O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 23
Capítulo XXI - Acabo de perdê-la para sempre.


Notas iniciais do capítulo

Eu nem sei o que dizer.
Foi horrível escrever esse capítulo, e vocês vão entender já já o motivo.

Eu não tinha escolha, faz parte do enredo.

Prometo que...ai.
Nem sei o que prometo, viu.

Boa leitura.



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Um mês depois - Ponto de vista de Jesse Turner.

Todos estão dormindo. Ao menos, deveriam.

Estou ouvindo uma das minhas músicas favoritas no meu fone de ouvido enquanto fortifico as sombras que circundam a propriedade. O suor frio escorre pela minha testa, enquanto sou embalado pela batida melancólica, as palavras ressoando sobre mim enquanto minhas veias pulsam e ardem...

My tea's gone cold, I'm wondering why
I got out of bed at al

Enquanto mantenho as mãos erguidas no ar, vejo as sombras saindo de mim como serpentes de fumaça, se espalhando pelo horizonte.

Todas as vezes que me dreno ao manipular as sombras e sinto a dor enlouquecedora que é o preço que acompanha os meus poderes, me lembro do que minha mãe costumava dizer.

Tout passera, Jesse. Même la douleur” – Tudo vai passar, Jesse. Até a dor.

Quando termino a fortificação, arranco os fones de ouvido das minhas orelhas e guardo meu ipod por dentro do meu casaco preto. Caminho exausto até o pórtico da casa, e me surpreendo ao ver minha irmã sentada na escada, encolhida em um casaco três vezes maior que ela.

—Então você é esse tipo de garota? – Pergunto a ela, casualmente, ao me sentar do lado dela.

—Que tipo de garota, Jesse? – Ela pergunta, me fitando com seus olhos verdes e profundos. Dou uma risadinha.

—O tipo que fica usando as roupas do namorado. – Ela me censura com o olhar e me empurra de leve, em tom de brincadeira.

—Ele não é meu namorado. – Ela rebate, com os olhos cerrados. Ergo as mãos no ar, me rendendo.

—Certo, certo. A situação de vocês é complicada. Enfim...- Busco um Marlboro em meu bolso, mas no momento em que o coloco em meus lábios, Hazel agarra o cigarro com a mão e o joga longe. Arregalo os olhos – Ei! O que pensa que está fazendo?!

—O que você pensa que está fazendo, vai fumar do meu lado, está maluco?! – Ela rebate, e eu rolo os olhos para ela.

—Você sempre foi certinha assim, é? Vai me dizer que nunca usou nada, nem na adolescência? – Digo, me encostando no corrimão da escada, limpando a neve que cai nas minhas pernas gentilmente.

—Hm, não, nunca usei nada. Acho que ter os pais viciados contribuiu para isso. – Ela dá de ombros, e suspira – E não sou certinha. Só não entendo o motivo de pagar sei lá quantos dólares por mês para ganhar um câncer de brinde.

—Não é um hábito inteligente, eu sei. Mas honestamente, quem se importa? – Dou de ombros, olhando para as estrelas.

—Eu. Eu me importo, Jesse. – A sinceridade em suas palavras me faz baixar os olhos para os dela. Evitei Hazel por um mês, sem ficar no mesmo ambiente que ela por muito tempo. Na verdade... tenho evitado todo mundo.

Evitar é o que eu faço de melhor.

—Certo...- Não sei como responder a sua demonstração de afeto. Pigarreio, desconfortável e louco para tirar o foco de mim – O que faz acordada?

—Tenho coisas demais na minha cabeça. Em breve vamos poder pegar aquele caso, vou poder voltar a praticar meus poderes, e... enfim. Só estou ansiosa.  – Ela diz, pensativa. Assinto, imaginando como sua cabeça deve estar a essa altura do campeonato.

Todas as fichas apontam para ela. Isso deve ser exaustivo para caralho.

—Nós nunca conversamos sobre... seu desbloqueio. Como aconteceu? – Uso cautela em minha voz, e percebo que ela olha para baixo por um momento.

—Foi quando eu atingi o meu limite, de dor e de medo. A raiva... ajudou. E por um momento, pensei que Beleth fosse machucar Sam, talvez matá-lo... – O olhar dela se torna longínquo - E simplesmente aconteceu. Fluiu por todo o meu corpo, como... como fogo. – Ela estremece ao dizer isso, enquanto olha para as próprias mãos – Senti uma dor que nunca havia sentido. E basicamente, não podia me conter.

Aquiesço, sombrio. Ela está prestes a entender a nossa sina.

—Sabe, já ouviu falar em “troca equivalente”? – Questiono. Ela faz que não com a cabeça, o cenho franzido e o olhar curioso – Bem, existe uma coisa na alquimia que chamam de troca equivalente. Basicamente, consiste no conceito de que a ordem natural das coisas é que você pague pelo que pegar, simplificando muito. Uma vida por outra, etc e tal. Pense nos nossos poderes exatamente dessa forma...como se nos punissem, a medida que o usamos.

Ela absorve as minhas palavras, pensativa.

—Jesse... quem ensinou a você todas essas coisas? Quem guiou você no processo? – A pergunta dela me atravessa.

Respiro fundo, e começo a roer as unhas.

Não gosto de descer por essa rua. A rua das lembranças.

—George White, por um longo período... – Não olho para ela ao dizer o nome dele, porque sei que verei neles o medo, e eu não quero isso – Também tinham demônios, lacaios de Astaroth, eu acredito, que nos treinavam de vez em quando.

—A mim também? – Ela pergunta, se encolhendo em seu casaco.

—Sim, Lavie. De qualquer modo, quando você foi embora, Astaroth estava se enfraquecendo. Por isso mesmo Harvey pôde levar vocês embora, sabia? Todo o esquema estava desmoronando... – Suspiro, nervosamente – Minha mãe e eu não tínhamos para onde ir por um tempo, então ficamos lá até as pessoas começarem a ir presas, o George incluso. Mas durante todo esse período eu fui.... treinado.

Ela assente, o olhar dividido entre a compaixão e a dor.

—Depois disso você ficou por conta própria? – Ela questiona com sua voz doce. A voz dela sempre foi assim. Gostosa de se ouvir. Sorrio ao me lembrar da sua risada, quando éramos pequenos.

—É, pode-se dizer que sim.

Ficamos em silêncio por um tempo, refletindo. Sei que há um assunto pendente entre nós, um que ambos estivemos evitando. Eu, mais do que ela.

—Eu sabia, Lavie. De tudo o que Beleth contou a você, sobre... nós dois. – Aponto dela para mim, desconfortável. Seus olhos se acendem em confusão.

—Sabia? – Sua voz sai quebrada por um momento. Faço que sim com a cabeça.

—Sim, desde sempre eles tinham deixado bem claro para a gente, o lance de adão e eva...- Engulo em seco, afastando as memórias para longe – Do...bebê anticristo e tudo mais... É um dos motivos pelo qual removi suas lembranças, Lavie.

A olho, taciturno. Se ela soubesse... se ela se lembrasse...

Isso a destruiria, como me destruiu. Não tentei me matar várias vezes atoa, não.

Eu nem sou uma pessoa mais, depois de tudo o que passei. Mas Hazel ainda pode ser uma pessoa.

Ela conhece o amor, e desconhece a pior parte de seu passado, comigo. Está a salvo. Há esperança para ao menos um de nós dois. Ela é toda a luz que eu jamais serei, e que continue assim.

—Sabe, lembra que você disse que me devolveria as lembranças quando... eu ficasse melhor? Eu me sinto melhor, Jesse. – Seu olhar é obstinado. A encaro fundo nos olhos.

—Sei. Está se sentindo melhor desde a tortura, é? Lavie, nem vem. Quando tudo terminar, quando a poeira abaixar... aí sim, se você ainda quiser se envenenar com as lembranças, então eu as entregarei a você. Até lá, nada feito. – Digo isso porque quero arrastar essa situação ao máximo que puder. Quero que ela desista dessa ideia.

Ela não entende que o que fiz a ela é uma benção? Ela continua me encarando, e eu quase sinto a moeda de medusa me queimando, em meu peito, já que a uso no meu colar desde sempre. As memórias dela estão guardadas em segurança nessa moeda.

Esperançosamente, para sempre.

—Sei que você quer me proteger, Jess... – Ela diz, estendendo a mão para segurar a minha, mas recuando. Franzo o cenho, e ela resolve se explicar – Eu não posso tocar em você, não estou com as minhas luvas.

—Pode tocar, eu não sou como os demais, Lavie. Eu sei bloquear os seus poderes de manipulação da mente, veja...- Estendo a mão e seguro a dela. Está trêmula, acredito que pelo trauma de ser sugada para as piores lembranças de todo mundo que ela toca pela primeira vez durante todos esses anos. Ela arregala os olhos ao ver que nada acontece ao me tocar, e eu solto sua mão, sorrindo para ela – Legal né? Não ser sugado para a mente de alguém. Vou te ensinar a conseguir controlar isso, também.

—Espera aí. Isso...isso é p-possível? – Lavie gagueja, e vejo uma esperança dolorosa em seus olhos. Faço que sim com a cabeça.

—Claro. Isso e muito mais. Mas você vai aprender tudo isso, relaxa. Tenha paciência, ok? – Digo, preocupado. Sei como ela pode ficar obcecada por um objetivo quando enfia isso na cabeça. É a pessoa mais teimosa do mundo. Ela assente, levemente impaciente, como previsto.

—Jesse... não quero que as coisas fiquem estranhas entre nós, por causa dessa história toda de...- A voz dela morre, e ela se recusa a dizer. Mas, ao fixar seu olhar no meu, ela sabe que eu sei ao que ela se refere. Palavras não são necessárias – Você entende, não entende?

Sorrio um sorriso fraco para ela.

—Sei sim. Me desculpa se eu estive...distante. – Respiro fundo e tiro o cabelo preto da frente dos olhos – Eu precisava de espaço.

—Sem problemas. Acho que eu também precisava, de certa forma...- Ela diz isso de maneira levemente sombria, enquanto abraça as próprias pernas, apoiando sua cabeça nos joelhos.

—E aí...algum progresso com o grandão idiota? – Tento descontrair. Ela ri, e fico feliz por isso. Seu braço já não está mais imobilizado, e ela parece ter se recuperado bem.

—Desde quando você o chama assim? – Ela questiona, incrédula. Dou de ombros, rindo também.

—Inventei agora. Mas ei, desembucha. – Empurro ela de leve com a mão. Ela rola os olhos.

—É complicado. Enquanto ele não souber de tudo... não vai rolar nada. É a condição dele. – Ela respira fundo, pensativa – E eu o entendo. E para além disso, tem tudo o que está acontecendo...estamos indo devagar, acho que é a melhor forma que posso colocar.

Aquiesço, cerrando os olhos para ela.

—Deixa eu ver se eu entendi. O cara tá fazendo greve de sexo, até você desembuchar, é isso? – Ela arregala os olhos para mim e suas bochechas se tornam vermelhas.

—Jesse! – Ela me censura – Que horror. Não é nada disso...

—Ah, é isso sim. Qualquer um vê a quilômetros de distância que você está morrendo para dar para ele. – Ela arregala ainda mais os olhos, e eu dou risada – Que foi?! Além de certinha é puritana também?

—Não, não sou puritana! – Ela resmunga, ultrajada – Mas não se resume a sexo, Sam e eu.

Rolo os olhos para ela.

—Ah, é. Tem toda a cafonice que vocês colocam no meio do sexo. Esqueci desse detalhe. Tá bem, vamos de novo... – Pigarreio e encho o peito de ar – Sam está se recusando a amá-la ardentemente enquanto você não abrir o jogo para ele? – Uso um tom de deboche que a deixa no limiar entre a incredulidade e a graça.

—Quer saber?! Chega! Cansei, sua mente é poluída demais, Jess. Acho que quem está querendo dar é você. – Ela me olha com um olhar provocativo.

—E quem disse para você que sou eu quem dou, ein? Eu sou o terror deles, Lavie. O terror deles.... – Ergo as sobrancelhas duas vezes, tirando onda com a cara dela, que ri tanto que fica vermelha – Eu só não sou sentimental, mas de sexo eu gosto. Inclusive, se algum dia o loirinho cansar de choramingar pelos cantos por você, eu estou disposto a consolá-lo.

O queixo dela cai.

—Olha, eu acho que preciso benzer você depois desse comentário. – Ela fala, rindo.

—Hm...acha uma boa ideia benzer um garoto demônio, garota demônio? – Questiono a ela, em tom divertido. Ela assente, pensativa.

—É, você tem razão. Bom... vamos entrar? Você precisa descansar, Jesse. – Ela diz, com o olhar preocupado. Assinto, bocejando.

—Vamos, vamos sim. Vai que o grandão idiota finalmente te pega de jeito... – Comento, enchendo o saco dela quando estamos nos levantando – E aí vai que o Dean precisa de consolo...

—Sua mente me assusta, Turner! – Ela diz, tampando os ouvidos. Entramos pela porta da frente, rindo.

XXX

Ponto de vista de Dean Winchester.

—Me toque, Dean. – Ela diz isso com a boca semiaberta, suas pernas ao redor do meu corpo, os olhos encharcados de luxúria.

—Vou fazer mais do que isso, Hazel. – Beijo a sua boca como nunca beijei boca nenhuma na minha vida. Seu corpo quente sob o meu, minhas mãos por toda a sua pele. No momento em que sinto que estou entrando nela...

—Dean? – Acordo em um sobressalto ao ouvir a voz de Sam.

Limpo a baba do meu queixo, e me sento na cama, completamente confuso. Que porra de sonho foi esse?!

—Que horas são? – Pergunto, esfregando os olhos e evitando o olhar dele.

Se ele soubesse...

Isso está saindo de proporção.

—Cedo, e vamos cair na estrada hoje, lembra? Ia te deixar dormir mais, mas você ficou gemendo aí e se remexendo... – Decido encará-lo, e Sam está, como de praxe, lendo algum livro sobre monstros ou sabe-se-lá-o-que. Está vestindo uma camisa xadrez e jeans, e ele dá uma risada para mim – Quem era dessa vez, ein?

—Quem era dessa vez o que? – Pergunto, me fazendo de desentendido. Me levanto, sentindo a vontade de tomar um banho. Me sinto sujo, a pior pessoa do mundo. O pior irmão do mundo.

—Deixa para lá. – Ele responde, fechando o livro e se levantando, pegando a mochila dele e colocando-a no ombro – Vou esperar você lá embaixo. Saímos em uma hora, Dean.

Assinto, ainda zonzo por essa experiência perturbadora.

XXX

Deixo a água quente cair por mim, e encosto o rosto no ladrilho da parede. Onde foi que eu errei, ein? Em que momento abaixei a minha guarda e deixei ela me enlouquecer desse jeito? Balanço a cabeça de um lado para o outro, e finjo não notar as lágrimas rolando pelo meu rosto.

Nunca chorei por causa de mulher na minha vida inteira. Isso é patético.

Mas, acho que é mais complicado do que isso, não é?

Não estou chorando apenas porque estou de coração partido. Estou chorando porque estou traindo a confiança do meu irmão, por não contar a ele o que ele merece saber.

Eu conseguiria aguentar a carga do ódio dele? Não. Isso me destruiria.

Me destruiria.

XXX

—Vocês devem chegar a Salina o quanto antes. – Bobby diz, enquanto beberica um pouco de whisky. Há um mapa estendido na mesa em nossa frente, onde ele aponta com o indicador – O Wendigo se moveu para lá, tenho certeza disso. Acompanhei o caso, mesmo de longe.

—Quantas pessoas desapareceram até agora? – Sam pergunta, o olhar analítico percorrendo o mapa.

—Três, duas em Wichita, e uma em Salina. Mas adivinha só? – Bobby nos olha com expectativa, e eu sorrio discretamente. Ele não se dá conta, mas ama caçar. E tem algo de muito belo em ver as pessoas fazendo o que elas amam – Os três corpos foram parar nas montanhas de Salina. Tenho muitos motivos para acreditar que o Wendigo está se abrigando ao redor da cidade, e está faminto. A neve está alta, o inverno em seu auge... ele vai se alimentar de novo, tenham certeza disso.

—Por onde começaria a investigação? – Hazel questiona a Singer, com o olhar pensativo. Espio ela pelo canto dos olhos, e sinto o meu rosto queimar. É impossível olhar para ela e não me lembrar da visão que tive dela no sonho – Quer dizer... se sabemos que é um Wendigo, como...?

—Precisamos entrevistar os guardas florestais da região. – Sam responde, olhando dela para mim – Você se lembra de quando caçamos um Wendigo, anos atrás, Dean? Fomos meio amadores e você quase acabou morto. Não podemos correr o mesmo risco. Temos que ter cautela.

—Não só cautela quanto ao Wendigo, filho. – Bobby diz, com o olhar preocupado recaindo sobre Hazel e Jesse – Mas não podem se esquecer de estão sendo caçados por uma porção de demônios, de ambos os lados...

—Por falar nisso, algum sucesso tentando achar o rastro de Cas? – Pergunto, o coração apertado. Estou muito preocupado com o anjo. Cas e eu sempre tivemos uma ligação forte, e saber que o pior pode ter acontecido a ele...

Afasto o pensamento. Não quero pensar nisso.

—Nada, Dean. Mas continuarei tentando. Vocês se preocupem com isso aqui. – Bobby coloca a mão sobre o mapa, olhando para cada um de nós seriamente – E deixem que eu cuido de tentar achar Castiel.

—As sombras protegerão sua propriedade, Singer. Mesmo quando estivermos fora. – Jesse diz, dando um passo à frente. Turner é tão taciturno e silencioso que as vezes me assusto quando ele se pronuncia, como uma criatura saindo das sombras para interagir com a luz – Fortifiquei elas o máximo que pude. Devem durar algumas semanas.

Bobby dá um tapinha no ombro de Turner, agradecido com o olhar.

—Liguem se precisarem de mim. – Bobby diz, ajeitando o boné em sua cabeça – Mas tentem não precisar, idiotas.

Damos risada pelo jeito rabugento dele e saímos pela porta da frente, em direção ao Impala 67.

XXX

Ponto de Hazel Laverne.

Ao chegarmos no motel que fica na orla de uma floresta que circunda Salina, meio as montanhas, sinto a neblina se intensificando assim como o frio. A neve está baixa hoje, porém enrijecida. O céu está limpo, posso ver isso pelas estrelas que costuram todo o horizonte. Estamos rodeados por pinheiros, e o motel consiste em pequenos quartos, todos em madeira, um do lado do outro, com dois andares apenas.

Estamos nos aproximando da recepção, quando Sam me puxa de lado.

—Posso conversar com você? – Seus olhos parecem aflitos, e seus ombros estão tensionados. Está nervoso. Faço que sim com a cabeça, ajeitando a minha mochila em minhas costas.

—O que houve? – Pergunto, fitando seus olhos verde-oceano.

—Posso ficar... com você? – A voz dele sai baixa, como se não estivesse cem por cento certo de que sabe o que está fazendo. Meu coração dispara, e eu fico desconcertada imediatamente.

—Ficar comigo tipo... no mesmo quarto? – Tento não gaguejar, já sentindo a minha garganta secar só de imaginar a possibilidade.

Durante as semanas que se passaram, fomos muito mornos um com o outro. Sempre evitando situações em que pudéssemos acabar caindo em tentação ou coisa do tipo. Durante a maior parte do tempo, somos como amigos que flertam com os olhares o tempo inteiro, mas que nunca dão passo algum um em direção ao outro.

Tudo isso porque não estou pronta para que ele saiba sobre toda a verdade, tudo isso para proteger o muro em sua mente.

—Isso. Mas... só se você quiser, Hazel. – Ele me encara em expectativa, e eu fico sem conseguir responder por alguns segundos.

—Eu quero. – Me arrependo de dizer isso no mesmo momento. Deveria ter dito algo como “claro” ou “por mim tudo bem”. “Eu quero” soa muito intenso. Ele sorri de lado, timidamente.

Fico em silêncio, após o seu sorriso, não conseguindo decifrar o seu significado.

—Quantas camas quer, El? Duas ou... uma? – Fico congelada quando ele me pergunta isso. Por um momento, considero sair correndo. Eu definitivamente não estava pronta para uma investida dessas.

—Vou deixar você escolher. – Digo, após respirar fundo, já sem capacidade alguma para sustentar seu olhar.

Estou baqueada. Ele assente, pensativo, como se eu o tivesse colocado em um embate.

—E então, vamos fazer o check in? – Dean se aproxima de nós, com a sua mochila nas costas. Coloco uma mecha do meu cabelo para trás da orelha, nervosamente, e fico olhando para o chão de madeira.

—Vamos. – Sam responde ao irmão, vendo que eu fiquei meio fora de órbita temporariamente.

Vejo os dois irmãos indo em direção ao balcão do atendente, enquanto sinto meu estômago se revirar. Não faço ideia do que fez Sam dar esse passo, e não quero deixar as minhas expectativas muito altas.

Preciso ser cautelosa com relação a ele. Meu coração nunca esteve tão vulnerável como agora.

XXX

Jesse e Dean estranharam a princípio, quando Sam pediu um quarto para nós dois. Os vi se entreolhando, meu irmão me disferindo um olhar malicioso e sugestivo, e Dean sorrindo em um misto de felicidade e tristeza, se é que é possível.

Odeio isso. Odeio sentir que estou estilhaçando o coração dele.

Ao entrarmos no quarto, respiro com dificuldade. Não faço ideia do que ele escolheu, e estou sendo devorada pelo meu nervosismo, até que fico de pé na beira da cama de casal diante de mim, encarando os lençóis e a chuva que cai violentamente lá fora, batendo na janela com intensidade.

Sinto o seu corpo se aproximando atrás do meu, devagar. Ele tira a mochila das minhas costas, com delicadeza, e a joga em uma cadeira perto de nós. Minhas mãos tremem ao senti-lo tão perto de mim. Me arrepio por completo e fecho os olhos quando sinto uma de suas mãos tirando os meus cabelos dos meus ombros, deixando o meu pescoço amostra, e amoleço as pernas quando ele diz, com a boca bem perto do meu ouvido e com a voz rouca:

—Eu não tenho conseguido dormir. E isso tem me deixado exausto... – Ele começa, e posso sentir meu coração se contorcer dentro do meu peito, sua boca ainda tão perto da orelha, sua respiração quente na pele do meu pescoço – Quero estar alerta amanhã, para o caso. E não consigo pensar em outra pessoa no mundo, que faria eu me sentir seguro ao ponto de desligar a minha mente como você, Hazel.

Assinto, sem dizer nada.

Ele se afasta de mim, e eu quase choramingo ao sentir seu corpo se afastando. Queria que ele me inclinasse de costas nessa cama, e que...

—Você está bem? – Ele me pergunta, enquanto tira o seu casaco, revelando seus bíceps fortes, a camiseta preta colada em seu corpo definido.

Estou tão excitada que poderia morrer agora mesmo.

—Estou sim. – Digo, indo em direção a cadeira em que ele jogou a minha bolsa, tentando fingir naturalidade. No caminho, tropeço no tapete felpudo e escorrego. No mesmo momento, Sam me segura pelos braços, me impedindo de cair.

—Ei, eu te deixei nervosa? – Ele me pergunta, o rosto tão perto do meu, os cabelos tão jogados na frente de seus olhos de pupilas dilatadas e ar preocupado, seu perfume cítrico assim tão intenso em minhas narinas, me embriagando.

—Não, claro que não. – Me limito a responder, a voz saindo mais fina do que eu gostaria. Me recomponho, e ele me solta. Estou me tremendo por completo. Ele assente, com o olhar desconfiado.

—Eu... realmente não queria causar nenhum tipo de desconforto em você, sabe? Eu só realmente...- O olhar dele se torna distante, e franzo o cenho ao reparar em algo que não havia visto antes. Ele esfrega o polegar na palma de sua mão, onde vejo um machucado relativamente profundo se formando – Não queria ficar sozinho.

—O que aconteceu com a sua mão? – Digo, me aproximando dele, o olhar preocupado. Ele fica confuso por um momento, sem entender ao que me refiro, mas então após ver que estou encarando seu machucado, ele parece ficar envergonhado.

—Ah, eu perdi um pouco o jeito com as facas, estava treinando um dia desses para essa caçada e acabei me ferindo. Nada demais... – Ele tenta desconversar, mas eu seguro o seu braço, olhando o machucado mais de perto.

Está profundo, e parece um machucado antigo. Como se ele estivesse impedindo a cura do ferimento.

—Sam... o que realmente aconteceu? – Questiono, com a voz firme. O conheço o suficiente para saber que não está sendo sincero. Ele respira fundo, o olhar triste e sombrio.

—Não estou pronto para falar sobre isso, El... – Seu tom é pesaroso, e eu solto o seu braço, o coração apertado – Me desculpe por isso.

—Tudo bem. – Tento não soar magoada, afinal... quantas coisas estou me negando a dizer a ele? Todos esses segredos entre nós dois parecem nos deixar a quilômetros de distância, mesmo que estejamos um na frente do outro – Eu vou tomar um banho quente, e depois... – Olho para a cama, pensativa. Se evitamos qualquer tentação por todo esse tempo, por que a decisão de escolher uma cama de casal? Ele parece ler os meus pensamentos, já que dá um passo à frente e diz:

—Eu não queria escolher as camas de solteiro porque não queria que pensasse que te vejo como apenas uma amiga. Porque não vejo, El. Mas... – Ele coça a nuca, desconcertado e confuso – Não parei para pensar em como essa proximidade vai nos afetar hoje a noite, não até agora, pelo menos. O que quer fazer sobre isso? – Em seus olhos, vejo uma busca genuína por ajuda. Como se estivesse perdido.

O problema, é que também estou. Talvez até mais do que ele.

—O que quero fazer ou o que acho certo fazer? – Questiono, o olhando de maneira lasciva. Ele dá uma risadinha, envergonhado.

—O que acha certo fazer, El. É isso o que quero saber... – Assinto, respirando fundo.

—Nesse caso... vou deitar no meu canto, olhando para aquela janela ali...- Aponto na direção da parede, e ele me acompanha com seu olhar concentrado – E vou dormir, sem nem pensar que você vai estar do meu lado. E quanto a você... nada de gracinhas, ok? – Ergo uma sobrancelha para ele, o censurando com o olhar. Ele ergue as mãos no ar e faz uma expressão de inocente.

—Eu? Fazendo gracinhas? Jamais, El. Juro! – Ele dá um passo para trás, indo para perto da própria mochila.

—Então não temos com o que nos preocupar, Sam. – Digo, andando para bem perto dele, encarando o seu rosto de perto, sentindo sua respiração mista a minha. Vejo um pânico discreto reluzindo em sua íris, e desço os olhos para seus lábios quando digo – Desde que você se comporte, vou me comportar também.

O vejo engolindo seco, como eu sabia que faria. E mesmo sentindo uma sensação ardente em meu abdômen, uma pulsante vontade de tê-lo, dou vários passos para trás, nos distanciando.

XXX

Quando saio do banheiro, uma lufada de vapor invade o quarto. Sam está sentado em uma poltrona frente a uma mesinha redonda com seu laptop aberto, vários livros espalhados ao redor dele. Parece concentrado em uma pesquisa.

Estou trajando um short de algodão branco e uma blusa de manga comprida que comprei em um festival de música em 2002, que é lilás e tem o nome do meu álbum favorito, “So tonight that I might see” estampado. Prendi os cabelos de maneira bagunçada, e vou em direção a uma cadeira que está ao lado dele, pegando minha mochila. Sam ergue os olhos para mim, não conseguindo disfarçar seu desespero ao me ver assim, tão vulnerável, apenas de pijama. Dou um sorrisinho de lado, satisfeita por tê-lo afetado de alguma maneira.

—Então Mazzy Star ainda é sua banda favorita? – Ele me questiona, fechando seu laptop e apontando para a minha blusa. Faço que sim com a cabeça, me sentando na cama. Sinto o cheiro da chuva, e minha pele se arrepia com o frio.

—Eu consegui ir a um festival em Nova York, há uns três anos, e os vi ao vivo. Fiquei quase até o final. – Sorrio um sorriso fraco, e um vinco se forma em sua testa.

—Por que não ficou até o fim do show? – Ele questiona. Dou um longo suspiro.

—Não gosto de multidões – Minto. Não quero dizer a ele que não fiquei até o final pelo simples fato de que não conseguiria ouvir “Fade into you” sem desmoronar ao me lembrar dele. Vejo no olhar de Sam que ele não compra o que eu disse, nem por um minuto, mas percebo que ele apenas assente, respeitando o fato de que não quero falar a verdade.

Isso me devora por dentro. Essas nossas interações cobertas por omissões...

Nunca fomos assim.

—Eu é quem vou tomar um banho quente agora. Está tarde...- Ele checa o relógio de pulso em seu braço esquerdo, dando um longo suspiro. Me aconchego na cama, abraçando as minhas pernas e apoiando a cabeça em meus joelhos.

XXX

Quando Sam abre a porta do banheiro, tenho a plena certeza de que estou sendo provocada de propósito, e todo o meu corpo se esquenta por isso. Sua calça de moletom cinza escura é tudo o que ele usa ao entrar no quarto, seu peitoral completamente exposto, os cabelos levemente bagunçados.

Engulo em seco, mas finjo nem prestar atenção nele.

Quando, na verdade, já percorri todo o seu abdômen coberto por um tanquinho em perfeita forma, seu peitoral forte e largo, sua tatuagem antipossessão no peito, seus braços fortes e os ossos da sua pélvis perfeitamente salientes por músculos que a compõem, marcando seu ventre. Tudo isso em menos de trinta segundos.

Me forço a olhar para a janela, quando o percebo vestindo uma blusa de frio preta. Respiro em alívio. Não ia conseguir dormir com ele daquele jeito, seria demais para mim. Uma garota pode ser forte até certo ponto.

Sam se deita ao meu lado, os braços atrás da cabeça e o olhar pensativo encarando o teto. O único som presente é o da chuva batendo contra o vidro.

—O que tem perturbado o seu sono, Sam? – Questiono, me virando para encará-lo. Seus olhos verdes me fitam, sua expressão serena.

Sam respira fundo, vasculhando a própria mente em busca de uma boa resposta para a minha pergunta.

—Minha cabeça anda confusa... – Ele começa a dizer, a voz rouca – As vezes, penso ter visto coisas, e depois elas... desaparecem.

Me ajeito na cama, preocupada com sua declaração.

—Acha que o seu muro está...? – Minha voz sai levemente quebrada. Ele suspira.

—Honestamente? Não sei. Mas o que sei é que ele não vai ficar intacto para sempre, não é? – Ele dá de ombros, conformado – Só tem sido difícil, mas sei que vou me acostumar. Estava segurando as pontas até agora, mas como preciso estar cem por cento alerta para o caso, sabia que só dormiria se fosse com você.

Meu rosto se enrubesce, e eu estico a mão em direção ao seu rosto, tirando os cabelos que estavam em frente a seus olhos com meus dedos, delicadamente.

—Fico feliz em poder ajudar você, Sam. Tem sido tão difícil... – O sorriso que havia se formado em meus lábios se desfaz, e eu me contraio levemente. Seu olhar se escurece, com uma preocupação notável exposta nele.

—O que tem sido difícil, El? – Ele se vira de lado, na minha direção.

Respiro fundo, e meus olhos percorrem seus lábios, enquanto meu coração se pronuncia violentamente em meu peito, como um protesto.

—Você e eu, Sam. – Digo, por falta de palavras melhores para descrever a complexidade de tudo – Nós.

Ele respira fundo, pesaroso.

—Para mim também, El. Espero que saiba disso. – Ele umedece os lábios, e sua mão alcança a minha nuca, acariciando-a. Me estremeço e todos os pelos do meu corpo se arrepiam com o seu toque quente, seus dedos compridos explorando uma região tão sensível em mim – Espero que saiba que não é a única que está...

Sua voz morre. Ele não consegue dizer. Nem eu.

Me movo para mais perto dele, que continua a me acariciar. Seu outro braço me cobre, me abraçando, enquanto me aninho em seu peito. O seu perfume cítrico e veraneio me invade, e eu posso ouvir seu coração pulsando como o meu. Aflito, confuso e incerto.

—As vezes eu sinto que as coisas sempre apontaram para que eu e você fôssemos em direções opostas, desde o começo. E isso me sufoca, Sam. – Começo a dizer, de olhos fechados enquanto aprecio o seu toque – Porque parece que isso nunca vai acabar, essa sina, essa... maldição.

—Vai acabar sim, Hazel. – Sua voz é firme ao me dizer isso – Só precisamos aguentar mais um pouquinho.

—Não sei o quanto mais posso aguentar, Sam. – Digo, as lágrimas quentes em meus olhos, enquanto reluto para que não caiam – Quando ficamos perto assim, é tão mais difícil.

—Odeio sentir que estou torturando você ou coisa do tipo... – Ele diz isso com um tom pensativo, os dedos me acariciando, todo o meu corpo se amolecendo – Odeio sentir que estamos perdendo tempo. Mas eu odiaria mais ainda se eu e você fizéssemos qualquer coisa enquanto tantas coisas são desconhecidas para mim.

—Eu acho que você está certo, e eu acho que eu faria a mesma coisa, para ser honesta. E eu te contaria tudo, se não fosse tão difícil e arriscado. Tenho tanto medo do que vai acontecer com você quando esse seu muro ruir, Sam...tanto. Embora queira você, quero mais ainda a sua segurança.

Me estremeço por ter dito a ele em voz alta que eu o quero. Me sinto vulnerável.

—Eu também quero você, mais do que tudo, El. – Ele diz isso quase que imediatamente, fazendo minha insegurança em ter me aberto assim ir embora – Não quero que duvide disso, por nenhum segundo. Mas o fato de querer estar com você plenamente, sem coisas não ditas, sem mentiras... é muito forte para mim.

—Eu sei. – Sussurro, me encolhendo um pouco mais – Vou me contentar com o que temos agora.

—O que temos agora? – Ele me questiona, a voz baixa e rouca, enquanto me puxa com seus braços, me abraçando. Limpo discretamente uma lágrima que escorre pelo meu rosto.

—Um “talvez”. Temos o “quase”, como se fosse uma ponte. É como se eu estivesse parada na entrada dela e você, na saída. E as coisas que eu preciso te contar estão no meio da travessia, mas se eu não tomar cuidado, a ponte vai desmoronar com você em cima dela. É isso o que temos, Sam. Uma grande incerteza.

Ele suspira pesadamente, e me aperta perto do seu peito, beijando o topo da minha cabeça.

—Eu vou te dar muito mais do que isso, em breve. – Sam diz, seus braços quentes ao meu redor – Aguenta firme, comigo, ok?

—Ok... – Consigo responder, a cabeça apoiada em seu peito, envolvida em seu abraço, me sentindo quase completa.

Ficamos em silêncio, e sinto o cansaço me vencendo.

Adormeço em seus braços, quase como se fosse sua novamente.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Sinto o gosto de ferro e terra em meus lábios, o ar fugindo dos meus pulmões e um medo percorrendo a minha pele. E então vejo vislumbres de imagens confusas que dançam em minha mente.

Crowley, em vestes negras, me conduz por uma igreja, a princípio.

Tudo o que vejo a seguir me deixa completamente estático. Todos os acontecimentos do último ano se infiltram em minha mente, e uma dor excruciante me assombra. Cada morte, cada gota de sangue consumida.

Tudo o que fizeram com meu corpo. A crucificação, a transformação do meu corpo em algo que não sou eu, nem nunca fui eu. Vejo pelos olhos dessa criatura que Crowley criou todos os seus crimes.

Dean, e o cemitério onde nossa mãe tem um memorial.

Eu atirei nele. Eu...?

Vejo o muro se rachando, se escancarando, e então me vejo em New Orleans, com Ruby.

Sinto vontade de vomitar quando vejo o que aconteceu no cemitério de Saint Louis. Assisto a tudo como se fosse um fantasma, enquanto vejo o meu corpo caçando Hazel por meio das lápides, ambos debaixo da chuva enquanto ele segura uma lâmina contra o pescoço dela. E começo a gritar, com tudo o que veio depois.

A tortura, o beijo com Ruby, o bunker, e então...

Minhas mãos que torcem uma faca em Hazel, enquanto a luz a abandona.

Eu a mandei para o vale das sombras.

Eu.

XXX

Quando acordo, Jesse e Dean estão me segurando, enquanto eu me debato no chão gelado, me arranhando e me contorcendo. Hazel está em um canto do quarto, encolhida enquanto ela se abraça, seus braços se segurando como se ela tentasse não desmoronar. Paro de gritar quando a dor lancinante que me percorre por inteiro começa a cessar.

Respiro com dificuldade, me acalmando aos poucos. Jesse é o primeiro a me soltar, mas Dean continua me segurando. Focalizo meu olhar em seus olhos verdes, as pupilas dilatadas e o seu olhar de horror estampado no rosto.

—Dean...- Começo a chorar, sem controle. Os meus arranhões infligidos por mim mesmo ardendo, o sangue fino e vivo brilhando em minha pele – Eu... eu fiz todas aquelas coisas?! – Percebo que estou gritando, mas não consigo me recompor – Eu sou um monstro! Um maldito monstro do Crowley!

Vejo Hazel cobrir os próprios ouvidos, os olhos devastados.

—Eu preciso que você se acalme, Sammy. Eu preciso que você... – Dean começa a dizer, mas eu me ergo do chão, ficando de pé. Me encosto na parede, o peito subindo e descendo em pânico absoluto enquanto um suor frio me escorre pela pele.

—É verdade?! Tudo o que eu vi? Eu fui...a criatura? – Dou um passo a frente até ficar de frente para Dean, segurando seu colarinho, desesperado por respostas.

O sofrimento no olhar de Dean é evidente. Ele respira fundo com dificuldade, e olha para baixo.

O solto, e caminho até Hazel, ficando tão perto dela que quase posso sentir o calor do seu corpo. Seu rosto brilha com lágrimas, e seus olhos encontram os meus.

—Fui eu, não é? Fui eu! – Minha voz sai quebrada, e minha respiração queima – Eu te torturei. Eu a mandei para o vale das sombras. Eu...

—Não, Sam! – Ela grita, alterada. Não é típico dela gritar, mas vejo que ela perdeu o controle – Você não fez essas coisas, droga! Crowley fez! Você....

—Você estava no inferno, Sammy! – Dean intervém, vindo para perto de nós dois. Jesse permanece em silêncio, olhando com preocupação para a irmã – Sua alma estava presa lá. Crowley trouxe seu corpo de volta e fez um tipo de feitiço macabro para prender seu corpo a ele, como um escravo, droga! Você não tem culpa de nada, Sammy...

Chacoalho a cabeça de um lado para o outro, em negativa, e limpo minhas lágrimas com fúria. Meu peito arde, assim como meus arranhões.

Dou um sobressalto quando vejo Lúcifer parado, perto da janela, olhando para mim, seu sorriso irônico me assombrando. O diabo ergue uma sobrancelha, e ouço sua voz:

“Você é uma aberração, Sam. E um garoto muito, muito mal. Você quase a matou uma vez. E agora, seu muro está se despedaçando. Você é um perigo para ela, Sam. Você irá machucá-la, mais cedo ou mais tarde.... – Ele começa a rir, ri tanto que até uma lágrima brota de seus olhos – A garota tem tantas cicatrizes no corpo que até parece uma boneca de pano. E quer saber quem é o responsável pela maioria delas? Você, Sam Winchester. Você...e quem sabe eu não consigo escapar daquela jaula por meio da sua mente, hm? Ela seria meu primeiro alvo, garanto isso a você”

Dean e Hazel falam algo, mas não consigo ouvi-los. Apenas um chiado que me perturba, me deixando tonto. Tampo os ouvidos e fecho os olhos, com tudo girando em minha mente. O choro que sai da minha garganta me sufoca, como se cordas prendessem meus pulmões. E tudo o que consigo visualizar em minha mente é Hazel gritando enquanto meu corpo a machuca.

Reabro os olhos, me afastando o máximo que consigo. Respiro com dificuldade, buscando com os olhos Lúcifer, mas vejo que ele já não está mais aqui. Não sei se estou ficando maluco...

Não, eu sei sim. Estou ficando maluco.

Ergo a mão trêmula no ar, tudo embaçado pelo choro, e vejo os rostos preocupados e encharcados de dor do meu irmão mais velho e da garota que amo acima de todas as coisas.

—Eu e você... – Aponto para Hazel, sentindo uma navalha me rasgando por dentro pelo que estou prestes a dizer. Com tudo o que vi, com tudo o que Lúcifer disse...

Com todas as coisas que aconteceram com ela desde o começo, por culpa minha, com tudo isso borbulhando em minhas veias e na minha carne, decido algo que me dói até os ossos.

Dói mais do que qualquer coisa.

Mas não posso ser egoísta. Sei que ela vai me odiar para sempre, mas não importa.

Posso aguentar seu ódio, posso aguentar toda a dor do mundo.

Desde que ela fique a salvo. A salvo de mim.

—Eu e você, nunca mais vai acontecer, Hazel. – Minha boca tem um gosto amargo, e vejo seu olhar ficando vazio ao receber minhas palavras. Respiro fundo, desejando a morte pela primeira vez em muito tempo. Desejando nem nunca ter nascido – Acabou, Hazel.

Dean arregala os olhos, olhando de mim para Hazel. Jesse ajeita a postura, surpreso pelas minhas palavras. Hazel continua a me olhar com um vazio em seus olhos. Ela respira fundo, e anda em minha direção. Seu rosto a centímetros do meu, e sinto todo o meu interior se contorcer.

—Essa, Sam, é a segunda vez que você quebra o meu coração. Da primeira vez não foi sua culpa. – Sua voz é baixa e quebrada, sua expressão é fria. O ódio já emergindo por ela toda. Posso sentir – Agora, você tem uma escolha. E está escolhendo errado! Nada do que aconteceu é sua culpa, droga! – Ela me empurra, com raiva, o choro lhe acometendo – Eu consigo enxergar isso, por que você não?!

—Como você disse, é a minha decisão. – Dizer isso queima a minha garganta. Nada disso é o que eu quero fazer, mas o que eu preciso fazer para mantê-la em segurança.

Ela assente, com raiva no olhar.

—É, é sua decisão. E a minha, Sam, é que essa é a segunda e a última vez que você me machuca. A última, me ouviu? – Ela diz isso entredentes, e vejo ela erguendo a mão no ar, como se fosse me dar um tapa no rosto, mas a vejo desistindo no mesmo momento. Ela respira fundo e com dificuldade, me fulminando com o olhar, as lágrimas despencando em direção ao chão. Ela segura com raiva o colar em seu pescoço, e o puxa com tanta força que rompe a corrente prateada. Ela o joga no chão, sem tirar os olhos de mim – Sai da minha frente?!

Ela pede, mas nem espera eu dar um passo para o lado. Apenas passa por mim, batendo o ombro no meu, e batendo a porta atrás de si.

Olho para baixo, para o colar no chão.

Eu a amo, eu a amo, eu a amo, eu a amo, eu a amo...

E eu acabo de perdê-la para sempre.

Acabo, no entanto, de salvá-la de mim.


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Notas finais do capítulo

EEEEI.
Vocês confiam em mim? Por favor, confiem.
Eu juro que esse arrombo no coração que eu fiz vai passar, depois de uns capítulos. Era necessário para a construção deles. Eu juro.

Odiei escrever isso e vou odiar escrever o que vem a seguir, MAS, confiem em mim quando digo que isso vai ser um pontapé em direção ao acerto deles.

JURO. A cena tá até escrita já.

O, gente... gostaria de pedir encarecidamente que vocês comentassem se possível! Caso você esteja realmente acompanhando a história, por favor, dê um feedback! Seria incrível saber que tem alguém ai, do outro lado, lendo essa doideira minha!
Por favorzinho inhooooo?

Sério, não leva nem um minutinho!
XOXO



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