Nebulosa escrita por Camélia Bardon


Capítulo 19
XVIII — It's all over now, all out to sea


Notas iniciais do capítulo

atenção: esse capítulo contém diversos temas sensíveis relacionados à morte, prossiga com cautela.



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“Nenhuma palavra surge diante de mim no final

As lágrimas salgadas escorrem dos meus olhos e entram nos meus ouvidos

Cada coisa que eu toco fica doente de tristeza

Porque está tudo acabado agora, tudo no mar”

(Bigger Than the Whole Sky — Taylor Swift)

 ★

Miami, Flórida — abril de 1970

Veronica apenas ouvia o rádio quando queria escutar músicas novas. Entretanto, quando abril chegou, ela criou mais um arrependimento. O de não escutar as notícias. 

O problema é que escutar o rádio ou o jornal deixava as garotas Bowman deprimidas. Então, toda a comunicação que tinham das novidades do Vietnã era sempre filtrada. Apenas o essencial e olhe lá. Havia quem ficasse sintonizado o dia inteiro nas rádios que comunicavam processo por processo de cada decisão tomada pelo exército, mas Veronica tinha pavor de ficar obcecada. Cada um com sua alienação: uns pela falta de informações, outros pelo excesso. 

Se tivesse escutado as notícias, teria orado mais. Teria… Teria se preparado mais. Após tanto tempo em alerta, Veronica havia simplesmente baixado toda sua guarda, esquecido da urgência de algo que era tão vivo quanto o bebê que a irmã aguardava. 

Foi ela quem conduziu o soldado para dentro, segurando o braço que não estava enfaixado. O rosto de Veronica estava impassível, bem como o dele. Veronica só tinha visto um homem fardado na vida: John Bowman, antes de partir. Para não ser injusta, havia bem mais homens fardados no aeroporto de Fort Lauderdale, despedindo-se das famílias e amantes. Valerie tinha a idade de Veronica quando isso aconteceu, e levava a irmã no colo – mesmo ela já sendo uma criança enorme –, e desde então ela suprimiu essas lembranças, visitando-as apenas quando necessário.

Quando o soldado olhou para ela, mesmo através das íris leitosas de quem havia perdido a visão, Valerie soube. Sua irmã conseguiu enxergar. Conhecia o coração dela tão bem quanto o que carregava no peito. 

Era o tipo de certeza que pairava no ar, que se infiltra nos ossos e os retorce, esfarela e despeja as cinzas no mar. Valerie tornou-se prisioneira dentro de si com aquele olhar – os cílios caídos, a postura, como as íris baixaram languidamente de seu rosto para sua barriga. Não havia mais para onde fugir, não havia abraço onde coubesse. Tudo era muito grande. 

Foi Veronica quem a segurou e conduziu para a cadeira mais próxima. Tanto tempo praticando a paciência e a fé não haviam preparado-na para ver o uniforme dobrado, para sempre sem alguém que o vestisse. 

— Senhorita Bowman, eu sinto muito — o murmúrio do soldado era doce, e Veronica pegou-se perguntando se ele tinha sido escolhido especialmente pelo modo de falar. Ele era novo, talvez tivesse a idade da irmã, mas a dor que carregava nos olhos o envelhecia. Valerie ergueu o rosto para inspecioná-lo, e notou que as olheiras dele pareciam-se com as dela, ainda que por motivos diferentes. E ainda que fossem se agravar dali em diante. — O pai de vocês… Lutou bravamente por nosso país. Sou o Cabo Taylor, do batalhão do seu pai. Nós conversávamos, às vezes. 

Valerie assentiu com a cabeça, a mente iniciando a dissociar do corpo. 

— Minha mãe foi no mercado… Ela volta já… 

Veronica apertou a mão dela, enviando uma pequena descarga de energia para seu braço. Valerie já exibia um olhar vazio, como se um elefante tivesse decidido tirar uma soneca em seus cachos. Como queria que a mãe estivesse ali… Ela saberia o que fazer. Não saberia?

— O governo cederá uma pensão para sua família, para a compensação de sua perda — o Cabo Taylor ajeitou a postura, oferecendo o uniforme para ela. Como Valerie não reagiu, Veronica tomou-o dos braços dele, ninando-o feito um bebê de colo. Enquanto fazia isso, ele tirou o quepe que vestia e recostou-o no peito. — Foi concedido ao Subtenente Bowman o Coração Púrpuro, pela bravura demonstrada em batalha. 

— Obrigada — Veronica replicou, ainda que com a voz trêmula. 

Ele assentiu com a cabeça, parecendo aliviado por ter alguma resposta. Com um pigarro, o Cabo Taylor retirou um cartão do bolso da farda e entregou-o a Veronica, que o analisou de olhos marejados. 

— Se precisarem de qualquer auxílio, aí está meu número de telefone. Podem ligar e… Garantirei que farei o possível. Meus mais profundos sentimentos, madame. 

O modo como ele disse “madame” quase fez Veronica rir. Talvez ela riria, se fosse outro dia. Agora, ela só conseguia sufocar o choro na garganta. Olhando para a medalha roxa alfinetada no uniforme, Veronica não sentia outra coisa além de dor. Ela massageou o coração, tremendo não estar reagindo da maneira certa. Deveria estar chorando, não deveria? E Valerie? 

Ah, meu Deus. Como a mãe dela reagiria à ausência do esposo? 

— O senhor quer uma água? — Veronica limpou a garganta, deixando o uniforme no lugar em que o pai costumava sentar-se à mesa. Daquela vez, ela sentiu as lágrimas fazerem cócegas em seus olhos. — Um… Um café? Está com fome? 

— Não, muito obrigado. Eu… Meu dia será longo. Obrigado, madame. 

Ela aquiesceu, torcendo as mãos nervosamente. Então, o Cabo Taylor voltou a colocar seu quepe, e Veronica o auxiliou com a bengala. Mesmo aparentando ter pouca idade, ele era bem alto e musculoso, intimidador até – entretanto, ele não tinha demonstrado nada além de gentileza até ali. A pele escura reluzia, e as íris não cessavam os movimentos por um segundo sequer. Respirando fundo, ela abriu a porta para o soldado e, com o coração ameaçando sair pela boca, acompanhou-o e observou enquanto ele sentava no banco do passageiro de um Jeep. O Cabo Taylor acenou para ela, respeitosamente, mas Veronica não conseguiu acenar de volta. 

O cartão continuava na mão dela. Veronica ainda estava viva. Precisava cuidar da irmã. Ela tinha prometido isso a Alex, precisava… 

Aprender a como mover as pernas sem que fosse necessário pensar naquele comando. 

Papai não entraria por aquela porta de novo. E Veronica não se lembrava do som de sua voz. Já não sentia mais o perfume que ele usava até para ficar em casa. Quanto tempo até que ela se esquecesse do formato do seu rosto? 

— Acho que a Clara foi procurar o papai — Valerie murmurou, atraindo a atenção da irmã. Veronica fechou a porta e caminhou até ela feito um gato. — Ela tem estado quieta… Que horas será que a mamãe volta, Ronnie…? 

Veronica mediu a temperatura da irmã com as costas da mão, sobressaltando-se em encontrá-la fervendo. Valerie limitou-se a olhar para a irmã com um sorriso, como se estivesse num episódio de delírio.

— Vou fazer uma água com açúcar pra você — Ronnie prontificou-se, andando pela cozinha em formato de furacão. Não havia tempo a perder. Veronica tinha de cuidar de Valerie primeiro, porque seria bem mais trabalhoso cuidar da mãe depois. — Você quer uma aspirina também? Vou pegar um cobertor pra você. Você está com frio, não está? Espere aí, meu bem. Não se mexa. 

Era tão difícil agir como Valerie. Veronica quebrou um copo na tentativa de enchê-lo de água sem tremer as mãos. A visão começava a embaçar, e ela não sabia qual era a ordem de cada coisa. Decidiu deixar os cacos na pia, podia limpá-los depois. Depois de quê? De terminar de cortar as batatas para o jantar? Depois de ajudar Valerie a encontrar um rumo? De ajudá-la a tomar banho? De ajudar a mãe com as compras? 

— O papai disse que volta para conhecer a Clara, no verão — Valerie sorriu para ela. — Ele me disse nos sonhos… Vamos ter que fazer uma faxina enorme. Você acha que eu consigo faxinar? Mal consigo me levantar… Acho que estou com uma daquelas cólicas de novo, Ronnie… 

— O papai não vai voltar, Val — Veronica arrastou uma cadeira para sentar-se em frente a ela. Queria sacudi-la pelos ombros, mas segurou-se mais um pouco. — Por favor, eu… Preciso que você colabore agora, está bem? Você quer que eu ligue para o Frank?

Valerie negou com a cabeça. 

— Frank vai sair hoje com os amigos… Eles ganharam um caso importante essa semana… 

Veronica soltou um muxoxo, tanto pela fala dela quanto pelo fato de que teve de obrigá-la a tomar a água. Valerie reclamou do gosto com uma careta, mas não tinha opção. Certo, o pior já tinha passado. Valerie estava respondendo, aquilo era um começo. 

— Isso é mais importante do que beber com os amigos, Val… — Veronica acariciou a bochecha da irmã. — Tenho certeza de que nesse caso o Frank pode adiar um pouco a bebida. 

— Tudo bem, Ronrom… Só me ajude a levantar. Acho que eu não consigo sozinha.

— Eu sei que você não consegue sozinha. Prefere o sofá ou a sua cama?

Valerie inclinou a cabeça em direção ao quarto, então Veronica segurou-a pelos braços e conduziu-a até lá. Por um instante, as pernas da irmã bambearam, e Veronica teria a deixado cair se não estivesse segurando tão firmemente. Com muita gentileza, Ronnie a cobriu com uma manta, por mais que não estivesse frio. A mãe provavelmente daria uma bronca por isso depois, mas Veronica não sabia mais o que fazer. 

— Obrigada, Ronrom… Acho que vou tirar um cochilo… Não me deixe dormir muito, tudo bem? Prometi que iria ajudar a mamãe com o jantar… 

Ela confirmou mecanicamente, mas no momento em que deu as costas as lágrimas vieram como uma enxurrada. Veronica não tinha perdido apenas o pai. Naquele dia, ela tinha começado o seu adeus à irmã também. 

 

— Frank ainda não atendeu o telefone, mas podemos pedir para o senhor Gerard levá-la ao hospital, meu amor — Victoria segurava a mão da filha mais velha, que já tinha calafrios há horas. Veronica suspeitava de que já passava da meia-noite, mas era difícil dizer; as noites por lá eram curtas. Marido imprestável, a mais nova esbravejou em silêncio. — Ele está sempre acordado a essas horas, tenho certeza de que não vai se importar em nos fazer esse favor. 

— Tudo bem, mamãe. Estou bem. Já vai passar, já tomei meu remédio… 

Victoria olhou para a filha mais nova, que havia assumido o posto de guarda-costas.

— Há quanto tempo você deu o remédio, Ronnie…?

— Uma meia hora antes de a senhora chegar. Já está na hora de outro?

— Sim. Vou buscá-lo. Fique com a sua irmã, sim?

Ela mal terminou de falar e já desapareceu atrás da porta. Veronica voltou a atenção para Valerie. Seu suor ainda era frio, por mais que já tivesse tirado todas as camadas de roupas possíveis. Por instinto, Ronnie repousou uma mão sobre o ventre dela. Ao contrário da mãe, Clara permanecia reticente. A cada minuto que passava, Veronica preocupava-se mais.

Pai, ela orou em sua cabeça. Por favor, me ajude. Me oriente no que devo fazer. Eu não consigo sem você, meu amor. Valerie precisa de você. Clara precisa de você. A mamãe também, por mais que esteja tentando mostrar que é forte.

— Acho que preciso ir ao banheiro — Valerie pronunciou-se, tentando levantar sozinha. Escorregando o cotovelo, ela foi ajudada pela irmã. — Obrigada, mamãe… 

Ela estava prestes a dizer “de nada”, porém o susto chegou antes à sua boca. Com um arquejo sufocado, sentiu o restante de seu chão rachar aos seus pés. Porque, onde Valerie estava sentada, havia uma poça de sangue que manchava todo o lençol. O sangue escorria pelas pernas e pontuava o vestido amarelo que ela tanto amava.

Victoria não foi capaz de conter o grito, entretanto. Tanta pressão tinha de sair em alguma hora.

— Vou chamar o senhor Gerard — ela sussurrou, incapaz de desviar o olhar. 

— O que aconteceu? — Valerie piscou mais forte, na tentativa de manter-se acordada. — Alex já voltou? 

— Quem, meu bem?

Valerie negou com a cabeça, agarrando-se ao braço da mãe com uma força que nascia do desespero.

— Frank. Q-quis dizer Frank.

— Ainda não. Mas podemos buscá-lo depois. Onde ele costuma beber com os amigos? 

— Na Calle Ocho — Valerie franziu a testa com o caminho que a mãe fazia. — O banheiro fica no outro corredor, mãe… 

Victoria forçou uma risada, no ápice de seu desespero.

— Eu não queria te contar para não te deixar nervosa, mas… Acho que Clara escolheu sua hora de vir ao mundo mais cedo. 

Foi o suficiente para Valerie recuperar um pouco do bom senso. Seus olhos brilharam e ela até endireitou a postura, mas o corpo continuava pesado. Ela andava se arrastando, e a cena era tão decadente que Veronica ficou à beira das lágrimas. Por sorte, o vizinho delas não tardou a passar pela porta, determinado a tirá-las dali o quanto antes. 

— Dê ela aqui para mim, senhora Bowman — Gerard estendeu os braços, e Victoria não hesitou em deixá-la sob os cuidados daquele gigante bondoso. — Eu vi os homens vindo bater na sua porta. Sinto muito por tudo isso.

— A bolsa — Valerie murmurou, sendo carregada no colo. — A bolsa para a maternidade… Ficou em casa… 

— Nós a pegamos depois — Veronica intercedeu, acariciando os cabelos da irmã com cuidado. — O que importa é chegarmos até o hospital, tudo bem? Lá eles devem ter roupinhas, a Clara não vai ficar com frio. 

As palavras a acalmaram, o que permitiu-se repousar no ombro do vizinho. 

— Mãe — Veronica chamou. — Eu acompanho os dois. A senhora continua tentando ligar para o Frank. Se ele não atender, chame um táxi e procure em cada bar, se for preciso. Valerie precisa do pai dessa criança com ela, e não entupindo o rabo de tequila. 

— Ela trouxe os documentos? — Victoria soluçou. — Ah, Ronnie, eu não sei… 

— Trouxe. Mas não importa. Se não quiserem atendê-la, eu faço um escândalo. 

Victoria sorriu e assentiu com a cabeça. Antes de ir, porém, puxou a mais nova para um abraço apertado. Veronica retribuiu-o com o corpo trêmulo. 

— Obrigada, Ronnie… E-eu… Sinto muito por não poder… Ah, minha filha… 

— A senhora não precisa pedir desculpas — Ronnie desvencilhou-se dos braços da mãe, apenas para presenteá-la com um beijo na testa. Victoria fechou os olhos, sentindo uma lágrima escorrendo pela bochecha. — Você é a melhor mãe do mundo. Nós te amamos muito. Faça o que puder, o que não puder eu dou conta. 

As palavras deveriam confortar Victoria. Porém, quando as filhas partiram e ela ficou a sós com o uniforme do marido, ela finalmente encontrou forças para desabar. 

 

Veronica não precisou fazer um escândalo. Quando explicou a situação para a recepcionista, Valerie foi levada para a sala de cirurgia imediatamente após uma injeção de ocitocina para tentar induzir ao parto normal. O senhor Gerard sentou-se na sala de espera com Veronica, tão indefeso quanto ela. O vizinho, que costumava trocar o dia pela noite, mostrava-se uma rocha naquele momento. Veronica nunca tinha prestado muita atenção a ele, mas agora era a única pessoa em quem ela podia contar. 

— Onde será que Frank está? — era a terceira vez que Veronica levantava-se andava de um lado para outro, hiperventilando. — Não é possível que tenham tantos bares na Calle Ocho. Eu já fui lá, tem cafeterias, parques e… 

— Garotinha, vai ficar tudo bem. Imprevistos acontecem. Quem poderia adivinhar que o filho escolheria dar problemas hoje?

Veronica olhou-o como se ele fosse louco. 

— Nem vem que não tem, seu Gerard. Que tipo de pai que sabe que a filha está pra nascer e vai lá sair pra gandaia no maior bem-bom?

— Reclamar não vai fazer o pai aparecer magicamente aqui, senhorita Bowman. E, mesmo se aparecer, o que ele poderia fazer para ajudar a sua irmã? Ele não vai ter o filho por ela.

Ela bufou, reconhecendo o argumento dele. Antes que pudesse voltar a se sentar, um enfermeiro saiu da sala de cirurgia. Veronica sentiu a cabeça girar ao ver as luvas e o avental sujos de sangue. 

— Sua irmã não está com uma dilatação boa para o parto, senhorita Bowman. Se continuar assim, será perigoso para ela e para o bebê. Vamos ter que fazer cesariana. 

— É… É seguro? 

— No estado em que sua irmã está, qualquer coisa é um risco — ele replicou num tom lamentoso e, por mais que utilizasse máscara facial, Veronica imaginou que o enfermeiro estaria curvando os lábios para baixo. — Estamos fazendo o possível. 

Veronica assentiu com a cabeça, erguendo o queixo.

— Continuem, então. 

Ele retornou para a sala de cirurgia, e Veronica pode enfim sentar-se. Milhares de pensamentos passaram por seu subconsciente. O primeiro deles foi que, se Alex estivesse ali, aquilo jamais estaria acontecendo. Esfregando os olhos, Veronica tentou se livrar do sono que pesava nas pálpebras. 

Após o que pareceu uma eternidade, em meio a um silêncio desolador, as portas da sala de espera abriram-se com violência. Frank Ortiz adentrou o ambiente mais desgovernado do que a maca. Ela olhou-o de cima a baixo, incapaz de disfarçar o desprezo que sentia pelo cunhado. Suas roupas e o cabelo estavam tão desalinhados que era realmente admirável que parasse em pé. Parecia tão patético, transitando o olhar entre ela e Gerard.

— Cadê ela? — ele gritou, pisando duro até onde Veronica estava sentada. — Onde ela está, Veronica? E quem é esse aí?

— Ah, pelo amor de Deus — Veronica murmurou, revirando os olhos. — Está na sala de cirurgia, onde você não vai entrar nesse estado. Onde é que você esteve? Meu Deus, você está fedendo! 

— Não comece, Veronica. Eu avisei que estaria fora. 

Veronica ergueu-se com dificuldade, indo inspecionar o estado dele. Com um chiado digno de um gato arisco, ela encarou-o. 

— Isso é perfume, Frank? 

— Não seja ingênua, Veronica — ele abriu um sorriso ladino, soluçando. — Quando você frequenta bares, todos os aromas impregnam na roupa. Quando crescer um pouco mais, quem sabe aprenda na prática. 

— Babaca — Ronnie sibilou, afastando-se dele em nome de sua sanidade mental. — A sua sorte é que eu amo muito a minha irmã, senão já teria lhe dado uma surra.

Frank gargalhou para dentro, sentando-se ao lado do desconhecido. O apreço pelo senhor Gerard cresceu quando ele torceu o nariz para o recém-chegado. A mãe delas também entrou na sala de espera, bem mais calma do que o genro. A expressão em seu rosto era amargurada.

— Trouxe sua esposa até aqui, senhor. Alguém precisava fazer isso. 

— É um complô — Frank grunhiu, olhando para a sogra, desamparado. — Dona Victoria, sua filha está um tanto descontrolada. 

— Veronica é uma força da natureza, Frank. Refreá-la seria um erro enorme. E ela está certa.

Veronica abriu um sorriso cansado, porém agradecida. Era curioso como a característica que a mãe mais criticava nela havia se tornado motivo de elogio naquele momento.

— Sinto muito por não estar disponível — Frank cedeu, coçando a nuca. — Programamos essa saída pela semana inteira. As datas não batiam… 

— O que importa é que você está aqui agora, Frank — Victoria sorriu com gentileza, olhando de escanteio para a filha. — Não é?

— Sim, mamãe — Veronica ironizou.

Foi uma longa hora de espera. Sempre que alguém saía do centro cirúrgico, Veronica e Victoria levantavam-se de supetão, frustrando-se com a falta de notícias. O pior era o silêncio. Ser abandonada no escuro era o que doía mais.

Quando o enfermeiro retornou, já não mais trajando suas luvas e nem o avental, Veronica confirmou sua teoria. A boca dele retorcia para baixo numa parábola perfeita. Ela deixou os ombros caírem, e foi como se o mundo tivesse terminado de desmoronar. 

Veronica sentia-se flutuando à deriva no espaço, assistindo à explosão de uma estrela. Todo aquele cataclismo ocorria em silêncio, um espetáculo visual mortal, impossível de desviar o olhar. A gravidade a impedia de fugir. Apenas a arrastava para o brilho cegante.

Frank ainda segurava a mala da maternidade. Entretanto, ela já não teria mais utilidade.

Porque Clara não voltaria para casa.


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Notas finais do capítulo

❀ por favor, não me matem ❀



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