Era Uma Vez... Uma Ilusão escrita por Landgraf Hulse


Capítulo 11
10. Você não me deixa outra alternativa... é você... ou eu.




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Novembro|1798 Cidade de Bristol, Bristol 

Em certas situações, a simples visão de uma pessoa especial chorando era o suficiente para ocasionar alguma mudança significativa. Ao menos, esse foi o estopim para que Richard tomasse alguma ação. Naquele momento, aquele infeliz momento, em que ele viu Cathrine chorando de solidão... Richard percebeu que não poderia deixar isso passar, ela não seria uma estranha!

Imediatamente o marquês começou a tomar providências para mudar aquela situação e, mesmo com os irmãos dele ficando desconfortáveis, foi irrepreensível com o acato delas. O maior problema de Richard foi Anne, mas no final, após muito esforço, ele conseguiu fazê-la dividir as funções com Cathrine e, com mais esforço ainda, conseguiu convencer essa última a aceitar essas funções.

Foi decidido, imposto, na verdade, que eles cinco iriam passar mais tempo juntos, e não apenas juntos, estariam juntos e fazendo também o que Cathrine gostava. Tudo caminhava para uma melhora, o desejo ao menos era esse, bastava saber se daria certo.

As coisas, porém, não acabam apenas nisso, Richard também decidiu que a estadia deles em Amelian House seria adianta para o mais breve possível, sendo assim, naquela mesma semana os Bristol partiram para Cheshire... mas...

— Você realmente está com os olhos fechados, não é? Cuidado com a pedra. — Enquanto os outros viajavam para Amelian, Richard decidiu mostrar a Cathrine seu maior orgulho. Com o marquês segurando fortemente a mão da esposa, eles subiam um morro. — É uma surpresa única.

— Apesar de eu estar muito curiosa para vê-lo, meus olhos estão muito bem fechados, Richard. — Cathrine respondeu com uma divertida risada. Como ela queria que ele acreditasse? Richard riu junto dela, até que... ele parou. Estavam no lugar perfeito. — Posso abrir os olhos agora?

— Abrir? Eu não sei, sabe? — Num tom misterioso, Richard posicionou-se atrás de Cathrine e tampou os olhos dela. A princesa riu curiosa, então o marquês abaixo-se ao ouvido dela. — Abra os olhos e contemple... Goldenhall!

Sentindo que ela havia aberto os olhos, o marquês tirou lentamente as mãos, permitindo assim que a esposa visse as obras do Palácio de Goldenhall. Inicialmente Cathrine não teve reação, com certeza por estar se acostumando com a luz, mas logo os olhos dela arregalaram e a princesa deu alguns passos para trás, esbarrando no marquês.

Abraçando-a por trás, Richard sorriu para Cathrine, que olhou novamente para o palácio e depois para ela, com um impressionado sorriso.

— Oh, meu Deus, é impressionante, Richard!

O lugar onde eles estavam tinha uma visão quase perfeita do palácio em construção. Era praticamente um grande bloco retangular de tijolos e argamassa, mas que possuía dimensões magníficas. Isso sem contar nos caminhos que levavam aos jardins, alguns já concluídos a muito tempo. Talvez fosse um pouco presunçoso da parte dele, mas Richard mesmo já considerava Goldenhall magnífico.

— Você não sabe como fico feliz ouvindo isso, Cathrine. Ainda falta muito para ser concluído, mas quando for, Goldenhall será uma das residências mais impressionantes da Grã-Bretanha. — Os olhos dele continuavam no palácio, enquanto Cathrine dividia-se entre a beleza do marido e a de Goldenhall. — A construção já dura cinco anos, atrasou um pouco por causa do conselho, mas logo será concluída. Isso até que é bom, sabe? Também terá minha marca.

— É bastante perceptível o amor e dedicação que você tem por esse lugar. — Fitando fixamente o marido, Cathrine comentou docemente. Richard sorriu e assentiu.

— Amo tudo que envolve construção, afinal, é basicamente deixar sua marca na história. — Mesmo que esquecessem dele, todas as futuras gerações iriam vê-lo. Richard baixou então o olhar para Cathrine e sorriu, sorriso esse que foi belamente retribuído por ela. — Minha mãe começou Goldenhall, mas serei eu quem irá concluí-lo.

— Sendo assim, sinto-me muito honrada. — Richard franziu o cenho, confuso. Cathrine voltou-se para o marido. Os rostos deles estavam quase juntos, os corpos já se encostavam, tanto que a explicação dela foi praticamente um sussurro. — É uma honra estar aqui e conhecer Goldenhall, conhecer o seu amor por esse lugar.

Não havia honra alguma nisso, mas... Richard não conseguiu evitar um sorriso encantado. Cathrine... Cathrine não era a epítome da doçura e ingenuidade, mas ela, mesmo que não desejando, possuía um grande encanto natural. E Richard sentia-se muito atraído por esse encanto.

Marquês e marquesa se encaravam fixamente, completamente inertes ao lugar onde estavam. Envolvendo seus braços na cintura dela, Richard trouxe Cathrine para mais perto ainda e os dois começaram a aproximar os lábios, um beijo estava prestes a acontecer. Segurando o queixo da esposa, que fechou os olhos, ele encostou os lábios nos dela e... Richard lembrou de algo.

— Ainda a algo que desejo lhe mostrar, Cathrine. — Imediatamente a princesa abriu os olhos e franziu o cenho ao marido, que nem mesmo se afastou dos lábios dela. — É muito especial.

Nem esperando uma resposta, o marquês afastou-se da esposa e, pegando a mão dela, começou a descer o morro. E o que iniciou com passos lentos, logo tornou-se uma pequena corrida, era inevitável descer sem correr. Cathrine começou a rir deles mesmos, e Richard começou a fazer o mesmo em seguida.

— Oh, Richard, assim só iremos parar no canteiro de obras! — Mesmo ao final do morro eles continuaram com a risada e os passos rápidos, o que imediatamente atraiu olhares das pessoas. Foi o suficiente para fazer Cathrine parar de rir e andar. — Acho que está na hora de sermos mais discretos.

Ela... estava vermelha? Richard sorriu encantado ao perceber isso, mas também acatou o desejo de Cathrine. Mesmo tentando muito, o marquês não conseguiu encontrar em lugar algum Sir Edmund Brocket, o 3⁰ baronete, até que ele foi avisado que o arquiteto estava no canteiro de obras, obviamente supervisionando a construção. Então Richard foi também a Goldenhall.

Foi um trajeto até que curto do morro, em Bristol, até Goldenhall, fora da cidade, mas eles estavam de carruagem, então era esperado. Porém, quando a berlinda parou próximo às obras, Richard olhou para Cathrine e... percebeu que ela estava praticamente paralisada ao olhar pela janela.

— Não fique tão alarmada, Cathrine. Viemos falar apenas com Sir Edmund. — Os olhos dela arregalaram ao ouvi-lo. Cathrine voltou-se a Richard.

— E para isso teremos que sair da carruagem, o que atrairá atenção. — Mas em qualquer lugar que fossem eles chamariam atenção. Sorrindo largamente, Richard negou, o que talvez tenha irritado Cathrine. — Não zombe de mim!

— Não estou zombando, Cathrine, apenas estou... encantado com sua timidez, é tão... linda. — Dessa vez foi ela que negou, parecendo completamente cética. Richard sorriu e pegou o queixo da esposa, pronto para falar como ela era linda... mas Sir Edmund bateu na janela antes de qualquer palavra. — Não fique preocupada, a temporada é só ano que vem.

O marquês então afastou-se e abriu a janela para Sir Edmund. Foi perceptível o alívio de Cathrine ao perceber que eles não iriam sair, tanto que fez Richard sorrir divertido, antes de colocar sua total atenção no baronete, claro. Sir Edmund Brocket deu ao príncipe todas as notificações possíveis, assim como da forma mais adequada. Os Brocket já serviam aos Tudor-Habsburg a anos, o que significava lealdade e respeito.

— ... e, por fim, gostaria de saber sobre a folga dos operários e seus familiares durante o Natal e Ano-novo? — Oh, esse assunto também era importante. Richard fitou Cathrine por um momento e depois o baronete.

— Esse foi um ano muito especial, não acha, Sir Edmund? — O baronete simplesmente assentiu. O marquês olhou um momento pela janela e voltou ao arquiteto. — Então diga ao povo de Goldenhall que eles só voltarão a trabalhar em 2 de janeiro.

— Com certeza eles ficarão muito gratos, meu marquês. Algo mais?

Oh, essa pergunta, era ela mesma que Richard queria ouvir. Assentindo lentamente, o marquês pegou uma planta que havia na carruagem e, sob o curioso olhar de Cathrine, entregou a Sir Edmund. Não conseguindo impedir, Richard sorriu largamente com essa ação, ele primeiro olhou para a esposa e depois ao baronete.

— Entendo que talvez seja um pouco tarde, mas eu também gostaria de deixar minha marca em Goldenhall. — Sir Edmund franziu o cenho, porém de curiosidade, então o marquês apontou para a planta. — Serão construídas mais duas asas laterais em Goldenhall, formando um grande A.

Com certeza esse acréscimo atrasaria a conclusão do palácio, assim como deixaria tudo mais caro, porém o objetivo de Richard era simplesmente deixar Goldenhall ainda mais grandioso, belo e vistoso, então certamente valeria a pena. Sem esboçar reação alguma, Sir Edmund abriu e analisou a planta. Logo o baronete fitou o marquês, que fez o mesmo.

— São mudanças viáveis, meu marquês.

Esplêndido! Sorrindo largamente, Richard assentiu. Não demorou muito e a carruagem deu meia-volta, indo em direção a saída do canteiro de obras. Inicialmente o casal ficou em silêncio, mas não por muito tempo.

— A quanto tempo você queria fazer isso? — Finalmente falando algo, Cathrine perguntou fitando o marido.

— Já faz um certo tempo. Desde que estudei sobre alguns palácios na Áustria e Alemanha, acho. — Nada estava muito certo. Mas essa resposta foi o suficiente para fazer Cathrine rir divertida, e Richard fez o mesmo em seguida. — Fazer o que desejamos dá uma satisfação imensa, não?

— Creio que sim. — Como assim creio? Ela parecia ter dúvidas. Porém Cathrine imediatamente perguntou: — Mas o que significa o "A"?

Precisava de um significado? Richard até pensou em responder isso, mas logo uma ideia melhor passou pela cabeça dele. Aproximando-se lentamente de Cathrine, Richard sorriu.

— Talvez signifique... amor. — Os olhos dela arregalaram levemente, mas até Cathrine começou a aproximar-se dele. Richard acariciou a bochecha da esposa. — Talvez eu queira fazer de Goldenhall um grande símbolo de... amor.

Dessa vez não houve rodeios, Richard e Cathrine se beijaram logo após essas palavras. Abraçando a esposa, o marquês a agarrou para perto dele. Era necessário acabar o que foi iniciado.

*****

Dezembro|1798 Amelian House, Cheshire

Sentada na janela, usando nada mais que uma desajeitada camisola, Cathrine observava pensativa os jardins de Amelian House, ou melhor, o que estava no jardim. Entre abraços, risadas e até mesmo beijos, um casal de criados, aparentemente um cavalariço e uma das ajudantes da cozinha, brincava apaixonadamente. Apesar de ainda frio, estava um dia ensolarado e eles aproveitavam.

Pareciam estar realmente apaixonados, mas a paixão não é amor. Suspirando, Cathrine negou lentamente, será que ambos estavam apaixonados, ou seria apenas uma busca pelos "desejos da carne"? Estariam noivos? Algum dia casariam? Ou iriam esperar pelo... nesse momento a desaprovação de Cathrine foi gradualmente substituída por tristeza, as mãos dela foram a barriga, esperariam por um bebê!?

Oh, Deus, um bebê! Fechando dolorosamente os olhos, Cathrine tentou não chorar com essa lembrança. Tudo estava começando a tomar um rumo tão bom, finalmente Cathrine conseguia sentir-se mais aceita, mesmo que não plenamente, mas a alegria ainda não havia chegado e, em momentos como esse, ela tinha a sensação de que nunca chegaria.

Ouvindo, porém, um barulho na cama, Cathrine colocou um sorriso no rosto e voltou-se para trás, em direção ao dorminhoco, e despido, Richard. A marquesa havia tentado cobrir o marido com um lençol, para caso as damas chegassem, mas foi impossível, então ela simplesmente cobriu o mais importante. Lenta, e preguiçosamente, Richard abriu os olhos, inicialmente confuso, ele logo sorriu ao encontrar Cathrine.

— Eu já estava começando a pensar que você não iria acordar. — Cathrine até tentou parecer alegre, mas a voz dela saiu terrivelmente embargada. Richard franziu o cenho, então ela voltou-se à janela. — Você estava se mexendo tanto, eu estava até com medo das minhas damas entrarem e ver o que não deveriam.

Seria um terrível desastre, Cathrine tentou rir, mas foi em vão. Pelo reflexo da janela, a marquesa observou o marido levantar, sem vergonha alguma, e vir na direção dela. Mas ela não ousou encará-lo, Cathrine não aguentaria e acabaria chorando amargamente. Esses sentimentos foram muito bem percebidos por Richard.

— O que lhe aflige, Cathrine? Qual a sua dor? — Abraçando-a por trás, Richard perguntou gentilmente no ouvido dela. Cathrine, porém, não disse nada, não havia nela forças para falar. O marquês beijou o pescoço da esposa. — O que aconteceu...? Diga-me.

Os beijos do marquês continuaram sem receio algum, fazendo Cathrine fechar os olhos em prazer e inclinar o pescoço. Assim eles acabariam exatamente como na noite anterior.

— Chama-se coação esse método que você está usando, Richard. — A única resposta dele foi rir, o que fez cócegas nela. As mãos de Richard começaram a explorar Cathrine. — Quando foi que você ficou tão habilidoso nisso?

— No mesmo momento que você também ficou habilidosa. Eu sabia que as mãos femininas tinham habilidades para muitas coisas, mas não sabia que poderiam fazer algo tão... impressionante. — Foi apenas um desejo que nasceu em Cathrine, então ela o saciou. Porém os beijos pararam, os toques acabaram e Richard simplesmente a abraçou fortemente. — Mas eu ainda quero saber o motivo da sua tristeza.

Estava na direito dele, mas era tão... havia uma parte de Cathrine com medo de ser chamada de tola, mas o aperto de Richard era tão acalentador, com sentimentos tão sinceros. Cathrine realmente sentia que havia uma cumplicidade entre eles, como se tudo pudesse ser dito.

Lutando contra sua própria tristeza, Cathrine voltou-se para trás e sinalizou com o olhar para uma poltrona onde havia um… lençol manchado! Cathrine e Richard fitaram um ao outro, e o olhar dele era de... compreensão. O marquês abraçou mais fortemente a esposa, que apoiou a cabeça no peito dele e começou a chorar.

— Por que, Richard? Por quê!? — Havia adiantado esse mês, tornando tudo pior. — Já fazem quase dois meses e eu ainda não fiquei grávida!

— Nem todas as mulheres engravidam rápido, e lembre-se que tudo tem seu tempo, Cathrine. — Mas então quando chegaria o dela!? Ela continuou a chorar, completamente frustrada. A única ação de Richard foi continuar a abraçá-la. — O importante é nós continuarmos tentando.

— Como já estamos fazendo!? Oh, Richard, sei que devo agradecer por esses momentos, que devo ficar feliz com minha sorte... mas sinto como se minha alegria não fosse plena! — Afinal, ter filhos era vital para uma princesa casada. Ela sentia-se até envergonhada ao dizer isso, não tinha forças nem mesmo para encará-lo. Porém, tomando coragem, Cathrine fitou Richard. — Será que sou uma ingrata?

— Não! Não pense assim, Catherine! É um sentimento normal, mas não foque nele. — Como não focar!? A marquesa negou e tentou virar o rosto, mas Richard a segurou gentilmente, embora com uma expressão dolorosa. — Também me entristece ainda não termos filhos, serei sincero, mas sei que ainda chegará a hora. Então não se sinta culpada.

Ela queria, sim, queria com todas as forças, mas o sentimento de culpa vinha do mesmo jeito, não era fácil contê-lo. Caso desse errado… toda a Europa iria culpá-la. Mas ele não iria culpá-la. Fitando os olhos de Richard, Cathrine esboçou um sorriso.

— Nossa hora chegará, um dia haverá de chegar. — Mesmo que demorasse anos... que não fosse assim. Cathrine sorriu ainda mais para Richard e limpou as lágrimas. — Teremos muitos e muitos filhos. Nosso nome então nunca será esquecido.

— Nunca. — A resposta de Richard exalava confiança, uma confiança que tornou-se muito maior quando eles voltaram a se beijar, porém dessa vez retornando à cama.

As damas de Cathrine chegaram pouco depois deles acabarem, então elas não tiveram que esperar muito. O marquês saiu do quarto por uma porta de conexão e elas entraram. Rapidamente a marquesa foi vestida para o café da manhã e, como já era costumeiro, o vestido dela era num tom de branco, embora Lady Carlisle tenha chamado de alabastro. Anne ainda era a maior voz feminina da casa.

*****

Após o café da manhã, ocorrido sem quaisquer problemas, todas as cinco realezas em Amelian House foram se ocupar em algo. Richard passou ao escritório, haviam assuntos para resolver sobre guerra europeia declarada no final de novembro; Robert "sumiu" nos corredores da casa; Mary subiu de volta aos aposentos, iria escrever cartas, aparentemente, enquanto Cathrine e Anne... foram para a sala azul.

Juntas, elas foram obrigadas a ficar juntas na mesma sala, e por horas, ainda mais. Naquele momento, quando saíram da sala de jantar, Cathrine e Anne pareciam até duas amiguinhas, faltou apenas andarem de braços dados.

Porém, graças ao Cristo, cada uma tomou um lado diferente na sala. Enquanto Anne acabava de planejar com Camilla Neville a próxima temporada, Cathrine costurava com suas damas de companhia. A não ser pelo planejamento, a sala estava em silêncio, nem mesmo as damas da marquesa conversavam entre si. Até que...

— Por Deus, Cathrine! Mas que coisa é essa!? — Mary entrou na sala e assustou-se ao ver dois grandes cestos com luvas e cachecóis perto da marquesa. — Eu pensava que você não gostava de costurar.

— E não gosto, odeio para ser mais exata. — Acabando mais um cachecol, a única coisa que ela sabia fazer, Cathrine respondeu irritada, fazendo Mary franzir o cenho. A marquesa, porém, novamente suspirando, lembrou do porquê: — Mas é para as crianças de Goldenhall, então posso fazer uma exceção.

— Não sabia que haviam tantas assim lá. — No mesmo instante que a princesa caçula assentiu compreensiva, Anne comentou irônica. A marquesa tentou não se irritar, mas não foi necessário. — É uma iniciativa muito boa essa sua, Cathrine, dar não apenas luvas, mas também cachecóis. Louvável.

— Eu daria até mesmo gorros e casacos, mas não disseram que em Bristol não neva. — Não com muita frequência, pelo menos. Novamente suspirando, Cathrine pegou mais um novelo de lã e começou outro cachecol.

O silêncio retornou à sala, fazendo Anne retornar ao planejamento e Mary sentar num sofá. Cathrine realmente odiava bordar, costurar e tricotar, tudo que envolvesse agulhas, na verdade, mas dessa vez ela faria. Lady Carlisle havia dito que a marquesa recebia uma mesada grande o suficiente para comprar inúmeros pares de luvas e cachecóis, mas Cathrine recusou.

— As crianças de Goldenhall ficarão muito gratas, além de felizes, claro. — Mary falou com um largo sorriso. Apesar de que... Cathrine estava fazendo isso apenas pelas crianças. — Minha única pena é não poder monopolizar toda a distribuição de presentes em Chester esse ano.

— Tenho certeza que Plymouth ficará muito grata com sua ajuda. — Eles sempre ficavam, não? Cathrine sorriu tranquilamente para a cunhada caçula, que simplesmente deu os ombros. Ela não estava assim tão preocupada. — Não fique tão abatida, Mary, também deixarei vocês duas brilharem, e de muito bom grado.

Não poderia ser diferente, afinal de contas. As duas princesas riram divertidas, mas não durou muito...

— Bem lembrado, Cathrine. Gostaria de avisá-la que todos os anos nossa família dá uma festa nos jardins de Hampton Court e você será a anfitriã. — Anne fez o favor de acabar com toda a alegria da cunhada, que assentiu. Poderia ter acabado aí... mas não. — Você já começou a se preparar para minha apresentação a rainha? Lembre-se que estará comigo...

— Não vamos deixá-la ainda mais ansiosa, Anne, por favor! — Não era necessário, Cathrine mesma faria isso. A princesa mais velha, porém, deu os ombros e levantou-se, indo em direção a uma janela, o que lembrou Mary de algo: — Onde será que Robert está? Ele havia dito que iríamos brincar na neve.

— É necessário neve para brincar na neve. Muito provavelmente Robert está se tocando por aí pensando naquela criada de seios fartos, Amanda. — O tom usado por Anne foi enojado, embora nada comparado a expressão horrorizada de Mary e das damas. Mesmo perplexa, Cathrine riu. — Por favor, não me olhem assim, faz parte da natureza masculina.

— Vou imaginar que nunca escutei isso. — Levando-se e afastando-se, Mary tampou os ouvidos, fechou os olhos e negou. Oh Deus, Cathrine riu novamente, era muito exagero. E pela risada de Anne, ela concordava. — Vamos mudar de assunto, pelo amor de Deus. Onde está Richard?

— No escritório, creio que resolvendo um assunto de Niedersieg. — Afastando-se da janela, Anne respondeu, ficando preocupada logo em seguida. — Richard não sabe se deve ou não enviar homens para ajudar o imperador na guerra, afinal, Niedersieg não tem exército.

A menção da nova guerra foi o suficiente para criar um ar sombrio entre as damas. A paz da Europa havia sido breve, muito breve. Cathrine esperava que não durasse muito, não como a anterior. Suspirando pesadamente, a marquesa, porém, tentou mudar os ânimos na sala.

— Tenho certeza que o imperador irá entender caso Richard não envie soldados. — As duas irmãs se entreolharam preocupadas, não muito confiantes nas palavras de Cathrine. Porém, aumentando seu sorriso, ela mudou de assunto. — Não deseja nos ajudar também, Mary?

A princesa caçula olhou para o cesto, depois para as agulhas e, por fim, para Anne, que deu os ombros, completamente indiferente, e voltou ao planejamento com a Srta. Neville. De fato, Anne ainda tinha a voz mais forte. Mary fitou a cunhada e suspirou.

— Me dê as agulhas.

Não havia mulher na casa dos Bristol que gostasse de costurar. De qualquer forma, Cathrine sorriu largamente e entregou, seria um ótimo momento para elas conversarem, assim como uma distração... de todos os problemas e ansiedades futuras.

*****

24|12|1798 Carlton House, Londres

Em total silêncio, que agradavelmente escondia toda a tensão e medo dessa noite, um grande grupo de criados entrou na grande sala de jantar da Carlton House e serviu a grande ceia da noite. Nenhum dos convidados ainda havia chegado, a não ser os Jersey, claro, mas o príncipe de Gales já estava na sala, muito ansioso.

— Isso é completamente desnecessário, George, é apenas Caroline de Brunswick! — Vendo o príncipe de Gales andando ansiosamente pela sala, claro que com uma taça de champagne, Lady Jersey repreendeu irritada. — Lembre-se que outros também estarão aqui, como os Devonshire, os Bessborough e... Lord e Lady Hertford...

— Não é a presença de Caroline que me deixa ansioso, Frances, apesar do meu profundo ódio por ela! — Um ódio cuja culpa recaía principalmente na condessa de Jersey. Negando consigo mesmo, o príncipe voltou-se à grande janela da sala. — O que me preocupa é não ter a certeza de que Caroline virá.

— Ela não seria tola o suficiente para recusar, seria pedir o afastamento da princesa Charlotte. — Mas o que seria maior: o amor de Caroline pela filha, ou o ódio pelo marido? Lord Jersey, com o silêncio do príncipe, tentou acrescentar: — Ela recusou passar o inverno em Carlton House, mas certamente...

— Todos esses certamente já estão me cansando, Jersey! — Voltando-se novamente aos outros, George gritou raivoso, assustando tanto os Jersey quanto os criados, que saíram rapidamente da sala. Respirando fundo, o príncipe bebeu o resto do champagne. — Que Caroline chegue logo, assim tudo acabará mais cedo e... talvez entremos em algum consenso.

Poderiam até tentar fazer outra criança, apesar de que... apenas o pensamento de compartilhar a mesma cama que Caroline fosse desprezível ao príncipe. Mas alguma ação deveria ser feita, ou o rei e a rainha nunca mais deixariam os Gales em paz. Era bom então que Caroline não fizesse essa desfeita, poderia ser a última.

A princesa de Gales, porém, não chegou em momento algum, assim como também não deu sinais de que viria. Até mesmo os convidados começaram a chegar, mas nada da convidada mais importante. Essa situação já estava irritando o príncipe de Gales, uma taça foi quebrada com a força do aperto dele.

Entretanto, após Lady Jersey sair a fim de receber os convidados do príncipe, uma carruagem familiar passou pelo portão de Carlton House. Os olhos de George arregalaram com essa visão e a taça na mão dele quebrou, novamente.

— Mas vejam só, se não é a carruagem que meu príncipe enviou a Montagu House? — Aproximando-se do príncipe, Lord Jersey comentou o óbvio, mas que George ainda assentiu. A carruagem, estranhamente, parou em frente a janela e um lacaio abriu, revelando que... — Está vazia!

Os olhos de George, que já estavam arregalados, se encheram de raiva. A carruagem estava vazia, Caroline não viria... ela só havia feito ele perder tempo! Sendo tomado pelo ódio, George gritou ferozmente e jogou o que havia restado da taça no outro lado da sala. O conde de Jersey, completamente assustado, tentou sair da sala, porém Lady Jersey entrou no mesmo instante.

A condessa, que veio avisar ao amante que a esposa dele não viria, ficou perplexa ao ver o raivoso estado em que o príncipe de Gales se encontrava. Parecia ficar apenas pior.

— Ela não veio! Caroline não veio...! COMO ELA OUSA!? EU DEIXEI BRIGHTON APENAS POR ESSE MALDITO JANTAR! — Após os gritos, o príncipe começou a andar ansiosamente pela sala, tentando se acalmar, até que ele viu a mesa de jantar. Reacendendo sua raiva, George foi até a mesa e derrubou de uma vez parte do que havia lá. — MALDITA! MALDITA BRUNSWICK!

O príncipe levou ao chão o restante dos pratos e afastou-se arfante. Uma maldição, tudo isso era uma maldição! E como o rei e a rainha tentariam defender Caroline!? Atrás dele, Lady Jersey tentou aproximar-se do príncipe, no mesmo instante que um criado entrou na sala e assustou-se.

— Mande limpar tudo e tragam novos pratos. — O criado imediatamente assentiu e saiu correndo. Lady Jersey aproximou-se do amante e pegou no ombro dele. — Oh, George, ambos sabíamos que isso...

— Não ouse me tocar, meretriz! — Afastando-se furiosamente dela, o problema de Gales respondeu. A condessa arregalou os olhos e andou para trás. Respirando fundo, George falou friamente: — Você não me deixa outra alternativa, Caroline, é você... ou eu. Que a guerra comece.


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Notas finais do capítulo

* Como eu havia dito, esse é mais um capítulo de transição, uma espécie de amostra do que virá, ou conclusão. Tudo aqui é uma caixinha de surpresas, mas todos podem fazer suas especulações.

* Então, gente, eu vou explicar um pouquinho sobre o sofrimento de Cathrine em não ter filho. De fato, uma mulher casada não ter filhos sempre foi considerado algo ruim, muito ruim, mas para a realeza é ainda pior. Richard e Cathrine são um casal de monarcas, Richard é o príncipe de Niedersieg, então é vital que ele faça herdeiros para o principado e assim faça perpetuar o nome dele... toda essa coisa. É uma questão de continuidade, algo muito importante para famílias da realeza e aristocracia, porque algumas delas simplesmente desapareceram por falta de filhos.

* Existe também outra questão, um pensamento mais meu, de que monarcas sem filhos são facilmente esquecidos, porquê, justamente, não teve ninguém para homenagear o nome deles. Um exemplo bem simples: a maioria das pessoas conhece, ou já ouviu falar, a rainha Vitória, mas poucas são as pessoas que se lembram do antecessor dela William IV, um dos tios de Vitória. E, apesar de curto, aconteceram algumas coisas muito importantes no reinado dele, como o fim da escravidão no Império Britânico. Sendo assim, filhos é sinônimo de lembrança, a menos que você seja uma rainha Elizabeth I na vida.

* Mas mudemos de assunto. Essa cena em Carlton House eu não poderia deixar de fora, como até foi escrito, essa foi a última oportunidade para George e Caroline fazerem as pazes, depois disso foi só ladeira abaixo. Eles iniciaram realmente uma guerra, uma que a principal vítima foi a princesa Charlotte de Gales.

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