Um amor inesperado escrita por Tianinha


Capítulo 2
Flash mob em frente ao Las Blumas




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O pessoal da Casa Verde estava revoltadíssimo com Bluma Lancaster. O Las Blumas estava para ser inaugurado no bairro do Limão, e em uma entrevista dada no programa Luxury, a perua havia se referido aos moradores como economicamente prejudicados. Ou seja, chamando-os de pobres e cafonas. Além do mais, a escola de samba do seu Nestor havia sido excluída do panfleto. Os jovens estavam todos reunidos na lanchonete, falando no assunto.

— Isso não foi nada, mano. — disse Jonas. — Do jeito que a mulher falou lá, parecia que a gente era um bando de casca grossa.

— Pô, a gente tinha que fazer alguma coisa, pô! — disse Douglas.

— A gente tinha que fazer não! A gente vai fazer. — disse Bento.

— Bento, olha lá, cuidado! — advertiu Giane, preocupada. — Se você está pensando em ferrar com a festinha da fulana, cuidado, que vai estar cheio de repórter, televisão...

— Melhor ainda! — disse Bento. — E outra, a gente não vai acabar com a festa de ninguém, não. O que a gente vai fazer é dar pra esta gente não prejudicada uma recepção que eles não vão esquecer nunca mais na vida.

— Curti, bora lá! — disse Giane, sorrindo e batendo a mão fechada na de Bento. Então passaram a discutir a respeito da manifestação que fariam.

À noite, se encontraram no Cantaí, bar do tio Gilson, para combinarem tudo.

— Menos de uma hora para começar o tal coquetel. — disse Bento.

— Bora lá, bora lá! — disse Giane, aproximando-se.

— Aí, tudo certo com o pessoal da escola — disse Douglas.

— Maravilha, então a hora é agora, manda ver, Jonas. — disse Bento.

— Manda lá, Jonas! — disse Giane.

— Pode deixar. — disse Jonas, mexendo no celular, começando a mandar mensagens para os conhecidos. — Cara, como a humanidade conseguiu viver duzentos mil anos sem internet?

Reuniram o máximo número de pessoas que conseguiram para o flash mob em frente ao Las Blumas. Rosemere, vizinha e garçonete do Cantaí, também chamou um monte de gente. Até tio Gilson liberou os funcionários e foi na manifestação, trazendo junto a tia Salma. A turma toda se organizou e partiu para a inauguração do Las Blumas, acompanhados da bateria da escola de samba do bairro. Foi uma festa. Estava todo mundo animado, cantando e dançando sem parar a coreografia. Havia tanta gente que até o trânsito estava parado. Foi uma manifestação pacífica. Giane, como não podia deixar de ser, permaneceu ao lado do Bento o tempo todo.

— Vamos lá, vamos lá! — gritava a garota, animada, levantando os braços.

Foi quando Amora saiu do carro, gritou para as pessoas saírem do caminho dela e correu aos trancos e barrancos em direção ao stand do Las Blumas. Até que tropeçou e quase caiu em cima do Bento, que segurou-a. Ficaram se olhando, até que Bento a reconheceu:

— Amora?! — disse o rapaz, surpreso, soltando-a. — Você está bem?

— Eu? — disse Amora, sorrindo, surpresa ao vê-lo.

— É. — disse Bento, olhando para ela.

— Amora! — disse Vitinho, o diretor do programa, aproximando-se. — Ainda bem que você chegou sã e salva. Vem, vambora! — arrastou-a.

— Que isso! Essa Amora é mó gata pessoalmente — comentou Jonas.

— Não achei nada demais. — disse Giane, enciumada, antes de olhar para Bento e dar uns tapas no ombro dele. — E você, matou a saudade? Pena que ela nem tchum pra você, né?

— Ah, não exagera, Giane! — defendeu Jonas. — A mina nem teve tempo de abrir a boca.

— Ah, não ameniza, não, tá? Ela podia ter dado um oi, né, cara? — disse Giane.

— Vai ver ela nem reconheceu... — argumentou Jonas.

Giane grunhiu.

— Não reconheceu.... — disse a garota, com olhar de escárnio.

O povo continuou se manifestando em frente ao edifício, e Amora continuava lá dentro. A uma certa hora, tio Gilson perguntou:

— Vocês viram quem veio pra festa?

— O Bento não só viu como Amora caiu em cima dele, né? — disse Giane.

— Como é que é, Bento? — perguntou tia Salma.

— A gente só se esbarrou. — Bento explicou. — E, antes que ela pudesse trocar uma palavra, foi levada pra dentro pela equipe do programa.

Giane pensou que estava para nascer alguém mais ingênuo que o Bento. Como ele pode ser tão bobo, tão burro? Ele ainda defende a patricinha? Depois de ela ter virado a cara para ele, de nem tê-lo cumprimentado? Bento podia ter muitas qualidades: era carismático, doce, gentil, romântico. Mas com certeza, um dos seus maiores defeitos era ser otário. Para alguém conseguir fazê-lo de idiota, era muito fácil. Principalmente quando se tratava de Amora.

— Cara, se toca! — disse Giane, mal-humorada. — Se ela não tivesse sido levada, ela tinha te virado a cara de qualquer jeito.

— Quer parar de falar besteira, Giane? — protestou Bento.

— Deixa de ser palhaço, Bento, pô! — replicou Giane.

— Tá, tá bom, tá bom, obrigado! — disse tio Lili, desligando o celular. Estava falando com algum conhecido. — Olha, disse que a Amora tá apresentando o programa lá dentro.

— Será que ela não se tocou que a festa é aqui fora? — perguntou Rosemere.

— Olha aqui! — disse Socorro. — Eu acho isso tudo uma grande sacanagem com a Amora. Isso que é.

— Ah, sacanagem o quê! — disse Lucindo. — Olha os bacana sambando aí com nós!

O povo continuou se manifestando. Giane estava pendurada em cima do Bento, quando Bluma Lancaster se aproximou e disse:

— Um minutinho, um minutinho só da sua atenção.

Giane desceu e ficou ao lado de Bento, que chamou a atenção de todos:

— Peraí, peraí galera! Peraí um minuto! — gritou o rapaz.

— Peraí! — gritou Giane.

— Peraí, peraí!

Todos ficaram quietos.

— Boa noite! Boa noite a todos! — disse Bluma.

— Boa noite! — disseram todos.

— Nós agora gostaríamos de convidá-los para tomar uma taça de champanhe conosco. — disse Bluma, sorridente, ao lado de Vitinho Barata.

— A gente não quer o seu champanhe, não. — disse Bento. — E nem atrapalhar a sua festa. Viemos apenas dar as boas-vindas, como manda a lei da boa vizinhança. Lei, aliás, que a senhora deveria conhecer antes de excluir do seu folheto a quadra da escola de samba.

Todos gritaram e bateram palmas, animados. Bento disse:

— Embora a maioria do pessoal que esteja aqui seja economicamente prejudicado, a cordialidade é nossa palavra de ordem. Portanto, boa festa. Bom coquetel. Em respeito à verdade, não altere a paisagem da Zona Norte.

Todos gritaram, bateram palmas, tocaram os instrumentos. Em seguida, todos os manifestantes começaram a se dispersar. Amora deixou-se ser fotografada, e fingiu que não era com ela, que não estava acontecendo nada. Nem foi falar com Bento. Ele ficou esperando Amora vir falar com ele, mas ela não estava nem aí. Giane aproximou-se do amigo e pendurou-se em seu ombro.

— É, né, cara? Precisou levar uma esnobada, né? Pra entender que a Amora mudou. — disse ela, desolada ao ver Bento triste, decepcionado.

Em pouco tempo, todos já estavam no Cantaí, comemorando.

— Gente, gente! Um brinde à Zona Norte! — gritou tia Salma.

Todos levantaram os copos e gritaram. Rosemere disse:

— E à essa gente economicamente prejudicada que mostrou o seu valor!

— E um ao Bentão que sentou a marra na perua! — disse Lucindo.

— Não sentei a marra em ninguém não, Lucindo. — disse Bento. — Eu só disse o que precisava ser dito praquela mulher.

— Valeu a pena a gente ter ficado sem voz, é! — disse seu Nestor.

— Eu só cantei baixo porque amanhã eu tenho um teste de canto. — disse Filipinho.

— Olha, gente, eu lá de casa, eu vi o Luxury. — disse dona Odila. — Dava mó tristeza. Oh, o stand vazio, todo mundo cantando lá fora. Agora, Amora fingindo que não estava acontecendo nada com ela!

— É, a gente cruzou com ela. — comentou Giane, sentada em uma das mesas, ao lado de Rosemere. — Antipática e metida que só vendo.

— Ah, ela pode ser tudo isso, mas ela é uma bonequinha, não é? — disse tio Lili.

— O senhor diz isso porque não viu a cara de medo que ela fez quando viu a gente. — disse Giane, apontando para o próprio olho.

— Ah, isso aí é despeito, tá, Giane? — protestou Socorro. — Você tem é muita inveja da Amora, sua invejosa!

— Ah, larga de ser capacho! — disse Giane.

— Bom, gente, eu vou pra casa, que hoje o dia foi cheio — disse Bento, despedindo-se e indo embora do Cantaí.

No dia seguinte, cedo, Giane e Bento estavam na floricultura, como sempre. Giane percebeu que Bento não estava de muito bom humor. E só podia ser por causa de Amora, que o ignorou a noite inteira. Giane não entendia como Amora podia ter tratado Bento tão mal, depois de anos sem se verem. Afinal, eles eram tão amigos quando crianças. Como Amora podia não ter consideração nenhuma, nem com Bento, nem com tio Gilson e tia Salma, que cuidaram dela? Durante todos aqueles anos, Amora não foi visitá-los, nem deu notícias. Para Amora Campana, era como se o povo ali da Casa Verde não existisse. Também, bastou ser adotada pela famosa atriz Bárbara Ellen, para se achar melhor que os outros. Só porque ficou rica, Amora acha que pode pisar nos outros. Mas o que mais doía no coração de Giane era ver Bento sofrendo. Ele não percebe a fulana metida que Amora virou. Do contrário, ela já teria procurado por ele há tempos.

— Oh, Bento! Pô, cara, cê vai ficar com essa tromba aí o dia todo por causa daquela... — reclamou a garota, sendo interrompida pelo rapaz.

— Dá uma trégua, vai, Giane. — disse Bento, mal-humorado. — Tenho o direito de ficar em paz um dia na minha vida.

— Não sou eu que tiro a tua paz, né, Bento? — disse Giane.

Bento, emburrado, largou o que estava fazendo e foi para os fundos da loja. Emburrada, Giane tratou de cuidar de seus afazeres. Até ouvir uma voz:

— Bom dia! — disse Amora, e Giane virou-se. Surpreendeu-se ao vê-la. Nunca imaginou que Amora Campana botaria os pés na Acácia Amarela um dia.

— Eu tô procurando o Bento. É aqui que ele trabalha? — perguntou Amora.

O que será queria que ela queria com Bento? Pelo visto, a consciência da patricinha pesou, depois de fazer a egípcia ao reencontrar Bento no flash mob.

— Hum! Olha, o Bento... ele não está, mas se é de flores que você precisa... — mentiu Giane. Ela não estava disposta a deixar Amora encontrar Bento e tratá-lo mal mais uma vez, como havia feito durante o flash mob. Não deixaria Amora fazê-lo sofrer, de jeito nenhum.

— Obrigada. Meu assunto é só com o Bento mesmo. — disse Amora, e já ia saindo, quando Giane disse:

— Você não está mesmo lembrada de mim, né, Amora? Eu morava com meu pai. Do lado do lar do tio Gilson — deu a dica.

— Ah, Jane, a filha do lixeiro. Não é isso? — disse Amora.

— O meu pai era funcionário de limpeza da rodoviária. Passa muito bem, obrigada. E meu nome não é Jane. É Gi-a-ne!

— Que bom que seu pai está bem, Jane. Bom te rever. — disse Amora.

— Não, você me viu ontem! — disse Giane. — Não lembra não? Eu também fui lá dar as boas vindas à Bluma Lancaster. Aliás, eu estava bem pertinho ali quando você tropeçou e caiu em cima do Bento, né? Aliás, cara, adorei tua cara de susto quando você se viu ali, no meio daquele povo, né? Parecia até que você não conhecia a gente.

— Olha, eu acho que você está enganada. Eu não...

— Sabe que eu me lembro no dia que você chegou no lar do tio Gilson. — interrompeu Giane. — Você devia ter uns nove anos, mas parecia seis de tão mirradinha. Chegou toda suja, sabe, com a roupa rasgada porque estava na rua né, desde que sua irmã lá tinha te abandonado. Agora tá aí, né? Toda no salto, mas chegou morrendo de fome, cheinha de vermes. E você sabe que a primeira coisa que você pediu não foi comida. Você lembra, né?

— Só lembro de coisas importantes. — disse Amora.

— Pô, mas olha aí, eu me lembro! Eu me lembro até hoje o que você pediu. Você não quis nem comer, nem tomar banho. Você pediu logo adivinha? Um sapato! Porque o seu estava sujo, velho, não cabia no seu pé, sei lá. Me lembro também até hoje a tua felicidade quando a tia Salma te arrumou uns sapatos velhos que serviram no teu pé.

— Engraçado como essa minha história te marcou, né?

— É, marcou mermo. Sabe por quê? Aqueles sapatos eram meus. Eu só tinha outro par, mas te dei na boa. É que essas coisas não dá pra esquecer, né, Amora? Mas como você agora, né, tem um armário aí cheio de sapato de grife... De grife!

— Por que você não aproveita sua memória e talento pra dramatizar episódios irrelevantes e escreve um livro a meu respeito? — disse Amora, e Giane riu. — Eu tenho certeza que meus fãs iriam adorar e você podia ganhar rios de dinheiro.

— Pô, mas que ideia boa! Só que tem que eu não sou sua fã. Pô, desculpa, eu não tô nem aí pra essa sua fama, seu dinheiro. Eu tô muito feliz com a vida que eu tenho.

— Claro! Nessa floricultura... Simpática no seu estilo... Rústico. Eu tenho certeza que a sua vida é muito mais interessante e movimentada que a minha, né? — disse Amora, irônica. — Agora, com licença que eu tenho um compromisso.

— Pô, não vai não! Pô, espera o Bento, ele ia adorar te...

— Obrigada, Giane! Sucesso para você! — disse Amora, indo embora, deixando Giane sozinha, fazendo um gesto com a mão e dando risada.

— Que foi, garota, tá rindo do quê? — perguntou Bento, voltando.

— Não, nada. Tava só lembrando da bela lição que a gente deu àqueles metidos. — mentiu Giane, fazendo anotações em um caderninho. Por ela, Bento nem ficará sabendo que Amora esteve na loja. 


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