Roderick e seus doze irmãos escrita por Wi Fi


Capítulo 8
Numa redoma de vidro


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!

Esse capítulo é um pouco pesado, tematicamente falando. Vai mencionar problemas na gravidez, e depressão, por isso fica aqui o aviso para quem for mais sensível.
Este é o capítulo em que conhecemos o que está acontecendo com a Griselda no presente. Espero que gostem!



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Roderick e Fionna estavam a meio de uma reunião, no escritório da condessa, planejando os próximos passos da família para depois do casamento, quando Abigail, a bastarda, bateu na porta com urgência.

— Fionna! É a Griselda, ela está nos portões. O que eu faço? – perguntou esbaforida, tendo corrido os lances de escadas todos até lá.

Os olhos de Fionna se arregalaram, e ela pulou da cadeira.

Griselda? O que ela está a fazer aqui?

— Eu não sei! – exclamou Abigail, mexendo os braços, exasperada – O que eu faço?

— O Sullivan está com ela?

— Não, não está. Mas ela trouxe consigo todas as crianças, e aquela estrangeira.

Roderick respirou fundo, um pouco aliviado. Ao menos seu maldito cunhado não estava ali. Fionna pareceu sentir o mesmo, pois ela voltou a sentar-se, pacificamente.

— Arranje quartos para as crianças, e coloque uma das governantas ou algum dos teus irmãos com elas. Mande a Griselda vir ter aqui conosco.

Abigail assentiu e logo zarpou para cumprir as ordens. Roderick e Fionna não disseram nada. Não havia nada a dizer, qualquer assunto que eles estivessem a discutir antes disso era insignificante agora. Griselda não iria aparecer em Saye com seus filhos por motivo nenhum.

Conseguiam ouvir de longe as vozes de seus sobrinhos pequenos, maravilhados com o castelo que não viam havia tempos, bem como a voz de Farrah, a empregada estrangeira de Griselda. A isto se acrescentaram os passos dela, escadas acima, e logo a figura da irmã mais nova de Roderick ocupava a porta do escritório, que Abigail havia deixado aberta. Griselda bateu na madeira mesmo assim, por educação.

— Olá, vocês dois! – ela cumprimentou – Rod, não estava à espera de te ver aqui.

— Ei, Gris – ele respondeu – Eu voltei para ajudar a Fionna com as coisas, já faz algum tempo.

Roderick se pôs de pé e abraçou Griselda com delicadeza. Ela estava bastante pálida, e seu sorriso parecia forçado. Ele conhecia sua irmã há tempo suficiente para saber a diferença. Seus longos cabelos ruivos cacheados, que costumavam estar sempre bem cuidados, agora estavam presos numa trança bagunçada. Os olhos haviam perdido um pouco do brilho, e vestia um vestido verde-musgo, sóbrio, como as sayenas costumavam usar, e não seus extravagantes vestidos coloridos de Breator.

Ao se separarem, Griselda deu um aperto na bochecha do irmão.

— Olha só para ti, estás queimadinho de Sol… e estás mais gordo também – observou ela – As terras do Sul te fizeram mais bem do que quase quarenta anos no Norte, hein?

— Se tu soubesses de como a comida de lá é boa, Gris, entenderias o porquê demorei a voltar…

Griselda deu um risinho, e sentou-se na cadeira livre, ao lado da de Roderick. Fionna permanecera calada, apenas observando.

— O que mais contas do Sul? As praias, as montanhas, o vinho? É tudo o que imaginamos ser? – insistiu Griselda.

— É sim, e até melhor. Durante o verão, é como se o Sol estivesse a seguir-nos. Eu suava feito um porco, mas depois nos banhávamos no mar e tudo passava. Serviam vinhos frescos também, e as frutas mais doces que já comi na vida, ao som de música, e com a brisa… - Roderick suspirou, sonhador.

Francisca lhe dissera, numa tarde de verão, que o Sol tornava as pessoas mais preguiçosas, mas também mais simpáticas. Mas quem iria querer fazer alguma coisa com aquele clima delicioso, Roderick retrucara, se esticando nas pedras onde os dois haviam sentado para descansar. O som das ondas do mar, caindo furiosas contra a areia, ainda preenchiam o fundo de sua mente, e se ele fechasse os olhos e prestasse bem atenção, conseguiria escutá-las como se estivessem ali ao lado.

— Parece um paraíso – Griselda disse, despertando-o de seus devaneios – Eu adoraria ir. As crianças nunca entraram no mar…

Fionna resmungou, cansada da conversinha.

— Griselda, o que fazes aqui? – perguntou.

Roderick voltou-se para a irmã mais velha, de rosto franzido. Griselda mal os visitava, podiam no mínimo ser simpáticos. Reparou que Fionna tinha ficado a examinar a irmã mais nova, de cima a baixo, como se reparasse algo em sua aparência.

Griselda pareceu ser pega de surpresa pela inquisição abrupta da condessa. Ela gaguejou um pouco antes de responder, nervosa:

— Eu achei que era bom trazer as crianças para cá. Elas não vêm a Gayern ao tanto tempo, e Adrian acaba de completar quatorze anos, queria que ele passasse tempo com a família.

— Então… não os trouxeste para o velório do pai, mas os trazes para cá sem aviso nenhum, por nenhum motivo específico? – Fionna ergueu uma sobrancelha – Sempre foste má a mentir, Griselda. Conte-nos a verdade.

Griselda olhou para baixo, quase envergonhada. Ela hesitou um pouco, e teve de respirar fundo antes de responder.

— Eu perdi um bebê, há dois meses. Eu tinha medo de ter mais um filho, para início de conversa, com a minha idade… a Madeline já tinha sido um parto difícil, eu estava com tanto medo… medo de morrer, de deixar as crianças sozinhas… - Griselda disse – Quando eu comecei a sangrar, foi quase um alívio. Mas o Jamie ficou furioso.

Fionna tinha o rosto fechado, como se estivesse a tentar desvendar o mistério de onde aquela história acabaria, e Roderick arrastou a cadeira para mais perto de sua irmã mais nova, para escutá-la melhor. A voz de Griselda ficou mais baixa, quase um sussurro.

— Ele disse que eu fiz de propósito, o que não é verdade. Mas ele não me ouviu. Depois disso, foi tudo um caos. Ele trouxe a sua amante para nossa casa, deixou de me receber no nosso quarto, mal olhou para minha cara – ela continuou – Ela não é a primeira amante que eu descubro, é claro, mas ele nunca tinha feito isso tão às claras. Eu nunca fui tão humilhada.

Neste momento, Griselda ergueu o olhar, que passou de Fionna para Roderick sucessivamente, à espera de algum juízo de valor, alguma represália. Seu irmão apenas acenou com a cabeça, para que ela continuasse seu relato.

— Então surgiram os boatos de que a tal mulher estava grávida. Eu simplesmente me cansei. Não podia mais ficar lá. Peguei nas crianças, numa carruagem e uns poucos pertences, e vim.

Roderick, agora colado à cadeira de Griselda, tomou uma de suas mãos. Mais uma vez, Griselda sorriu e aceitou o gesto, de olhos fechados e ar cansado.

— Então é esta a gota d’água? – questionou Fionna – Depois de tanto tempo com Jamie, depois de todos nossos avisos… foi uma cortesã grávida que te fez voltar para casa, Griselda?

O amargor na voz da condessa era palpável. Roderick tentou não expressar seu descontentamento com a sua atitude, mais preocupado em consolar a irmã mais nova.

— Eu tenho filhos, Fionna – foi a simples reposta de Griselda – Eles pesam em todas as minhas decisões, como devias saber.

Fionna suspirou, e se pôs ao lado dela.

— É claro. Sinto muito que tenhas passado por isso – murmurou – Se há algum lugar seguro para ti, é Gayern. Podes ficar aqui enquanto precisares.

— Ou fique para sempre – Roderick interveio – Nós lidamos com Jamie.

Griselda assentiu, distraidamente.

— Eu só preciso descansar…

 

Pela noite, a família já estava toda bem arranjada no castelo. Os quatro meninos de Griselda ficaram em um quarto, enquanto as duas meninas ficaram com Farrah. Griselda ficara sozinha, em seu antigo quarto de adolescência.

Roderick foi vê-la depois do jantar. Fionna estava ocupada, mas ele não. Griselda ainda estava com suas roupas do dia, e recebeu o irmão com um sorriso cansado.

— Vim te fazer companhia. Colocar conversa em dia – Roderick explicou.

— És mais do que bem-vindo, Rod – respondeu ela, dando espaço para que ele entrasse – Lembras de quando dividíamos o teu quarto?

— Lembro. Parecia tão grande naquela época…

— É… lembro de ficarmos acordados até tarde a inventar histórias um para o outro – Griselda comentou – Sabes que vi Gerald e Lenore a fazer o mesmo?

Roderick sorriu-lhe de volta. Aquecia seu coração saber que os sobrinhos eram tão próximos quanto ele e a irmã tinham sido. As bonecas de Griselda e outros brinquedos velhos estavam todos guardados em um grande baú empoeirado. Ela estava a arrumar seus próprios pertences na escrivaninha, nos armários e nos outros baús espalhados pelo quarto. A cama ainda estava feita. Roderick sentou-se na cadeira de balanço no canto do quarto, as pernas compridas esticadas. Ele observou enquanto Griselda zanzava de um canto para o outro, atarefada feito uma abelha, seu rosto jovial estranhamente inexpressivo.

— Estás bem, Griselda? – Roderick perguntou, sem saber mais o que dizer.

— O quê? Ah, sim. Estou sim – ela respondeu, vagamente, enquanto alisava um vestido com as mãos.

Griselda rodou mais um pouco pelo quarto antes de sentar-se na cama, voltada para o irmão, e perguntar:

— Não achas que eu fiz uma coisa má, certo?

— Como assim?

— Bem, é só que… - ela murmurou – Eu abandonei minha casa, meu marido, que o rei escolheu para mim…

Nós somos a tua família, Griselda, esta é a sua casa — Roderick retrucou, com uma sobrancelha erguida – Que se foda o que o rei pensa. Ele não tinha direito de escolher o teu futuro.

Griselda balançou a cabeça melancolicamente.

— Tens razão. Eu só estou a ser tola – ela suspirou, desviando o olhar – Como sempre.

— Não és tola.

— Eu passei os últimos quatorze anos a acreditar que o Jamie genuinamente queria o melhor para mim. Acho que sou um pouco tola sim.

— Eras nova quando te casaste. É normal que estivesses apaixonada.

— Eu já era velha o suficiente para ter mais coisas na cabeça – ela retrucou – Como a Blair, ou a Fionna.

— Não coloques tanta pressão em ti mesma – Roderick interrompeu, e arrastou a cadeira para mais perto da irmã – E foste muito corajosa em vir para cá sozinha.

Griselda respirou fundo, e começou a desfazer as suas tranças com cuidado, ainda sem olhar diretamente para Roderick.

— Desde que o pai morreu, eu percebi o quanto sinto falta deste lugar. De casa. Eu espero que não seja tarde demais para as crianças viverem aqui normalmente – ela comentou – O que me irrita mais é que, mesmo aqui, eu nunca vou me livrar do Jamie. Ele é o pai dos meus filhos. Eles sempre serão parte dele também.

Roderick pensou nos rostinhos de seus seis sobrinhos. Eles tinham um ar breatoriano neles, e alguns haviam indiscutivelmente herdado a aparência do pai. Ele tinha dificuldades em aceitar que um homem tão odioso teria gerado aquelas crianças de quem ele gostava tanto. Para Roderick, claro, era fácil compartimentalizar estas relações – seus sobrinhos eram seus sobrinhos, e pronto. Mas é claro que para Griselda isto seria diferente.

— Eu deveria ter feito mais por ti – ele suspirou.

— Oh, não, Roderick. Tentaste me aconselhar como podias. Colocaste Farrah ao meu lado, não me deixaste isolada - Griselda interrompeu – Eu é que não te ouvi.

— Eu devia ter dado um fim ao Jamie quando tive a chance, Griselda. Ele não merece ter-te ao lado dele.

Se tivesses feito isto, eu teria te odiado pelo resto da minha vida, Rod. Eu não iria entender.

 Ele ficou quieto, ponderando a fala da irmã, e por fim acrescentou:

— Bom, saibas que, se quiseres, Logan e eu ainda podemos tratar do teu marido.

Griselda deu um riso fraco.

— Tu já me sugeriste isto tantas vezes ao longo dos anos… nunca achei que a ideia iria me agradar um dia.

Roderick deu-lhe um sorriso de compaixão.

— Mas tu estás bem, certo? Fisicamente, eu digo. Sei que… que a gravidez é algo complicado – perguntou – Há algum tratamento que precises? Precisas que eu traga alguma curandeira para cá?

— Não te preocupes com isto, eu já tomei todo o tipo de poções e remédios que precisava – Griselda assegurou – Não é a primeira vez que perco um bebê.

Assim que acabou de dizer esta frase ela sobressaltou-se, e tapou a boca com as mãos, como se não tivesse percebido o que tinha dito.

— Tu perdeste mais filhos? – Roderick repetiu, igualmente surpreendido – Nunca tinhas nos contado isso, Gris.

— A ti, não…  mas contei para Fionna e Blair. E ao pai também - ela corrigiu, ficando vermelha – Entre o Bruce e o Robert, eu perdi um bebê no quarto mês. Tu estavas no mar, naquela altura, então não escrevi a ti. O outro foi depois da Lenore. Eu descobri em uma semana, e perdi na outra, então nem tive tempo de escrever as cartas…

Griselda olhava apenas para suas próprias mãos, a voz parecendo o miado de um filhote de gato.

— Eu achei que já teria me acostumado, sabe. Mas eu me sinto tão triste quanto quando perdi o primeiro – ela murmurou – Eu sinto que estou numa redoma de vidro, gritando e gritando, mas ninguém consegue me ouvir. E eu nem sei por que estou a gritar.

Roderick comprimiu a boca, tentando controlar suas próprias emoções. Como havia falhado de tal forma? Como podia ter deixado sua irmã sofrer daquele jeito? Seus esforços não tinham sido suficientes. Mas por que ela nunca lhe contara nada? Sobre os bebês, sobre as traições?

Como ele poderia esperar cuidar de Francisca, então? E de seus filhos?

Griselda parecia ter lido seus pensamentos, ou pelo menos, sua expressão.

— Mas não te preocupes comigo, Roderick – ela repetiu – Eu… eu aprendi a lidar. Algumas coisas que eu tinha que enfrentar sozinhas.

— Eu sinto muito que tiveste que passar por tudo isso – murmurou Roderick.

— Eu sei – ela assentiu, e depois de passar as mãos pelo rosto, deu um pequeno sorriso – Olha, antes que eu me esqueça, tenho algo para ti!

Griselda pulou da cama e foi de volta a um dos armários. De lá, tirou uma pequena caixa de madeira polida. Roderick reconheceu-a imediatamente.

— É para a tua noiva – disse ela, pousando o objeto nas mãos do irmão.

— Griselda, não— Roderick recusou – É teu, eu te dei.

— Eu sei, e por isso mesmo tenho todo o direito de dá-lo a ti! – ela insistiu – Vá lá. Ele merece estar na cabeça de uma mulher com um marido que a ame, tanto quanto o pai amou a nossa mãe.

Fionna devia ter lhe contado sobre o quão pateticamente apaixonado Roderick estava por sua princesa. Mas também seria típico da natureza romântica de Griselda assumir que seu irmão só iria se casar com alguém com quem se importasse de verdade.

Roderick aceitou a caixa, enfim, brincando com ela por alguns instantes.

— Obrigado, Gris – ele sorriu – És a melhor entre os melhores, sabias disso?

Griselda riu, e afastou o rosto do irmão com um tapinha amigável.

— És mesmo um pateta sentimental, sabias? – ela brincou– Agora vá embora que eu tenho que dormir.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam da nossa primeira Donne mais nova?
No próximo capítulo, teremos nosso primeiro encontro com os quatro filhos bastardos do conde Ewan. A Abigail, que apareceu no início desse capítulo, é uma deles. O que esperam desses novos personagens?
Eu acho que a história meio que se divide a partir daqui. O arco com os quatro primeiros irmãos é um, e o arco com os bastardos é outro, onde tento explorar mais a questão do Roderick se sentir responsável pela família (como já aconteceu com a Blair e muito mais agora com a Fionna), mas com outras complicações.
PS: Para os fãs de Logan Clery, ele volta no próximo também hehe



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