Os Retalhadores de Áries II escrita por Haru


Capítulo 12
— Os espinhos das rosas




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— Os espinhos das rosas 

Quando terminou de contar toda a sua história para Kin, Arashi caiu num turbilhão de emoções conflituosas e pensamentos rivais, todos envolvendo essa viagem que ele fez para a Terra de Taurus. Estava feliz por ter ajudado os taurinos e não podia negar, ficara notável em seu tom de voz, no entanto, o distinto grupo de retalhadores que conheceu lá fez residência fixa em sua mente. Lila, Aname, Shiin, Daichi. Mitsu. Recordado deste último, sua expressão corporal e facial voltou a ficar sem calor nenhum, indecifrável. Nem o conheceu. Quando chegou lá, Mitsu já estava morto.

O intrigava e entristecia-o não só não ter chegado cedo o bastante para salvá-lo, mas também o sentimento singular que impactou seu peito quando viu o cadáver dele. E agora se questionava por que sentiu aquilo. Já viu gente morta antes, seu nome e seu famoso apelido de "guerreiro glacial", na Terra de Áries, estava associado ao medo, afinal, matou inúmeros retalhadores. Era-lhe estranha a sensação que teve quando seus brandos olhos cerúleos lhe mostraram o corpo de Mitsu. Foi, pensava agora, uma mistura de dor com familiaridade, desapontamento e vazio. 

De que valem os esforços do herói que tomba em combate, se ele não poderá desfrutar deles? Foi a pergunta que instantaneamente lhe veio, enquanto, de pé, olhava o retalhador falecido. Por que os heróis fazem isso, se depois de fazer não vão poder ver o que resultou de sua escolha? Não vão ver o belo céu que lutaram para preservar, as crianças sorridentes que brincarão felizes por sua causa, o lindo sol que brilhará pela manhã. Não vão sentir no rosto o toque amoroso da garota amada, como ele sentia no momento que essa reflexão percorria sua alma. A calorosa e macia mão de Kin descendo seu queixo quebrou completamente sua linha de raciocínio. 

— Ei, não foi sua culpa. — Ela lhe disse, com a voz impregnada de ternura. O doce perfume de baunilha do travesseiro, idêntico ao do shampoo de seus loiros cabelos encaracolados, chegaram ao olfato dele. — Você não tinha como saber, foi pra lá o mais rápido possível, chegou o mais rápido que pôde.

Arashi deu de ombros. Contornou o ombro dela com o braço, por cima do lençol que dividiam, queria-a mais perto. 

— Não muda nada. — Lamentou, tão desapontado quanto quando viu o herói caído. — Acho que essa é a parte mais... difícil do nosso trabalho. — Disse, com ênfase suficiente na palavra "difícil" para expressar mil e um sentimentos. — Nem sempre chegamos na hora. Nós corremos contra o tempo, mas ele ganha algumas. 

Kin concordou, fez um meneio ligeiro de cabeça.

— É doloroso, eu sei. Quase tudo nesse trabalho é. Vivemos de fazer sacrifícios que a maioria das pessoas não faria. — Com essas palavras, pela primeira vez na vida, Kin externou insatisfação com o serviço de retalhadora. Arashi a encarou com os olhos arregalados, fingindo susto, como quem dizia "quem é você?". — O quê? Você achou que eu amava tudo nessa profissão? Ele me acha uma selvagem insensível! Meu próprio namorado!

Os dois riram. Fizeram mentalmente uma retrospectiva dos momentos mais desesperadores de suas carreiras. 

— Não é isso, é que eu não consigo te imaginar trabalhando com outra coisa. E eu te conheço desde que tenho seis anos e nunca te ouvi reclamar. — Se explicou, mesmo ciente de que não precisava, sabendo que ela estava brincando. Queria levar o presente tema da conversa adiante.  

— Eu também não consigo me imaginar trabalhando com outra coisa. E nem você. — Adicionou, convicta. Ele a olhou. — Que é, vai negar que não se vê fazendo outra coisa? Tu tinha quatro anos quando começou a treinar! Mas desde que a Mahina se despediu eu venho pensando em que vida levaria... 

No que lhe dizia respeito, Arashi só pôde concordar. A última frase dela o deixou curioso. 

— E a que conclusão chegou? 

— Que eu não faço a mínima ideia. — Confessou, entre risadas. Risos que o contagiaram depressa. Então, finalmente tocou no assunto que ele queria: — Mas, quando for mãe, acho que não quero continuar com essa vida. Eu fui filha da retalhadora mais poderosa da história dos doze planetas, eu sei como é o lado da criança, não quero que minha filha passe por isso... — Algo dentro de Kin lhe dava certeza absoluta de que seu primeiro bebê seria uma menina, talvez fosse o destino querendo lhe ensinar o que sua mãe viveu, pois a versão da menina negligenciada, como disse, já conhecia. — Meu pai desapareceu inexplicavelmente e nunca mais voltou, minha mãe vivia ocupada e acabou se sacrificando pra salvar a galáxia. Isso é a nossa vida. 

A voz e os olhos de Kin transpiravam de dor quando ela mencionava o pai. Arashi a puxou para mais perto e deu um beijo na testa dela. Ela se sentia a garota mais amada e protegida do mundo sempre que ele fazia isso. 

— Sabe que ele não te abandonou, né? — Lembrava-a disso toda vez que ela tocava no nome dele. Em resposta, a loira assentiu com um gesto suave de cabeça. — Nem ele e nem ela. Os meus pais também não me abandonaram, todos eles fizeram o melhor que podiam... — Falou, como quem punha a mão numa ferida recentemente cicatrizada. — Mas em breve nós dois começaremos a nossa família e tudo isso vai ficar no passado. 

Kin achou que era hora de amenizar o clima, que a conversa estava muito pesada. 

— Isso foi um pedido de casamento? — Indagou, pegou na mão livre dele, tirou-a de baixo do lençol e alçou-a. Esticou o dedo anelar dele e juntou-o ao seu, pondo, por fim, sua mão sob a do guerreiro glacial. — A gente não tem nem vinte anos, acho que ainda é ilegal casarmos no Reino de Órion. 

 — Só a partir dos vinte e um. Que feio, a primeira ministra do Reino de Órion não conhece as leis do próprio reino... 

— "Que feio, a primeira ministra do Reino de Órion não conhece as leis do próprio reino"! — Imitou-o. — Não digo "não" pro pedido implícito, mas digo "não" pra ser mãe agora! Vamos descer antes que acabe acontecendo, guerreiro glacial. — Sentou-se na cama. Endireitou o sutiã, vestiu a camiseta branca, tirou os cabelos de baixo da gola, pôs a saia. Só então olhou para trás e reparou que ele continuava estático. Admirava-a. — Eu não vou tirar a roupa de novo! 

Ele a abraçou num gesto surpresa e a deitou consigo na cama novamente. A mordia, beijava e fazia cócegas nela que, entre gargalhadas, tentava retribuir as mordidas e os beijos. Como nada nunca é perfeito, apesar da beleza e do significado daquele instante, Kin sentia-se inquieta. Isso porque não parava de pensar que Arashi só tinha os poderes agora graças a uma manobra sua que só foi possível com a ajuda de Santsuki, o assassino dos pais dele. Que essa manobra custou a vida de bilhões de pessoas. A culpa a alfinetava, cobrava a verdade dela. Mesmo com medo da reação dele, seu coração exigia que fosse sincera com quem mais amava.

A primeira ministra do Reino de Bellatrix espiava o céu noturno da janela aberta de seu espaçoso quarto, contava as estrelas que sorriam ao redor das nuvens e da prateada lua minguante. Uma leve e gélida brisa sacudiu as madeixas castanhas claras de seus longos cabelos. Ela não estava só, também tinha companhia. Deitado em sua luxuosa cama, estava Zero Raikyuu. Coberto da cintura aos pés pelos lençóis debaixo dos quais se tornaram amantes e selaram um acordo que os fez aliados numa guerra. Uma guerra que mudaria para sempre a Terra de Áries, dizia Lire. O rapaz só não estava mais empolgado do que ela. 

Mesmo assim, mal via a hora de partir para a luta. Não que tivesse algo contra alguém dali. Diferente de sua amante, não destruiria Kin e Arashi por motivos pessoais. Faria por capricho. Não aceitava que crianças de dezoito e dezesseis anos tivessem o nome escrito na história enquanto o seu permanecia na penumbra. Queria ser lembrado por alguma coisa, ainda que essa memória suscitasse o ódio, e fazer o bem, salvar vidas, não era sua praia. Ainda que quisesse ser um herói, seus feitos não se equiparariam aos daqueles pirralhos. Detestava a ideia de ser menos relevante do que eles. 

Esticou seu forte braço níveo até que sua mão tocasse a bela cintura da primeira ministra. Quando conseguiu, arrastou-a para a cama, junto a si. Apertou-a contra seu corpo e distribuiu centenas de beijos no pescoço dela. A ministra, dominada pelo prazer proporcionado por suas carícias, espremia entre os dedos seus espetados cabelos lisos castanhos escuros. A soltou e afastou-a com um abrupto empurrão, sabia que se começassem de novo iriam até de manhã. Queria conversar, ouvir mais detalhes sobre a guerra que aquela louca prometeu começar.

Lire voltou a atenção para o negro nos olhos cor vermelha clara dele. Houve silêncio no quarto, um estava curioso sobre o outro. Impressionados, diriam. 

— E quando pensa começar seu projeto de destruição, ministra de Bellatrix? — Puxou assunto. 

— Paciência, garoto Raikyuu... — Repreendeu-o, sorridente. Fechou os três botões do fino, curto e transparente suéter verde claro do pijama que tirou antes de se deitarem, levou a mão ao rosto dele e alertou: — O primeiro passo da destruição total será dado essa noite... a destruição material deles será a cereja do bolo, não se preocupe, nós vamos matá-los.

— Ah! — Rosnou, mal humorado. Deitou com a nuca sobre as mãos no travesseiro e fitou o teto. — Depois de hoje, achei que você fosse mais divertida. Você tem um exército sob seu poder, do que mais precisa pra acabar com eles?

Ouviram batidas na porta. Lire sorriu, pegou o sobretudo branco no porta casacos ao lado da cama e cobriu o corpo com ele. Andando até a porta, respondeu a pergunta do amante:

— De um motivo plausível. Se atacarmos o Reino de Órion sem um, os outros reinos e a Keiko se voltarão contra nós.

Zero não entendia nada sobre reinos, regime de ministros ou retalhadores, não pertencia à Terra de Áries e nem a nenhum dos outros onze planetas. Nem habitante da Via Láctea era. Quando pressionado por Lire para dizer de onde veio, se recusou a responder, ameaçou ir embora. O sobrenome dele, no entanto, ela conhecia. Todos conheciam. Graças a Santsuki Raikyuu. E quando a primeira ministra proferiu esse nome em sua presença, ele ficou pálido. Por fim, sorriu. Esse último gesto aumentou na líder de Bellatrix o desejo de fazê-lo seu aliado. Pela primeira vez viu alguém sorrir após escutar o nome "Santsuki". 

Quem bateu na porta foi Michio Seikou, irmão de Lire. No magro e branco rosto sempre sombrio, nos verdes olhos desafiadores, nada indicava, mas suas mãos estavam ocupadas por um comprido lenço branco que enrolava e ocultava algo completamente. Sua irmã ficou vermelha de entusiasmo quando sacou o que era. É o primeiro passo da destruição do Reino de Órion, ela exclamou mentalmente, exultante. 

— Já que não vão guerrear hoje... — Zero se despedia, já de pé, fechando o cinto na calça. — Vou ver se caço uma briga por aí. Mas podem me chamar quando estiverem prontos. 

Quando ele terminou de vestir a camiseta azul marinho sem mangas, Lire controlou a alegria e esticou a mão, sinalizando que ele ficasse.

— Espera. — Pediu. —  Era disso que precisávamos, Zero! — Virou-se para ele e lhe mostrou o lenço. — Podemos começar tudo hoje! E vamos precisar de você aqui, dos seus poderes. 

Zero cruzou os braços e se aproximou.

— Que merda é essa? — Ficou genuinamente curioso, ela não desenrolava o lenço. E na última semana que passaram juntos, aprendeu que a cabeça daquela maluca era imprevisível. 

A primeira ministra desembrulhou o objeto. Contudo, não acabou com as dúvidas dele. Só levantou mais. Isso porque, dentro do embrulho, havia uma substância roxa clara e brilhante fechada num recipiente de vidro. Somente Lire e Michio sabiam o que era aquilo. 

— É a assinatura de essência da Yue. Uma das amigas ridículas da Kin e do Arashi. — Respondeu Lire. — Michio visitou os últimos lugares onde ela lutou, coletou a energia dela e reproduziu a assinatura... uma tecnologia secreta que só Bellatrix possui. 

— E o que pensam fazer com isso? — Zero se interessou.

A resposta deles foi desnecessária, ele rapidamente deduziu o que a dupla queria. Mas, com isso, se deu conta também de que Lire não o achou por acaso, de que ela lhe procurou porque sabia sobre seus poderes. A grande pergunta era: como aquela doida tomou conhecimento de sua existência e de suas habilidades? Ficou óbvio que usá-lo estava nos planos da primeira ministra desde o início. Não interessa, deu de ombros. Conseguiu sua tão sonhada chance de enfrentar guerreiros fortes, sempre foi o único retalhador de seu planeta. 


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