Os Retalhadores de Áries II escrita por Haru


Capítulo 18
— A promessa de Arashi




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— A promessa de Arashi

O vermelho que se estendia entre as poucas nuvens das alturas do Reino de Órion fazia o céu azul se parecer com um herói tombando em batalha. Um bravo soldado ferido. O dia estava perdendo a batalha para a noite, que triunfava com a companhia do frio e da luz da lua. Vitória para uns, derrota para outros. Yue e seus amigos estavam entre os que consideravam o anoitecer uma derrota. 

Um fracasso. Yue passou a tarde inteira atrás das grades, em confusão. Confusão. Sem nada saber. O que seria dela? Seria solta, seria condenada? O que aconteceria? O medo não a domou ainda. Se isso não aconteceu, foi graças à sua irmã Sayuri e a Haru, pois os dois não abandonaram a companhia dela nem por um minuto, nem davam mostras de que fariam isso sem que usassem a força contra eles. 

Em horas, conversou com sua irmã mais do que nos meses passados. Nem acreditava que não se viam há tanto tempo. Sabia que Sayuri estaria ali, no entanto. Acerca disso, não teve dúvidas. Não sabia, contudo, quanto melhoraria com a vinda dela. Nem que conseguiria rir. A simples presença dos dois elevou seu ânimo às estrelas. Claro que a preocupação, como um fantasma, os assombrou continuamente, assoprando seu hálito gélido sobre eles e se manifestando como tristeza em seus rostos. Yue estava sendo acusada de um crime que poderia condená-la à morte, afinal. 

Houve silêncio. Um silêncio tão profundo que os ponteiros do relógio de Sayuri foram escutados. Ouviram passos. Olharam intimidados o corredor. Arashi vinha dessa vez, parecia sossegado, até confiante. Explicaria tudo detalhadamente. Precisava, porém, de um favor dos dois visitantes dela. 

— Oi, Sayuri! Oi, Haru! — Cumprimentou-os, cortês como de costume. — Podem me deixar a sós com Yue por alguns minutos? 

Os dois se despediram de Yue e, sem fazer objeções, foram embora. Confiavam plenamente em Kin e Arashi. O que quer que ele quisesse falar com ela em particular, sabiam que seria de algum valor. E tinham razão. O primeiro-ministro explicou concisamente tudo a ela. Disse que tinha absoluta certeza da inocência dela, tanto ele quanto Kin.

Contou que sabia que aquilo não passava de mais uma armação de Lire, a psicótica que sonhava há anos com a destruição do Reino de Órion. Prometeu descobrir o que ela fez e como fez. 

 — Não vou mentir pra você, nossa situação não é das mais fáceis... — Cruzou os braços e apoiou as costas nas grades. Juntos, enfrentariam uma barra enorme, então achou melhor ser sincero com ela. De cabeça abaixada e olhos fechados, prosseguiu: — Lire tem um exército muito mais numeroso, tem retalhadores poderosos. Além disso, não temos infraestrutura para uma guerra contra um reino tão poderoso, uma guerra que deve se arrastar por anos. Não diga pra Kin que eu te disse isso, mas eu não tenho tanta certeza de que, atualmente, ela poderia vencer a Lire. Nós não treinamos como deveríamos por causa das nossas novas responsabilidades como ministros, ainda estamos nos adaptando ao cargo. E ainda tem o irmão dela, que, se não for tão forte quanto nós, não será derrotado tão facilmente. 

Sentiu culpa. Guerra? Não podia permitir uma guerra por sua vida. Sacrifícios. Por sua causa. Definitivamente não achava que tinha o direito de cobrar isso do reino que a abrigou. 

— Arashi, eu agradeço que tenham respondido assim por mim, mas não posso pedir que travem uma guerra pela minha vida. — Começou. Ele a olhou. Decidida, avisou: — Eu vou me entregar. 

Já um pouco mais relaxado, o guerreiro glacial descruzou os braços, afastou-se das grades e voltou-se para a amiga. Como falar a ela? Como amigo, como o primeiro ministro? Optou por uma mistura dos dois. 

— Por onde eu começo? — Coçou o queixo, pôs-se a pensar perante ela. De repente, sob os olhos curiosos da menina, sorriu. — Eu seria o pior primeiro ministro da história se, no meu primeiro ano de governo, eu permitisse que a pessoa mais bondosa do reino fosse assassinada. Ainda mais sabendo que ela é inocente. Você confundiu as coisas, Yue. Não vim pra te dizer o que está sendo discutido, vim pra falar o que vai acontecer. Lire não vai te matar... pra conseguir isso, ela terá que me matar primeiro. 

Havendo terminado de falar, deu-lhe as costas para sair. Uma série de assuntos não resolvidos o chamava. Yue se emocionou. Emudeceu. 

— Arashi... — Conseguiu dizer apenas, com os olhos inundados de lágrimas. 

Durante a saída, sem olhá-la, o retalhador acenou com a mão. 

— Eu vou te proteger mesmo que tenha que lutar sozinho. — Advertiu-a. Antes de virar o corredor na direção da saída, deixou claro que sabia que estavam sendo espionados: — Mas eu não vou lutar sozinho. Não é, Haru e Sayuri? 

— Não mesmo! — Concordaram ambos, fazendo-se visíveis. Graças aos poderes de Haru, estavam invisíveis aquele tempo todo. Nunca saíram de verdade. 

A alta cúpula da terra de Bellatrix comemorava, já dando a guerra por ganha. Os conselheiros, os soldados, todos os que participariam não viam a hora de lutar. Almejavam os lucros, claro. Uma vitória numa guerra entre reinos, mesmo numa contra um reino enfraquecido como Órion, significava a triplicação da riqueza do reino vencedor. Sem mencionar o crescimento do poderio. Bellatrix seria alçado para o topo do mundo. 

No pátio da frente do palácio sede das reuniões nacionais, Zero trocava golpes com cinco retalhadores. Se divertia. Volta e meia os acertava, desarmava-os. A maior parte do tempo, todavia, dedicava a se esquivar. Lire assistia ao espetáculo. Sabia que aquilo não passava de uma cena dele. Que, se quisesse mesmo, Zero já teria acabado com os cinco. Como um gato depois da captura do rato, ele tinha a mania de brincar com suas vítimas indefesas. Era igual a ela. 

Parando por um segundo, olhou sua amante. Estática, no primeiro dos três degraus da entrada do palácio. Quis dar um vislumbre de sua verdadeira força. Tomou um de seus adversários pelo braço, atirou-o ao chão, nocauteou-o com um soco rápido no rosto, desmaiou um outro com um chute alto e por fim, com um murro em cada, pôs os últimos três para dormir. Depois, vestiu sua camiseta preta. Foi até Lire. Ouviu a sarcástica salva de palmas dela. 

— Essa última parte foi pra me excitar, é? — Inquiriu-o, olhando-o de cima a baixo. — Porque não precisava disso, íamos pra cama de qualquer jeito.

Zero enxugou o rosto com a toalha que estava diante dos pés da moça. 

— Se está animada assim, significa que conseguiu a guerra que queria. Devo dar os parabéns ou é muito cedo? Nossos inimigos não parecem pouca coisa. Eu ouvi falar da sua história com a primeira ministra... — Provocou-a, escalando os degraus. 

A retalhadora ignorou a provocação.

— É, eu consegui minha guerra. Mas não é só por isso que eu tô feliz. 

Já um pouco afastado, Zero alfinetou-a novamente.

— Não me diga que está grávida! Quando vamos sair pra comprar o berço...? — Zombou. Sabia que ela queria isso e deixou claro, desde a primeira vez que dormiram juntos, que caso acontecesse não ajudaria em nada, que preferiria morrer a ser pai. Um informe desnecessário de sua parte, ela sabia muito bem o tipo de pessoa que ele era.

Nada estragaria o bom humor de Lire.

— Não. Ainda não. — Replicou. — Mas você fica muito mais bonito quando não fala. Cala a boca por um minuto, vem comigo e eu mostro o que mais eu consegui.

Kin se atirou na cadeira giratória de sua sala. Estava exausta. Não tanto fisicamente quanto mentalmente, vale ressaltar. Os conselheiros falaram em seus ouvidos por horas, jurava que ainda podia ouvi-los. Sua cabeça girava. Sentia que ela iria explodir. Fez uma massagem rápida nas têmporas, se pôs de pé, olhou a lua através da janela, deu duas voltas pela sala, sentou novamente. A enxaqueca aumentou. Voltou os inquietos olhos castanhos escuros para o relógio redondo na parede. Quase meia-noite. 

Ouviu sussurros. Sabia, contudo, que eles não viam do lado de fora. Eram vozes estranhas dentro de sua cabeça. Colocando pensamentos nela. Será que eu estou ficando louca?, questionava-se. Só podia ser o stress. Quantas vezes não surpreendeu seu pai, por exemplo, falando sozinho sobre assuntos relativos ao trabalho? E, até onde sabia, nem mesmo ele enfrentou algo tão sério quanto o que ela estava a ponto de encarar. Uma guerra entre os dois reinos mais poderosos do planeta. Um dos dois reinos, para piorar, dependia de sua liderança. 

Respirou fundo. Acabara de tomar uma decisão. Sua mente e seu coração se enrolaram em laços tão estreitos que mudaram sua expressão facial. Tornou-se sombria. Os conselheiros tinham razão. Onde estava com a cabeça quando declarou guerra contra Bellatrix? Encaminhou sua terra natal para a destruição. Afastou-se da cadeira e foi até o banheiro. Jogou água no rosto. Prestou atenção em seu reflexo no espelho, procurava se reconhecer. Foi incapaz. Não sentia que lhe pertenciam nem os cachos loiros que estava vendo, seus lindos cabelos, tão elogiados por seu namorado. Arashi. 

Como contar a ele que queria entregar Yue? Uma onda de raiva se quebrou em seu peito e as águas se estenderam imediatamente. Fez a pia em pedaços com uma mãozada, desfez-se de todo o espelho com poucos socos. Arashi estava na sala há alguns minutos, mas correu para o banheiro quando ouviu coisas lá dentro sendo quebradas.

— Ei, ei, o que houve? — Disse. Observou a cena calado, assustado. Ficou vários minutos sem saber o que fazer. Abraçou-a. — Shh! Vai ficar tudo bem!

A contragosto, Kin fugiu dos braços dele. 

— Não, não vai "ficar tudo bem"! — Objetou, saindo do banheiro. Secou as faces com as mãos e debruçou-se sobre a mesa. — Nós temos que conversar sobre toda essa loucura!

Arashi notou logo que havia algo errado, pois Kin só falava daquele jeito quando estava no limite. E quando ia tomar uma decisão odiável. 

— Temos. — Concordou, já mais austero. 

Kin virou-se para ele e, sem fazer rodeios, disse o que pensava:

— Eu acho que nós temos que entregar a Yue. 

O choque turvou o intelecto do primeiro-ministro. Seus instintos lhe diziam para discutir, brigar, ressaltar a insanidade da proposta dela. Duas significativas lembranças esfriaram seus ânimos. A primeira delas era a de que Kin jamais sugeriria algo tão grave sem estar absolutamente convencida de que era o melhor, então seria difícil, para não dizer impossível, fazê-la mudar de ideia. Normalmente, quando se tratava de um assunto a tal ponto sério, a loira não meditava sozinha igual agora: pedia insistentemente a opinião das pessoas que mais prezava. 

A segunda das lembranças, a mais óbvia, memorava-o de que a orgulhosa filha mais velha de Yume jamais entregaria um compatriota para satisfazer Lire, muito menos uma amiga tão chegada quanto Yue. Havia alguma coisa errada com Kin. De alguma forma, Lire transformou-a. Por isso, Arashi se conteve. Não discutiu, não brigou, não a chamou de louca. Tomou a retalhadora pelas mãos e asselou com a cabeça. 

— Eu pensei bastante e cheguei à mesma conclusão. Infelizmente. — Fingiu concordar. Em pensamentos, todavia, arquitetava um meio de tirar Yue da prisão o quanto antes. 

Pela primeira vez em muitos anos, Santsuki tinha diante de si alguém que não fazia a menor ideia de sua identidade. Zero jurava nunca ter sequer escutado o nome "Santsuki". Lire não via nada de estranho nisso, afinal, Zero não pertencia àquele universo. Sentado no sofá de couro do saguão do palácio sede de Bellatrix, ouvia a primeira ministra do reino conversar despreocupada com aquele que, há poucos momentos, ela mesma disse ser o mais sanguinário assassino de toda a história da Via Láctea. Ficou certo acerca de seu primeiro parecer sobre Lire. Julgou-a completamente insana. Gostava disso nas mulheres. 

Entre eles, havia uma outra moça, de nome Akeno e com a mesma cara de louca da guerreira Bellatrixana. De acordo com Lire, acabara de sair da cadeia. Passou anos numa cela de segurança máxima. Santsuki resgatou-a. Ao que tudo indicava, foi solta há poucas horas, Akeno ainda vestia o macacão azul marinho da penitenciária. Apenas olhando para Zero, Santsuki soube de algo. 

— Ah, Lire, se queria engravidar de um Raikyuu, por que não veio falar comigo? — Disse, atraindo a atenção do rapaz. — Não precisava ter visitado outro universo.

Esse cara é um Raikyuu?, se inquiriu Zero, atarantado. 

— Eu falei com você, lembra? Você estava mais interessado na Yume e no Azin... — Lire deu de ombros, deu a volta na poltrona na qual Zero se sentara, sensual, com os passos delicados de uma gata, e então abraçou seu jovem amante. — Não liga pra ele, Zero, Santsuki não é muito discreto quando o assunto é família. 

— É, você falou, eu me esqueci. — Concordou com ela, rindo, se fazendo de desajeitado. Recuou a manga do terno preto que trajava, checou a hora no relógio prateado e disse: — Bom, meu tempo aqui com vocês acabou, eu já fiz minha parte... façam uma boa guerra e até mais! — Então, sem dizer mais nada, desapareceu.

Akeno suspirou aliviada. 

— Ainda bem que ele saiu, esse cara me dá arrepios. — Confessou, achegando-se de Zero e Lire. Encarando-os, soltou os cabelos negros e perguntou: — Onde é que eu me troco? Eu tô um nojo. 

A governadora de Bellatrix deixou-a nas mãos do futuro pai de seu filho. 

— Zero, meu querido, vai com ela, por favor? É o seu tipo de garota: louca. Divirtam-se. — Pediu, dirigindo-se até a saída. — Eu tenho que mandar uma embaixada pro Reino de Órion. 


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