tirar o Bento do sério. — comentou Giane.

Horas mais tarde, quando já havia acabado todo o trabalho que tinha para fazer, Giane encontrou Bento conversando com tio Lili, e ouviu parte da conversa. Pelo visto, estavam falando de Amora. E só podia ser a respeito de uma entrevista que ela havia dado para Sueli Pedrosa naquele mesmo dia. Todos na vizinhança estavam comentando. Amora fez a boazinha diante da mídia, dizendo que ajudava as pessoas humildes da Casa Verde. Mas a verdade é que Amora jamais ajudou as pessoas que a criaram, se quer as visitava. Por isso, estavam todos revoltados com a cara de pau da patricinha. E pelo visto, Bento também não estava nem um pouco contente.

— Vai à casa dela então. — aconselhou tio Lili. — Agora tem uma coisa, Bento, fala o que você tem pra falar olhando diretamente no olho dela, porque o tom que ela usou pra se referir às pessoas que cuidaram dela, que criaram ela aqui foi totalmente trabalhado no cinismo. Afinal de contas, me fala, quem foi que ela ajudou? Me fala. Hã? Hum?

— Quer saber, tio Lili? Eu vou resolver isso agora. — disse Bento.

— Vai lá. — disse tio Lili, vendo Bento indo embora.

Desta vez, Giane gostou de ver tio Lili aconselhando Bento a ir atrás da Amora. Aquela patricinha fingida estava mesmo precisando ouvir umas boas verdades, depois de desdenhar dos moradores da Casa Verde.

— Belo conselho aí, viu, tio Lili? — elogiou Giane, aproximando-se. — Espero que agora o Bento entenda de uma vez por todas quem é aquela lacraia. Mandou bem, toca aqui! — bateu com a mão aberta na dele, e em seguida com a mão fechada.

À noite, Giane resolveu ir ao estádio de futebol, assistir ao jogo do Timão, com os garotos da vizinhança: Jonas, Douglas e Lucindo. Giane estava vestindo a camiseta do time, assim como os rapazes, que estavam levando também as bandeiras do Timão. Estavam preparados para torcer pelo Corinthians.

— Bora, Giane! — gritou Jonas, no portão, enquanto ela descia as escadas da entrada de sua casa e agitava um pompom branco.

— Bora aê.  — gritava ela, de volta.

Os rapazes cantavam: “Aqui tem um bando de louco! Louco por ti, Corinthians! Eu canto até ficar rouco!”

— Vambora, vambora! — dizia Douglas.

— Vambora, véio! Vambora, vambora! — dizia Lucindo.

Giane já estava entrando no carro, quando viu Bento sair da van, em frente à casa dele. Pela expressão do rosto dele, certamente havia tido uma briga feia com Amora. Giane decidiu ir atrás do amigo. O jogo podia esperar. Ela queria ver como o Bento estava. Os garotos não gostaram nada disso. Resmungaram.

— Peraí, gente! Espera um pouquinho, pô! — disse Giane.

— Mano, quem trouxe essa mina, véio? — disse Lucindo.

— A gente vai se atrasar, pô... — reclamava Douglas.

— Manda ela fazer um bife pra mim, essa maloqueira! — dizia Lucindo.

Giane foi atrás de Bento, na casa dele. Percebeu que ele estava chorando. Ficou triste ao vê-lo tão arrasado por ter quebrado a cara com Amora.

— Bento. Você está chorado, cara?

— Você tinha razão, Giane. — disse Bento, com lágrimas nos olhos. — Fui um cretino de achar que Amora ainda era aquela menina simples e doce. Ela não gosta de mim. Eu não significo nada pra ela, Giane.

Giane viu aí a chance de dizer tudo o que guardava em seu coração. Bento precisava saber o quanto ela gostava dele, que ela sim se importava com ele.

— Pô, Bento. — disse Giane, emocionada. — Pô... Pô, cara. Então esquece essa tonta. Olha, olha aí. Você não precisa dela pra nada. Tem... Tem um monte de gente aqui que te adora, cara. Bento, se você prestar atenção... Tem... Tem gente que te ama. Bem perto de você.

Bento olhou para ela. Giane ficou nervosa, ansiosa.

— Oh Bento... O que eu tô querendo te dizer, cara...

— Oh Giane, vambora! Tá todo mundo te esperando! — disse Jonas, que resolvera ir atrás dela.

— Peraí, cara! Tem paciência. Não pode esperar um minuto? — disse Giane, irritada.

Bem na hora em que ela decide se declarar, dizer a Bento o que sentia, o Jonas resolvia aparecer. Ela não pretendia demorar. Custava esperar?

— Vocês estão indo pro jogo? — perguntou Bento, enxugando os olhos.

— É. — disse Giane.

— Vai nessa, Giane. — disse Bento.

— Mas... Você vai ficar aí sozinho, cara? — perguntou Giane.

Queria que Bento fosse ao jogo. Ele precisava espairecer.

— É. Eu acho que eu tô mesmo precisando ficar sozinho. — disse Bento.

— Deixa o Bento em paz, Giane. Vem. — chamou Jonas, aproximando-se e colocando a mão em seu ombro. Giane afastou-se. Ainda olhou para trás. Não queria deixar Bento sozinho. Não enquanto ele estivesse tão triste. Pensou em desistir de assistir ao jogo, para ficar com ele. Porém, Jonas insistiu:

— Vem, vem, vem. — chamou.

O jeito foi ir ao jogo com os rapazes. Não podia fazê-los esperar ainda mais. Passaram horas agradáveis e divertidas assistindo ao jogo do Corinthians. Felizmente, o time vencera o jogo. Voltaram alegres, comemorando. Giane apitava e os rapazes cantarolavam: "Bando de louco! Louco por ti, Corinthians!". Entraram na casa de tio Gilson eufóricos, enrolados nas bandeiras do Corinthians. Tio Gilson deu um abraço em Lucindo:

— Vi na televisão! Que jogão! — comentou tio Gilson.

— E podia ter sido melhor, se não fosse aquele juiz filho duma... — disse Douglas.

— Ei! Respeita aí. Tem criança na sala. — interrompeu Giane, rindo, brincalhona, referindo-se a Vinny, que estava sentado no sofá.

— Ô, não vem com hipocondria não, mano! — disse Lucindo. — Dá vergonha de andar com essa maloqueira aí no meio da Fiel. Essa mina falava umas coisas que os mano tinham até medo do que ela falava pro juiz.

Giane ria, com uma apito na boca.

— Pode crer! Tinha palavrão que eu nem conhecia. — disse Jonas, rindo. — De onde você tira isso, hein, Giane? Desse jeito você não vai arrumar um namorado nunca!

— Ei! Palhaçada! E eu lá quero namorado? — disse Giane, irritada, enfiando novamente o apito na boca.

— Nossa, ainda bem que vocês chegaram. — disse tia Salma, colocando uma mão no ombro de Giane. — Acabei de tirar um bolo do forno. Quem é que vai querer um pedaço?

Giane apitou. Douglas, Lucindo e Vinny foram para a cozinha. Tio Gilson e tia Salma também. Giane e Jonas ficaram a sós na sala. Giane atirou-se no sofá.

Jonas havia percebido o clima quando viu Giane conversando com Bento antes do jogo. Notou o interesse da garota. Sempre achou que Giane gostava do Bento. Resolveu levar um papo com ela. Dar alguns conselhos. Afinal, ele era homem, conhecia os homens e sabia do que os homens gostavam. E os homens que ele conhecia não costumavam se atrair por garotas como Giane.

— Oh Giane, não era pra você ficar brava não. — disse Jonas. — Mas se você tá a fim de um cara aí que nem eu acho que você tá, você... Tem que ser mais feminina, pô. Homem não gosta de mulher que fala aquilo que você falou no jogo, não. Tem que usar uns vestidinhos, se comportar que nem menina.

— Oh Jonas, ó! Escuta aqui, cara! — disse Giane, furiosa, puxando-o pela gola.

— Ó só! Tá vendo? É isso que eu tô falando. — disse Jonas, ajeitando a camiseta. — Eu te dei a dica. Se servir, você pega.

Jonas foi para a cozinha. Giane ficou na sala. Ajeitou a camiseta, e ao sentar no sofá, tentou cruzar as pernas como as meninas fazem. Não levava muito jeito. Pensou no que Jonas dissera. Talvez ele tivesse razão.

No dia seguinte, resolveu procurar Renata, a vizinha, filha da dona Odila. Noiva do Érico, filho da tia Salma. Giane queria uns conselhos de Renata. Renata sabia muito bem como se arrumar, se vestir de um jeito mais feminino.

Depois de tomar café, foi direto para a casa de Renata. Renata e os pais, seu Nestor e dona Odila, estavam tomando café. Giane bateu palmas.

— Dá licença aí. — disse Giane, entrando na sala. — Dá licença, bom dia, bom dia!

— Oi, Giane! — disse Renata, mastigando.

— Bom dia!  — disse dona Odila, pegando uma xícara de café.

— Oi! — disse seu Nestor.

— Oh, Rê. Você tem um tempinho pra... Pra mim? — perguntou Giane.

— Huhum. — disse Renata, assentindo. — Claro, senta aqui.

— Oi, Giane. Fica à vontade aí, querida. — disse seu Nestor. — Você não quer comer uma omelete que eu acabei de fazer?

— Ah, não, obrigada aí, seu Nestor. Já tomei café. — disse Giane.

— Graças a Deus! — disse dona Odila. — Que sorte essa menina tem de já ter tomado café, viu? Coitada da minha filha, comendo essa gosma.

Dona Odila retirou-se. Seu Nestor resmungou:

— Ah, meu Deus! Você vê, Renata, a minha sina? — ele disse, enfiando um pedaço de omelete na boca e mastigando.

— Pai... — disse Renata, esperando que o pai a deixasse a sós com Giane.

— Né? É duro pra mim, viu? — seu Nestor continuava resmungando.

— Pai. — disse Renata, olhando para ele e em seguida para Giane.

— Você viu que sina a minha, né, filha? — disse seu Nestor.

— Pai. Pai, pai, pai! — disse Renata, esperando que ele entendesse.

— Tá, vou servir um negocinho lá, já venho. — disse seu Nestor, levantando-se da mesa e levando o prato com omelete. Saiu da sala.

Giane e Renata ficaram a sós.

— Vai. E aí, o que aconteceu?

— Oh Rê, eu tava querendo umas dicas aí tuas... — disse Giane.

— Huhum. — disse Renata.

— É que assim... Pô. Você aí, você é mó bonita, né? — disse Giane. — Se veste aí... Pô, legal, né? Eu... Eu... Eu queria, assim, uns conselhos pra... — sentou-se na cadeira, ao lado de Renata. — Porque assim... É... Ficar aí mais... Não sei. Mais feminina, sabe?

— Mais feminina? — disse Renata. — Ah...Por acaso isso teria alguma coisa a ver, assim, com um certo florista aqui da rua?

Pelo visto, Renata notara o interesse de Giane em Bento. Só que era difícil para a garota falar de seu sentimento, por isso preferiu negar.

— Não! Não tem nada a ver com ninguém não. — disse Giane. — Que isso? Pô, é pra mim mesmo, entendeu? Pô, tô cansada aí também de ser tratada igual moleque. Chato, né? Pô.

— Claro, claro. — disse Renata.

Queria ajudar Giane. Mas não sabia se a garota ia gostar das roupas que ela escolheria. Primeiro, Giane teria de descobrir de que tipo de roupa gostava de vestir. Se realmente queria se vestir como as outras meninas. Giane sempre foi diferente das outras garotas. Sempre viveu entre os meninos, no universo dos meninos, e não conhecia outra coisa. Não sabia ser diferente. Não dava para ela se vestir como as outras meninas do dia para a noite.

— Bom, Giane, eu até posso te levar pra tomar um banho de loja, mas será que você ia se sentir bem? Hã? — disse Renata, levantando-se da cadeira. — Usando um saltinho, uma sainha justinha, uma blusinha? — apontou para os pés, correu as mãos pelas coxas e fez um gesto de vestir uma blusa.

Giane gargalhou. Renata também. Renata sentou-se novamente na cadeira.

— Pois é... Giane, olha só, estilo é uma coisa assim que tem que vir de dentro. — disse Renata. — Tem que ter... Sabe, tem que ter a ver com você. É isso! Não adianta você entrar numa embalagem que não tem nada a ver com você. Você ia se sentir presa, artificial. Pensa nisso. E outra, você ia perder o que você tem de mais belo! Esse seu jeito assim, sabe? Despachado, moleque. Seu humor. Essa é a sua graça, Giane.

— É. Pode ser. — disse Giane.

— Giane. — disse Renata, levantando-se e passando as mãos no rosto da garota. — Olha só, você é linda. Quem tiver que gostar de você, vai gostar de você do jeito que você é, sem tirar nem pôr.

Renata foi para o quarto. Giane foi atrás dela.

— Oh Rê... Peraí.

Renata estava arrumando a bolsa para ir trabalhar.

— Oh Rê. Mas e se...? Assim. A pessoa aí que eu gosto... — disse Giane.

— Hum. — disse Renata, pegando no celular e sentando-se na cama. Giane sentou-se também.

— Ela... Ela não gostar desse jeito aí. Que eu sou? — perguntou Giane.

— E você ia ser feliz? Fingindo só pra agradar o carinha? — disse Giane. — Giane, continua sendo como você é. É o melhor que você pode fazer.

— Pô, brigadão, Rê! — disse Giane. — Pô, valeu aí pelo toque.

Renata sorriu.

— Brigadão, hein? — disse Giane, dando um tapa no braço de Renata. — Pô, você é mó legal, hein, cara?

— Não, não sou tão legal assim. — disse Renata, passando as mãos no rosto de Giane. — É que eu vivi um tiquinho mais que você. Só isso.

— Mandou aí. Valeu. — disse Giane, fazendo um gesto com a mão e retirando-se.  


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um amor inesperado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.