Os Retalhadores de Áries II escrita por Haru


Capítulo 6
— Os guerreiros de Órion vs Os Guerreiros do Submundo II




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— Os guerreiros de Órion vs Os Guerreiros do Submundo II

Os médicos de Sora só previram alta para ele dentro de uma semana, Kin queria resolver o quanto antes todo o assunto da fundação. Por isso, dois dias depois da reunião com os conselheiros, ela foi com Yue e Haru até o quarto dele. Com a permissão das enfermeiras, juntaram três cadeiras em torno do leito do Raikyuu e ficaram horas conversando. A tarde já ia embora quando Kin olhou o céu através da janela pela última vez. A temperatura caiu bruscamente, ninguém ali dentro deu muita atenção a isso. Convieram que o tema discutido era mais interessante. 

Sentado na cadeira branca de ferro aos pés de Sora, Haru mais ouvia do que falava. Não que a questão não fosse de seu interesse — ao contrário. Há meses não ouvia o nome da autora de toda a ideia, então ficou um pouco mexido. Visivelmente emocionado. Mari. Sentia tanto a falta dela. Mesmo Kin hesitava um pouco quando ia falar o nome dela, como quem teme pronunciar em vão uma palavra sagrada. Mas não era para menos. Mari não foi só o ser humano mais generoso que ela conheceu: morreu como uma heroína. Graças a isso, graças a ter sido quem foi, ganhou o eterno respeito deles. 

Num banquinho de ferro muito igual ao assento de Haru, logo à esquerda da cama do paciente e ao lado da porta de entrada do recinto, Kin regia as conversas. Era a que mais falava, naturalmente. Trazia consigo as dúvidas dos conselheiros e as da liderança de Bellatrix. Do outro lado, ficara Yue. A ela coube a responsabilidade de deixar mais leve o clima do ambiente, de, se preciso, recorrer a piadas para reduzir o excesso da pressão por sucesso exigida pela ideia. Descobriu que fazia isso muito bem. 

 Uma explosão muito barulhenta os assustou. Em seguida, o prédio guinou com violência para a direita, Yue quase voou pela janela perto da qual estava. Ela saltou da cadeira e ficou de pé imediatamente. Quando se deu conta de que o edifício estava desabando, Haru abriu as asas e foi lá fora resolver. 

— Eu fico aqui com o Sora. — Disse Kin. Suspeitaram rapidamente que quem estava por trás daquilo eram Kimito e os outros retalhadores do submundo, não podiam deixar Sora sozinho. — Vai lá ver quem tá fazendo isso. 

Yue obedeceu. Entretanto, já no corredor percebeu que o hospital estava em chamas. Tirou a jaqueta cinza e curta que trajava e cobriu o rosto. A fumaça e o calor eram tão fortes que mesmo ela tinha dificuldades para respirar. Médicos, pacientes, seguranças, todos os que podiam corriam sozinhos, saíam desesperados de onde estavam para fugir, os que não podiam recebiam ajuda. O problema do desabamento, sem que ninguém soubesse como, foi resolvido. Restava saber o que fazer contra o incêndio, que só piorava. 

Imaginando que Haru foi a causa do prédio não ter virado entulho, Yue soube que precisava fazer sua parte. Fitou séria o final do corredor, onde ficava a escadaria que levava para o andar de baixo. Estava, do teto ao piso, coberto por uma cortina de fogo. Sabia que poderia atravessá-lo sem problemas, que aquilo não lhe faria mal algum, os hóspedes do mesmo andar de Sora, porém, não podiam dizer o mesmo. Todos eles olhavam aquilo da entrada de seus quartos e esperavam que ela fizesse algo. Pensa, Yue, dizia a si mesma, procurando em volta alguma saída. Nada.

Olhou para cima. Teve uma ideia. Pulou e deu um soco no teto, golpe tão poderoso que abriu um rombo nele. Quando a poeira parou de cair do alto, explicou seu plano para aqueles que aguardavam uma solução sua:

— Eu vou subir e vou estender minha mão pra ficar lá em cima puxando vocês, depois nós descemos do prédio pelos andaimes, tudo bem?

Ninguém tinha um plano melhor, então não houve objeção. Um segurança alto e parrudo oferecia os ombros para as pessoas montarem e alcançarem a mão de Yue mais facilmente. Nenhum imprevisto os atrapalhou. Com nada mais do que as mãos e a pura força bruta, Haru aguentava firme todo o edifício. Sabia que não podia fraquejar. Centenas de vidas dependiam disso. 

Se uma só vida perecesse por sua causa, jamais se perdoaria. A lembrança de Mari, sobre quem muito escutou há poucos minutos, motivava-o. Ela morreu ajudando pessoas que nem conhecia. Nenhum médico conseguia explicar como, com um ferimento terrível daqueles, Mari fez o que fez. A ciência dizia que ela devia ter continuado caída depois que o ônibus capotou.

 Em piores lençóis, enquanto isso, estava Sora. Tinham razão quando supuseram que Kimito estava por trás daquilo. Ele invadiu o quarto do Raikyuu, andou até a cama do convalescente e riu alto quando olhou seu rosto machucado, toda a metade esquerda coberta por esparadrapos. 

— Qual desses será que fui eu que fiz em você? — Zombou, apontando as contusões que Sora tinha pela cabeça. — Não importa. O que importa agora é que vai ser pelas minhas mãos que você vai conhecer a morte! 

E quando Kimito ergueu o punho em chamas para assassinar o rapaz deitado, Kin saiu de trás das cortinas e o interrompeu:

— Sabe, pra alguém que passou a vida lutando pra ter o que comer, eu esperava que cê fosse fazer uma ameaça melhor. Quer que eu volte pra trás das cortinas? Vai poder tentar de novo. 

Kimito engoliu seco quando a viu e rendeu Sora com a mão. Sora riu da cara dele. 

— Continue onde está se não quiser que ele vire cinzas, senhora primeira-ministra! — Acautelou-a. 

Kin provisoriamente aceitou os termos dele, não se deslocou um passo.

— Vai mesmo tentar levar isso adiante? — A loira optou por argumentar. Como quem confessava uma vergonhosa verdade, olhou para os lados e sussurrou: — Eu tô aqui, todo esse circo que você armou já era! Vai todo mundo pra trás das grades. Se entrega agora pra eu não ter que te bater. 

Sora olhou para Kimito como se dissesse "xeque mate". Mas era óbvio que o marginal não se entregaria sem uma luta, ele tentou matar Sora mesmo com o aviso da retalhadora que o protegia. Levou um soco tão rápido que nem viu nada, tão forte que voou para fora da sala com porta e tudo. Caiu no corredor, desorientado. Kin, de braços cruzados, aguardava da entrada do quarto ele se reerguer. Viu-o voltar a ficar de pé. 

Quando criança, Kin aprendeu de seu pai um estilo de combate um tanto peculiar. Ele consistia em manter a guarda baixa, ceder a iniciativa para o inimigo e em contra-atacar batendo nas articulações dele. O segredo estava no contra-ataque. Naturalmente, por lutar de guarda baixa, aquele que adotasse esse estilo deveria ter reflexos e agilidade incomparáveis, treiná-los mais do que qualquer outro atributo. Kin sempre foi uma exímia artista marcial, possuía todas as qualidades que essa prática requeria, mas nunca colocou em prática esse ensinamento de seu pai. Ali estava sua chance. 

Deixou Kimito atacar primeiro. Esquivou-se do soco dele, o olhou nos olhos para ele não antecipar seu movimento e o acertou no cotovelo com a faca da mão. O invasor gritou de dor, seu braço direito fora inutilizado. Tentou golpeá-la usando o esquerdo, ela se esquivou de mais um soco seu e, com a mesma tática, inutilizou também seu braço esquerdo. Só lhe restou usar as pernas. Chutou, a loira se defendeu com os braços, segurou-o pela canela e deu uma cotovelada tão forte em sua coxa que o derrubou.

Já cansada daquilo, Kin o imobilizou parando o pé em seu pescoço e pressionou com força para ele saber que ela não estava mais brincando. Podia quebrá-lo facilmente.

 — Eu sei que é você que tá provocando esse incêndio no hospital... — Esclareceu. Aproximou o rosto e, o mais intimidadora possível, ordenou: — Desfaça isso. Agora! 

Ingenuamente retirou o pé do pescoço do meliante, pensou que ele a obedeceria. O que aconteceu foi o oposto. O ar em torno de Kimito tornou-se insuportavelmente quente, tamanho era o calor que as paredes e o piso esfumaçavam. O cabelo, os olhos, os dedos das mãos do guerreiro ficaram em chamas. Ele se sentou. Com um péssimo pressentimento, Kin recuou. Viu seu adversário se transformar numa bola de fogo, emitindo um clarão tão potente que ofuscou todo o corredor. A retalhadora cobriu os olhos com o antebraço. 

Sora deu as caras no corredor. Assim que viu Kimito, sacou o que o canalha ia fazer. Ele vai se explodir e levar o hospital inteiro, pensou, em desespero. Aconteceu exatamente o que Sora anteviu, mas a detonação se limitou ao corredor no qual Kin e Kimito se enfrentaram. Haru, que suportava o prédio, despencou da altura onde se posicionou. Caiu junto dos doentes, dos enfermeiros, dos médicos e dos paramédicos que saíram do hospital às pressas. Todos olhavam aterrorizados para o alto.

— Sai todo mundo daqui, o prédio vai desabar! — Haru gritou. Houve a maior confusão. As pessoas fizeram o que ele mandou, correram, o ruivo sabia que elas não conseguiriam se afastar o suficiente. Precisava fazer alguma coisa se não quisesse ver alguém morrer. O edifício desmoronava numa rapidez assustadora, reproduzia um ruído tão alto que atrapalhava seus pensamentos. Parecia não haver nada a ser feito. 

Num gesto impensado, o garoto abaixou a cabeça e bateu as mãos na terra. O hospital foi ao chão. Os tremores decorridos do evento foram sentidos a quilômetros dali, uma extensa e alta nuvem de poeira se alastrou pelo perímetro, era difícil enxergar qualquer coisa no local. Só o que restou, aparentemente, foi uma imensa pilha de escombros ainda caindo uns sobre os outros e automóveis que viraram sucata. A explosão ocasionada por Kimito foi tão quente que derreteu em segundos todos os fios de alta voltagem que ligavam a eletricidade do estabelecimento e fez toda a água virar vapor. Só restou pedra. 

As pessoas que Haru batalhou para manter vivas continuavam correndo e se ajudando. Quando pararam, já estavam distantes demais até para serem incomodadas pela poeira. Haru protegeu todas com seus poderes, converteu-os em luz para que o prédio não os matasse. Certo de que os salvou, ainda junto aos escombros, o garoto alçou voo para procurar Kin, Sora e Yue. Não acreditava que eles morreram, só inquietava-se por não achá-los. As nuvens de poeira dificultavam o serviço. De repente, ouviu alguém gritar seu nome e olhou para baixo. Kin acenava para ele. Sora, Yue e ela o esperavam de pé sobre os entulhos. 

Aterrissou perto deles.

 — Cara! — Exclamou, e correu para abraçar Kin. — Onde é que cês tavam? Como escaparam dessa? 

— Eu tava com o Sora perto de quem causou a explosão... — Explicou Kin. — Peguei ele e fugi pela janela. 

— Escapei pelo terraço quando o-

— Que tal continuarmos essa reunião num outro lugar? — Sora interrompeu Yue, estava tão quebrado que não aguentava mais ficar de pé. — De preferência um que não tenha tanta poeira e fumaça...

Acharam o pedido dele razoável, dadas as circunstâncias. Sora, assim como todos os outros pacientes forçados a fugir do hospital, foi transferido para um outro, o mais próximo dali. Por ser a primeira-ministra do Reino de Órion e por estar lá no momento do ocorrido, Kin foi obrigada a prestar contas dele aos conselheiros de seu reino. Fez questão de fazer isso naquele mesmo dia. Ela os chamou em sua sala e, sem nem trocar de roupas ou se arrumar, para todos saberem o trabalho que teve, os aguardou. Eles se sentiram desafiados ao vê-la tão informal, em uma camiseta branca igual a da equipe dos retalhadores de elite, uma comprida calça preta e botas. Suja de fumaça e terra nos cabelos e nas roupas.

 Notou todos os olhares tortos dos velhotes em poucos instantes. Antes de começar a falar, porém, esperou-os tomarem suas cadeiras em torno da mesa de centro. "Que falta de respeito", resmungavam alguns, entre si. Fingiam ignorar que, como retalhadora, Kin tinha os sentidos aguçados o bastante para ouvir o que quer que eles falassem. A loira, contando os papéis, fingia não escutá-los. Após tudo o que passou no começo daquela noite, realmente perdeu todo o sangue frio para os comentários insolentes deles. Mas não deixaria passar. Só se controlaria o bastante para não agredir ninguém. 

 A princípio, fez e falou tudo segundo o roteiro. Explicou o ocorrido, disse que o autor do atentado não oferecia mais perigos semelhantes, contou sobre a conversa que teve com Sora. Estava tranquila. Até que o primeiro comentário sarcástico veio. Então, o que menos gostava dela ameaçou:

 — Se tudo isso aconteceu debaixo do seu nariz, retalhadora Kin, vejo com mais desconfiança esse projeto da fundação. Acho que devemos reconsiderar. 

O falatório começou, todos argumentaram em favor do que ele disse. Kin não aceitaria aquilo. 

— Não vão reconsiderar nada. — Ela alçou a voz. Todos fizeram silêncio. Nunca a viram falar assim antes. — Já deixaram suas assinaturas no projeto, o rei e a guardiã já deram o aval... Isso não é uma brincadeira. Escutem, eu sei que não gostam de mim, e nem precisam gostar. Eu também não gosto de nenhum de vocês! Mas vocês não podem governar o Reino de Órion sem mim e eu não posso fazer isso sem vocês, então eu proponho que pulemos essa parte e passemos para aquela em que nos concentramos no que é melhor para Órion. O que acham? — Kin entendeu a quietude como a resposta que desejava. Sorriu com as sobrancelhas alçadas. — Muito bem, passemos para o próximo tópico. 

Muito dialogaram sobre a apresentação de dali a dois dias, data da reunião presencial da liderança de Órion com a de Bellatrix para a discussão da prática da ideia de Mari. Lembrar disso dava enxaquecas em Kin. Significava que ela teria que rever Lire e o irmão babaca dela, que teria que recebê-los em seu reino, ser educada com eles e, pior, sorrir para os dois. Já ia calculando na cabeça a quantidade de calmantes que beberia para conseguir isso.


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