Um amor inesperado escrita por Tianinha


Capítulo 7
Aniversário de Bento




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Giane estava jogando bola, sozinha na rua, quando viu Fabinho sair da casa do Bento. O que Fabinho foi fazer ali? Boa coisa não foi. Fabinho sempre teve muita inveja do Bento, desde pequeno. Sempre brigaram. E ela sempre tomou partido de Bento, sempre o defendeu. Sempre foi assim, desde quando eram crianças. Com certeza, Fabinho não foi visitar Bento para bater papo, matar as saudades. Certamente, ele fez alguma maldade com Bento. Ela daria uma lição nele. Ele estava merecendo. Fabinho ia ver com quantos paus se faz uma canoa. Ela falou, alto:

— Olha, a pensão ali abriu vaga pra rapazes, hein?

Na rua havia a pensão da dona Cida.

— Não entendi. — disse Fabinho, próximo à sua moto.

— Ué. — disse Giane, aproximando-se, fazendo umas embaixadinhas com a bola. — Você não sai mais daqui. Achei que você estava procurando um lugar.

— Tá louco. — disse Fabinho, subindo na moto. Pegou o capacete. — Fica tranquilo que eu não volto mais aqui, não.

— Poxa, mas que pena! — disse Giane. — Pensei que eu ia ter alguém pra treinar meus dribles.

— E eu tenho cara de quem bate bola com moleque de rua?  — disse Fabinho, descendo da moto e aproximando-se. — Se liga!

Arrogante, como sempre. Giane riu.

— Sabia que o mariquinha ia amarelar. Aliás, como sempre, né?

— Mariquinha? — ele disse, indignado. Apontou para a moto. — Você já olhou essa moto aqui? Você tem noção de quanto custa esta máquina, o marginal?

— Tô nem aí pra tua máquina, cara. — disse Giane, jogando a bola pra cima. — Quero saber se já virou homem, isso que eu quero saber. Porque da última vez que eu vi, né, você não sabia nem chutar uma bola. Não é, não? Fraldinha!

Giane lembrou do apelido dele de infância. Quando ele era pequeno, a molecada da rua chamava ele de fraldinha, pois era um garoto medroso. Era péssimo no futebol, e não era bom de briga. 

Giane começou a chutar a bola. Fabinho tentava tomar a bola dela, mas não conseguia. Ela driblava de todas as maneiras possíveis.

— Vamo lá, Fraldinha, não era assim que te chamavam aqui no bairro? Quero ver se você virou macho. É isso que eu quero saber. Vamo lá, vamo lá, Fraldinha! — dizia a garota.

Fabinho se desequilibrou e caiu em uma poça d’água. Giane riu.

— O Fraldinha se molhou todo, é?

— Você me derrubou. — ele disse.

— Ih, nem encostei em você, vacilão! — disse Giane, e estendeu a mão para ele. — Vem, mané.

— Não toque em mim, seu maloqueiro sujo! — disse Fabinho, tinindo de raiva, levantando-se e indo em direção à motocicleta. Giane riu.

— Já vai, frutinha? — disse a garota. — Ih, amarelou mesmo!

Fabinho montou na motocicleta.

— Vai te catar, seu favelado, morador de rua! — xingou, e foi embora.

Giane fez um gesto com a mão, contente. Havia castigado o babaca.

À meia-noite, era o aniversário do Bento. Ela e o pai, seu Silvério, eram sempre os primeiros a darem os parabéns para o Bento. Era uma tradição. E Giane fez questão de fazer um bolo para comemorar. Ela e seu Silvério adoravam Bento. Seu Silvério era muito afeiçoado a ele, o via como um filho.

Foram para a casa do Bento. Seu Silvério foi na frente, e Giane foi logo atrás, trazendo um bolo cheio de velas, todas acesas.

— Eeeee! — gritou Giane, entrando.

— Caramba! — exclamou Bento.

— Ai! Assopra logo antes que elas apaguem. — disse Giane, entregado o bolo para Bento e batendo palmas. — Bora, bora, bora, bora!

Bento assoprou as velas do bolo.

— Eee! — gritou Giane. 

— Valeu, Gi. Caramba! — disse Bento, feliz.

— Que esse seja um ano de muita saúde, felicidade e realizações.  — disse seu Silvério. — Porque foi por isso que eu te dei o nome de Bento. Você é um menino abençoado.

— Obrigado, tio Silvério. — disse Bento, abraçando seu Silvério. — Obrigado por tudo.

Deu um abraço em Giane.

— Valeu, Gi.

Bento, Giane e seu Silvério sentaram-se no balcão e começaram a comer.

— Hum! — disse Bento, mastigando o bolo.

— E aí? Tá bom? Fui eu que fiz. — disse Giane, com a boca cheia.

Estava louca para ouvir um elogio de seu amado.

— Hum, foi? Vou ser sincero, tá bem meia boca. — disse Bento, implicando.

Seu Silvério riu. Giane disse:

— Palhaço! Só não te chamo pra briga agora porque é teu aniversário. Nem foi nesse dia que você nasceu, não é não, pai?

— Eu nasci no dia que eu cheguei na casa do tio Gilson, e esse é o dia que eu gosto de comemorar meu aniversário. — disse Bento.

— Você já tinha alguns dias quando aquela senhora te largou comigo na rodoviária. — disse seu Silvério.

Ao ver a expressão do rosto do rapaz, seu Silvério disse:

— Ah, desculpa, filho. Eu sei que você não gosta muito quando a gente toca nesse assunto.

— Vá em frente, tio Silvério.

— Bom, antes de ver a mulher, eu ouvi o seu choro. — disse seu Silvério. — Quando eu virei, vi uma senhora com um bebê no colo e uma expressão de desespero porque você não parava de chorar. Eu perguntei se ela precisava de alguma coisa. Foi quando ela me perguntou se eu podia ficar com você por um minuto enquanto ela ia buscar a mamadeira no ônibus.

— Nunca mais voltou pra me buscar. — disse Bento.

— Eu bem que procurei, perguntei pra todo mundo, disse que se tratava de uma senhora muito distinta, usando roupas caras, mas nada. Ela simplesmente evaporou. — disse seu Silvério. — Eu nem sabia o nome dela. Não tinha a menor ideia de quem era. Então eu levei você pra minha casa.

— Como meu pai não tinha condição de te criar, aí te levou lá pra casa do tio Gilson e da tia Salma. — disse Giane.

— E essa mulher era minha mãe? — perguntou Bento.

— Não acho não. — disse seu Silvério. — Ela tinha uma certa idade já. Era uma senhora fina, bem tratada. Olha, eu tenho certeza que se visse na rua ia reconhecer, mas eu nunca mais cruzei com ela.

— Não faz mal. — disse Bento. — Olha a sorte que eu tive quando ela me colocou nos seus braços. Olha onde eu estou agora. Fazendo o que eu quero, cercado de gente que me ama e que eu amo também.

Realmente, Bento não tinha nenhuma mágoa por ter crescido no lar. Considerava tio Gilson e tia Salma como seus pais, o Érico, o Jonas e a Socorro como seus irmãos. Amava todo o pessoal da Casa Verde. Sentia que aquela era a sua família. Era realmente muito feliz vivendo ali.

O que Giane mais admirava no amigo era o fato de ele levar a vida de um jeito leve. Ela admirava a maneira otimista como Bento via o mundo. Não que Bento achasse legal ter crescido órfão, ou não sentisse falta de um pai, de uma mãe, uma família de verdade, enfim. Mas ele sempre via o lado bom das coisas, da vida, apesar das dificuldades. Conseguia tirar algo bom mesmo das coisas ruins. Qualquer pessoa no lugar dele se revoltaria. Mas Bento não era um revoltado. Bento era realmente uma pessoa admirável. 

— Então bora lá. — disse Giane.

— Fala sério, gente! Eu podia ser mais feliz?

— Não, claro que não! — disse Giane, levantando o copo com refrigerante. — Então um brinde ao rejeitadinho mais querido do Brasil.

— É isso mesmo, Giane, sua bestalhona. — disse Bento.

— Como não podia faltar... — disse Giane esfregando bolo na cara de Bento.

— Não acredito que você... — disse Bento, tentando esfregar bolo na cara dela. — Vai ter volta, hein? Não, Giane! Toma!

No dia seguinte, Giane e Bento acordaram cedo para ir trabalhar.

— Tô indo nessa, tio!  — disse Bento a tio Gilson, enquanto carregava as flores até a van.

— Bora lá. — disse Giane.

Bento deu uma flor para Damáris, que estava ali por perto.

— Pra você.

— Você está dado uma flor pra mim? — perguntou Damáris, surpresa.

O rapaz assentiu.

— Por quê? — perguntou Damáris.

— Ué? Pra alegrar o seu dia. — disse Bento.

— Rapaz, você está alegrado meu ano. — disse Damáris, emocionada. — Não me lembro de alguém ter feito por mim um gesto tão belo.

Bento riu.

— Vem cá, é impressão minha ou a sua cunhada está num momento difícil? — perguntou para tia Salma.

— O momento é difícil, e ela não é uma pessoa nada fácil. — disse tia Salma.

Riram.

— Bom, vamos trabalhar que hoje o dia promete e a noite é de festa. — disse Bento, dando um beijo na tia Salma.

— Tchau, filho. — disse tia Salma.

— Tchau. — disse Bento.

— Valeu, tio. — disse Giane.

Entraram na van. Giane notou que Bento estava animado. Só podia ser por causa de Amora, que prometera que iria à festa de aniversário dele.

— Tá todo alegrinho assim porque a Amora vem na sua festa, não é não? — perguntou, com ciúmes.

— Eu estou alegre porque o dia está lindo, porque a felicidade existe e que Amora vem na minha festa, sim. — disse Bento. — E nem adianta você vir com rabugice pra cima de mim, que hoje você não vai estragar meu dia, tá?

Giane fez uma careta. Foram para a loja. Bento passou algum tempo distribuindo rosas para a mulherada que passava na rua. Giane disse:

— Bento, manera! Olha o preju...

— Ih, o que é, Giane? Tá brava porque não ganhou uma rosa, é? — disse Bento, brincalhão, mexendo com ela. Entrou na loja.

— Imagina! Eu lá ligo pra flor? — disse Giane, entrando na loja atrás dele.

— Ah, é? Uma pena, porque eu tinha reservado as mais belas flores pra minha melhor amiga. — disse Bento, entregando um vaso de flores para ela.

— Pô, Bento... Pô, cara... — disse Giane, abrindo um sorriso. — Pô, que bonito!

— Isso. Agora segura esse sorriso enquanto eu distribuo alegria. — disse Bento. — Hoje é o meu aniversário, eu quero ver todo mundo feliz.

À noite, a festa foi no Cantaí. Toda a vizinhança estava no local. Todos fingiram que seria uma festa surpresa. Bento fingiu estar surpreso quando apareceu no bar e todos começaram a cantar os parabéns. Ele sabia que fariam a festa no Cantaí, mas fingiu estar surpreso, assim ficava mais emocionante. 

— Puxa, gente, isso é covardia! — disse o moço.

— Ah, você achou que ia ficar só naquele bolinho? É ruim, hein? — disse Giane.

— Eu achei! — mentiu Bento.

— E, olha, cada um aqui adoraria te dar um presente do tamanho da beleza que você traz pra vida da gente. — disse Rosemere. — Mas como a coisa tá ruça pra todo mundo, a gente fez uma vaquinha e comprou pra você só uma lembrancinha.

Tio Gilson entregou um saco para o rapaz.

— Nossa, uma lembrancinha, gente? — disse Bento. 

— E a gente foi hoje lá na Teodoro buscar. — disse Filipinho.

— Oh Filipinho! Assim ele vai adivinhar! — tio Lili deu um beliscão no braço de Filipinho.

— Vai me dizer que é... — disse Bento, abrindo o saco e retirando um violão de dentro. — É o que eu estou pensando!

Todos gritaram e bateram palmas.

— Isso aí, Bento, é elétrico, rapaz. — disse seu Nestor. — Com captador correia, afinador embutido aí.

— Puxa, obrigado, gente! Não sei nem o que dizer! — disse Bento.

— Anda logo, Bento! — disse Érico. — Tira o som dessa maravilha aí pra gente.

Bento tocou o violão, e todos gritaram e bateram palmas.

— Queria dizer que eu sou um cara muito feliz de ter vocês na minha vida. — disse Bento, emocionado. — Eu posso não ter conhecido os meus pais de sangue, mas eu tenho a sorte de ter a melhor família do mundo. Porque... família são as pessoas que a gente escolhe amar. E eu amo cada um de vocês.

— Nós é que te amamos muito, Bento. — disse Charlene, indo abraçá-lo. — Dá um abraço aqui.

Logo todos se uniram em um grande abraço coletivo.

A festa estava bastante animada. Muitas pessoas dançando, comendo, conversando. Havia até uma banda no palco tocando. Então Malu resolveu aparecer. Giane não ficou nada contente. Mesmo assim, foi logo avisando Bento:

— Oh Bento, tem uma pessoa aí querendo te ver.  — disse Giane.

— Quem? — perguntou Bento.

— Uma pessoa do Jardim Europa. — disse Giane.

Bento ficou conversando por alguns minutos com Malu. Charlene foi dar um abraço nela. Giane aproximou-se de Bento para dar um recado:

— Bento, o Jonas tá te chamando.

— Tá, já vou. — disse Bento. — Charlene, cuida da Malu pra mim.

Bento foi resolver algum assunto com o Jonas.

Giane estava morrendo de ciúmes. Só o que faltava agora, pensou ela, outra para ficar correndo atrás do cara.

A uma certa hora, Bento estava em uma mesa com Malu, seu Silvério, seu Nestor, tio Gilson e Jonas.

Filipinho quis cantar com a banda, mas seu Nestor o impediu:

— Opa, opa, opa! Primeiro, o aniversariante!

— É isso mesmo! — disse Bento. — E aí Jonas, vamos estrear essa maravilha?

— Agora.  — disse Jonas, que estava segurando o violão. Levantou-se da cadeira.

— A gente começa com Simples Desejo.  — disse Bento.

— Mentira que eu adoro essa música! — disse Malu.

— Mentira! Então canta comigo! — disse Bento.

Malu não quis, porém Bento arrastou-a. Tio Gilson disse:

— É tradição aqui. Pisou aqui pela primeira vez, tem que cantar.

— Não! — disse Malu.

— Bora, Malu! — disse Bento.

Giane ficou o tempo todo de cara amarrada, vendo-os cantar. Bento e Malu passaram a festa inteira conversando. E pelo visto, viram o dia amanhecer juntos, pois Giane viu que Malu foi embora quando o dia já havia amanhecido. Ao sair de casa, viu o amigo despedir-se de Malu.

— Não acredito, Bento. — disse a garota.

— O quê? — perguntou o rapaz.

— Passou a noite toda aí. Aí com essa patricinha. — Giane disse, enciumada.

— De patricinha ela não tem nada, Giane. — disse Bento. — A Malu é muito gente boa. E tem muito mais a ver com a gente do que você imagina.

Bento bagunçou o cabelo dela e saiu andando.

 


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