Os Retalhadores de Áries II escrita por Haru


Capítulo 14
— Oito anos antes II




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— Oito anos antes II

 Quando prevaleceu sobre Lire na presença de todos os líderes das mais gloriosas nações da Terra, Kin não sabia que não estava conquistando somente a bandeira de Áries, mas fazendo uma inimiga irreprimível. Despertando o ódio de uma retalhadora que não descansaria até vê-la destruída. Do mesmo modo, quando se voluntariou para lutar por seu reino no Torneio das Nações, Lire não imaginou que perderia para uma garotinha. Nenhuma das duas sabia o que esperar.

 O que Kin descobriu sobre Lire, naquela manhã, foi que todo aquele ódio a cegou. Queria tanto matar Kin que não pensou que suas explosões poderiam danificar as correntes que usou para prendê-la. Quando sacou que as amarras de ferro estavam fragilizadas por também terem sido afetadas pelas detonações, a guerreira de Órion viu que não precisava temer mais nada. Seu plano era ficar inteira até a guerreira de Bellatrix dar as caras para matá-la pessoalmente. Para seu próprio espanto, acabou funcionando.

 A rancorosa mente por trás das tribulações que naquela manhã quase empurraram Kin do alto do penhasco do desespero não queria falar muito. Ela desembainhou uma longa espada cujo fio fulgia de tão cortante, empunhou-a com dureza e se acercou alguns passos da lutadora acorrentada. Pronta para lhe dar o fim que sonhava vê-la ter. Ardeu-se de furor quando a jovenzinha arrebentou os grilhões e, com asas douradas, refulgentes, mostrou-se disposta a enfrentá-la.

Refletida nos olhos daquela que a ameaçou, Kin altivamente sorriu, visando-a de cima, da altura onde se encontrava. Comportamento que, se possível, só fez enraivecer Lire ainda mais.

— Não vai ser tão fácil quanto você pensava. — A loirinha a desafiou. Com a própria energia, fabricou uma espada para a mão direita e se pôs em guarda. 

Como estrelas colidindo, uma atacou a outra. A investida de Kin, por vir de cima, pois ela descia do alto ponto onde flutuava, foi mais desengonçada, não de todo falha, propriamente. Entretanto, Lire escapou dela com um movimento simples, um rápido abaixar de cabeça. 

Nas costas da belatrixana, a orioniana desferiu novo corte, mas seu alvo, pelo tanto que a atacante estava debilitada, girou para o lado oposto do qual vinha o golpe e contra-atacou com a lâmina. A menininha deitou o corpo para trás e escapou por pouco, por muito pouco. Apoiou-se com as mãos no solo atrás de si e, num gesto abrupto, realmente digno de uma lutadora que domina o próprio corpo, deu uma cambalhota para atrás e um pontapé na mão da rival, queria desarmá-la. 

 Foi bem sucedida, para o pânico de Lire. Sem alternativa a não ser usar os punhos, não permitiu que Kin se reerguesse: atingiu-a com um cruzado de direita no rosto. Kin tombou para o lado, mas fixou o pé no chão e não caiu. Contra-atacou com golpe igual. Graças ao fator surpresa, acertou também. 

Uma troca de socos cuja vantagem não pendia para nenhum dos dois lados teve início. Por mais bem treinado que fosse, nenhum olho humano conseguiria acompanhá-las. Porque Kin ainda tinha consigo uma espada, a qual não receava usar, Lire era forçada a se preocupar com isso. A arma dobrava a periculosidade e o raio de alcance da loira.

 O último soco de Lire, Kin bloqueou pondo a espada na frente. Kin rapidamente empurrou com força a espada para frente, a desajeitou e atacou com um chute rotatório. Lire defendeu-se recuando e pondo as mãos entre sua face e o pé dela. Em seguida, mais chutes como esse vieram de Kin, um mais veloz do que o antecessor. 

É impossível, pensava, perplexa, a retalhadora de Bellatrix. Como ela ainda tem toda essa força e essa velocidade?, fatigava-se em busca de uma explicação, desviando o pé dela para baixo com uma mãozada. Assim que a ponta da espada veio na direção de sua garganta, esquivou-se e agarrou o pulso que a portava. 

Ergueu a perna alto e, com um chute que vinha de cima para baixo, quis dar com o calcanhar na cabeça da oponente. Atenta, mostrando que em si sobrava muito mais força e rapidez do que Lire pensava, Kin desfez a espada que carregava, livrou o pulso da mão dela e se afastou do chute num salto. 

O tornozelo da guerreira de Bellatrix atingiu a terra com tanta força que a perfurou, que ficou preso nela, fazendo o lugar todo tremer. Uma rachadura se abriu no piso e uma fissura se estendeu até onde Kin se encontrava. Vinte metros as separavam. Depois de tudo o que passou aqui, ela está me enfrentando como uma igual, dizia Lire a si mesma, humilhada mais uma vez. Sua rival a olhou dos pés a cabeça como quem tinha tudo sob controle.

 A realidade era que nem tudo Kin tinha sob controle. Podia não parecer, mas, além de ferido, seu corpo beirava a exaustão. Aprendeu com sua mãe uma lição que jamais lhe fugiu da memória: não permitir que quem quer te matar saiba suas desvantagens. Yume lhe ensinou como, quando cansada, se controlar e se passar por alguém no auge do vigor físico, driblando a percepção de quem a levasse ao limite. Habilidade que se provou mais útil contra Lire do que qualquer outra que Kin tinha. 

 Fora de si, a combatente mais velha juntou em torno das mãos todo o poder que possuía, irradiando no ambiente uma ofuscante luz prateada. A lutadora em sua mira protegeu os olhos com os braços. Sabia que não podia ficar parada enquanto Lire preparava o que quer que estivesse preparando, que o estrago seria grande. Então, com o pouco de energia que restou em si, esticou o braço e fez o disparo. Seus ataques se chocaram.  

Todo o recinto foi tomado por um clarão que se confundia entre duas cores, prata e dourado. Tudo chacoalhava violentamente. O ruído ensurdecedor da explosão, com os feixes de luz derivados dela, alcançaram a superfície. O calor se intensificou como se o sol estivesse marchando na direção da Terra. Ao findar do espetáculo de luzes, as duas lutadoras quedavam caídas nos extremos da arena, encostadas na parede. Ao abrir os olhos, Kin avistou Lire muito ferida e irritada, mas de pé. 

Precisava se pôr de pé logo. No entanto, quando tentava, todo o seu corpo doía. Levou a pior na disputa de poderes. Entretanto, graças ao impacto de suas técnicas, tudo deu sinais de que desabaria em breve. Um imenso rochedo caiu entre Kin e Lire. Vamos lá, Kin, a loirinha se exortava, certa de que um minuto a mais ali dentro significaria morte. Com alguns segundos e bastante esforço, levantou. O osso de seu ombro direito estava fora do lugar. Ia endireitá-lo, mas fitou o rochedo que a separava de Lire e percebeu que a megera o saltava para vir em sua direção.

— Lire, já chega! — Exclamou, retirando o corpo da frente do primeiro corte que ela desferiu com a espada. — Se não sairmos daqui logo, nós duas vamos morrer soterradas! 

— Não se preocupe com o desabamento! — Disse, celeremente voltando a lâmina contra Kin. Entretanto, não importava o quanto tentasse, não lograva nem arranhá-la, era como se a baixinha fosse intangível. — Você vai morrer antes! 

Na superfície, Michio Seikou, irmão de Lire, mantinha Arashi e Mahina longe da luta, usava a força para impedi-los de descer e ajudar Kin. Arashi intentou falar-lhe à razão inúmeras vezes, convencê-lo a desistir de seguir cegamente as ordens da irmã. Nada funcionou. Michio somente titubeou quando percebeu que a batalha das duas se tornou brutal a ponto de provocar o desabamento da zona do combate. Quando a maior parte do solo sobre o qual pisava desabou, ele trocou olhares com Arashi e Mahina e decidiu que os dois estavam certos. Chegara a hora de intervir. 

Uma espessa cortina de poeira com dezenas de metros de altura subiu e se estendeu pela região, mas não podiam aguardar sua dissipação para resgatá-las. Desceram sem se importar com o pó que voava e com os pedregulhos que choviam. Embora muito machucada, Lire estava acordada, então Michio não demorou muito para localizá-la e apoiá-la em si para levá-la dali o quanto antes. A poeira que infestava o ar respirado ali era tão densa que mesmo Arashi e Mahina conseguiam ver pouca coisa, que, inclusive, os dois nem viram Michio resgatar a irmã. 

— Procurem o cadáver dela! — Lire os provocou. — É só isso que vão achar... E não pense que eu acabei aqui, Arashi... Você será o próximo!

Eles não lhes deram chance de responder, sumiram muito rapidamente. A bem da verdade, mal lhe deram ouvidos. Incapazes de crer nas palavras de Lire, procuravam insistentemente pela amiga. Retiravam rochas do caminho com a rapidez de quem trabalhava com pás. Mas eram muitas. Nenhum sinal de Kin, até o presente. Sensível como era, Mahina já derramava lágrimas por causa do medo da possibilidade dos ditos de Lire serem verdadeiros. Sem desistir e nem desacelerar. 

Depois de cinco minutos de buscas frustradas, pararam juntos no topo do mais alto monte de escombros para discutir onde mais vasculhar. A poeira abandonava a área aos poucos, e tanto dela se afastou que os dois podiam ver tudo claramente. Arashi ia dizer seu plano para Mahina, mas viu preocupação genuína no rosto dela, que olhava para todos os lados. 

— Nós vamos encontrá-la, Mahina. — Disse, tocado pelo medo estampado na expressão dela. Quando Mahina o olhou, ele sorriu fraternalmente para descontrair e passar confiança. — A Kin que conhecemos jamais morreria com tão pouco, você sabe... Enxuga esse rosto, ela vai ficar ofendida se te vir chorando assim!

Mahina sorriu e concordou com um gesto decidido de cabeça. Ela desceu do monte e Arashi, com as mãos na cintura, percorreu o perímetro com seus tensos olhos azuis claros. Kin, cadê você?, foi a pergunta que se desenhou em sua mente e tumultuou seu coração. A mais de setenta metros do ponto que ele desbravava, um braço afastou alguns escombros e se ergueu. A mão, débil, acenou para os dois, que correram até lá sem perder um segundo.

Hábeis, felizes, se livravam de tudo o que se interpunha entre eles e ela. Em certo ponto, vendo que Arashi já podia acabar o trabalho sozinho, Mahina segurou a mão de Kin com o carinho de uma irmã. E quando a última rocha foi removida de cima dela, tomou todo o cuidado para não feri-la mais: não mexeu nela, só espanou com um pano a terra que manchava suas pálpebras, bochechas e cabelos. 

As lágrimas de Mahina tocaram sua testa e libertaram-na da inconsciência. Kin sentiu vontade de sorrir quando os viu ajoelhados a seu lado, seus melhores amigos, mas não fez isso porque seu rosto doeu. 

— Sabe que eu proibi choro na minha equipe, Mahina... — Murmurou com voz fraca, bem humorada. 

Mahina abaixou a cabeça e exclamou:

— Desculpa!

O sorriso teimoso de outrora venceu e tomou seus lábios. Doeu, mas Kin não ligou. Não sabia se estava rindo de felicidade, por ver aqueles dois tão emocionados por tê-la encontrado bem, ou se ria da amiga. Uma preocupação esfriou suas faces.

Kin centrou os olhos em Arashi e perguntou:

— E o meu irmão?

— Ele está bem, não se preocupe. — Respondeu prontamente o guerreiro glacial. — Nenhum arranhão. Estava feliz quando resgatei ele, acho que sabe a irmã forte que tem. 

Kin se emocionou. Mahina cruzou os braços, virou o rosto e a repreendeu:

— Achei que tivesse proibido choro!

— Pra vocês, não o meu. Eu mando em tudo. — Replicou, rindo junto com eles. — E a Lire? Pra onde foi?

— Michio levou ela embora. — Arashi contou. — Mas Hayate e Keiko ficarão sabendo de tudo o que aconteceu aqui, eles vão pagar pelo que fizeram. 

Na verdade, Kin estava viva graças à Lire. A belatrixana a afastou com um empurrão para longe de uma pedra pontiaguda que ia cair sobre ela. Kin pensou nisso quando Arashi fez menção de delatá-los para o Hayate. Claro que Lire não fez aquilo por bondade, nem por arrependimento, fez porque queria matá-la com as próprias mãos. Porque não poderia aceitar que algo acidental como uma pedra caindo a matasse. Pois bem. Kin também não suportaria ver a retalhadora que sequestrou seu irmão, que feriu Mari, Arashi e Mahina apenas indo presa, então fez um pedido ao guerreiro glacial:

— Eles vão pagar, sim. Mas eu vou cobrar. Vamos guardar segredo sobre os verdadeiros responsáveis.  

Claro que Arashi não concordaria com isso tão facilmente, mas a ambulância chegou antes dele poder retrucar. Depois de perder a mãe, Kin assentou no coração jamais permitir que continuasse vivo aquele que machucasse as pessoas que ela amava. Se era uma inimiga que Lire queria, uma inimiga ela conseguiu. 


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