O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 24
Capítulo XXII - Se ela está a salvo, pouco importa se eu sangrar.


Notas iniciais do capítulo

Eu não me aguento. Enquanto eu não arrumar toda a situação dolorosa e dilacerante desses dois eu não vou sossegar. EU PROMETO QUE TUDO VAI SE AJEITAR.
CONFIA EM MIM, HUNTER. SEGURA SEU POTINHO DE SAL E CANTA CARRY ON COMIGO, TÁ BEM?
ENTÃO TÁ BEM.

Enquanto isso, fiquem com mais um capítulo extremamente masoquista. Boa leitura(?)



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Ponto de vista de Sam Winchester.

Jesse vai atrás da irmã, me fuzilando com os olhos, e Dean continua estático, me olhando como se eu tivesse feito a maior burrada de toda a minha vida.

Não consigo focar em nada disso. A única coisa que possui minha mente como um maldito sino de igreja ressoando incessantemente em uma praça vazia, são as visões de todo o mau que meu corpo fez durante esse último ano.

Fecho os olhos e me encosto na parede. Consigo me ouvir assobiando “House of the rising sun” no cemitério de Saint Louis, consigo sentir o peso da faca que foi segurada contra o pescoço de Hazel enquanto seus olhos estavam apavorados. Consigo sentir o cheiro de ferro do sangue que imergiu da pele dela, no barracão abandonado.

Consigo ouvir seus gritos quando foi arrastada, pelos meus braços, até o bunker.

E acima de todas as coisas, consigo sentir suas entranhas ao redor da faca que foi torcida dentro dela. Por minhas mãos.

Todas essas coisas ficam manchando as paredes da minha mente de vermelho.

— Eu sei o que está pensando...– Digo, ao reabrir os olhos, fitando Dean. Lúcifer continua sorrindo para mim, do canto do quarto. Aperto o machucado da palma da minha mão com o polegar, o mais forte que consigo. Normalmente, quando faço isso, Lúcifer desaparece por algumas horas, me dando paz. Tenho sido assombrado por ele desde o dia em que Hazel ficou no hospital, após sermos torturados por Beleth. Eu estou perdendo a cabeça – Sei o que todos devem estar pensando. Mas não adianta o que vocês digam, Dean. Não importa que tenha sido Crowley o verdadeiro culpado. No fim do dia, todos vocês sabem que isso não importa.

—Você está errado, Sammy. – Os olhos de Dean estão marejados. Eu, por outro lado, chorei tanto que sinto minha garganta e meus olhos secos. Me sinto completamente esgotado – Você não estava aqui, mas nós sim. Nós conhecemos a criatura, Sammy. E acredite em mim quando eu te digo, aquilo... não era você.

—Do que isso importa?! – Pergunto, genuinamente perturbado – Quando ela fecha os olhos a noite, aposto que me vê torcendo uma faca dentro dela. Ela não merece isso, Dean. Comigo, ela nunca vai estar a salvo!

—Ela nunca vai estar a salvo de qualquer jeito, seu idiota! – Dean grita comigo, apontando um dedo na minha cara, completamente furioso – Eu entendo que esteja baqueado, eu entendo que esteja assustado! Mas eu não entendo o que você acabou de fazer, Sammy!

—Ninguém, nunca, vai entender. – Olho de relance para Lúcifer, seus olhos brilhando com um lampejo avermelhado ao me fulminar em ameaça. “Eu vou matar ela, Sammy. Vou me esgueirar pelas rachaduras da sua mente no meio da noite e eu vou matá-la”, o ouço sussurrando, sem quebrar o contato visual comigo, me deixando angustiado – Não posso ficar com ela, Dean. Não posso ser egoísta assim.

Todo o meu corpo parece estar submerso em uma lagoa profunda e gélida. O meu coração se sente... vazio.

—Quer saber?! – Dean dá um passo a frente, me fuzilando com os olhos verdes, a veia em sua testa saltada – Eu não consigo lidar com isso agora. Sua decisão estúpida é, como você disse para ela, sua. Eu não vou me meter nessa droga!

Dean sai pela porta, furioso comigo, me deixando sozinho com minha mente perturbada.

Não fique tão triste, Sammy. Não fique tão surpreso. Achou mesmo que poderia tê-la? Primeiro Azazel, agora, eu. Você não entende? A maldição dela sempre foi você”

—Agora, eu entendo. – Respondo para ele, fazendo uma careta de dor ao apertar o machucado em minha mão com muita força. O sangue que irrompe do corte mal cicatrizado brilha meio a minha pele, e eu faço uma careta de dor.

Fique longe dela, Sam. E eu também ficarei

Lúcifer desaparece, finalmente.

No silêncio, uma ira me consome por completo. Todo o nosso relacionamento, todos os anos passam frente aos meus olhos como uma correnteza.

Todas as vezes, algo esteve no caminho. E eu costumava achar que se lutasse o suficiente, conseguiríamos ficar juntos. Eu era ingênuo. Na noite passada, com ela em meus braços, achei que finalmente a teria de volta.

Depois de todos esses anos, eu não pareço ter aprendido nada.

Se eu soubesse antes o que sei agora, jamais teria cruzado o caminho dela. Eu sou a pior coisa que já aconteceu a ela.

E a dor que sinto por saber que a perdi é tão forte que me consome por completo.

E eu nunca mais vou me recuperar disso. Dou um sorriso fraco, no entanto.

Talvez, agora que eu tomei essa decisão, ela fique, finalmente,

A salvo.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

—Lavie, abre a porta! – Meu irmão me chama do lado de fora do próprio quarto do motel, ao qual eu me tranquei, sozinha. Estou deitada na cama desarrumada de um dos dois, chorando de raiva há mais de meia hora.

Na verdade, perdi a noção do tempo.

Eu me amaldiçoo mentalmente um milhão de vezes. Porque eu sabia, desde o começo, que essa história não ia acabar bem. Milhares de sinais brilharam em vermelho em minha mente, durante toda a nossa trajetória. E eu, sendo a masoquista que sou, apenas continuei me enfiando até o pescoço nessa situação.

Me lembro de todas as vezes em que eu disse a mim mesma, com uma voz firme, que nunca mais o deixaria quebrar meu coração.

Mentirosa. Burra. Fraca.

Essas três palavras ficam flutuando na minha mente, sem parar. A culpa é toda minha. Se eu abri meu coração para ele, a culpa é minha.

Se estou sentindo que meu peito está doendo tanto que posso morrer com o peso dos meus sentimentos por ele, a culpa é minha.

Eu sei que ele pensa que está me salvando. Eu sei que as lembranças devem ter sido demais para ele. Mas nada disso importa. Só o que consigo pensar, são nas suas palavras.

Acabou, Hazel

Me sento na cama, e limpo as minhas lágrimas com raiva. Dormi nos braços dele, na noite passada. O perfume dele está impregnado na minha pele.

Afundo a minha cabeça em minhas mãos, sentindo todo o meu corpo tremendo.

Talvez ele esteja certo, afinal. Talvez a melhor coisa a se fazer tenha sido isso.

Agora que perdi tudo, não preciso ter mais medo algum. Não há mais nada para mim. Não sobrou ninguém.

Eu vou sobreviver a isso. Eu já fiz isso uma vez. Transformei meu amor por ele em ódio e usei isso de combustível para ficar viva.

Vou em direção a porta, e a abro. Jesse e Dean estão parados ali. Ambos se entreolham preocupados com o meu estado, e nenhum deles sabe o que dizer a princípio.

—Sabe que ele acha que está te protegendo, não sabe? – Dean começa a dizer com cautela, pesaroso. Aperto as minhas unhas contra as palmas das mãos, tentando sentir algum alívio com a dor física.

—Não importa, Dean. Acabou, você ouviu o seu irmão. – Minha voz sai mais amarga do que eu pretendia. O olhar devastado de Jesse recai sobre mim, mas eu ignoro isso – Acabou. – Uma lágrima quente tenta irromper dos meus olhos, mas eu me contraio o suficiente por dentro para impedi-la de deslizar pelo meu rosto – Temos uma caçada a fazer, eu vou me trocar e me encontro com vocês no hall.

Saio pela porta, passando pelos dois, sem dar margem para qualquer um deles dizer qualquer coisa que seja.

XXX

Quando entro no quarto, Sam está arrumando as coisas, se preparando para a caçada. Está trajando um terno preto, e ele acaba de colocar seu distintivo falso do FBI por dentro do bolso.

O rosto de Sam está vermelho, principalmente embaixo dos olhos.

Quando pousa os olhos tempestuosos em mim, eu me sinto vazia.

—El, eu... – Ele começa a dizer, com a voz rouca. Eu passo por ele indo em direção a minha mochila, a passos duros.

—Não me chame assim, nunca mais. – Digo isso de maneira fria, tentando não olhar para ele. Quase posso ouvir os cacos dentro de mim, desmoronando – Você perdeu esse direito.

—Desculpa. – Sua voz sai sussurrada. Perco a batalha que eu mesma travei, de não olhar para ele, meu corpo me traindo quando fito seus olhos com os meus. Está devastado – Hazel, me desculpa ter dito o que eu disse, da maneira que eu disse. Não devia ter feito isso na frente de ninguém, mas eu estava confuso e assustado, a minha mente está...uma bagunça.

Não digo nada. Cruzo os braços e o encaro, impassível. Ficamos nos olhando no silêncio absoluto por um tempo, até que eu resolvo explodir.

—Eu dormi na porra dos seus braços ontem a noite, seu idiota! – A minha voz sai mais alta que o planejado, e isso me faz ter náuseas. Testemunhei meus pais gritando um com o outro minha adolescência inteira, e eu jurei a mim mesma que nunca faria isso. Acho que muitos juramentos estão sendo quebrados— E você vem me pedir desculpas?! Você sabe como isso é cruel?!

—Eu sei! – Ele responde, se aproximando de mim com uma dor profunda estampada em seu rosto. Se eu pudesse, juro que o estapearia— Desde que eu voltei do inferno, eu senti que algo estava tremendamente errado comigo, Hazel. E eu sabia que não podia ficar com você, não enquanto não soubesse de tudo, por que algo dentro da minha cabeça gritava que ia ser errado! E agora, eu sei o motivo...

Balanço a cabeça em negativa, com a raiva formando nós em minha garganta.

—Eu não entendo como é que o que você descobriu mudou as coisas na sua cabeça tão rápido, Sam. Eu não entendo o que o fez desistir de nós dois com tanta frieza. – Digo isso com tanta mágoa na voz que me retraio. Um vinco se forma em sua testa, seus olhos encharcados por culpa.

—Como pode não entender? Hazel, está vendo essas malditas mãos?! – Ele me mostra as próprias mãos, transtornado – Essas mãos torturaram você, e te mandaram para o vale das sombras da morte! Você não entende? Eu sou um perigo ambulante para você, Hazel! Você é pessoa mais importante na minha vida, caramba! Não posso ser egoísta ao ponto de...

—Ao ponto de que, Sam? Ao ponto de me abandonar, de novo?! – Minha voz sai trêmula, e o choro que eu havia suprimido dentro do peito irrompe de mim, como uma tempestade.

—Você sabe que eu nunca abandonei você, Hazel. Por favor, não diga isso. Isso não. – Seu olhar é ferido, e eu me sinto culpada por ter dito isso. Ele realmente não me abandonou daquela vez. Mas estou tão magoada que honestamente não me importo.

—Que diferença faz se eu senti a sua ausência por todos esses anos? Que diferença faz se agora você está dando as costas para mim, por decisão própria? – As palavras saem entredentes, e eu me quebro por completo quando ele também começa a chorar.

—Faz toda a diferença, El...

—Não me chame assim! – Exalto a minha voz, porque ouvi-lo me chamando assim é equivalente a receber um tiro no peito.

Sam para de falar por um momento, respirando fundo, os olhos me encarando.

Estão tão vazios quanto os meus.

—Faz toda a diferença, Hazel. Porque agora você sabe. Sabe que importa mais para mim do que meus desejos por você. Sabe que eu te amo mais do que qualquer pessoa, mais do que tudo. E por esse motivo, preciso deixar você livre de mim e de tudo o que vem comigo. 

—Não faz isso, droga! – Me afasto, sentindo a vontade de quebrar alguma coisa – Não é justo você dizer que me ama, Sam! Não depois de tudo o que você fez, porra!

—Não, não é justo! – Ele rebate, a voz quebrando no ar – Mas eu te amo, Hazel! Eu te amo desde o começo, e nunca, nem por um minuto, parei de te amar. Eu te amo o suficiente para entender que se ficar comigo, vai acabar morta.

Seus olhos transparecem uma dor genuína e quase palpável nesse momento.

—Eu queria que você não me amasse, então. – Sinto uma agonia crescente em meu peito ao dizer isso. Todo o meu corpo está fervendo em ódio. A dor do abandono é a pior dor que eu conheço. Fui abandonada durante toda a minha vida, e ao longo do tempo, é de se esperar que eu fique mais forte a cada partida, mas é o oposto que acontece. Cada vez que sou deixada para trás, me perco um pouco mais. Não importa o que eu faça, sempre serei a garota que ficou para trás— Queria não te amar, também. Te amar dói, Sam. Eu odeio amar você.

—Não diz isso, não assim. – Ele se contrai, machucado pelas minhas palavras – Por favor.

—Eu...odeio...amar...você. – Repito, pausadamente, olhando no fundo dos seus olhos buscando por uma dor que eu espero que ele esteja sentindo – Odeio ter sido idiota o suficiente por ter deixado você entrar aqui dentro, de novo... – Aponto para o meu próprio peito. Se eu pudesse remover meu coração cirurgicamente, removendo todo o meu amor por ele junto, eu o faria – Odeio o quanto está me machucando, Sam.

Sam Winchester fica parado, absorvendo as minhas palavras. Eu sei bem que ter dito que odiava amá-lo o feriu profundamente.

Eu sou assim. Eu sinto as coisas tão fundo em meus ossos que sempre tento machucar alguém de volta. Esse é, provavelmente, meu pior defeito.

—Eu odeio estar te machucando, Hazel. Odeio mais do que tudo. – Ele dá um passo para trás, e limpa o rosto, cujo as lágrimas não param de escorrer – Odeio ter tido esperanças, ter te dado esperanças. Odeio ser quem eu sou.

—Sabe o que é pior, nisso tudo? Que você tenha agido como se estivesse terminando comigo, sendo que nem estávamos juntos! – Limpo meu rosto agressivamente, transtornada – Não, não, isso não é o pior! O pior é você não entender que nenhuma das coisas que seu corpo fez sob o comando de Crowley, foi culpa sua. Nada daquilo foi culpa sua, Sam. Se eu consigo ver isso, por que você não consegue?

Meus olhos e minha voz carregam uma súplica, e eu me amaldiçoo mentalmente por isso.

—Porque tudo o que consigo visualizar desde que recuperei as minhas memórias, são imagens de mim... machucando você. Sei que vai me dizer que não é minha culpa, que não fui eu... – Sam ergue o indicador trêmulo no ar, e aponta para a própria têmpora – Mas está tudo aqui, na minha mente.

—Está na minha também, Sam. Ou você acha que não doeu, cada segundo? – Me estremeço ao me lembrar do dia no cemitério em Saint Louis, e de tudo o que veio depois – Mas sabe de uma coisa? Eu consegui enxergar, desde o início, o verdadeiro inimigo. O verdadeiro culpado por tudo, Sam. E você está deixando ele vencer, ao desistir da gente.

Sam suspira fundo, olhando assustado para um canto específico do quarto. Tento procurar o que é que ele pode estar vendo, mas não há nada ali. Franzo o cenho, tentando entender o que está acontecendo, mas decido não falar nada sobre isso. Não é como se ele fosse se abrir comigo, não agora.

Seria inútil sequer perguntar.

—Eu espero que possa me perdoar, algum dia. – Sam diz, depois de um longo silêncio, olhando no fundo dos meus olhos, os cabelos que vão até a metade do seu pescoço levemente penteados para trás, a postura impassível de quem está quebrado por dentro, mas que não vai voltar atrás em suas decisões – É a única coisa que eu espero conseguir um dia, o seu perdão.

Ando até ele, a passos duros. Deixo o meu corpo o mais próximo do seu que consigo, meu rosto perto do seu, nossa respiração tão perto que chega a ser tortura. Seguro sua camisa social pelo colarinho e o puxo levemente para baixo.

—Eu nunca vou perdoar você, Sam Winchester. – Digo isso com os dentes cerrados, e deixo a última lágrima cair lentamente pelo meu rosto. Depois dela, me prometo que não haverá nenhuma. O solto, limpando a minha lágrima com o meu indicador – De agora em diante, somos apenas dois caçadores que calharam de estar no mesmo caso. Você me entendeu?

—Sim, eu entendi. – Ele me responde, olhando para baixo, não conseguindo me encarar – Pode deixar, Hazel.

—Ótimo. – Digo, um gosto amargo em minha língua e uma vontade insana de roubar as chaves do Impala 67 e desaparecer para sempre – Agora, me dê licença. Preciso me trocar, temos um caso para resolver.

Sam assente, o olhar ferido, assim como o meu. Percebo, antes que se retire, graças ao colarinho que eu amassei ao agarrar, um brilho prateado em seu pescoço.

Me retraio ao ver que está usando o meu colar.

Quando ele sai pela porta, sem olhar para trás, sinto tanta dor, que chega a formigar.

Tanta dor, que fico dormente.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Eu odeio amar você. Eu odeio amar você. Eu odeio amar você. Eu odeio amar você.

Aperto o meu machucado o suficiente para me livrar de Lúcifer por mais algumas horas. Precisei fazer um curativo no corte quase infeccionado, porque o machucado está saindo de proporção.

Mas é a minha única ferramenta contra ele, a dor física. E para ser honesto, já que perdi a garota que amo para sempre, o coração dela totalmente entregue ao ódio, talvez sentir o máximo de dor física possível seja o único modo de passar por tudo isso sem surtar de vez.

Não sei quanto do meu muro caiu, e não sei o que vai acontecer ao final de sua demolição. Preciso tentar ficar forte, para protegê-la do que eu puder.

Ela é a única coisa que me importa.

Desço pelo hall, respirando fundo e tentando ficar frio. Tentando enfiar minhas emoções dentro de uma caixinha, bem lá no fundo da minha alma, para conseguir trabalhar. Encontro Dean e Jess, ambos sentados em uma mesa, conversando preocupados. Dean ajeita a postura ao me ver, assim como o irmão de Hazel.

—Fiz uma pesquisa ontem a noite, e vou ir até a base dos guardas florestais mais próxima. Vou entrevistá-los, reunir o máximo de informação sobre as vítimas. Descobrir se fizeram alguma trilha específica, e...

Paro de falar quando Hazel se junta a nós, trajando um terno feminino de alfaiataria bege, segurando em mãos seu distintivo falso do FBI, que o Dean fez para ela. Está tão linda que chega a doer.

—Eu vou com você. – Ela diz, como se não tivéssemos tido a conversa mais difícil de nossas vidas há minutos atrás. Como se não estivesse destroçada por dentro – Afinal... o caso é meu, certo?

—Certo. – Jesse diz, se levantando. Ele beberica um pouco de café do seu copo de isopor, olhando de escanteio para Dean – Dean e eu estaremos fazendo uma ronda, nos certificando que não haja nenhum demônio no perímetro para atrapalhar no caso.

  -Vai manipular as sombras... aqui? – Hazel pergunta, o olhar preocupado recaindo sobre o irmão, que assente.

—Sim, e o Dean vai me dar a cobertura necessária. Também ficaremos de prontidão, para o caso de algum policial de verdade aparecer. Fiquem atentos aos celulares. – Ele diz, ajeitando os cabelos pretos que lhe caem na frente dos olhos escuros – E tomem cuidado, ok?

Assentimos, ambos tentando parecer profissionais.

Os dois fazendo um esforço descomunal para esconder a dor.

—E, Sam... antes de ir, preciso falar com você. – Jesse diz, pigarreando. Hazel franze o cenho para ele, mas decide se afastar, nos dando privacidade.

—Vou esperar por você lá na frente. – Ela me diz, sem nem olhar nos meus olhos. Acompanho com o olhar ela me dando as costas e saindo pela porta da frente.

—Escuta aqui, Winchester... – Jesse começa a dizer, as mãos nos bolsos do sobretudo negro, as pupilas dilatadas e o olhar enfurecido – Não sei se Hazel falou sério hoje de manhã, ao dizer que não vai mais deixar você machucar ela, eu sinceramente espero do fundo do meu coraçãozinho seco que sim, e que ela nunca mais olhe nessa sua cara. Mas para o caso de ela estar blefando, espero que você tenha a decência de não brincar com os sentimentos dela.

—Eu jamais brincaria com os sentimentos dela, Jesse. – Digo, ajeitando a minha gravata e respirando fundo, meu interior, ambos mente e coração, completamente estilhaçados – Fiz o que fiz porque a amo. – Olho para os olhos dele com sinceridade, e me sinto feliz por saber que ela tem alguém como Jesse para cuidar dela. Ela merece todo o amor e cuidado do mundo inteiro. Jesse suspira, irritado comigo, porém convencido com as minhas palavras. Ele não diz nada, apenas assente e se afasta.

Olho para Dean, que me encara com um misto de raiva e preocupação. Ele chacoalha a cabeça em negativa, dá um suspiro longo e vai atrás de Jesse.

XXX

—Tem uma estrada pavimentada até certo ponto na floresta, onde fica a base dos guardas florestais... – Começo a dizer, quando Hazel e eu nos aproximamos do Impala. Ela assente, abrindo a porta do carona e se sentando. Entro no carro e dou a partida, seguindo pelo pavimento, ambos em silêncio.

É doloroso e constrangedor.

Sinto o perfume dela, com notas de flor de alecrim, e aperto meu machucado contra o volante.

—Eu não sabia que Wendigos migravam. – Ela quebra o silêncio, usando um tom profissional. Dou de ombros, pensativo, enquanto dirijo. Estamos cercados por pinheiros e carvalhos, a mata se tornando mais densa à medida que adentramos, a neve tingindo todo o verde do mundo em branco.

—Eu também não, para ser honesto, achei que fossem extremamente territoriais. E para ser sincero, talvez sejam mesmo. Talvez a polícia tenha errado em algum ponto nessa história, não seria a primeira vez. – Umedeço os lábios e faço uma curva a direita – Mas nós vamos descobrir o que está acontecendo.

—Aquela é a base? – Hazel se endireita no banco, apontando para uma cabana de madeira a alguns metros de nós. Faço que sim com a cabeça e estaciono em uma vaga, ao lado de uma caminhonete azul.

Descemos do carro, e andamos em direção a porta sem dizer uma só palavra.

Ao entrarmos, nos deparamos com uma guarda florestal, em seu uniforme camuflado. Ela é de origem asiática e parece estar atenta ao rádio. A cabana é relativamente pequena, e tem algumas mesas com computadores e papeladas em cima. Nos aproximamos, e retiramos nossos distintivos dos bolsos quase que no mesmo instante.

Olho de soslaio para Hazel, na expectativa. Todas as vezes que alguém inexperiente sai para caçar, ficam nervosos ou acabam mostrando o distintivo de ponta cabeça.

Hazel é o oposto disso. Está segurando o distintivo perfeitamente, com uma firmeza no olhar que enganaria até a pessoa mais desconfiada do mundo. Talvez tenha aprendido isso na faculdade, afinal, jornalistas precisam ter uma postura firme.

—O FBI, em Salina? – A mulher, cujo vejo o nome no crachá diz, erguendo o olhar para nossos distintivos – Agentes....Sandoval e Orzabal, certo? Sejam bem-vindos. Sou Nellie Lee.

—Obrigado, Sra. Lee. – Começo, guardando meu distintivo em meu paletó preto – Viemos a respeito dos corpos encontrados nas montanhas de Salina, de dois moradores de Wichita e de um local.

—Desaparecimentos no inverno não são incomuns, quanto mais mortes. Nós avisamos aos campistas sobre os riscos, é inclusive proibido acampar nessas áreas durante o inverno, mas... – A moça dá de ombros, coçando a cabeça com um olhar cansado – As pessoas não costumam ouvir as autoridades. Então, isso me deixa um pouco confusa, agentes. Por que o governo se interessaria por algo tão corriqueiro?

A guarda nos olha com um olhar semicerrado. Hazel pigarreia e se apoia na bancada de madeira.

—Temos informações internas privilegiadas que não podemos discutir abertamente, Sra. Lee, tenho certeza de que você compreende o processo. – Ergo as sobrancelhas, surpreso pela firmeza na voz dela – Nosso maior interesse é no necrotério, mas não podíamos deixar de checar uma informação com essa base. A nossa visita aqui tem apenas um propósito, Sra Lee, e então iremos embora. Pode nos dizer se a região de trilhas das três vítimas é a mesma? Ou ao menos próxima? – A guarda fita Hazel de cima abaixo, como se a avaliasse. A mulher coloca as mãos nos quadris, olhando também para mim.

—Vítimas? Vocês não estão pensando que são assassinatos, estão? – Nos entreolhamos, e a guarda prossegue – Bom, quando vocês virem os corpos, vão entender do que estou falando...

—A senhora teve acesso aos corpos? – Franzo o cenho, questionando a ela.

—Eu encontrei um deles, Agente Ozarbal. E garanto a você que aquilo foi um ataque de urso. – O olhar da mulher se torna sombrio de repente, como se recordasse do momento em que encontrou o cadáver – Um dos piores ataques que eu já vi em toda a minha carreira, com certeza. Ouvi por alto o legista comentando com o policial que os outros dois corpos estavam iguaizinhos. Quanto a sua pergunta anterior... – Lee aponta para Hazel, e busca dentre a própria mesa um mapa, onde circula uma região em vermelho. Ela entrega o mapa para Hazel e cruza os braços, com o olhar pensativo – Há uma região de montanhas que se interligam, entre Wichita e Salina. São três caminhos, entre norte, sul e leste. Todas as vítimas estiveram no caminho do norte, mesmo a quilômetros de distância. Isso ajuda vocês? – A guarda nos olha em expectativa.

—Ajuda sim. – Digo, agradecido e disferindo a ela um sorriso simpático – Pode nos ligar se você se lembrar de algum detalhe importante, ou para o caso de mais alguém desaparecer?

—Bom, é aí que está, agente... – A guarda tem agora o olhar sombrio, e ouvimos um barulho de um carro estacionando do lado de fora, os faróis altos brilhando pelas janelas – Uma outra pessoa sumiu, faz três dias. A garota só tem quinze anos, mas levando em consideração a altura da neve... não acho que a encontraremos com vida.

—Uma garota de quinze anos? – Hazel arregala os olhos, perplexa. Fico chocado por igual, imaginando o que teria feito uma menina dessa idade acampar, aparentemente, sozinha.

—Sim, dá para acreditar? Achamos que fugiu de casa ou coisa do tipo. O irmão dela veio aqui durante esses dias, buscando por informações...o pobrezinho está desesperado.  – Nesse exato momento, a porta se abre atrás de nós, e um garoto que deve ter em torno da nossa idade entra por ali, desesperado. Ele é um pouco mais alto do que Hazel, deve ter a altura de Jesse, cabelos pretos levemente compridos que lhe caem no rosto e uma pele de oliva. O garoto passa por nós dois e se apoia na bancada de madeira, ofegante.

—Sra. Lee, eu... – O cara para de falar no momento que pousa os olhos em Hazel, como se a reconhecesse. Vejo ela arregalando os olhos, surpresa e desconcertada. Fico confuso a princípio, mas então começo a juntar os pontos na minha cabeça.

Só pode ser brincadeira.

—Talvez queira falar com o FBI, Sr. Andrews. Acredito que eles vão lhe ser bem mais úteis do que eu, nesse exato momento. Não tive nenhuma notícia da sua irmã, garoto...- Sra. Lee respira fundo, exausta e frustrada por não poder ajudar – Eu preciso, inclusive, resolver algumas coisas lá fora. Fiquem à vontade para conversar aqui dentro, não devo demorar.

Assinto com a cabeça, em um sinal de agradecimento silencioso. A guarda florestal se retira pela porta dos fundos, e aperto o machucado da minha mão com as unhas, por dentro do bolso, sem acreditar no que estou presenciando.

—Hazel? – O garoto pergunta, confuso, olhando-a de cima a baixo. Ele coça a nuca, franzindo o cenho – FBI? Eu estou um pouco perdido...

—Noah, é uma longa, longa história. – Hazel esfrega a própria têmpora, estressada e desconcertada com a situação – Hannah ou Dalilah? Qual delas desapareceu?

—Lilah. – Noah Andrews diz, com dificuldade, o apelido da irmã – Meus pais estão tão fragilizados, mas precisaram cuidar de Hannah. Você sabe o quão próximas elas são, não sabe? Nunca vi Hannah tão arrasada na vida... – O garoto sacode a cabeça de um lado para o outro, as mãos trêmulas – A polícia local não está ajudando em nada, Hazel. Esse cara é mesmo do FBI? Por que você eu sei que não é....

Noah aponta para mim, e dá alguns passos até ficar de frente para mim.

—O governo realmente está entrando no caso? – A esperança em seus olhos castanhos é de dar pena. Embora esteja morrendo de ciúmes por saber quem ele é, não posso deixar de ser humano e me sentir mal pelo cara – Ela só tem quinze anos, agente. Por favor, me diga que estão investigando...

—Noah, nem eu, nem ele somos...realmente do FBI. – Hazel dá um passo a frente, e eu a censuro com o olhar. Ela vai contar a verdade para ele? Ficou maluca? Ela ignora minha repreenda silenciosa e coloca a mão no ombro do ex-namorado. Sinto tanta raiva que podia entrar em combustão agora mesmo – Como eu disse anteriormente, a história é longa.

—Eu tenho tempo, Hazel. – Ele diz para ela, o olhar obstinado – Onde está se hospedando?

Sinto um nó na minha garganta, e um comichão me remoendo por dentro.

—No Oak Motel, na orla da floresta. – Hazel responde, se encolhendo no próprio blazer.

—Eu estou lá, também. – Noah diz, pensativo. Nossa, que sorte não? Penso eu, a margem de um colapso mental – Podemos tomar um café? Você pode me explicar o que está acontecendo?

Hazel abaixa os olhos para o chão por um momento, aparentemente sem saber o que fazer. Engulo em seco, completamente destruído por dentro.

—Claro. – Ela responde. Se existissem prédios dentro de mim, poderia os ouvir ruindo, lentamente, nesse exato momento – Eu vou tentar te ajudar a encontrá-la, Noah.

O olhar de Hazel é empático, e o de Noah, aflito. O meu... eu nem quero imaginar o meu olhar. Estou tentando ser o mais descontraído possível.

—Bom... vamos, então? Você está de carro? – Ele pergunta para ela, que olha para mim. Noah segue o olhar de Hazel até mim, e estende a mão para me cumprimentar – Eu nem me apresentei direito, me desculpe, cara. Sou Noah, Noah Andrews.

—Sam, Winchester. – Digo, apertando a mão dele. Ele assente devagar, um olhar de realização em seus olhos castanhos de repente, como se soubesse quem eu sou.

Sinto que ele vai dizer alguma coisa, mas desiste. Saímos pela porta da frente, Hazel com o mapa que a Sra. Lee deu a ela, o olhar pensativo e confuso. Minhas mãos suam pelo nervosismo de toda essa situação. Do lado de fora, sobre a neve, Noah caminha em direção ao próprio carro.

—Bom...encontro você lá? – Ele questiona para Hazel, que assente, lhe disferindo um sorriso simpático.

—Claro. No Hall, ok? – É a resposta dela. Ele acena com a cabeça, educadamente, e se vira para mim.

—Você também está convidado, Sam. Eu... eu não quero passar a impressão errada. Presumo que estejam... – Ele aponta de mim para ela, meio sem jeito, e de maneira respeitosa – Juntos.

Nem eu, nem Hazel conseguimos dizer nada de imediato. Queria gritar em plenos pulmões, “Sim, ela é minha namorada! Está comigo, por favor, mantenha distância!” mas sei que não posso.

—Não, não estamos. – Hazel responde, com certa raiva na voz, me olhando de soslaio – Mas Sam pode vir se quiser, pode ajudar com a investigação.

Dou um sorriso de raiva, daqueles que saem meio ao nervosismo.

—Não, você dá conta sozinha, Laverne. Não quero atrapalhar. – Digo, com certa ironia na voz, indo em direção ao Impala, limpando a neve que caiu na maçaneta com uma raiva contida.

—Tudo bem, sem problemas. – Ela me responde, e fito os seus olhos no mesmo instante. Quase posso ver labaredas em suas íris – Vou com Andrews, então. Depois encontro você para discutir o caso, amanhã de manhã.

Fecho o pulso com tanta força dentro do bolso do paletó que posso sentir o sangue perfurando a superfície do curativo. Aceno com a cabeça educadamente, e entro no carro sem dizer nada. Coloco as duas mãos no volante, apertando-o com muita força. Vejo ele abrindo a porta do carro para ela, e depois, entrando no mesmo.

Deixo o carro dele sair antes, e fico parado no estacionamento por um tempo, propositalmente. Não quero assistir outro cara levando ela de volta para o Motel.

Fecho os olhos, sentindo o perfume dela, ainda tão presente dentro do carro. Tenho vontade de socar alguma coisa, mas não me movo.

Sacudo a cabeça de um lado para o outro, tentando entender por que isso está acontecendo. Por que? Já não basta tanto sofrimento, tínhamos que dar de cara com o ex-namorado dela, justo quando ela está fervendo de ódio por mim, louca para me punir?

Até onde ela iria para me machucar?

Limpo a minha mente. Não quero nem imaginar. Seria doloroso demais.

Respiro fundo, sentindo um ódio tremendo da minha mãe, de repente. Começo a culpa-la por ter feito um pacto para salvar John Winchester e por consequência me fadar a uma maldição. Se eu fosse um garoto bom e normal, como Noah Andrews, poderia estar com Hazel agora, sem representar a ela nenhum tipo de ameaça.

Caras como Noah Andrews não tem sangue de demônio nas veias,

Não tem seu corpo ressuscitado e utilizado por forças malignas para fazer coisas inimagináveis,

Não perdem a alma,

E decididamente, caras como Noah Andrews, são um milhão de vezes melhores para ela do que eu.

Ligo o carro, sentindo um peso gigantesco no peito. Dirijo de volta para o Motel, por meio as árvores e a neve, sentindo uma solidão tão profunda que se entranha em meus ossos.

Uma gota de sangue escorre por meio ao curativo, como um lembrete.

Se ela está a salvo, pouco importa se eu sangrar.


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Notas finais do capítulo

Dói. Dói muito.
Calma, gente. Calma.
Tá chegando a hora, eu juro.

Hunters, vem aqui, vamos conversar: Todos os comentários da fic são de pessoas que eu conheço na vida real ( amigos e namorado) então não faço ideia se tem alguém, que eu não conheça, realmente acompanhando. Se você está, realmente lendo a fic, acompanhando e tal, será que você poderia me dar um alô, um feedback? Gente, vocês não tem NOÇÃO de como isso ia me fazer feliz.
Não desmerecendo as pessoas incríveis que são meus amigos e meu namorado, amo cada comentário deles e todo o apoio que eles me dão, todos os dias ♥
Mas seria legal para caramba ver que tem um leitor que tipo, não me conhece e que está aqui pela história mesmo, sabe?
Sei lá, sou iludida. Gosto de pensar que tem mesmo alguém aí, lendo cada palavrinha.

XOXO



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