Nebulosa escrita por Camélia Bardon


Capítulo 5
IV — I like the way you pull me apart




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“Eu acho que você vale a pena

Encontre-me na tela do cinema

Vou beijar seu rosto no escuro

Realmente não me importo se é muito cedo para dizer

Mas eu gosto da maneira como você me despedaça”

(Strawberry Sunscreen — Lostboycrow)

 ★

Valerie sentia-se segura. Verdadeiramente segura. Como se estivesse em casa. O que era, no mínimo, atípico. 

Ele era atípico. Veronica chamou aquilo de atração fatal, porém Valerie mantinha os dois pés atrás.  Quando ele se mostraria alguém terrível, como o pai dela? Ou quando ela estragaria tudo?

Ah, tudo bem, talvez ela só estivesse sendo paranoica e insegura. Aquilo era tudo culpa de Georgia Jones. Era tão absurdo que um cara estivesse interessado nela? Vejamos: a última vez que havia beijado alguém foi quando tinha 17 anos, num jogo da garrafa e usava aparelho! Oh, espere... Isso não era um ponto positivo.

Nada garantia que ele fosse beijá-la.

— Então, eu estive pensando... Podíamos fazer disso um hábito!

E lá estava ele, tirando-a de um torpor para colocá-la em outro. Era mesmo um pedaço de mau caminho. 

— Um... Hábito? — ela ecoou, debilmente. Daí, pigarreou. — É claro!

— Ok. Então, semana que vem, na mesma hora e no mesmo lugar?

Valerie aquiesceu mais do que empolgada. Ela não era exatamente o tipo que tinha completo controle sobre seus sentimentos. Não conseguia fingir agradar-se de algo que considerava irreverente, e nem mascarar seus momentos de felicidade explosiva. No fundo da consciência, Valerie temia que esse detalhe de personalidade precisasse ser consertado, porém… Havia tempo para isso. Não naquele dia.

— Ok — ela sorriu fingindo plenitude. — Vai ficar por aqui...?

— Vou sim! Esses banhistas me animaram.

Valerie não conseguiu resistir à vontade de rir. Por sorte, Alex sorriu junto a ela. Foi então que ela sentiu as pernas bambearem. Ele estava com aquela cara. Mantendo a pose de quem tinha tudo sob controle, Valerie permitiu que ele se aproximasse e envolvesse sua cintura. E prendeu o fôlego.

Não foi nada majestoso. Foi apenas um beijo breve, um selinho longo. Terrivelmente respeitoso. Ao mesmo tempo, completamente satisfatório. Valerie sentiu o coração chocando-se contra o peito, e Alex sorrindo contra seus lábios.

Baunilha, chocolate e menta eram uma combinação maravilhosa. Ah, céus.

— Até a próxima semana? Promete?

— Até a próxima semana, Valerie — Alex sussurrou perigosamente perto de seu ouvido. Valerie sentia-se zonza. — Prometo. Mostre para Georgia Jones quem é que manda.

Ela sorriu, apertando os lábios. A vida era mesmo maravilhosa.

— Tá bom… Boa praia pra você!

Valerie voltou para o carro e deu a partida, acenando para Alexander antes de virar a esquina. Quando virou, Valerie permitiu-se uma pequena dancinha da vitória. Mal esperava para contar tudo à Veronica. 

 

— Então... — Ronnie começou, depois do surto de amores da irmã. — Tipo... De onde ele é? Só se beijaram e ele só disse que iria ficar na praia? Ficou por isso mesmo?

— Você está bancando a detetive, Veronica? — Valerie ergueu uma sobrancelha, recostando-se na penteadeira para prender os cachos num coque. — Achei que você confiasse um pouco mais em mim. 

— Eu confio em você. Eu não confio nele. Você tem que concordar que não sabe nada de essencial sobre esse cara. Ou sabe?

Valerie franziu a testa, olhando para ela através do espelho.

— Olhe... Eu ainda não sei muito sobre ele, mas é pra isso que servem os encontros! Não faz muito sentido sair divulgando tudo sobre você para um possível rolo, faz?

— Tudo bem, faz — Veronica cedeu a contragosto. — Mesmo assim... Eu acho que você tem que ficar esperta. Não que você não seja... Mas eu só estou preocupada, tá legal?

A mais velha abriu um sorriso amável e foi se avizinhar ao lado da irmãzinha. Ronnie recusou-se a morder a isca, mantendo a postura impassível. Quando viu que não conseguiria o efeito desejado, Valerie apenas suspirou.

— Prometo que se eu notar algo suspeito eu pulo fora. Aí você não se preocupa e eu não me preocupo com o fato de você estar preocupada. Ok?

Veronica assentiu, junto a um suspiro.

— Por mim tudo bem. Eu acredito que ele seja uma boa pessoa, tá? Só quero o melhor pra você. 

— Já sei — Valerie abriu um sorriso complacente. — Mantenho minha posição. O Alex é um cara legal. Se não servir pra um namorado... 

— Ah, agora você está falando a minha língua!

Ambas gargalharam, o que levou Veronica a ceder ao pedido de colo da irmã. Recostando-se em seu ombro, a mais nova permitiu que Valerie acariciasse seus cabelos alaranjados. Era mesmo bom ter uma irmã como melhor amiga.

— É bom te ver feliz, sabia? — Veronica ergueu o rosto, para poder olhar nos olhos da irmã. — Felicidade é sempre bem-vinda, mas vinda de você dá gosto de ver. Porque eu já sou uma bobalhona por natureza, isso até perde um pouco da graça.

— Não acho... Sempre te vejo sorrir e na verdade é bastante revigorante. Faz a diferença nos meus dias chatos. 

— Acha…?

— Eu não acho, eu tenho certeza — Valerie brincou de roubar o nariz dela, como quando eram pequenas. Veronica soltou um risinho nasalado. — É sempre bom saber que vou chegar em casa e ter alguém viva e animada para me fazer companhia... 

— Viva e animada — Veronica saboreou as palavras, achando graça. — Que lisonjeiro! 

— Eu estou falando sério, meu amor... Você é um presente. A vida foi muito gentil em tê-la dado para eu cuidar… Sabe, eu preferia ter uma enorme decepção amorosa a perder você. Eu amo muito você, Ronnie.

Veronica aconchegou-se no colo, disfarçando o sorriso. Já Valerie sorriu abertamente para ela, inclinando-se para beijar sua testa.

— Sabe o que eu gosto mais do que as noites de sexta-feira? 

— O que?

— Sábados inteiros. Tá a fim de fazer alguma coisa amanhã?

Valerie riu com gosto, concordando com a cabeça. Ronnie levantou-se num pulo, restabelecida.

— Maravilha. Então vamos lavar o seu cabelo, dessa vez vai ficar bonito sem pressa. Se quiser sair com o seu brotinho amanhã, é a hora certa. 

— Obrigada, Ronrom. Você é demais — Valerie abriu um sorriso enorme, levantando-se junto a ela. Sua escolha do apelido de infância tinha sido certeira, uma vez que ela deu de ombros de um jeito nada modesto. — A gente pode tomar um sorvete... Ah! Eu não te contei uma coisa! Você não vai adivinhar o que eu fiz hoje!

— Não — Veronica endireitou a postura, pronta para a bomba. — O que?

— Eu me sentei no lugar da Georgia Jones. 

Veronica arquejou, atuando uma grande surpresa. Valerie atirou-lhe uma almofada, rendendo-se à comédia do momento.

— Parabéns pelo seu grande ato de rebeldia! É um baita de um avanço!

— Um retrocesso, né? Porque você é um monstrinho!

— Um monstrinho que você ama!

— É sim — Valerie sorriu, retirando a roupa excessiva para tomar seu banho. — Amo mesmo. Vou varrer a sua maldade para debaixo do tapete.

Após uma piscadela marota, Veronica permitiu que a irmã relaxasse no banho. Ainda assim, nem mesmo a água gelada foi capaz de conter toda a sua empolgação. Porque aquela também era a primeira vez em muito tempo em que Valerie tinha garantias. Alex tinha prometido voltar. E, acima de tudo, promessas eram o que guiavam Valerie Bowman.

•·················•·················•

Alex ligou-a no dia seguinte. Apesar disso, quem atendeu ao telefone foi sua mãe. Num dos raros momentos em que Victoria sentia-se disposta a realizar mais do que as tarefas obrigatórias do dia, a mulher abriu um sorriso nada sugestivo ao tapar o bocal do telefone.

— Tem alguém querendo falar com você... A voz é bem bonita, tem alguma coisa a me contar?

Ainda não — Valerie riu baixo. — Conto quando eu descobrir o que é. Tá bom?

— Grande decisão, querida. Você é uma menina inteligente — entregando o telefone para a filha mais velha, Tori beijou-a no topo da cabeça. — Vou lavar a louça.

— Ok. Obrigada, mamãe — encaixando o telefone entre o ombro e a orelha, respirando fundo antes de atender. — Sim?

Bom dia, Valley! Como vai?

Valley? Era a primeira vez que recebia um apelido. Foi inevitável não sorrir. De que adiantava dizer que não era nada se algum tempo depois o cara ligava e a chamava daquela forma? Não tinha como levar a sério sua própria promessa.

— Eu vou bem! E você? 

Muito bem, obrigado! Imaginei que não trabalhasse no sábado, então pensei que não tinha problema em ligar. Foi a Veronica que atendeu?

— Não, eu não trabalho — ela sentou-se no sofá, enrolando o fio do telefone nos dedos finos. — Claro que não tem problema! E, não, foi a minha mãe.

Uau, achei que fosse sua irmã, era uma voz jovial!

— Se eu contar que disse isso, ela vai se gabar por uma semana!

Por mim tudo bem. Se for ganhá-la de algum jeito e eu possa ouvi-la em seguida… — Valerie imaginou que ele estivesse sorrindo do outro lado da linha. Era possível confabular pelo tom de voz. A respiração. A voz dele havia saído daquele jeito após ele beijá-la. Ah, céus... — Então. Eu queria saber se você quer dar uma volta hoje? Se não tiver outro compromisso, claro.

Valerie olhou de esguelha para a mãe, que parecia esforçar-se o máximo para fingir estar desinteressada na conversa da filha. 

— Podemos fazer algo depois, sim.

No lugar da Georgia Jones?

Valerie gargalhou. O tipo de risada que vinha de fora para dentro, quase com o corpo inteiro. Victoria sorriu de lado, concentrando-se em passar a bucha no mesmo prato pela terceira vez.

— Ah, não, eu não vou abusar da sorte. Uma vez só foi suficiente. Muita rebeldia, pra mim.

Tudo bem, eu aceito — Alex cedeu. — Você prefere praia ou cinema?

— Cinema. Podemos deixar a praia para o próximo sábado, aí vamos mais cedo. O que você acha?

Ok. Te pego na sorveteria?

Em todo lugar, se Deus quiser… 

— Uhum! Umas três da tarde?

Tudo foi devidamente combinado, e Valerie pode finalmente parar de tentar matar o fio do telefone. Aproximando-se com todo o carinho para enxugar o prato que a mãe tanto lavava, solícita, Valerie comentou despretensiosamente:

— Então... Ronnie já o ameaçou o suficiente, e não é nada sério. Se ficar, aí eu conto tudo.

— Sei — Tori riu para dentro, disfarçando a falta de surpresa. — E vocês vão sair hoje.

— É… A senhora deixa? 

— Deixar! Até parece que eu faço diferença nas decisões de vocês!

Valerie abraçou-a pela cintura, abrindo um sorriso enorme. 

— Obrigada, mãe... Amo você. 

— Eu sei — Victoria devolveu o sorriso, ainda que a sombra de algo que Valerie não conseguiu identificar de prontidão tivesse acometido o canto de seus lábios. — Eu também amo você, querida. 

 

Para Valerie, tudo aquilo parecia ter saído de um sonho. Ela e Alex caminhavam de mãos dadas, trocavam trivialidades e riam como dois adolescentes. Era o tipo de encontro “normal” que Georgia Jones pregava que garotas como ela jamais teriam. Por mais que tentasse conter-se, Alex fazia com que ela se sentisse bem consigo mesma – e aquilo era um verdadeiro milagre.

Fosse como fosse, Uma Odisseia no Espaço ainda estava em exibição nos cinemas e com um número baixo de telespectadores em relação à estreia, portanto foi o filme escolhido. Valerie, que já havia o assistido, permitiu-se dedicar apenas metade da atenção para a obra-prima. Já Alex concentrou-se ao ponto de criar um vinco na testa. Quando o herói foi devidamente apresentado, sua expressão abrandou-se e tornou-se um sorriso leve. 

— Ele tem o seu sobrenome!

— É — Valerie sorriu. — Uma pena que eu não esteja no grau de inteligência do dr. David.

Alex virou-se para ela para fitá-la com os olhos azuis. No escuro do cinema, eles reluziam. Mesmo as cicatrizes no rosto pareciam brilhar mais à meia-luz. Valerie teve vontade de desenhá-las com a ponta dos dedos. Beijar cada uma delas. 

— Acha que as coisas vão ser assim? Em 2001?

— Boa pergunta... Acho que uns 60% do que diz o filme... Espero estar viva até lá para comprovar por mim… 

Alex riu, atraindo meia dúzia de olhares tortos dos demais espectadores. Valerie pediu desculpas e riu constrangida, mas não demorou muito para que sua atenção fosse reconquistada.

— Ah, para! Quantos anos você vai ter em 2001, 50 e...?

— 56 — ela atalhou, segurando a risada. 

— Então! Não acha isso muito extremo?

Ela deu de ombros.

— Nunca se sabe o dia de amanhã, né? É muito pouco pretensioso da minha parte em fazer planos pra tão longe… Um dia de cada vez e assim vamos levando a vida... Menos estresse e expectativa.

Menos decepções, foi o que ela não disse em voz alta. Menos promessas quebradas.

Alex calou-se por alguns instantes, e Valerie conseguiu escutar quando ele engoliu em seco. Para quem esteve rindo há tão pouco, era de se estranhar. Talvez fosse um assunto sensível. Para contornar a gafe, Valerie acrescentou:

— Mas é uma coisa bem relativa, porque a gente tem que fazer planos em curto prazo e… 

Antes que pudesse terminar de formular o convite, Alex surpreendeu-a com um beijo. Havia algo de novo, de arrebatador e sensível no gesto, algo que Valerie não soube identificar. Talvez fosse o escuro, brincando com seus sentidos, mas foi inegável que seu coração deu um grande salto. Isso porque ela nem havia conseguido catalogar todos os seis diferentes tipos de arrepios que haviam percorrido seu corpo.

— Quer sair daqui? — ele murmurou, afastando um cacho da frente dos olhos dela. — Eu te deixo em casa, depois. 

Valerie perscrutou sua expressão com cautela. Sempre colocando o medo à frente de si.

Medo de quê, afinal de contas?

O que era pior, o medo de viver ou o medo de não viver?

Então, impulsionada pela súbita vontade de viver, Valerie assentiu com a cabeça e ergueu uma das mãos dele até a altura de seu rosto. As pontas dos dedos dele eram geladas, tremiam quase imperceptivelmente. Com toda a delicadeza, Valerie beijou-lhe uma das mãos, atraindo um par de pupilas dilatadas em direção aos seus lábios. 

Ela permitiu que Alex dirigisse até... Bem, ela não sabia para onde. Tinha de admitir que ele conquistara sua confiança rápido demais. Enquanto dirigia, Valerie olhava-o de esguelha, tentando enxergar algo além da superfície.

— Algum problema? — Alex indagou, olhando-a diretamente. Um flagra nada discreto. — Não me diga que você queria ver o filme e eu te tirei da sua diversão, Valley… 

— Não, não é isso — ela sorriu. — Eu já assisti a aquele filme. Duas vezes, na verdade. Já li o livro, também.

— Ah...! Então ficou ofendida por eu querer abandonar um filme que você ama?

— Não estou nada ofendida, eu só estou te olhando... Você é bonito, a gente admira o que é bonito… Se quiser, eu paro de olhar, também... Sem problemas. Não quero te deixar desconfortável.

Alex sorriu timidamente, voltando a se concentrar na estrada. Valerie pegou-se perguntando qual era a sensação de ser alguém bonito assim. Alex era a personificação do estereótipo de um anjo. Era seu oposto, em outras palavras. Será que ele tinha noção do quanto era bonito? A beleza era tão influente para os homens quanto era para as mulheres? 

— Eu acho que as pessoas se encaram porque querem encrenca… 

— Pode ser que eu esteja querendo encrenca — Valerie ergueu uma sobrancelha, ensaiando uma feição presunçosa. Alex sorriu, virando uma esquina. Com a distração, Valerie havia se esquecido de prestar atenção no caminho. Ainda dava tempo de ele se mostrar um sequestrador ou algo do tipo. — Eu tenho cara de boazinha, mas... Como você disse... Você acabou de me tirar de um filme que eu amei. Isso é motivo suficiente para encrenca. 

— Você disse que não estava ofendida! 

— Todos são inocentes até que se prove o contrário, querido. O golpe baixo vem quando menos se espera. Se eu fosse você, ficaria bem esperto.

Ele deu um riso soprado, nada convencido.

— O que você poderia fazer a respeito para se vingar? Não deixar eu dirigir mais? Qual é, Valley.

Valerie pensou em prováveis vinganças, porém encarou uma página em branco no próprio cérebro. Era bem verdade que ela não era lá muito intimidante. Ronnie fazia as ameaças, ela só ficava olhando por cima de seu ombro e esperando até que o oponente reagisse.

— A vingança é um prato que se come frio — ela optou por uma frase feita em tom de mistério, que obviamente não foi levada a sério. — Só espere e veja, Alexander.

— Você é engraçada — ele confidenciou, olhando pelo espelho retrovisor. — Sabia disso?

— Eu?

Ele assentiu com a cabeça, tranquilo. Valerie não queria ser repetitiva nos próprios pensamentos, mas parte dela gostaria de dizer: ah, sim, ser engraçada é parte das características das mulheres que não se destacam por atributos físicos. Os elogios que Valerie recebia variavam entre “engraçada” e “gentil”.  

— Acho que eu não sou muito do tipo que ri, então... — ele deu de ombros, interrompendo o próprio raciocínio. — Na verdade, é bem raro. Então é legal que você faça isso de um jeito tão natural.

— Bem... Obrigada — Valerie sorriu, recostando-se no banco. Como uma boa garota. Comportada. — Eu gosto do seu sorriso. 

Alex riu baixo, tamborilando os dedos no volante. Algum dia ele seria capaz de acreditar nela? Quanto tempo ainda tinha para convencê-lo?

— Enfim… Para onde vamos?

— Para o lugar que eu chamo por enquanto de lar. Acho que você vai gostar. 

Valerie contentou-se com a resposta. “Lar” era um tanto vago, porém era melhor do que nada. Enquanto contornavam as ruas, ela agora podia ver que estavam no caminho de Lauderdale, na parte mais comercial da cidade. Alex contornou os canais e seguiu pela rua à beira-mar. Valerie já tinha ouvido falar na Veneza Estadunidense, mas nunca tinha tido a oportunidade de visitar a cidade vizinha. Não resistindo à paisagem, Valerie deu uma espiada, colocando a cabeça para fora da janela. Após captar tudo o que podia, ela voltou-se para o motorista com curiosidade.

— Você mora num hotel? À beira-mar? 

— Por que não? — Alex deu de ombros, bem-humorado. — Trabalhar com o mar à vista é tranquilizante. Além disso, se você fecha um pacote ganha desconto nas diárias.

— Entendi. Então... Você é tipo um viajante? 

— Eu acho que você pode chamar desse jeito... Viajante? — ele ficou com o olhar distante por alguns segundos. — Sim, um viajante.

Alex riu, voltando a oferecer a mão para que ela a segurasse quando estacionaram. Obviamente, ela o fez, surpreendendo-se com a maciez de sua pele.

Desde quando era tão romântica? 

Enquanto aguardavam o elevador do hotel – curiosamente, a recepcionista sequer havia pedido sua identidade ao entrar –, Valerie trocou o peso dos pés. Sentia-se a ponto de explodir. Não demorou muito para as palavras simplesmente fugirem de seus lábios:

— Eu… Posso perguntar uma coisa? 

— É claro que pode — Alex franziu a testa. — Há algo errado?

— Não, eu só… Você quis falar comigo só porque levou um bolo? 

— O quê…?

— Eu estava tão pateticamente sozinha que você ficou com dó da babá de adolescente? Quis unir as solidões e ficou com pena depois? Eu não… Eu não entendo. O porquê de você querer ficar comigo. 

Alex permaneceu olhando-a, embasbacado. Valerie tinha a ligeira impressão de que não deveria ter dito tudo aquilo, porém certas vezes, mais do que gostaria de admitir, seus pensamentos se desgovernavam, tropeçavam a meio caminho do coração e caíam pela boca. Parando para pensar, talvez fosse por isso que Valerie não tinha amigos. Tinha tanto medo de descarrilar o trem dos pensamentos que preferia não dizer nada. Quando se deu conta do que tinha feito, seu coração disparou. Ainda dava tempo de desistir e voltar para casa?

— É tão absurdo que eu ache que você é atraente, Valerie? — Alex murmurou, diminuindo a distância entre os dois. Ele não era tão mais alto do que Valerie, mas ainda assim o ar pareceu ficar mais rarefeito. — É isso que as pessoas hoje em dia fazem quando querem se relacionar, não é? Elas se aproximam quando sentem qualquer interesse. E, acredite em mim, eu não teria a beijado daquele jeito se estivesse com pena da sua solidão. Ou só porque eu estava entediado. Eu não sou assim. É bom que saiba, agora que... 

Ele hesitou. Então, arrastou a ponta dos dedos por seu braço, provocando-lhe um calafrio na espinha. Com delicadeza, Alex ergueu seu queixo, e Valerie não teve outra opção além de olhar fundo dentro de seus olhos. Por alguns momentos, os dois apenas permaneceram assim, sustentando o olhar num silêncio agradável. Valerie engoliu em seco. Agora que...?

— Peço desculpas — ela sussurrou, perdendo o foco do olhar. — Não quis ofender a sua atração.

Alex riu para dentro, encostando sua testa à dela. Valerie mordeu os lábios para conter o seu sorriso bobalhão, apesar de que tinha certeza de que ele não o deixaria passar em branco. 

— Ah, Valerie... Se você soubesse o quanto é especial... Não diria essas coisas... 

Mas o que ele sabia sobre ela? O que ela sabia sobre ele para acreditar em suas palavras? Era um daqueles casos onde tinha de fechar os olhos e atirar-se nos braços de alguém para testar sua confiança? 

— Ver para crer, Alexander — Valerie soprou, aventurando-se a acariciar sua bochecha. Evitou propositalmente as cicatrizes. Ainda não. — Por que você não me mostra o quanto eu sou especial?

As portas do elevador abriram, e ele sorriu satisfeito com sua resposta. Valerie mal teve tempo de registrar o caminho do elevador até a porta do quarto, muito menos o caminho do quarto até a cama. 

Estava farta de pedir desculpas. Começaria substituindo as desculpas por sons desconexos, naquele dia.


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